sábado, 14 de maio de 2011

CONCENTRAÇÃO CONTRA DEMOLIÇÃO DO MACHADÃO

Do www.lauritaarruda.com.br



 Mais um capítulo na já atrasada, complicada, Copa em Natal. Natalenses inconformados com a demolição do Estádio Machadão e do Ginásio Humberto Nesi farão neste sábado, 14 de maio, às 14 horas, com concetração no Espaço Cultural Papa João Paulo II, o Papódromo.
Segundo os organizadores, o ato não é contra a realização da Copa em Natal, nem contra a construção da Arena das Dunas. É contra a demolição do estádio e do ginásio. Para os organizadores da caminhada, a Arena das Dunas pode ser construída em outro lugar, a cidade ganhando patrimônio e preservando o que já possui.
Durante o evento, assinaturas serão colhidas para uma Ação Popular contra a demolição, bem como para a renovação do Pedido de Tombamento do ginásio e do estádio, já enviado à Fundação José Augusto em maio do ano passado e que dizem, está desaparecido.
Os organizadores do evento solicitam aos que comparecerem à marcha que levem bandeiras e vistam as camisas de seu clube. 

quarta-feira, 11 de maio de 2011

O ESTADO É UM NEGÓCIO!

jfrancica.blogspot.com

Honório de Medeiros

Pedro deve ter uns dezenove anos. Magro, magérrimo, seu corpo ossudo sobra dentro da farda do supermercado. Há sinais claros de subnutrição. No rosto espinhudo um sorriso nervoso aparece e desaparece sem conexão com o que ele diz: sorri quando fala sério, fica sério quando parece brincar com a própria desdita.

 Pedro está noivo: quer casar logo, mas não pode. Pergunto-lhe se estuda. “Não tenho tempo”, diz. “Pego aqui às oito da manhã e só largo lá pras oito da noite, e, aí, tenho que pegar ônibus pra Zona Norte, do outro lado de Natal, é quase hora e meia de viagem.” “Chego cansado, só penso em dormir, nem a noiva eu vejo.”

                   “Está comprando as coisas para o casamento?”, pergunto. “Nada!” “A gente recebe um cartão do supermercado quando entra no trabalho e vai comprando, comprando, lá pra casa mesmo, pros meus pais, e no final do mês quase não recebe nada em dinheiro.” Faz uma pausa e continua: “mas minha noiva tá procurando emprego”. “Ela estuda?”, continuo. “Terminou o segundo grau, mas não foi em frente por que tem que ajudar em casa.”

 Pedro segue arrumando as mercadorias nas sacolas enquanto conversa comigo. Diz para mim que folga uma vez por semana, “às vezes”, já que quase sempre aparece um trabalho extra na empresa. E afirma enfático, que vai voltar a estudar, “é só as coisas melhorarem.”

                   Pedro não sabe, mas sua turma tende a aumentar cada dia mais. A lógica do capital é essa. E anda cada dia mais sofisticada: nos círculos íntimos do Poder o Estado é tratado como “business”.

 Os termos usados pelos gestores públicos pertencem ao mais fino dialeto econômico/financeiro: é “destino econômico” para cá, “benefícios fiscais” para lá, “mercado interno” ali, “agenda de desenvolvimento” acolá. É preciso “vender” o Estado, dizem eles. É preciso “captar” investidores, entoam.

 Pura lógica do capital que amealhando corações e mentes desprevenidos ou ávidos induz sua entrega à tarefa menos árdua e mais prazerosa de semear facilidades, mão-de-obra barata e grata e outros mimos ao custo óbvio de almoços, jantares, e viagens, para os predadores de fora, loucos para espoliar mais uma caterva de ingênuos sob a batuta firme e alienada da administração pública.

 Vão se multiplicar, leio na imprensa, graças às injunções dos sábios conselheiros da Corte ante os maestros da economia brasileira, as empresas no Rio G. do Norte.

 Elas vêm aí: lépidas e fagueiras, sem pagarem impostos, sem darem qualquer contrapartida para o resgate do atraso social, “mas gerando riqueza e empregos”, segundo a propaganda infernal dos publicitários.

 Riqueza para os ricos e empregos-farsas para os Pedros da vida, as Taís da vida – garçonete noite-e-dia em um “fast-food” desses que pululam por aí, a esconder rápido, um dia desses, suas lágrimas derramadas pelo filho recém-nascido e doente deixado em mãos estranhas enquanto o emprego é defendido com unhas e dentes; os Josés da vida – empregado de uma indústria “captada” no Sul maravilha, imposto “zero”, contribuição nenhuma, - quase um escravo, tal sua jornada de trabalho.

 E tudo continuará como sempre foi, desde que o mundo é mundo, por que essa história se repete há muito tempo.

                   Quem duvidar da história de Pedro, Taís, José, procure a Justiça do Trabalho. Leia as sentenças dadas pelos juízes de primeira instância.

 Delicie-se com a expropriação da força de trabalho da nossa classe média mais baixa. Com a história daqueles que sustentam este arcabouço todo reproduzindo, cada vez mais sofisticadamente, o modelo de exclusão social no qual vivemos.

 Projete, a partir daí, o futuro de nossa juventude cinzenta, aquela que se contrapõe à “juventude dourada” – os filhos das elites.

 E esqueça os excluídos: esses sequer constam corretamente nas nossas estatísticas governamentais, a não ser muito por cima, como quando imaginamos quanto à economia marginal, aquela à margem do Governo, produz dia-a-dia.

