domingo, 8 de novembro de 2009

O DIREITO ENQUANTO ESTRATÉGIA DE PODER


Estratégia


O Direito é um fato social, realidade na qual estamos inseridos, pura criação humana.

Como ponto de partida proponho, com Popper e Bachelard, que crêem ir, no final, do racional para o real o vetor epistemológico, e ao contrário de Marx, que o queria em última instância criação da infra-instrutura econômica, seja o Direito conseqüência última da Razão.
 
O Direito é algo do qual nos aproximamos enquanto espectadores engajados (Raymond Aron), como quando o fazemos em relação a qualquer ramo do conhecimento humano Física, Musica, Jardinagem.



Para apreendê lo, sendo fato social (e não, também, norma e valor descrever as características de alguma coisa não é apreendê la) é necessário partirmos de algumas premissas, conjecturais, postas pela Razão.



A PRIMEIRA delas é que o Ser (a totalidade das coisas, o "Tudo") compreende não apenas seu observador, mas, também, aquilo que se observa (fragmento do "Tudo"), e a interação entre ambos. Essa é uma perspectiva totalizante. O Ser é, e adjetivá lo é lhe impor descaracterização.



A SEGUNDA premissa é um axioma: passando da Ontologia para a Gnosiologia proponho que tentar compreender qualquer fenômeno, entre eles o jurídico, é optar pelo discurso da Razão (Popper). Ou seja, em condições idênticas, o mesmo acontecimento já observado há de se repetir. Essa crença nos permitiu chegar à Lua, embora não tenhamos chegado a qualquer conclusão acerca da causalidade, por exemplo entre as partículas quânticas de estranheza.



A TERCEIRA premissa implica em aceitar que sua mera existência impõe, ao observador, um "status" de complexo interativo com a realidade: mesmo quando inerte, as relações são estabelecidas entre ele e o que o circunda, entre ele e e ele mesmo. Essas relações podem ser chamadas de "feixes". Tais feixes são conjuntos interagentes de idéias. Um observador é, portanto, um compósito complexo de idéias. Essas idéias, inatas ou não (Karl Popper e Sir John Eccles), têm sempre um objetivo: sobreviver. São estratégias e táticas em ação. Ao se conceber o "Tudo" social como um incomensurável entrechoque de estratégias, teremos a epifania bachelardiana o âmago da matéria é uma idéia.


A QUARTA premissa propõe a concepção Heracliteana: o rio embora parado, move se para o mar. O "vir a ser" (Nietsche) é constituído pelo entrechoque de estratégias a lei da evolução. Aquela mais apta sobrevive, mas tal batalha é eterna.



A QUINTA premissa afirma que o comportamento estratégico (que existe independente da vontade ou não dos seres vivos) para a sobrevivência é o segredo íntimo do "Tudo" social (a inação é uma estratégia). O homem é um permanente "instante" de estratégias para a sobrevivência: cria estratégias contra si, dentro de si, contra os outros e as coisas, pelos outros, e assim por diante. O mínimo ato, o não ato, é a concretude de uma estratégia. O bebê que se dirige, instintivamente, ao seio materno, em busca de alimento, usa uma estratégia para sobreviver. A dor é uma estratégia do corpo.


A SEXTA premissa diz que para dar curso às suas estratégias, o homem usa instrumentos (que nada mais são que estratégias coisificadas: uma enxada é uma idéia), entre eles os abstratos, como as técnicas.


A SÉTIMA premissa aponta o Direito como um instrumento estratégico. Usam no aqueles que fazem as normas jurídicas: o grupo que detém o poder político (idéia + violência). Esse grupo luta para mantê lo estratégia para a sobrevivência. Quando um dos aparelhos do Estado (o Poder Judiciário), através de um dos seus tentáculos, prolata uma sentença, é o resultado de uma estratégia de poder (Gaetano Mosca; os marxistas).



Assim, tudo é estratégia. E ela existe em decorrência da necessidade de sobrevivência dos homens, do seres vivos, das idéias. Vencerá, sempre, o mais apto. Essa é a síntese.

CIVILIZAÇÃO



Civilização

“Em outras palavras e colocando a questão crua mas francamente, a teoria é a de que as civilizações, como os impérios Persa e Romano, decaem em vista de comer demais” (A Sociedade Aberta e Seus Inimigos; Sir Karl R. Popper; v. 1; 1974, Itatiaia/Edusp; pág. 47).


CINISMO JURÍDICO



Cinismo governamental

Os governos, no que concerne à forma como lidam com os litígios nos quais são partes, tendo, como adversários, os funcionários públicos, usam hoje, unicamente, como arma, a estratégia do absurdo, que consiste em aprofundar a tal ponto o seu desrespeito à ordem jurídica ao ponto de tornar inviável, até mesmo matematicamente, a solução judicial que lhe for contrária.






O RIO GRANDE DO NORTE NO TEMPO DOS CORONÉIS - X



Pela ordem: Massilon, Lampião e Sabino

CONTINUAÇÃO...

Enquanto isso os planos dos inimigos do Coronel Rodolpho prosseguiam. Não seria possível sua eliminação pura e simples. Seria um escândalo nacional. Mossoró, como visto acima, rivalizava com Natal em tamanho e importância. Era o escoadouro natural para onde desaguavam todos os comerciantes do sertão paraibano e norteriograndense. Boa parcela do Ceará também freqüentava Mossoró. Além disso Mossoró ficava a meio caminho entre Natal e Fortaleza. Uma cidade rica e próspera.
 
“E se conseguirmos embutir o projeto de eliminação de Rodolpho Fernandes em um outro projeto maior, que funcionaria como cortina de fumaça? Em primeiro lugar, invadimos Apodi, saqueamos seus homens de recursos, matamos o Coronel Francisco Pinto; depois, logo depois, antes que a confusão baixe o pó, invadimos Mossoró, saqueamos o que pudermos e, enquanto o ataque acontece, um grupo especialmente preparado invade a casa do Prefeito de Mossoró e o mata. Para essa parte nós precisamos de muitos cangaceiros. Somente Lampião tem liderança e capacidade para comandar essa invasão.”
 
Foi assim que aconteceu? Concretamente não se sabe. Os indícios, entretanto, estão aí, para quem quiser analisá-los, relacioná-los e descobrir o que eles formam. São fortes esses indícios. São como pontos de uma malha, intersecções de uma rede, elementos conectados de um todo, aguardando que alguém consiga tirá-los da sombra e trazê-los para a luz do sol, revelando a verdade que o tempo cada vez mais condena ao esquecimento. Os personagens são citados na literatura acerca do assunto, uns mais, outros menos. O Coronel Rodolpho Fernandes; O Coronel Francisco Pinto; o jagunço Massilon Benevides; Lampião, o rei do cangaço; o Coronel Isaías Arruda; o misterioso Júlio Porto; os adversários políticos dos coronéis citados acima, cuja liderança vem de Brejo do Cruz, passando por Apodi, até chegar em Mossoró.
 
Para que seja possível a teoria de que a invasão de Mossoró por Lampião ocultava o projeto de matar Rodolpho Fernandes, é preciso que essa trama tenha sido anterior à entrada, nele, do rei do Cangaço, do Coronel Isaías Arruda e do próprio Massilon Leite. Haveria indícios que isso seria possível? Haveria. O primeiro indício, já apontado acima, seria o interesse político em descartar Rodolpho Fernandes de sua liderança no Oeste e Alto Oeste Potiguar. A prova desse interesse é a o menosprezo e a agressividade com a qual o Prefeito é tratado quando expõe a possibilidade de invasão da cidade; outra é o permanente trabalho de intriga contra si realizado junto a José Augusto Bezerra de Medeiros, governador do Estado, já relatado.
 
