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sábado, 24 de novembro de 2012

DE COMETAS POLÍTICOS


 
 

Honório de Medeiros

 

                                      Alguns políticos são líderes de um sistema de forças políticas.
 
Porque sistema? Para diferenciá-lo de conjunto, um aglomerado de alguma coisa reunido sem qualquer propósito específico. Um monte de pedras, por exemplo, largados em algum lugar.
 
“Forças políticas”, por sua vez, são segmentos constituídos por militantes expostos ou não, que embora integrantes do todo que é o sistema, atuam em espaços e tempos distintos: há o âmbito municipal, o estadual, o federal; há o judiciário, o legislativo, o executivo; há a Igreja Católica, a Evangélica, o Candomblé; há os homossexuais, os negros, as mulheres, os jovens; há os intelectuais, os técnicos, os carregadores-de-piano, há os servidores públicos e os celetistas; há as associações de classe e os sindicatos, e assim por diante. Cada segmento desses é uma força política em si mesma.
 
                                      O líder de um sistema de forças políticas possui seguidores firmes, no topo e/ou na base, em todos esses segmentos, que são elos de ligação, pontos de intersecção, núcleos irradiadores e receptores da teia ou rede que é como visualmente podemos conceber o ambiente e o tempo onde o sistema se espraia ou se concentra. Tais seguidores podem ter herdado seu próprio “status” ou mesmo tê-lo conquistado ao longo de um processo às vezes demorado, às vezes rápido, mas plenamente absorvível, desde que respeitada a tessitura, o bordado que o compõe e que é seu limite natural de sobrevivência.
 
                                      Sabe-se acerca da existência de um sistema de forças políticas por intermédio de vários meios, mas o apropriado, realmente, é utilizar o princípio da exclusão ao se analisar o quadro político onde supostamente ele estaria inserido. Basta, então, nos perguntarmos, ao analisarmos um determinado espaço delimitado geograficamente, como o Rio Grande do Norte, qual grupo político nele não poderia faltar, sob pena de descaracterização da pesquisa.
 
Da mesma forma, podemos utilizar o mesmo princípio da exclusão para localizarmos, sem qualquer dúvida, qual o verdadeiro líder de um sistema político: será sempre aquele sem o qual há um vazio de poder inaceitável, uma fragmentação de toda a rede ou teia, um desmoronamento de todo arcabouço construído.
 
                                      Obviamente dentro do próprio sistema de forças políticas às vezes o líder é conduzido, embora sempre pareça o oposto; da mesma forma, pode ocorrer, em vida, abruptamente ou não, o deslocamento do bastão de comando das mãos do antigo líder para as de outro mais jovem. Em sistemas de forças políticas razoavelmente sofisticadas, apesar de alguns abalos de percurso, esse processo ocorre naturalmente, embora também haja o contrário, situação esta que, o mais das vezes, conduz a rupturas que iniciam o seu desmanche.
 
                                      O certo é que há políticos, em contraposição, que não lideram sistemas de forças, mas um conjunto de agregados, vez que não comandam, coordenam ou dão direção à teia, rede, ou malha, com algum propósito que não seja a mera e instintiva sobrevivência.
 
Não possuem núcleos de Poder nos quais se firmem; não conhecem intercessões técnicas nos processos nos quais estão inseridos; não recebem e enviam informações através de mecanismos de busca e recepção confiáveis.
 
Por não possuírem recursos humanos qualificados dos quais se valham em qualquer situação, tais líderes políticos supõem comandar quando, na realidade, são pautados ou manipulados a uma distância além da possibilidade do seu entendimento; por não compreenderem que o instante não faz a história; a força não cria o Poder; a circunstância não elabora o definitivo; o presente não engendra o futuro ansiado; o efêmero não constrói o permanente; e a decisão solitária não tece a sabedoria.
 
Firmam-se, em contraposição à perenidade concreta dos sistemas planetários, para usar uma analogia pobre, mas consistente, como cometas[1] que brilham majestosos por algum tempo, mas logo se desfazem em pó, sequer deixando sua marca no imenso espaço do Universo.