                   Enquanto isso, enquanto os Estados são “vendidos” lá fora, no Sul maravilha, no “estrangeiro”, conseqüência de um surto atrasado e colonial de um capitalismo ingênuo e predatório – que o diga, por exemplo, para ficarmos na área governamental, aquilo que a Petrobrás faz com o Rio Grande do Norte ao arrancar nossa matéria prima deixando quase nada em troca – Pedro, Taís, e José não sabem, mas a cada momento aumenta o custo social que eles têm que pagar para sobreviverem nesta selva de pedra: não há políticas públicas, não há projetos sociais, não há ações governamentais planejadas, não há governo, enfim, portanto a eles e a seus filhos estão destinadas escolas decrépitas e sem professores; postos de saúde sem médicos e sem remédios; bairros e ruas com postos policiais abandonados, viaturas policiais inapropriadas, quebradas e sem gasolina; e servidores públicos trabalhando como se estivessem em pleno século XIX.

 E como os Pedros, Taíses e Josés vicejam na lama obscura da alienação, terminam achando que plano de saúde, escola particular, automóvel, lazer, cerca elétrica, carro blindado, segurança privada é, pela ordem natural das coisas, algo ao qual somente os ricos têm acesso. Seguem em frente, portanto, a venderem seu suor, seu sangue, sua vida, a preço vil.

terça-feira, 10 de maio de 2011

NOAM CHOMSKY CRITICA OPERAÇÃO QUE MATOU BIN LADEN

Noam Chomsky

Ricardo Noblat - 10.5.2011


O intelectual americano Noam Chomsky publicou um artigo esta semana, na revista online "Guernica", com duras críticas à decisão do governo Barack Obama e uma condenação firme à operação que resultou na morte de Osama bin Laden.
Ele chama a ação de "assassinato planejado" e levanta o questionamento: "E se um comando iraquiano invadisse de surpresa a mansão de George W. Bush, o assassinasse e atirasse seu corpo no Atlântico?".

- "Em sociedades que professam um certo respeito à lei, os suspeitos são detidos e passam por um processo justo. (...) Nada sério foi provado (contra Bin Laden). Falaram muito da 'confissão' de Bin Laden, mas isso soa mais como se eu confessasse que venci a Maratona de Boston. Bin Laden alardeou um feito que considerava uma grande vitória".

- "Como reagiríamos se um comando iraquiano invadisse de surpresa a mansão de George W. Bush, o assassinasse e atirasse seu corpo no Atlântico? Sem dúvidas, seus crimes excederam em muito os que Bin Laden cometeu, e ele não é um suspeito, mas sim, indiscutivelmente, o sujeito que tomou as decisões".

- Sobre o nome da operação, Geronimo. "A mentalidade imperial está tão arraigada, em toda a sociedade ocidental, que parece que ninguém percebe que estão glorificando Bin Laden, ao identificá-lo com a valorosa resistência frente aos invasores genocidas. É como batizar nossas armas assassinas com os nomes das vítimas de nossos crimes: Apache, Tomahawk".

segunda-feira, 9 de maio de 2011

EU USO UMA MÁSCARA


Por Bárbara de Medeiros

Eu uso uma máscara.

Eu uso uma máscara.

Eu uso uma máscara.

Eu uso uma máscara.


Minha máscara não é de papel.

Não é de cartolina.

Não é de papelão.

É de ferro.


Minha máscara não ataca.

Não machuca.

Não irrita.

Me protege.


Minha máscara não faz mal aos outros.

Mas sim a mim mesmo.

Mas, no final do dia,

Eu uso uma máscara.

E sou feliz assim.

* Bárbara tem 13 anos.

domingo, 8 de maio de 2011

UMA SOLIDÃO CERCADA DE AMIGOS


Honório de Medeiros

                   Ariclê suicidou-se, tempos atrás. Mas quem foi Ariclê? Uma atriz global. Suave, delicada, simpática. E solitária. Antes de morrer estava fazendo o papel de mãe de JK, no seriado homônimo. Terminou sua participação e saltou do décimo andar do prédio onde morava, mergulhando para a morte.

                   Não é somente por ter sido atriz que chamou a atenção a morte de Ariclê. Nada disso. O que chamou também a atenção é que todos quantos foram a seu sepultamento eram seus amigos, muito embora ela fosse uma pessoa solitária. Morava sozinha, e segundo o relato do porteiro do prédio – ah, os porteiros de prédios, testemunhas silenciosas e onipresentes das nossas vidas – quase não recebia visitas.

                   Todos os amigos cobriram Ariclê de elogios. Não podia ser diferente. É da nossa tradição elogiar os mortos. E todos realçavam os laços de amizade existentes entre eles e até contavam, aqui e ali, algum fato vivido juntos. Nada diferente de velórios em outros mundos afora. Mas não freqüentavam o seu apartamento, esses amigos. Não invadiam sua cozinha, bisbilhotavam sua biblioteca, usavam seu toalete, deitavam em seu sofá. Ali estava um ambiente íntimo cheio de ausências.

                   Ariclê era uma pessoa solitária... Quase posso imaginar sua solidão tão comum em cidade grande. Conhece ela muitas pessoas, é conhecida e respeitada por muitas outras, trata-as por amigo, ou amiga, recebe o mesmo tratamento, mas com certeza não telefona para qualquer um deles para convidá-los a partilhar uma taça de vinho e um pouco de dor nas madrugadas melancólicas. Não é possível fazer isso porque o incômodo causado é muito grande. Transtorna-se a vida das pessoas. Atrapalham-se suas rotinas. E elas têm lá seus problemas, não estão dispostas a emprestarem seus ouvidos para ouvirem o que não conseguem resolver em si mesmas.