Cabe lembrar que o Prefeito de Pau dos Ferros, em 1927, Coronel Adolpho Fernandes, era adversário político de José Augusto. Este destronara os Maranhão do poder e, assim, lançara na oposição, em Pau dos Ferros, os seus aliados naquela região. Aliados que receberam todo o suporte de Ferreira Chaves, o último da oligarquia Maranhão a governar o Estado, para promover a tomada, pela força das armas, contra o Coronel Joaquim Correia, em Pau dos Ferros. Mágoas antigas, mal curadas, que redundaram no descaso proposital com que José Augusto lidou com o pedido de socorro que Rodolpho Fernandes lhe enviou, como nos conta Raul Fernandes : “Apelaram ao Governador do Estado. (...) ‘Desiludidos de qualquer providência do Governo Estadual’, os mossoroenses compreenderam que teriam de contar com os próprios recursos.”
 
Que Lampião não sabia acerca do que se tramava pensando em usá-lo, nos deu conta Jararaca, em depoimento já transcrito, mas que vale a pena relembrar: “Lampião nunca tencionara penetrar nesse Estado porque não tinha aqui nenhum inimigo e se por acaso, para evitar qualquer encontro com forças de outros Estados, tivesse que passar por qualquer ponto do Rio Grande do Norte, o faria sem roubar ou ofender qualquer pessoa, desde que não o perseguissem.” E quanto ao Coronel Isaías Arruda? Teria sido de sua lavra o plano maquiavélico? É bem possível. Mas como toda essa história chegou a ele? Por que Isaías Arruda resolveu planejar toda a operação contra Apodi e Mossoró, e, dissimuladamente, um plano dentro do plano, contra Francisco Pinto e Rodolpho Fernandes?

É agora que entra em cena o misterioso Júlio Porto. Este personagem era de Aurora, no Ceará, mesma cidade onde nascera e exercia enorme influência o Coronel Isaías Arruda. Em 1927 tem vinte e três anos de idade. Júlio Porto não era Porto. Seu verdadeiro nome era Júlio Sant’anna de Mello. O Porto viera de sua estreita ligação com Martiniano Porto. Este, por sua vez, fidalgote nas terras do Apodi, era inimigo sangue-a-fogo do Coronel Francisco Pinto. Já o conhecemos do episódio do assassinato do Coronel. Ligado por laços de interesse recíprocos, a Tylon Gurgel e Benedito Saldanha, futuro prefeito da cidade, outros fidalgotes ferrenhos opositores de Francisco Pinto. Tylon Gurgel, sogro de Décio Albuquerque, e Benedito Saldanha , protetor de Massilon Leite, que se considerava “afilhado” de seu irmão, o Coronel Quincas Saldanha.

Júlio Porto deve ter sido o elo de ligação entre os inimigos políticos de Francisco Pinto, Rodolpho Fernandes, e Isaías Arruda (quando invadiram Apodi os cangaceiros deixaram claro que iriam invadir Mossoró). Está presente em todos os momentos cruciais ligados à invasão de Apodi e Mossoró. Sendo de Aurora, Ceará, com certeza conhece José Cardoso, proprietário da Fazenda “Ipueiras”, parente do Coronel Isaías Arruda. A ele apresenta Décio Albuquerque, genro de Tylon Gurgel, por sua vez amigo de Martiniano Porto. Dissera a Décio, representante do consórcio contrário a Francisco Pinto e Rodolpho Fernandes, talvez, que José Cardoso era o homem certo para se chegar ao Coronel Isaías Arruda e, através dele, a Lampião. Brejo do Cruz; Apodi; Aurora. A malha se fecha, mas se expande. Reforça-se.

O segundo indício do projeto oculto de matar Rodolpho Fernandes quando da invasão de Mossoró é que não foi o Coronel Isaías Arruda o idealizador do ataque à cidade. Ele planejou, obviamente, e deu apoio logístico, mas a idéia lhe foi trazida de fora. Décio Holanda a levou. Foi o emissário e era um dos beneficiários, na medida em que o ataque a Apodi eliminaria Francisco Pinto, seu e do seu sogro, inimigo pessoal e político.

Isaías Arruda foi convencido por Décio. Com a mentalidade rapace da qual era possuidor, percebeu que sairia ganhando de qualquer forma: aceitou planejar a empreitada, atrair Lampião, fornecer armas e munição por que nada tinha a perder. Com certeza, ao tomar conhecimento do plano dentro do plano, deve ter cobrado um “por fora”. E pôs mãos a obra. Sérgio Dantas nos conta: “Em dias de abril daquele ano , o sinistro caudilho recebera importante solicitação. Décio Holanda – destacado fazendeiro do município de Pereiro, no Ceará – pediu-lhe que colocasse a “cabroeira” particular a seu serviço, posto que planejava tomar de assalto a cidade de Apodi, no Estado vizinho.”

CONTINUA...









sábado, 7 de novembro de 2009

O TWITTER E KANT


Kant


Carlos Santos me conta que um novo programa organiza as informações no Twitter.

Tal fato corrobora Kant, para quem a Razão organiza o Caos.


E demonstra que a idéia é anterior ao fenômeno que ela percebe e descreve.

Fantástico.

A LÓGICA PERVERSA DO OBREIRISMO


Obras

Há uma lógica perversa induzindo o obreirismo (aqui usado, o termo, no sentido de compulsão, por parte do administrador público, em fazer obras) no governante. Essa lógica é ainda mais perversa por praticamente excluir a opção pelas políticas públicas.



Em primeiro lugar o obreirismo é conseqüência de uma demanda específica: a das grandes empresas de construção civil e de serviços – e suas agregadas – que precisam recuperar o montante investido nos candidatos por elas apoiados e, também, convenhamos, como conseqüência de seus proprietários, o mais das vezes, serem integrantes, através de laços familiares ou de compadrio, das elites governantes.



Em segundo lugar o obreirismo é conseqüência de outra demanda específica: a necessidade de encher os cofres raspados da elite política vencedora dos pleitos eleitorais aos quais se candidatou e construir reserva para as futuras demandas político-partidárias.



Em terceiro lugar o obreirismo é conseqüência de outra demanda específica: a de gerar condições de manutenção ou aquinhoamento financeiro dos quadros responsáveis pela gestão pública, sob a alegação de que eles não suportariam sobreviver com a remuneração miserável que lhes paga o exercício de seus cargos.



Esse círculo vicioso – a elite política ser financiada pelas obras e serviços e, como conseqüência, financia-las – consome o que sobra, no orçamento, quando pagos o custeio da máquina e a folha de pessoal. Na maioria das vezes praticamente não há sobra orçamentária para investimento e não por outro motivo a Lei de Responsabilidade Fiscal vem sendo sistematicamente desrespeitada. E engendra uma custosa publicidade com o objetivo de persuadir a sociedade acerca dos bons propósitos de toda obra e qualquer serviço que estejam sendo feitos.



Assim, toda e qualquer obra surge como decorrência de uma “demanda social” e destina-se ao “desenvolvimento sustentado”. Obras através das quais circula o capital financeiro das elites para perpetuar a expropriação da força de trabalho da classe média, que é quem paga, na verdade, os tributos nossos de cada dia. Flatus vocis, diriam os romanos... E as políticas públicas, tais como a luta pela erradicação do analfabetismo, queda nos índices de mortalidade infantil, melhoria na qualidade do ensino e na segurança pública, que não dão retorno financeiro – embora dêem retorno eleitoral (e como dão) – são deixadas de lado e nosso Brasil, este imenso Brasil que sobrevive às vezes milagrosamente apesar do Estado, continua um dos líderes mundiais da exclusão social.



Quem duvida dessa opção por obra basta examinar com olho crítico o serviço público de sua cidade: como está a educação pública? A saúde pública? A segurança pública? Falta dinheiro para tudo isso, mas não falta para calçamentos, ruas, praças, construção de escolas, postos de saúde, asfalto, reformas em prédios públicos, delegacias, e por aí vai. Falta dinheiro para contratar médicos, professores, policiais. Falta dinheiro para remédios, pagar bem aos professores, armas e munições e computadores. Falta dinheiro para pagar ao servidor público uma remuneração que lhe permita sobreviver com dignidade.



Querem ver como é mesmo que as elites gastam nosso dinheiro? Observem bem um aeroporto e comparem com qualquer rodoviária. Os aeroportos são limpos, agradáveis, funcionais, climatizados. Enquanto isso as rodoviárias...






















CAOS


Caos

“Com isso, quero dizer coisas perfeitamente corriqueiras. Por exemplo, passado cada inverno, as flores desabrocham nos prados; terminada cada guerra, as cidades são reconstruídas. O caos sempre cede lugar à ordem” (A PARTE E O TODO; Werner Heisenberg).

A POSSÍVEL DEMISSÃO DE PROTÓGENES QUEIRÓZ

Deu no Blog de Luis Nassif, em 06/11/2009. Leia em colunistas.ig.com.br/luisnassif



Protógenes Queiroz

"A demissão de Protógenes

Em Observação



Não está confirmada a demissão, ainda.

Do Terra Magazine



Protógenes: “Vou ser demitido da PF. E o bandido está solto”



Claudio Leal



O delegado Protógenes Queiroz (PCdoB) afirma que recebeu, por telefone, a informação de que será exonerado da Polícia Federal na próxima segunda-feira. O responsável pela Operação Satiagraha, que prendeu o banqueiro Daniel Dantas, em julho de 2008, foi avisado por um colega da PF. Sua esposa também foi alertada.

Desde a eclosão da Satiagraha, o delegado foi alvejado por processos disciplinares, também por participação em atos políticos. Em rápida entrevista a Terra Magazine, Protógenes reage:



- É um ato de tirania da cúpula da Polícia Federal contra a democracia. O verdadeiro bandido, o banqueiro bandido (Daniel Dantas), está solto, com a proteção de alguns agentes público, que deram decisões favoráveis a ele. Enquanto isso, o agente público que o investigou e prendeu está fora dos quadros dos serviços públicos. Este é o Brasil de hoje. Até o presidente Lula já admitiu que o Estado brasileiro falhou no combate às drogas e à corrupção – diz o delegado.



Indignado, Protógenes reforça: “É um processo injusto. Vou tentar recompor meu prejuízo. Além do constrangimento, é assédio moral. Vou recorrer pelas vias judiciais.”



Por Alex Prado



Nassif,



seu blog e o do PHA foram os primeiros a receber minha versão sobre o caso. Fui o responsável pela campanha de Paulo Tadeu à prefeitura de Poços de Caldas. E o delegado Protógenes nunca participou de comício na cidade. Ele esteve aqui, num domingo, a convite de amigos que eram próximos da nossa candidatura. Aceitou gravar depoimento, apoiando a proposta da nossa candidatura de se instalar uma delegacia da PF em Poços. As imagens foram veiculadas no penúltimo programa eleitoral e foram repercutidas pelos jornalões.



Nunca houve comício. O delegado não falou em nome da Polícia Federal.



Pelo que soube do inquérito interno da PF, o candidato Paulo Tadeu foi ouvido. Eu, responsável pelo programa de tv e editor específico daquele depoimento, nunca fui chamado a depor. Nem as imagens brutas ou editadas do depoimentos foram requisitadas.



É o que tenho a informar.



Por Paulo Tadeu, ex-prefeito de Poços



Nassif



Em meu depoimento à Polícia Federal, reafirmei a inexistência de comício ou ato público com a presença do Delegado Protógenes em Poços de Caldas. Disseram-me que ele estava sendo processado por ter infirngido uma lei de 1966, que restringe ação política de servidor público. Uma lei da Ditadura. Ignoraram meu depoimento, a carta estava marcada.



Esta história começou com uma delação, disfarçada de pedido de informação, do deputado Geraldo Thadeu Pedreira dos Santos, do PPS- MG.



Por João Vergílio G. Cuter



É fácil gostar do juiz Fausto de Sanctis. Ele não erra. Por mais que o ministro Gilmar Mendes o provoque, por mais que os advogados de Dantas lhe ofereçam ocasião para um deslise, ele não se desespera, não dá um passo em falso, não deixa que o ser humano se sobreponha ao cargo. Jamais escreveria uma carta aberta ao presidente Obama, sonhando com uma repercussão internacional que ele sabe perfeitamente que não existirá. O professor Pasquale (ou seu Ersatz) jamais catariam um errinho de português em seus despachos. Sabe sinalizar, nas entrelinhas de seu texto, o pano de fundo teórico de suas decisões, obrigando Gilmar Mendes a também ter que explicitar as suas, quando o combate. Leva o debate para um plano no qual um simples pé na bunda seria visto por todos como prova, não apenas de truculência, mas também de despreparo. Além disso tudo, é incorruptível. Quem não admira um homem assim?"






SALVEMOS A PRAÇA DO CODÓ

Por Franklin Jorge, em 6 de novembro de 2009, no http://www.franklinjorge.com.br/




Disse Francis Bacon [1561-1626] que Deus Todo-Poderoso foi quem primeiro plantou um jardim a que chamou de Paraíso e o destinou para residência de Adão e Eva. Assim, como as praças, o jardim faz parte da vida humana. E, desde que o mundo é mundo, servem ao embelezamento dos lugares e para o recreio e o repouso do espírito do homem. Estão para as cidades como os oásis para o deserto, ponto de convergência humana e refrigério das agruras da vida. É uma dádiva do divino ao humano.

Quem viaja para instruir-se com os costumes alheios, percebe a importância que praças e jardins têm para os povos civilizados. Em Franca e na Inglaterra, onde podemos apreciar talvez os mais belos jardins da Europa, são praças fortificadas das quais os moradores do seu entorno, em muitos casos, chegam a ter uma chave que lhes dá acesso exclusivo ao seu usufruto. Noutros países, igualmente civilizados, são espaços abertos a todos, como em Roma, cujo nome invertido significa amor.

Ora, sem jardins e praças os palácios e demais edifícios seriam construções grosseiras e inumanas, enfatizou ainda Bacon que felizmente morreu antes do surgimento de Mossoró e, portanto, não teve o desprazer de saber que neste momento alguns dos empresários e políticos estão conspirando contra a existência da Praça Bento Praxedes. Querem-na transformar – avaliem o absurdo e a pobreza intelectual desses senhores – em estacionamento! Sim, em estacionamento de automóveis e motocicletas. Não em uma escola, por exemplo, o que já seria uma idéia absurda, mas em um vulgar estacionamento para meios mecânicos.