                   Antigamente as pessoas colocavam as cadeiras nas calçadas e contavam estórias, relatavam histórias, riam, faziam rir, e se solidarizavam umas com as outras. Mas isso faz muito tempo. Hoje não é mais possível, há a violência urbana, a televisão manieta, as portas e janelas estão todas fechadas. Enclausurando-nos estamos nos fechando para o mundo e para os outros. Nossa convivência passa a ser virtual. Podemos até almoçar juntos com um grande amigo, vez ou outra, mas quando a noite chega, no cotidiano, é cada um por si e Deus por todos.

                   Não por outra razão estamos cada vez mais sozinhos. Embora até mesmo estejamos acompanhados. Porque não nos dispomos a ser solidários. A estabelecermos pontes sólidas em direção ao outro. Pontes construídas com o cimento do sacrifício, da empatia, da história comum. Não por outra razão, quem sabe, Ariclê morreu. Para quem ela ligaria, no final de uma noite qualquer, de um dia qualquer, para dizer “venha, estou triste, preciso de você?”    

sábado, 7 de maio de 2011

OS FANTASMAS DE ERNESTO SÁBATO

Ernesto Sábato
calauza.wordpress.com

Em 30 de abril de 2011, por Franklin Jorge (http://www.franklinjorge.com/):

Arqui-rival de Jorge Luis Borges, Ernesto Sábato engrandeceu as letras argentinas e castelhanas, como escritor e pensador excruciado pela angústia de existir em um mundo marcado pela violência e a injustiça social. Cientista e artista plástico, freqüentou o grupo de surrealistas franceses, porém acabou por se tornar romancista, autor de uma obra importante mas não popular, pois é daqueles que obrigam o leitor a pensar.

Conhecido, sobretudo, por seu romance “Sobre Heróis e Tumbas”, uma monumental e misteriosa alegoria da América Latina e do nosso tempo, escreveu não apenas ficção. “O Escritor e Seus Fantasmas”, posteriormente enriquecido com “Meus Fantasmas”, uma longa e didática entrevista concedida a seu velho amigo Carlos Catania, publicados no Brasil pela Editora Francisco Alves, reproduzem suas idéias acerca da vida e da criação literária, constituindo-se, pois, em verdadeiros repositórios de sua experiência pessoal e estética e, a um tempo, valioso guia para outros autores e curiosos da literatura.

Li e reli esses livros, desde o seu lançamento, ainda nos anos oitenta do século passado, deles extraindo lições e motivos de reflexão que enriqueceram sobremaneira minha própria prática literária, pois sou desses que buscam o conhecimento que resulta da experiência alheia e, ao contrário de muitos outros escritores, não se acanham de aprender com quem sabe ou viveu mais.

A princípio não tinha nenhuma simpatia por Sábato, por causa de sua obstinada ojeriza a Borges, um autor que admirei desde que o li pela primeira vez, primeiro como poeta e depois como prosador e, por ser ele, Borges, além de humanista o guardião de um saber universal, um dos grandes mestres e estilistas de todos os tempos.

Depois, tornei-me amigo de uma grande escritora com quem ele se relacionou – chegou a pensar em casar com ela – e que, no curso de nossa amizade, chegou a me contar muita coisa a seu respeito, através de preciosa correspondência e de conversas até sua morte, em 1984. Claro está que me refiro a Luisa Mercedes Levinson, que escreveu a quatro mãos, com Borges, um conto – “La Hermana de Eloisa”, com o qual o deputado José Dias me presenteou, ao voltar de uma viagem à Argentina.

Considerando o escritor e o artista herdeiros do mito e da magia, quando interrogado sobre que espécie de conselho daria a um aspirante das letras, recomenda Sábato que o mesmo escreva até não poder mais, “quando se der conta de que não escrever o levará à loucura”. E, a seguir, que recomece a escrever “a mesma coisa”, em busca do aprofundamento, com os meios mais eficazes e uma experiência enriquecida com um pouco mais de desespero.

Uma lição feita de experiência que serve a todos os que se empenham em criar uma obra e que resume, sem excesso nem retórica, toda a estética de Sábato.

Nomeado pelo presidente Alfonsín para conduzir o grupo de civis que investigou as atrocidades cometidas pela Junta Militar que governou o seu país, numa época não muito remota, da qual resultou o documento “Tortura Nunca Mais”, Ernesto Sábato considera-se, antes de tudo, um homem de conflitos, pois para ele a única coisa estável nesta vida é a morte. Afinal, ser diferente não significa ser pior nem melhor, mas tão-somente diverso. E, como não existe cultura fundada na indiferença e na frieza, quando lhe falta a vivacidade a cultura se transforma em objeto de erudição. Justamente o oposto da vida.

A paixão é, para Sábato, o único combustível que não pode faltar ao artista. O criador seria o inverso do literato embotado pelo hábito e infenso às formulações novas.

Testemunha inflexível do nosso tempo, um tempo de desastres e reveses, como disse Bardiaiev da História, o autor de “Abadon, o Exterminador”, declara-se um defensor da sagrada indisciplina dos artistas, que são pessoas que vivem constantemente em estado de alerta e se propõem a levar adiante numerosos objetivos, geralmente turbados ou deformados pelas circunstâncias. E, escrever, um modo de enxergar as coisas.

Publicado em "O Santo Ofício"

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Recado de George Veras:

"A abertura será sábado, dia 07, a partir das 9 horas, na sede do Instituto Zulmirinha Veras, em Alexandria".

O SEPULTAMENTO DE BIN LADEN



Por Kydelmir Dantas:


Por aqui a conversa é esta:

Perguntaram ao Obama:

- Após morto, o que devemos fazer com o corpo do Bin?