Embora atualmente reduzida a um lastimável estado de penúria que depõe contra a administração pública, a referida praça faz parte da história dessa cidade em diversos períodos, da Monarquia à República, lugar de celebrações cívicas e de reuniões populares, coisas naturais e imprescindíveis àqueles que vivem em sociedade e valorizam a comunicação que o convívio proporciona.

A destruição da Praça Bento Praxedes ou Do Codó, como é mais conhecida em Mossoró, constitui um crime de lesa-cidadania. Um lastimável mau exemplo. A cidade, que carece de espaços comunitários. Desmente a própria tradição de que se jacta o seu marketing político de cidade cultural, sempre na vanguarda de embates em prol da dignidade de seus habitantes, capitula diante da dificuldade de resolver um grande problema que afeta a todos — a falta de estacionamento, criando um outro igualmente grave, a falta de espaço para a convivência humana, que não pode faltar numa cidade tão arrogantemente orgulhosa de si e com a pretensão de tornar-se a “capital de cultura” do Rio Grande do Norte.

É um tremendo retrocesso e um acinte aos modernos paradigmas urbanísticos que se empenham na humanização das cidades, através a criação de espaços de uso coletivo, como praças e parques. Aqui, porém, despreza-se o humano em favor dos gananciosos e dos egoístas que pensam somente em seus próprios interesses.

Praza aos céus que tudo isso não passe de fuxico da oposição ou do desapreço dos que não amam Mossoró e desejam diminuí-la, destruindo-lhe um dos seus espaços públicos mais importantes — embora, sob a administração da prefeita Fafá Rosado, esteja completamente abandonada essa praça que é uma grife da cidade. Ora, caso venha isso a acontecer, a segunda mais importante cidade do estado estará andando de marcha-ré, como os caranguejos.

Queira Deus que em sua inocência reconhecida até por seus adversários, a prefeita Fafá Rosado diga não a essa sandice de empresários desprovidos de senso de cidadania, de civilidade e de respeito a Mossoró, defensores indefensáveis da destruição da Praça Bento Praxedes — um patrimônio do povo mossoroense. Alienar a praça do povo seria mais que andar para trás; é pura sandice. Tal proposta não pode merecer outro qualificativo. Sandice, sandice, sandice. A Promotoria de Defesa do Patrimônio precisa entrar em cena para defender a Praça Bento Praxedes. Para defender o patrimônio cultural da cidade e preservar a cidadania. Urgentemente, Doutor Eduardo Medeiros. Urgentemente.














sexta-feira, 6 de novembro de 2009

PADRE HUBERTO, OU A VITÓRIA DA VIRTUDE

Final da década de sessenta. Pelas ruas mal iluminadas de Mossoró um homem muito alto, magro, de aparência ascética, portando uma sotaina cinza clara, candeeiro a gaz na cabeça, puxa, sotaque forte, estranho, ante meus olhos infantis, a procissão em louvor a Santa Luzia. As formas têm contornos imprecisos, gerados pela luz parca e o hino, cantado em ritmo monocórdico, entremeado de aves-marias e pai-nossos, costura, em minha imaginação, uma auréola de mistério em torno do sacerdote já famoso por sua austeridade.

A imagem que minha memória havia guardado foi a que primeiro me veio aos olhos da mente quando meu pai me disse, tempos atrás, em tom de pesar, pelo telefone, que Pe. Huberto "descansara".

Até então éramos, mesmos os mais ausentes dos mossoroenses, cúmplices em uma mesma liturgia: sabermos notícias da sua saúde. Agora, ao nos encontrarmos, trocamos impressões, lembramos fatos... Porque, no final das contas, todos os de nossa geração, além dos muitos que nos antecederam, de uma forma ou de outra, em algum momento, estiveram sob o alcance daquele olhar claro, firme, pouco complacente.

Talvez ninguém venha expressar, como Emery Costa o fez, o sentimento de Mossoró por Pe. Huberto. Em uma sua coluna diária, nos contou como o mossoroense reagiu a sua morte. E observou, no final, emocionado com a demonstração de afeto que ele recebera quando do velório e do sepultamento: "ainda vale a pena ser bom".

É verdade. Eu apenas diria que mais que bom, Pe. Huberto foi virtuoso. Claro, todos nós sabemos que a bondade é uma virtude. Entretanto, ele foi mais que bom, porque viveu aquilo no qual acreditava, e sua vida foi um exemplo de coerência entre discurso e prática.

Assim, não sucumbia a qualquer tentativa de ser portador de uma "bondade" tipicamente nordestina, ou mesmo brasileira, relaxada, condescendente. Aquela mesma que é uma fuga aos compromissos com a verdade que liberta, fiel aos princípios morais.

Não que deixasse, ao molde de Spinoza, compreender, para não rir nem chorar, e tal compreensão fosse integrada pela bondade, como objetivo evangélico para melhor servir aos desígnios da Igreja. Mas em sua alma cartesiana, estudiosa, culta, de formação quase jesuítica, o rebanho de Deus também precisava de disciplina para escapar às tentações do mal. E, em assim sendo, a bondade não é apenas o afago do perdão, mas também o látego da advertência.

Mossoró se despediu de Pe. Huberto tendo entendido, dentro de si, aceito e respaldado, esse ser virtuoso que o caracterizava tão bem. Acompanhou seu caixão como se além da saudade, fosse conviver com a ausência de uma referência. Estabeleceu, como que fazendo um contraponto, a diferença entre o singelo, o humilde, o honrado que se ia, e a escória que fica e nos envilece como seres humanos. E o sepultou nos fazendo crer que há alguma esperança no gênero humano quando distingue tão claramente quais dos seus devem ser homenageados na hora da despedida final.

























A DESMORALIZAÇÃO DO SFT

Como se não bastasse o Senado se recusar cumprir uma decisão do Supremo Tribunal Federal, no caso da decisão do Tribunal Superior Eleitoral que cassou o mandato do Senador Expedito Júnior, e que suscitou reações de vários órgãos da Justiça, inclusive a manifestação do moderado Ministro Celso de Mello afirmando que ninguém está acima da Constituição, outro fato chama a atenção do Brasil: a acusação, feita pelo Senador Eduardo Azeredo, de que o Ministro Joaquim Barbosa plantou uma prova contra si no processo ao qual responde.

Agora não é apenas descumprimento de decisão. É acusação de ação criminosa por parte de um Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Haveria esse tipo de atitude se o atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, não tivesse inserido, com sua ânsia de atrair, desastradamente, os holofotes para si, o STF na mídia? Pois sempre temos a sensação, quando ele se manifesta, que seria muito melhor, para si e para a instituição, se permanecesse como os anteriores Presidentes do Supremo, respeitáveis e respeitados.



ASTROLOGIA

“(...) a astrologia, por exemplo, baseia-se na concepção, aparentemente um tanto contraditória, de que o conhecimento de nosso destino nos pode ajudar a influir sobre ele” (A Sociedade Aberta e Seus Inimigos; Sir Karl R. Popper; v. 1; 1974, Itatiaia/Edusp; pág. 266).

O RIO GRANDE DO NORTE NOS TEMPOS DOS CORONÉIS - IX

CONTINUAÇÃO...
 
Estamos em 1927. O Coronel Rodolpho Fernandes é o Prefeito de Mossoró, segunda maior cidade do Rio Grande do Norte. Mossoró rivaliza com Natal, a capital. Sua população, incluindo a do município, era de 20.300 habitantes. Natal alcançava 30.600, nos diz Raul Fernandes em “A Marcha de Lampião”; Editora universitária; Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 1981; 2ª edição; Natal, Rn. A ascensão ao poder do Coronel revela o predomínio político que sua família, descendente de um português casado com uma filha do fundador de Martins, Francisco Martins Roriz, adquirira ao longo do tempo, e que se baseava, fundamentalmente, na exploração industrial da cultura do algodão.
 
Aqueles eram novos tempos, o Coronel o pressentia. O Sertão, através de José Augusto Bezerra de Medeiros granjeara, para si, o poder que os Maranhão, ricos usineiros do açúcar, entregaram lentamente aos coronéis proprietários de terra onde o algodão brotava e enriquecia. Mas esse mesmo poder, calcado na terra, cedia, agora, pro sua vez, espaço a uma burguesia que se firmava por intermédio da industrialização e do comércio em larga escala. Os Fernandes estavam à frente desse processo de mudança e iriam viver seu apogeu logo mais, após a vitoriosa campanha do Partido Popular contra Mário Câmara, com a eleição do médico Rafael Fernandes para dirigir os destinos do Rio Grande do Norte.
 
Enquanto não se consolidava de vez o poder nas mãos dos Fernandes, na capital seguidores de José Augusto olhavam com preocupação esse avanço político da família alto-oestana em Mossoró, líder inconteste do Oeste Potiguar, sob o comando de Rodolpho, e no Alto Oeste, cuja cidade principal, Pau dos Ferros, já era dominada pelo Coronel Adolpho Fernandes, seu primo. De Mossoró para dentro, até a fronteira com a Paraíba, portanto de Martins a Luis Gomes, os Fernandes dominavam. Em Apodi, embora o Coronel Chico Pinto não fosse Fernandes, era correligionário e amigo pessoal do Prefeito de Mossoró.
 
A oposição não descansava, era aguerrida e chegava até os salões do Palácio do Governo, onde auxiliares diretos de José Augusto o intrigavam junto a Rodolpho Fernandes e vice-versa. Em carta dirigida ao escritor Nertan Macedo, Paulo Fernandes, filho de Rodolpho, chega a ser enfático quanto a essa intriga entre os dois líderes políticos: “O Governador do Rio Grande do Norte, Doutor José Augusto Bezerra de Medeiros e o seu chefe de polícia, Desembargador Manoel Benício de Melo, estavam à época, em franco dissídio com o prefeito de Mossoró (meu pai); O Sr. Mirabeau Melo, chefe da repartição do telégrafo em Mosssoró era irmão do chefe de polícia, e atuava como informante das coisas locais e porta voz do governo era um medíocre intrigante, inadequado para a missão que o destino lhe reservou pois tanto o governador do estado e seu chefe de polícia como o prefeito de Mossoró eram homens de bem e do mesmo partido político de modo só se compreende o dissídio entre eles em torno do problema de interesse público em virtude da ação maléfica de mexeriqueiros ” (...).
 
Tal oposição chegou ao cúmulo de tentar levar o Coronel Rodolpho, um homem sério, respeitado, ao ridículo, como nos lembra Paulo Fernandes na mesma carta: “As advertências à população e providências tomadas por meu pai eram exploradas pela oposição até com o ridículo. Chamavam-no, por exemplo, de velho medroso, por se preocupar com um possível ataque de Lampião à cidade” (...). Raul Fernandes confirma: “Adversários políticos e maledicentes desfrutavam, com vantagem, o receio do Prefeito.”
 
A par dessa situação política tensa, na qual vivia o Prefeito, o futuro parecia promissor: sua liderança em Mossoró era inconteste, a cidade crescia a olhos vistos sob sua administração, dois dos seus três filhos homens faziam medicina fora e voltariam, brevemente, para dar continuidade a seu legado político, e sua família era, naquele período, uma das mais ricas do Estado.
 
Mesmo assim o Coronel Rodolpho não descuidava. Conhecia bem os meandros da política interiorana. Não saía de sua lembrança a forma violenta através da qual seus parentes de Pau dos Ferros tomaram o poder naquela cidade. As histórias acerca do cangaço corriam de boca-em-boca pelas praças e ruas da cidade, sempre envolvendo coronéis e disputas políticas como pano-de-fundo. Notícias vindas do Acre davam conta das aventuras de Childerico Fernandes, o Guerreiro do Yaco, irmão do Coronel Adolpho Fernandes, repletas de violência. O Coronel Chico Pinto lhe punha a par dos desmandos de seus adversários que iriam redundar na invasão da cidade por Massilon e em seu assassinato anos depois. As estripulias de Massilon em Brejo do Cruz, agindo a mando de pessoas que também tinham interesses políticos em Apodi; as histórias oriundas do Cariri cearense, de deposição de Coronéis por outros Coronéis através das armas, tudo isso lhe trazia profunda preocupação.
 
Assim, pareceu-lhe particularmente preocupante algumas informações que pessoas a si ligadas por laços comerciais e afetivos lhe fizeram chegar aos ouvidos por aqueles dias do começo do ano de 1927. É como nos diz seu filho Raul Fernandes, na obra mencionada acima: “Na última quinzena de abril, de 27, a notícia veio à luz de modo concreto. Argemiro Liberato, de Pombal , escreveu ao compadre Rodolpho Fernandes sobre a pretensão dos chefes de bandidos. Dos remotos sertões de Pernambuco, da Paraíba e do Ceará surgiam indícios dos agenciadores da vergonhosa empreitada.”
 
Raul Fernandes diz mais a frente, em nota: “Ouvi de meu pai referências à missiva”. Quem agenciava essa empreitada? A mando de quem? Com qual objetivo oculto, escondido por trás da cortina de fumaça que era a invasão da cidade em busca de suas riquezas, agiam seus autores intelectuais? Com certeza Lampião não sabia do que se tramava contra Mossoró ou contra o Coronel Rodolpho Fernandes. Sérgio Dantas, em “Lampião e o Rio Grande do Norte”; Cartgraf Gráfica Editora; 1ª edição; 2005; Natal, Rn, é enfático quanto a isso, transcrevendo testemunho de Jararaca que ouvira as conversas do cangaceiro com o Coronel Isaías Arruda acerca do plano de invasão de Mossoró: “Lampião nunca tencionara penetrar nesse Estado porque não tinha aqui nenhum inimigo e se por acaso, para evitar qualquer encontro com forças de outros Estados, tivesse que passar por qualquer ponto do Rio Grande do Norte, o faria sem roubar ou ofender qualquer pessoa, desde que não o perseguissem.”
 
O Coronel Rodolpho Fernandes sabia mais que deixou transparecer naquele momento. Não falou a seus filhos acerca de tudo quanto estava por trás desse agenciamento que acontecia no Sertão paraibano e cearense; tampouco disse qualquer coisa a seus interlocutores, nas reuniões onde expôs a possibilidade de invasão da cidade por Lampião e os convocou para a defesa, que tenha sido registrado para a história. Pressentia, entretanto, que o ataque à cidade, se viesse a acontecer, ocultava outro plano, cujo objetivo era ele. Que outra explicação pode ser dada, se não essa, para a excessiva concentração de forças defensoras no entorno de sua residência, quando era sabido que ele, individualmente, jamais teria, consigo, dinheiro suficiente para qualquer resgate que valesse a empreitada do ataque a Mossoró?
 