- O ideal é jogar no mar.

- Porquê não o enterrarmos onde nasceu?

- É bom não arriscar. Em Mossoró mataram um cangaceiro do mal e hoje ele é quase santo!

UMA "NOVA ONDA NO CANGAÇO"



Honório de Medeiros

Em entrevista concedida ao escritor Franklin Jorge (www.franklinjorge.com), depois gentilmente transcrita por Jânio Rego (www.blogdafeira.com.br), defendi um estudo do fenômeno do cangaço firmado em paradigmas diferentes daqueles que, ainda hoje, são notoriamente utilizados na produção pré-científica em relação ao tema.

Descrevi o que seria essa nova “onda”, assim batizada por força da falta de uma expressão melhor, e calculadamente inspirada, a expressão, na obra homônima de Alvin Toffler, guru americano na moda em meados da segunda metade do século passado, “expert” em projetar o futuro.

Os paradigmas são simples e poucos: utilização do método científico na pesquisa do imenso acervo de dados existentes acerca do cangaço, hoje, e utilização da teoria da evolução de Darwin, na análise do material disponibilizado pela pesquisa.

Entre os argumentos elencados na defesa de minha proposta está uma constatação óbvia: hoje quase não temos fontes primárias a serem pesquisadas, e as poucas restantes – personagens que participaram diretamente do ciclo do cangaço – delas já se extraiu o possível e o impossível. Ressalvei a possibilidade de ocorrer, extraordinariamente, o que aconteceu em relação a Plácido de Castro, ou seja, a descoberta de papéis de um lugar-tenente seu, em um lugar remoto do interior do Rio Grande do Sul, alusivos ao período no qual o gaúcho lutou pelo Acre. Se acontecer algo assim, como por exemplo, a descoberta de um diário perdido do Coronel Floro Bartolomeu, será uma verdadeira festa para os pesquisadores do cangaço e coronelismo, mas, com certeza, absolutamente inesperado.

Um exemplo para explicar o que seria a “nova onda” em relação ao cangaço é a teoria do “escudo ético”, de Frederico Pernambucano de Mello, com certeza um dos nossos mais importantes e originais pesquisadores. Segundo essa teoria, calcada em metodologia científica – uma conjectura, portanto, exposta à refutação – os cangaceiros construíam um “escudo ético” para justificar sua senda criminosa: diziam agir como agiam como conseqüência de um sentimento de justiça oposto à injustiça de ações contra si ou sua família cometidas, tudo calcado em um ancestral código de conduta tipicamente sertanejo.

Podemos não concordar com a teoria de Frederico Pernambucano, mas não podemos negar que ela resulta do tratamento científico dado ao resultado – os “dados brutos” – obtido com as pesquisas realizadas durante a “onda antiga”, que coletava informações e as repassava, a grande maioria das vezes, sem qualquer checagem quanto aos fatos arrolados.

Quanto ao darwinismo, penso em sua utilização no âmbito das ciências sociais como a grande ruptura com os modelos anteriores, tais como o marxismo e o funcionalismo americano, o estruturalismo francês e Weber. O darwinismo é uma macro-visão da realidade, incluindo, aí, o campo social, a única a resistir à virada do milênio, esse mesmo milênio que deu contornos bem mais limitados ao pensamento de Freud e Marx. Darwin é o grande sobrevivente. Evidentemente quando abordo o darwinismo rechaço o assim chamado “darwinismo social”, que nem é darwinismo, nem é social, e somente existe hoje no cérebro de quem, realmente, não conhece a obra de Darwin. Criticar o darwinismo a partir do “darwinismo social” é, mais ou menos, como criticar a democracia pelos desvios ideológicos que ela possibilita. Típica do desconhecimento acerca do darwinismo é uma questão que foi formulada por um dos comentadores da entrevista: “a lei do mais forte, então, justificaria socialmente o cangaço?” A ciência não justifica nada; a ciência explica.

Uma “nova onda” em relação ao cangaço permitiria, por exemplo, demonstrar por que Lucas da Feira não foi cangaceiro. Aliás, a filosofia pode fazer isso: se Lampião é o paradigma, basta compararmos Lucas a ele e nos indagar se eram semelhantes. Obviamente não. Nem todo bandido rural era cangaceiro. Como permite a “nova onda” rir da afirmação feita por outro comentador de que eu nego “aos integrantes das camadas populares a capacidade de elaborar estratégias de vida por meio de operações intelectuais...” Nunca tinha visto nada tão disparatado. A lei da evolução confirma que desde a ameba, até o Homem, ou seja, qualquer ser vivo, sobrevive graças à capacidade de elaborar estratégias de sobrevivência. Está em Karl Popper, de quem recomendo a leitura. A habilidade “política” de Lampião – penso que o comentarista quer dizer habilidade guerreira – é algo concreto: não fosse assim ele não teria sido quem foi. Entretanto devemos colocar essa habilidade em seu contexto específico, qual seja, o jogo de poder inerente ao coronelismo que permitiu sua sobrevivência durante tantos anos no Sertão inóspito.

Enfim, nada mais interessante do que essas polêmicas que nos permitem aprofundar e redimensionar nossas opiniões. Não por outra razão elas me interessam vivamente. Ao contrário de quem não gosta de ser contrariado em me perfilo com D. Hélder Câmara: “me enriquece quem de mim discorda”. Nada tão belo. Nem tão correto, epistemologicamente pensando.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

MELANCIAS DO PADRE


Anotações de Viagem, por Jânio Rêgo (http://www.blogdafeira.com.br/)

Essas melancias da foto ao lado são daqui da Bahia, ali de Tucano. A ‘Melancia do Padre’ do título é na verdade um lugarejo do Rio Grande do Norte, entre Apodi e Pau dos Ferros, que fica nas margens da BR- 405.