CONTINUA...












quinta-feira, 5 de novembro de 2009

FRAGMENTO

“Iluminar a realidade”, disse-me Gilson Ricardo de Medeiros Pereira, apontando o horizonte, quando lhe pedi ajuda. Ah, a poesia – como ela transfigura e sintetiza o comum, o banal, apesar de até mesmo no comum e banal, dependendo do contexto, haver beleza. Muitas palavras lavradas em tecniquês diriam o mesmo, até de forma mais precisa, reconheçamos. Entretanto essa frase descerrou véus e eu pude enxergar claramente, pois há sempre uma nesga, um fragmento de realidade a ser iluminada, revelada, exposta.

HÁ OS QUE DEIXAM AS GRANDES CIDADES

Montaigne, Salinger, Hemingway, Kant, Musashi, Lao Tsé, brasileiros que vão morar no interior, são exemplos de alguns que deixaram as grandes cidades. Albert Schweitzer, Saint Exupèry. Vejam esse trecho da obra "O Segrêdo do Padre Brown", de G.K. CHESTERTON (Francisco Alves, 1.980, pág. 1): "O caso era que Flambeau, depois de todas as suas aventuras violentas, ainda possuia aquilo que é comum em muitos latinos, mas que não se encontra, por exemplo, em muitos norte-americanos, e que é a energia suficiente para se aposentar. Isso pode ser constatado em muitos proprietários de grandes hotéis, cuja única ambição é largar tudo para ser um pequeno agricultor. Isso é encontrado em muitos pequenos negociantes das províncias francesas, que se detêm no momento exato em que poderiam se transformar em detestáveis milionários comprando uma cadeia de lojas, mas, em lugar disso, preferem o conforto doméstico e os dominós com os amigos."

ARGUMENTO DA AUTORIDADE

“Santo Tomás notava que, salvo no domínio da Revelação, o argumento de autoridade era o mais fraco de todos. Temos sempre o direito de pedir as fontes e os fundamentos das asserções” (A Arte de Pensar; Pascal Ide; Martins Fontes; 1995; pág. 37).

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O RIO GRANDE DO NORTE NO TEMPO DO CORONELISMO - VIII

O ATAQUE A MOSSORÓ

Continuação...

Começo de 1926. Como em todos os finais-de-tarde em Brejo do Cruz, no Sertão paraibano, formar-se-ia uma roda na calçada na frente da casa de Antônio Dutra de Almeida. Doutor Joca Dutra (João Minervino de Almeida), Paulino Dutra de Morais, José Targino, Doutor Francisco Augusto de Resende (Juiz Distrital) se fariam presentes. As cadeiras, dispostas dia-a-dia nos mesmos lugares, eram, pelo hábito, marcadas: receberiam sempre os mesmos ocupantes. Em certo momento daquela tarde José Targino e Doutor Joca Dutra, que já haviam chegado, levantam-se e vão tomar água no interior da casa. Nas cadeiras nas quais eles estavam sentados, inexplicavelmente sentam-se Paulino Dutra de Morais e Doutor Francisco Augusto de Resende que acabavam de chegar. Escurece. Um atirador solitário toma posição a alguma distância, do outro lado da rua, e, de rifle, depois de fazer mira cuidadosamente, atira nos ocupantes das duas cadeiras que lhe tinham sido previamente assinaladas, em conversa anterior. Doutor Francisco Augusto de Resende tomba morto. Paulino Dutra de Morais, ferido, faz menção de se levantar. O atirador aproxima-se e desfecha várias facadas em Paulino Dutra. Ao terminar observa atentamente o semblante do homem morto e grita: “matei um inocente”. Recolhe as armas, monta a cavalo, pica o flanco do anima com as esporas e some na escuridão da noite. Era Massilon.
 
Termina, ali, o domínio político dos Dutra. O poder migra para as mãos dos Maias e Saldanha. Massilon, que era comprador/vendedor de gado quando entrou no cangaço, ao voltar do Sítio Japão, para onde o pai emigrara, vindo de Pombal, na Paraíba, matara, em Belém do Brejo do Cruz, um soldado que fora mandado pelo pretendente ricaço de uma moça por quem se enamorara, e que gostava do rapaz claro, de cabelo fino, vaidoso, trabalhador, já conhecido na Região, para lhe tomar a arma e lhe desmoralizar no dia da feira . Essa morte teria sido depois de 1924, talvez 1925, antes de sua família ir para Luis Gomes, o que ocorreu em 1925. Tércia Guedes de Araújo, tia de Massilon, em entrevista gentilmente cedida pelo pesquisador e escritor Sérgio Dantas, afirma tê-lo visto em Pombal, Paraíba, depois do episódio.
Massilon sabia que na Paraíba não havia mais lugar para ele. Dos beneficiários dos seus crimes obteve passaporte e amparo para começar outra vida longe dali. Cortou o território do Alto Oeste potiguar e reapareceu no Ceará, mais precisamente em Alto Santo, sob a proteção de Benedito Saldanha, grande proprietário rural na Região, irmão de Quincas Saldanha, por sua vez latifundiário em Brejo da Cruz e Caraúbas, Rio Grande do Norte.
 
Alexandro Gurgel conta outra versão. Em artigo para o jornal mossoroense “A Gazeta do Oeste” acerca de Massilon, louvando-se em entrevista feita com Pedro Dantas Filho, falecido em 2002 com 88 anos, natural de Belém do Brejo do Cruz, que afirmava ter conhecido o cangaceiro, diz-nos que o Delegado dessa cidade, homem valente e hostil, havia proibido o povo de andar armado. Nada teria acontecido com Massilon se alguém não tivesse ido à polícia denunciá-lo. Cercado por trás da igreja local e segurado por um seu amigo chamado “Mané Forte”, que pretendia convencê-lo a se entregar, mesmo assim Massilon trocou tiros e atingiu um policial matando-o. A partir de então enveredou pelo crime.
 
Raimundo Nonato lembra que Jararaca dissera ter Massilon Leite declarado serem suas as mortes de Brejo do Cruz, o que corrobora o relato feito acima. Sérgio Augusto de Souza Dantas nos lembra que Massilon foi almocreve. É verdade. Entretanto, quando da morte do policial em Belém do Brejo do Cruz já era comprador/vendedor de gado. É o que nos relata o Capitão Viana, bem como os irmãos de Massilon Tércia e Zé Leite, em entrevista que o escritor gentilmente nos cedeu.
 
Fomos em busca de uma “memória viva”, para escrever a saga de Massilon. Quando chegamos à residência do Capitão Viana – Francisco Viana – em Macaíba, Rn, encontramos um velhinho seco de carne e temperamento, vestido com um pijama azul claro à antiga, daqueles cujas camisas são de manga comprida, sentado em uma cadeira de balanço e lendo a Bíblia. Recebeu-nos muito bem e logo mandou servir café. O Capitão Viana tinha, na data da entrevista, noventa e três anos muito bem vividos. Longa prole, alguns poucos bens, saúde saltando à vista, memória fantástica. Durante a entrevista em nenhum momento titubeou quanto as informações prestadas. Ao tentarmos falar acerca de sua atuação como policial em alguns casos mais escabrosos fechou a cara e disse, abruptamente: “isso é segredo de polícia, não posso dizer nada”. Foi delegado, entre outras cidades, de Apodi, Macau, Açu, Caraúbas, Nova Cruz, São Tomé, e Areia Branca.
 
Pois bem, o Capitão Viana, quando menino lá em Alto Santo, então distrito de Limoeiro do Norte, conheceu Massilon – embora de longe, só de vista, como se diz no Sertão. Mas fornece vários dados importantes acerca do cangaceiro: “Massilon, depois do ataque a Apodi, nunca mais voltou lá. Em 1940, quando fui Delegado de Apodi, já não se falava mais nele. Massilon era jagunço de Décio Hollanda, lá de Pereiro, e foi jagunço de Benedito Saldanha. Antes de Apodi Massilon morava com Décio Hollanda, no Pereiro, Fazenda Bálsamo. Ele vivia de comerciar gado, era marchante, não tem cabimento essa história de sapateiro que o cangaceiro Bronzeado que você falou conta. Eu sou testemunha de tudo isso por que morei em Alto Santo até os quinze anos, quando fui para São João do Jaguaribe. Na época da invasão de Apodi eu estava em Taboleiro do Norte. De lá fui para São Paulo. Em 1934 voltei para o Rio Grande do Norte e sentei praça na polícia.”
 
Esse mesmo Massilon que foi apontado pelo Capitão Viana como tendo sido jagunço de Benedito Saldanha, era protegido de Quincas Saldanha, seu irmão, a quem chamava de “Padrinho”, segundo Deusdedite Fernandes Pimente, a quem entrevistei, juntamente com Franklin Jorge e Kydelmir Dantas, em Março de 2009, na sua Caraúbas natal. Conta-nos Franklin em seu “Blog”: “CARAÚBAS – Passei a tarde de sábado em Caraúbas, para onde fui a convite de Honório de Medeiros e Kydelmir Dantas, que iam com a missão de entrevistar Deusdedite Fernandes Pimenta. Ele nos recebeu em sua casa em animada “sessão nostalgia”, quando recordou que estivera nos braços do famoso Massilon Leite, incentivador de Lampião no ataque a Mossoró, fato ocorrido em 1927. Em voz clara e cheia de energia, evocou ainda outras figuras populares de Caraúbas, entre as quais a não menos famosa de Quincas Saldanha que há mais de cinqüenta anos aterrorizou uma vasta região, cuja casa forte, um digno exemplar da arquitetura rural sertaneja, centro político da sua propriedade rural retalhada por seus herdeiros, ainda continua de pé, incorporada já ao perímetro urbano do município. Homem corpulento e cordial, de 83 anos, Deusdedite tinha apenas alguns meses de vida quando a fazenda Timbaúbas, do seu avô Hipólito Fernandes, foi invadida por Massilon que se fazia acompanhar por oito ou dez cabras armados, onde pernoitou e trocou uma sela nova pela velha que trazia. Na saída, vendo-o nos braços da babá, tomou-o nos próprios braços e depois de alguns minutos o devolveu à negra que, assustada, tremia.”
 
Vamos encontrar o rastro de Massilon em São Miguel, Rio Grande do Norte, em 1926, conforme nos conta Zenaide Almeida Costa: “Eram quatro horas da tarde do dia 2 de fevereiro, quando João Grosso chegou correndo, esbaforido. Vinha de cima da serra, na estrada da vila, de onde avistara o mar de gente que se aproximava.”
 
“Na vila os Revoltosos abriram algumas portas de casas comerciais, tirando delas apenas os mantimentos necessários à sua alimentação naquele dia. Saíram à tarde, deixando somente o medo e alguns cavalos estropriados, trocados por cavalos sadios que, apesar de escondidos nas matas dos sítios, com os focinhos amarrados e de cabaça para cima, foram encontrados e surrupiados. Baixaram as águas, mas como sói acontecer, a epidemia chegou no dia seguinte muito cedo e sem aviso! Um marginal, alcunhado de ‘Sargento Preto’, embriagado, desgarrado da Coluna e em companhia de indivíduos da mesma estirpe, arrombou casas comerciais, distribuindo mercadorias com pessoas que estavam regressando à vila, despejando gêneros, tecidos, miudezas e bebidas no meio da rua. Saiu de porta em porta chamando quem ainda não tinha se apresentado (por timidez ou honestidade) para receber seus ‘donativos’. Abriu o cartório e em frente ao prédio, fez uma pilha de todos os livros e documentos, despejou querosene por cima, ateou fogo. Desapareceu depois do saque. Dois dias após chegou outro grupo vestido de mescla azul, com bonés do mesmo pano, dizendo-se ‘patriotas’. novo saque em todas as casas comerciais e de residência. tomaram armas, munições, animais, o que sobrou de víveres, provocaram brigas nas ruas. Era o grupo de Massilon, semelhante ao de Lampião, que imperava naquelas quebradas de serra e nos sertões, armado, fardado, e segundo eles próprios afirmavam, autorizados pelo Padre Cícero Romão Batista, do Juazeiro, a combater a coluna prestes. saíram deixando a desolação, o pânico, tudo depredado, arrasado!”
 
O que uniu Massilon, assassino confesso dos Dutra em Brejo do Cruz; contratado para matar o Coronel Francisco Pinto, de Apodi, Rn; lugar-tenente de Lampião na invasão de Mossoró, quando tentou entrar na casa do Coronel Rodolpho Fernandes pelos fundos; o Coronel Isaías Arruda, financiador da invasão a Mossoró e os Coronéis Quincas e Benedito Saldanha? Que foi Júlio Porto e qual sua participação nesses fatos históricos?

Estamos em 1927. Rodolpho Fernandes é o Prefeito de Mossoró, segunda maior cidade do Rio Grande do Norte. Sua ascensão ao poder revela o predomínio político que sua família, descendente de um português casado com uma filha do fundador de Martins, Francisco Martins Roriz, adquirira ao longo do tempo, e que se baseava, fundamentalmente, na exploração industrial da cultura do algodão.
 
Aqueles eram novos tempos. O Sertão, através de José Augusto Bezerra de Medeiros granjeara, para si, o poder que os Maranhão, ricos usineiros do açúcar, entregaram lentamente aos coronéis proprietários de terra onde o algodão brotava e enriquecia. Mas esse mesmo poder, calcado na terra, cedia, agora, espaço a uma burguesia que se firmava por intermédio da industrialização e do comércio. Os Fernandes estavam à frente desse processo de mudança e iriam viver seu apogeu logo mais, após a vitoriosa campanha do Partido Popular contra Mário Câmara, com a eleição de Rafael Fernandes para dirigir os destinos do Rio Grande do Norte.
 
Enquanto não se consolidava de vez o poder nas mãos dos Fernandes, na capital seguidores de José Augusto olhavam com preocupação esse avanço político em Mossoró, líder inconteste do Oeste Potiguar, sob o comando de Rodolpho, e no Alto Oeste, cuja cidade principal, Pau dos Ferros, era dominada pelo Coronel Adolpho Fernandes, seu primo. De Mossoró para dentro, até a fronteira com a Paraíba, portanto de Martins a Luis Gomes, os Fernandes dominavam. Em Apodi, embora o Coronel Chico Pinto não fosse Fernandes, era correligionário e amigo pessoal do Prefeito de Mossoró.
 