É de lá um doce feito com gergelim, uma geléia, tão maravilhosa que não lhe damos o nome vulgar de ‘doce’ nem ‘geléia’. É uma especiaria que chamamos de ‘Espécie de Gergelim’.

O detalhe gastronômico é a rapadura usada como açúcar. Sem isso não tem ‘Espécie’.

Elizabete é a doceira que me contou a história do nome original do lugar. Um padre que celebrou a primeira missa na igreja nova, há muitos anos. Virou Melancia do Padre, mas hoje chamado simplesmente de Melancias.

Apesar da história e do nome, a doceira não vende doces de melancia. Mas prometeu que na minha próxima viagem ao interior do Nordeste vou encontrar o doce com a fruta que dá nome à sua terra.

É feito com a casca ralada - me disse quando fui saindo, sentada numa cadeira-de-balanço no alpendre.

A BOEMIA MOSSOROENSE SEGUNDO "SEU RAIBRITO", 1947


Foto Manoelito Pereira
Do telescope.zip.net

O acesso a determinadas fotografias de época, as quais rapidamente as associei a um texto constante da obra Páginas Arrancadas (memórias), cujos dados acham-se descritos nas referências bibliográficas abaixo, motivaram-me a escrever esta postagem. Esta obra foi elaborada em 1976, e publicada em 2010. Gostaria de sugerir, sem compromissos, a todo mossoroense a leitura deste livro. O autor, Raimundo Soares de Brito, (91), natural de Caraúbas-RN, mas cidadão mossoroense. Nas diversas obras de sua autoria, priorizou a pesquisa e o resgate das memórias desta cidade, e o fêz de uma forma belíssima, com uma linguagem simples, até lúdica, sem rebusques e frescuras: escreveu com a alma. Transcrevo o texto constante da obra em referência, em sua página 51, como parte do conteúdo textual desta postagem.

"Naquele tempo a diversão principal aqui (Mossoró) era se fazer uma perninha pelos bares da cidade, tomar umas e outras e depois subir.
 
Vamos subir? Todo mundo já sabia que o convite estava feito para se à zona - o ambiente noturno, alegre e único da cidade. Ali no Art Nouveau que a gente popularmente falando dizia Alto do Louvour, se encontrava de tudo para saciar os desejos da carne: música, jogo de baralho, roletas, bebidas e mulheres. Sobretudo mulheres ...
 
Afora o Bar Brahma, quase todas as outras pensões era conhecidas pelos nomes das suas proprietárias: Maria Florentina, Luizinha, Maria Cordeiro, Zeca de Manduca, além de outras casas alegres pelas imediações sem falar no Rasga ou Cai Pedaço onde funcionava o baixo meretrício. Ali pelas imediações uma série de carrocinhas e pequenos comerciantes fazia um comércio ambulante onde se encontravam o cigarro, confeitos, chicletes, pipocas e uma série de outras guloseimas. Cristino sobressaia-se com galhardia vendendo suas afamadas avoêtes e outros salgadinhos que iludiam os estômagos, quase sempre encharcados de bebidas, de todos nós.

Depois, vieram as pensões com nomes pomposos, algumas até hoje existentes: Las Vegas, de Núbia; Coimbra de Luzia Queiroz; Estrela de D. Laura; Casablanca e outras, dizem que agora sem a movimentação, a alegria e o encanto daqueles tempos. A concorrência dos Motéis e de casas clandestinas e a licenciosidade mataram aquele comércio pecaminoso, mas alegre de carne humana, dos nossos dias de juventude e mocidade .. "

A imagem 01 mostra um dos trecho da Rua Nilo Peçanha, no antigo Alto do Louvor. Manuelito Pereira, (1910-1980), deva ser o provável autor das imagens.

Fontes: BRITO, Raimundo Soares de, (23/04/1920), Páginas Arrancadas (memórias), Fundação Vingt-un Rosado, Coleção Mossoroense, Série C, Volume 1588, abril de 2010; Origem do arquivo fotográfico - site Azougue.com, acessado em 29/12/2010.

BIN LADEN E LAMPIÃO

Da Tribuna do Norte: Jornal de WM, 05 de Maio de 2011

por Woden Madruga

Osama Bin Laden teria morrido mesmo? Há controvérsias. No rastro da notícia que sacudiu o mundo na madrugada de segunda-feira surge uma esteira de dúvidas, de incertezas, muitas delas já expostas em manchetes de todos os jornais, nos comentários de especialistas polítocos da tevê e no infinito da internet. Falta o corpo do terrorista para provar a morte do líder da Al Qaeda surpreendido pelos militares norte-americanos na casa-fortaleza de Abbottabad, no Paquistão. O governo americano afirmou que o corpo foi jogado ao mar. Foi mesmo? Ainda não se exibiu nenhuma prova. Ontem mesmo pela internet fiquei sabendo que o presidente Barack Obama vem sofrendo pressões de todos os lados para que se prove a morte de Bin Laden.

Há muitas versões sobre o que aconteceu na casa dos arredores de Abbottabd. Uns dizem que Bin Laden não estava armado, mas reagiu. Reagiu como? Fontes do Pentágono afirmam que o terrorista foi executado no terceiro andar da casa, mas uma filha de Bin Laden, que viu tudo, declarou que o pai e toda a família estavam no primeiro andar. Tem ainda a versão de quem atirou em Bin Laden não foi nenhum militar norte-americano, mas sim gente de sua guarda pessoal. Quantas pessoas foram mortas? Não se tem o número exato. O governo americano tem noticiado que “apenas o corpo de Bin Laden foi levado do Paquistão”. Já fontes do governo do Paquistão disseram que o corpo de um possível filho seu também foi levado.

E se Bin Laden aparecer por aí, daqui a uns dias, vivo e forte, com seus quase dois metros de altura, numa daquelas cavernas das montanhas que dividem o Paquistão do Afeganistão? Essa hipótese estava sendo levantada no papo de ontem à tarde (de depois da chuva) na calçada do Cova da Onça. O mestre Gaspar, por sinal, além de misterioso se mostrava muito incrédulo. Chegou mesmo a afirmar que essa história está sendo contada em metades. Por exemplo – perguntava - onde é que estão os corpos dos mensageiros de Bin Laden? Quem eram esses caras? E arrematava: Eu quero ver é o rosto de Bin Laden morto com atestado reconhecido em cartório. Outra coisa, perguntou ainda: Em que mar os americanos jogaram o corpo do cara? Próximo de qual ilha?

A discussão só terminou quando a noite começava a descer sobre a velha Ribeira e lá do cais soprou um vento frio. Foi quando o poetinha Carlos Castilho, vindo do Carneirinho de Ouro, se aproximou da roda e, se inteirando do assunto, tirou de um dos bolsos do casaco um pedaço de papel onde estava impresso um comentário de Xico Sá, da Folha de S. Paulo, fazendo comparações entre a morte de Bin Laden e a do nosso Lampião. Fez um silêncio sepulcral, como se dizia no tempo de José de Alencar, para ouvir a leitura de Castilho, debulhando o texto do jornalista e escritor. Xico Sá conta:

- A falsa cabeça do terrorista Bin Laden revelada fartamente ao mundo inteiro nesta manhã (segunda-feira, 2) nos remete a outra imagem clássica e verdadeira: a das cabeças cortadas de Lampião e o seu bando. Na ausência de uma cadeia midiática à época, ano de 1938, as “forças do bem”, formada por governos e policiais estaduais do Nordeste, promoveram uma excursão com os crânios, exibindo a carnificina em cidades das margens do rio São Francisco.

- O enredo que seria mostrado dias depois nos jornais e revistas também é igual ao de hoje. O de um filme de Hollywood com o velho triunfo óbvio do mocinho contra o bandido. Também com Bin Laden, Lampião e os seus bandoleiros já estavam em decadência, acossados pela modernidade que chegava ao Nordeste em formas de construção de estradas e importação de armas mais avançadas.

- Como a morte de Lampião não se deu automaticamente o fim do cangaço. Vários bandos continuariam em atividade pelo menos até o começo dos anos 1960. Esse breve comentário não deve ser lido como uma comparação histórica ao pé da letra. Nem moral para isso tem esse pobre cronista de costumes. É só uma viagem despertada nesta manhã pela falsa ou verdadeira cabeça-troféu de Osama Bin Laden.

O poeta Castilho quase embarga a voz no final da leitura que deixou arrepiados todos da roda. Aí começou a chover outra vez na Ribeira penosa e úmida.

terça-feira, 3 de maio de 2011

ASSEMBLÉIA EXTRAORDINÁRIA DA SBEC

SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS DO CANGAÇO – SBEC

CNPJ: 07.220.746/0001-50

Endereço: Museu Histórico Lauro da Escóssia

Praça Antônio Gomes, S/N. CEP. 59610-150 - Mossoró/RN

Endereço eletrônico: http://sbecbr.wordpress.com

Email: sbecbr@gmail.com.br




CONVOCAÇÃO ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA



Convocamos todos os sócios para a Assembléia Geral Extraordinária da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço a ser realizada no dia 14 de maio de 2011, com início previsto para 10:00h no Auditório do Comitê de Imprensa da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, na cidade de Fortaleza.