A oposição não descansava, era aguerrida e chegava até os salões do Palácio do Governo, onde auxiliares diretos de José Augusto o intrigavam junto a Rodolpho Fernandes. Em carta dirigida ao escritor Nertan Macedo, Paulo Fernandes, filho de Rodolpho, chega a ser enfático em relação a essa intriga entre os dois líderes políticos: “O Governador do Rio Grande do Norte, Doutor José Augusto Bezerra de Medeiros e o seu chefe de polícia, Desembargador Manoel Benício de Melo, estavam à época, em franco dissídio com o prefeito de Mossoró (meu pai); O Sr. Mirabeau Melo, chefe da repartição do telégrafo em Mosssoró era irmão do chefe de polícia, e atuava como informante das coisas locais e porta voz do governo era um medíocre intrigante, inadequado para a missão que o destino lhe reservou pois tanto o governador do estado e seu chefe de polícia como o prefeito de Mossoró eram homens de bem e do mesmo partido político de modo só se compreende o dissídio entre eles em torno do problema de interesse público em virtude da ação maléfica de mexeriqueiros ” (...).
 
Tal oposição chegou ao cúmulo de tentar levar Rodolpho, um homem sério, respeitado, ao ridículo, como nos lembra Paulo Fernandes na mesma carta: “As advertências à população e providências tomadas por meu pai eram exploradas pela oposição até com o ridículo. Chamavam-no, por exemplo, de velho medroso, por se preocupar com um possível ataque de Lampião à cidade” (...).
 
A par dessa situação política tensa, na qual vivia o Coronel Rodolpho Fernandes, o futuro parecia promissor: sua liderança em Mossoró era inconteste, a cidade crescia a olhos vistos sob sua administração, dois dos seus três filhos homens faziam medicina fora e voltariam, brevemente, para dar continuidade a seu legado, e sua família era, naquele período, uma das mais ricas do Estado.
 
Mesmo assim o Coronel Rodolpho não descuidava. Não saía de sua lembrança a forma violenta através da qual seus parentes de Pau dos Ferros tomaram o poder naquela cidade. As histórias acerca do cangaço corriam de boca-em-boca pelas praças e ruas da cidade. Notícias vindas do Acre davam conta das aventuras de Childerico Fernandes, o Guerreiro do Yaco, irmão do Coronel Adolpho Fernandes, todas repletas de violência. O Coronel Chico Pinto lhe punha a par dos desmandos de seus adversários que iriam redundar na invasão da cidade por Massilon e em seu assassinato anos depois. As estripulias de Massilon em Brejo do Cruz, agindo a mando de pessoas que tinham interesses políticos em Apodi; as histórias oriundas do Cariri cearense, de deposição de Coronéis por outros Coronéis através das armas, tudo isso lhe trazia profunda preocupação.
 
Assim, pareceu-lhe particularmente preocupante algumas informações que pessoas a si ligadas por laços comerciais e afetivos lhe fizeram chegar aos ouvidos por aqueles dias do começo do ano de 1927.

Continua...




















AÉCIO NEVES BATEU OU NÃO NA NAMORADA?

É impressionante.

Ailton Medeiros, Juca Kfouri e o Blog do Paulinho dizem que sim.

Noblat, Paulo Henrique Amorim e Lauro Jardim dizem que não.

Nesse embate, algo chama atenção: fotos do governador com sua namorada, Letícia Weber, posteriores à surra, numa praia de Floripa, liberadas pela assessoria do Governador, e publicadas num site, eram de 2008, segundo Ailton, citando o Blog do Paulinho.

E agora?

ANAMNESE

“A teoria de Platão da anamnese, isto é, de que todo o conhecimento é recognição ou recordação do conhecimento que tivemos em nosso passado pré-natal, faz parte da mesma concepção: no passado reside não só o que é bom, nobre e belo, mas também a sabedoria” (A Sociedade Aberta e Seus Inimigos; Sir Karl R. Popper; v. 1; 1974, Itatiaia/Edusp; pág. 238).

SÃO PAULO, RUA SÃO JOÃO COM A IPIRANGA

“Para se conhecer uma cidade, é necessário viver nela três dias ou trinta anos. Ao final dos trinta anos, verifica-se que o julgamento apos os três dias é que é o bom” (JEAN COCTEAU, Citado em “A biblioteca e seus Habitantes, de AMÉRICO DE OLIVEIRA COSTA).

À noite, todos os nuances da escuridão são ameaças, no centro de São Paulo. Os passos de quem lá aporta, por esse ou aquele motivo, desenham incompreensíveis percursos aos olhos de quem os observa. Mas não é embriaguez (ou é); não é o resultado de alguma droga (ou é). É a distância calculada que se toma de qualquer outro transeunte - esse desconhecido, o perigo.

Os bares da São João. Pequenos. Quase todos lotados apenas de homens. O cheiro de fritura no ar.

Os habitantes: bêbados, drogados, prostitutas, traficantes, decaídos, mendigos, travestis, menores, andarilhos, e a polícia, sempre a polícia...

Os hotéis e sua aparência. Qual aparência?

No meio da rua, noite alta, o adolescente franzino, entre muitos outros, de cabelos lisos e compridos incessantemente afastados dos olhos, vestido com uma irreal calça “jeans” extremamente folgada, cujos bolsos dianteiros e traseiros batiam-lhe nos joelhos, revoluteava, borbolético, entre um bar e uma casa de diversão de jogos eletrônicos. No dia seguinte, pela manhã, e já tarde da noite, novamente, lá estava ele, ininterrupto, como se ali fosse seu mundo ou então fizesse ele parte da paisagem local. Onde moraria? Quem seriam seus pais? Teria irmãos? Ninguém sequer aprisionava-lhe o olhar...

“Recanto dos Amantes”. Um nome em contraste com a cinza selva de pedra em plena transversal da São João. Ela me disse, olhando para algum ponto indefinido, enquanto segura o copo de conhaque: “talvez não nos vejamos nunca mais”. Havia melancolia nas suas palavras. Eu me dispus a lhe contar como encarava esses desencontros da vida: um imenso pátio, vazio, folhas secas pelo chão, uma rajada de vento, a dança delas no ar, o encontro, logo desfeito, casual entre uma e outra - eis como tudo ocorria. Não o fiz. Como ela engordara muito, esse tom não combinava com sua nova estampa.

A São João, à noite, causa medo aos que não lhe são íntimos. Além de curiosidade e repulsa durante o dia. Quando o sol se põe ela vira uma selva, onde cada um com o qual se cruza pode ser um predador - aquele que o destino lhe reservou. São os freqüentadores de bares suspeitos, inferninhos, prostíbulos disfarçados, pontos de droga... É o submundo vindo a tona.

Com a luz do sol, a vida surge frenética. Há um vai-e-vem intermitente, irritante. Uma profusão de cores e barulho e os incontáveis odores de frituras e churrascos infestam cada espaço da rua. Tipos exóticos fazem “performances”. Há desde o comuníssimo tocador de viola, até o singular dançarino imensamente feio que ostenta, como insígnia de sua estranheza, duas inacreditáveis marias-chiquinhas.

Nada diferente, ao que consta da realidade de toda grande cidade, mundo afora: Nova Iorque, Tóquio, Cidade do México... Nada diferente, em menor escala, em cada pequena cidade?