Pauta: Aprovação do estatuto da entidade

Informes


Mossoró/RN 02 de maio de 2011



Lemuel Rodrigues da Silva

Presidente

domingo, 1 de maio de 2011

UMA CERTA FOTOGRAFIA NA PAREDE



"Uma americana em Paris"; Ruth Orkin

Honório de Medeiros

Eu e a garçonete de olheiras profundas concordamos quanto à fotografia na parede. A noite apenas começava. Mas ela já parecia estar muito cansada. Fiquei tentado a lhe perguntar se dormira nas últimas vinte e quatro horas. “Melhor não”, disse aos meus botões. A fotografia - melhor dizendo, a reprodução dividia com outras, em preto e branco, a atenção dos freqüentadores. “É a que chama mais atenção”, disse-me ela, enquanto me servia uma taça de vinho. “Por que será?”, perguntei-lhe. “Sei lá; por que é bonita”. Furtei-me à tentação de lhe indagar em que ela se baseava para achar uma reprodução mais bonita que a outra.
Olhei novamente a fotografia. Nela, uma americana de mais ou menos vinte anos, na década de cinqüenta, atravessa um grupo de rapazes italianos postados aleatoriamente em uma esquina de Roma. Malgrado o nariz empinado e as passadas rápidas há algo de aflito no seu olhar, causado talvez pela vergonha de tão exacerbada atenção. Bela obra de arte. Ruth Orkin, que a fez, nos contou que não foi difícil convencer a americana que conhecera em uma pensão para turistas a servir de modelo. Tampouco houvera produção. Exceto a idéia apresentada à moça, todo o restante foi espontâneo.
Contei tudo isso à garçonete de olheiras e seios fartos. Ela me pareceu interessada. Comentei como não deveria estar, hoje, a modelo, se fosse viva. “Velha, enrugada, feia...”, me respondeu, “como eu vou ficar, você vai ficar, todos nós ficamos com o passar dos anos”.
A noite começava a ficar febril. Casais entravam, mulheres e homens desacompanhados, a maioria turista. Quando ela me trouxe a massa, já éramos quase amigos. Tínhamos ficado cúmplices observando tudo o que se passava ao nosso redor: a solidão do rapaz da mesa vizinha a dialogar constantemente com seu celular; o casal de “gringos” que nunca trocava uma palavra um com o outro; as amigas que se namoravam às escondidas; o louro quase albino - talvez escandinavo - e sua acompanhante morena quase negra. Cada vez que ela ia, eu perscrutava ao meu redor o próximo capítulo da novela que extraíamos da noite; e ela me chegava com novidades da periferia do restaurante, onde meu olhar não alcançava.
“Você não se preocupa com sua beleza?”, lhe perguntei. “Como assim?” “Essa história de você trabalhar a noite toda”. “Olhe, eu não me considero feia, embora não seja nenhuma “miss”; o problema é que não adianta ficar pensando em levar uma vida de dondoca quando se nasceu pobre. Lógico que eu gostaria de ter tempo pra me cuidar. Mas até acho que beleza hoje é algo muito comum. Todo mundo é bonito. O difícil é ter charme”. “Mulher bonita os homens estão comprando aí fora a preço de banana”.
“Quanto você ganha aqui, por mês?” “Uns mil”. As meninas, aquelas adolescentes das quais os jornais e as teses de mestrado em sociologia e a televisão e o congresso falam, continuam passando em frente ao restaurante. São alegres, palradoras, pelo que se vê e ouve. Ganham em torno de cem reais por programa. E fazem dois ou três por dia. Dá uns quatro mil por mês. 
A conta chega.
“Posso lhe perguntar outra coisa?” “Claro”, ela me diz. “Quando você olha para a reprodução da fotografia, qual é a primeira coisa que lhe vem à cabeça?” “Uma sensação de que tudo passa, mas permanece. Ontem, era aquela americana e os rapazes italianos; hoje é qualquer outra... A vida continua, mas é como se fosse sempre a mesma”. Ela não esperou qualquer comentário meu à resposta. Talvez já lhe tivessem perguntado isso. Ou, quem sabe, sequer teve tempo para se perguntar por que eu lhe fizera tal pergunta. Apenas respondeu. Mecanicamente.
Desço a escada e ganho a rua. Procuro o carro lembrando um romance que fez furor quando eu era adolescente: “Sidarta”, de Herman Hesse. Em um certo momento da estória, o protagonista observa para um seu amigo e discípulo mais ou menos aquilo que a garçonete havia me dito, contemplando as águas de um rio. Para ele, Sidarta, assim como para a garçonete, embora as águas estejam sempre indo a busca do oceano, o rio continua no mesmo lugar. A vida passa mas está. O homem vai mas a humanidade permanece. Fim de noite.

domingo, 24 de abril de 2011

TÃO POUCO PARA SER FELIZ

Menina do Sítio Frade, em Martins, Rn.
Honório de Medeiros

CONTINGENCIAMENTO DESRESPEITA REAIS PRIORIDADES PÚBLICAS

Honório de Medeiros

                            Chamamos, em Direito Financeiro, de contingenciamento, o valor (dinheiro) que não tem previsão de ser liberado, embora previsto orçamentariamente, por parte do Órgão responsável pela gestão dos recursos financeiros, aos órgãos que executam o orçamento. No caso do Rio Grande do Norte, especificamente, esse Órgão é a Secretaria de Estado do Planejamento e das Finanças (SEPLAN).

                            Quando ocorre um contingenciamento os programas, projetos e ações previstos no orçamento, que concretizam políticas públicas, deixam de ser efetivados.

                            Ora, o desenvolvimento se mede, hoje, por paradigmas que vão muito além do chamado "crescimento econômico", entendido este como aumento de produção de bens e valores, do Produto Nacional Bruto, industrialização, avanço tecnológico, ou aumento de renda "per capita".

Tal é o pensamento da ONU, expresso no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que procura alavancar os esforços governamentais para além do econômico expandindo, por intermédio de políticas públicas, as escolhas e oportunidades de cada pessoa. Em outros termos, tendo como propósito o desenvolvimento do homem, e não a mera acumulação de riquezas.

Inegável, nesse propósito, o pensamento do prêmio Nobel de Economia Amartya Sem, para quem “o desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente". O desenvolvimento passa a "ser visto” então, “como um processo de expansão das liberdades reais de que as pessoas desfrutam".

Trocando em miúdos, há desenvolvimento quando os avanços na Saúde, Educação e Segurança Pública, por exemplo, são significativos e mensuráveis, fruto de políticas públicas de Estado, não de Governo, ou seja, independentes estas de quem seja o titular circunstancial no exercício do Poder.

Políticas públicas não se implementam em curto espaço de tempo. Às vezes gerações se sucedem antes que uma política pública obtenha resultados palpáveis, concretos. É esta a lição que a história nos oferece, quando voltamos nossos olhos para os países desenvolvidos, como os escandinavos.

As políticas públicas são implementadas via programas, projetos e ações governamentais. Se programas, projetos e ações, que são meios táticos, são interrompidos, as políticas públicas, que são estratégias, ficam comprometidas.  Não por outra razão, no nosso Estado, a Educação, a Saúde e a Segurança Pública, para ficar no óbvio, estão em permanente caos.

Se o contigenciamento, ao deixar de executar o orçamento, paralisa as políticas públicas, como o fizeram os governos anteriores e aparentemente está fazendo o atual, e o orçamento é uma lei que expressa a soberania popular – o desejo da Sociedade de como deve ser gasto nosso dinheiro – pior ainda é constatar, por essa razão, o desrespeito à Constituição Federal, na medida em que impede o cumprimento de princípios e preceitos acerca da Educação e Saúde.

Mas há situação ainda pior. É quando o contingenciamento é utilizado como instrumento político por parte de quem pode determinar qual Órgão vai receber, e em qual montante, recursos financeiros para seu manejo. Em muitos casos, o repasse de recursos está ligado a barganhas políticas e contempla projetos apresentados à “toque de caixa”, desvinculados de programas e políticas previamente previstos. Chega a ser hilariante a retórica utilizada para “justificar” esses projetos.

Então devemos ficar atentos. O Ministério Público deve ficar atento. A mídia independente deve ficar atenta. Os juízes devem ficar atentos. O Tribunal de Contas deve ficar atento e sair de sua eterna letargia (como é possível ter acompanhado, durante oito anos, as contas do governo passado, e não perceber o descalabro financeiro que ia sendo gestado e que resultou no final que todos conhecemos?).

Caso contrário estaremos condenados a gestões medíocres de “tocadores de obras”. Ou seja, a um crescimento econômico – quando há - alavancado por uma retórica milionária cujos beneficiários são os mesmos de sempre, desde que o Brasil é Brasil.

TE DEUM

Charles Resnikoff
english.illinois.edu


Charles Reznikoff



Não canto
por triunfos,
nenhum eu tendo,
mas pela comum luz solar
pela aragem,
pela dádiva da primavera.

Não pelo triunfo
mas pela tarefa diária
feita tão bem quanto possível;
não por um lado no tablado
mas à mesa comum.

JOÃO PESSOA

Oliveira de Panelas
noembalo.com.br


Honório de Medeiros 

Aqueles tiros abalaram o Brasil; foram desferidos no interior de um restaurante de luxo por um político de expressão nacional contra um ex-governador e trouxeram, para o presente, um passado não muito distante de questões pessoais resolvidas, pelas elites, por intermédio da violência física – a mesma que originara o homicídio de João Pessoa, João Dantas e João Suassuna, todos com nome começando em João, aquela mesma que não perdoara a beleza e inteligência transgressora de Anaide Beiriz, ainda aquela mesma que fomentara o levante de Princesa, Massilon, Sabino Gomes, o coronelismo e o cangaço, esse retrato bifronte de um Sertão tão peculiar quanto real.

                        Pois falo em Ronaldo Cunha Lima a quem vi decrépito no físico, preso a uma cadeira de rodas, o braço esquerdo imobilizado e voltado para dentro, os dedos recurvos, enquanto a mão direita, erguida, desenhava o entorno das palavras que saíam ligeiras, encadeadas pelo ritmo, musicalidade e métrica, na resposta ao desafio brincalhão do gênio da raça Oliveira de Panelas, provando a si e aos outros que sua mente continuava intacta. Viajei no tempo enquanto o escutava. Lembrei-me de uma Convenção do PMDB, muitos anos atrás, para a qual fora com meu pai somente para escuta-lo discursar em versos, de improviso. Ali fora também atraído pela inteligência luminosa do homem que ganhara um concurso de perguntas e respostas respondendo sobre Augusto dos Anjos. O tempo fora inclemente.

                        Difícil acompanhar Oliveira de Panelas. Estávamos na Bienal do Livro de João Pessoa. Os estandes já tinham sido visitados. Eu já procurara o que me interessava: as publicações do Senado Federal, Literatura de Cordel e o Sebo Cultural. Fizera as compras que me interessavam. Marcara uma visita ao Sebo para a manhã seguinte. Então escutei Oliveira de Panelas. E, mais uma vez, pensei quão rico de talento este País é. Como não admirar, extasiado, uma demonstração de genialidade daquela? Durante um tempo considerável as palavras foram brinquedos artisticamente engatados uma nas outras, compondo um traçado brilhante tanto quanto ao conjunto como quanto a cada elemento isolado. O começo de cada repente deixava-nos angustiados – será que ele consegue retomar o ponto de partida? Qual o quê. Santa inocência...

                        No outro dia o espanto com o Sebo Cultural: uma entrada singela, em uma casa pequena de rua estreita; um corredor conduzindo a uma sala no qual está postado, perpendicularmente, um balcão; e do lado direito, tomando todos os espaços possíveis de uma área imensa, milhares e milhares de livros aos quais se chega através de escadas, mezaninos, degraus, corredores entre estantes, labirintos, pó, e aquele peculiar cheiro de livro velho. Espantoso. Lembra um conto de Borges. Lembra Borges. Borges. E entram e saem pessoas e mais pessoas; sobem; descem; conversam – é um mercado persa. Caro, por sinal. Surpreendi-me com o preço de uma segunda edição de “Vingança, Não!”, do Pe. Pereira, não muito bem conservado: R$ 62,00.

                        No final, o contorno e o mistério da Lagoa que é o centro de João Pessoa. Ali, muitos morreram e não foram recuperados, dizem. Suas águas escuras, olhadas em um final-de-tarde chuvoso despertam velhos medos imemoriais de desconhecidos deuses úmidos e frios, distantes como aquelas estátuas de pedra dos templos Maias. Pergunto a uma senhora que passa se é verdade que não se consegue dragar a lagoa. Ela me olha e responde: “tentou-se, mas, inexplicavelmente, as máquinas sempre quebravam...” E me endereçou um meio sorriso zombeteiro, à guisa de despedida.