[1] Introdução aos Cometas (http://www.if.ufrgs.br/ast/solar/portug/comet.htm): cometas são corpos pequenos, frágeis e irregulares, compostos de uma mistura de grãos não-voláteis e gases congelados. Eles têm órbitas altamente elípticas, que os trazem para muito perto do Sol e os jogam profundamente no espaço, freqüentemente para além da órbita de Plutão.
 
 

sábado, 3 de novembro de 2012

A POLÍTICA E A LENDA DE DIÓGENES, O CÍNICO

Diógenes, o Cínico
 
Honório de Medeiros
"Aqueles que atravessaram
de olhos retos, para o outro reino da
morte
nos recordam - se o fazem - não como'
violentas
almas danadas, mas apenas
como os homens ocos
os homens empalhados".

"Os Homens Ocos"
THOMAS STEARN ELLIOT

Li, certa vez, há muito tempo, a lenda de Diógenes, O Cínico.

Refiz imprecisamente, claro, na imaginação, a cena: ao ver Diógenes uma criança se dessedentar na margem de um riacho utilizando o côncavo da mão, desfez-se de sua caneca e, a partir de então, somente passou a ter, de seu, o manto com o qual ocultava sua nudez e o tonel onde dormia.

A caneca era desnecessária. Acreditava Diógenes que em nada possuindo, seria um homem livre. E o era, em certo sentido. Há muito de Diógenes na ira de Proudhon ao dizer “toda a propriedade é um roubo!” Instado por Alexandre, O Grande, seu admirador, a lhe dizer o quê desejava, Diógenes respondeu de pronto pedindo que não fosse obstruída a passagem do sol com o qual se banhava.

Heroicos tempos, aqueles, nos quais homens como Empédocles preferiam descobrir uma só lei causal a governarem o mundo; assim era Atenas, a Hélade, berço da civilização ocidental, aurora da democracia cuja essência repousa no conceito ético de "homem público virtuoso".

Qual a ligação existente entre a ingênua concepção de mundo de Diógenes e esse homem público virtuoso cujo perfil Péricles tão bem delineou em sua célebre "Oração aos Mortos de Maratona?"

 

Entre outras uma dicotomia aparente: a virtude privada, de um lado, e, do outro, a virtude pública. Para Diógenes, o homem somente se realizava através do rompimento com os grilhões que a vida em sociedade impõe; para Péricles, o homem somente se realizaria na medida em que esses grilhões, ou seja, as leis, os costumes, a moral, estabelecidos voluntariamente a partir de uma cultura comum, transformassem o homem em "cidadão", e em o transformando, concretizassem um ideal de sociedade virtuosa.

 

Ou seja, esse “cidadão” deveria ter altruísmo social, subordinando sua ambição pessoal ao projeto de construção de uma sociedade democrática tal qual a delineada pela "Paidéia" ateniense.

 

Hoje, ao observarmos o cenário político no qual vivemos, não podemos deixar de nos lastimar. Os políticos pouco ou nada fazem para ocultar a ambição pessoal que origina suas ações políticas, e suas aparições públicas são de um ridículo atroz. Pior: as agressões pessoais, a lavagem de roupa suja em público, a indigência oratória, a ignorância generalizada, o cinismo deslavado, atingem os eleitores e permitem a continuidade de um processo eleitoral que lembra, a todo instante, para os observadores mais avisados, quão atrasados estamos...

 

São tais políticos os homens ocos aos quais se refere Elliot.
Em ambientes políticos como o que vivemos, florescem as mais exóticas e nocivas plantas. Trata-se, segundo os cientistas políticos herdeiros do liberalismo, do ônus da democracia. E, assim, por sermos democratas, somos obrigados a conviver com alpinistas sociais, corruptos, mentirosos, hipócritas, arrivistas, aventureiros, e assim por diante.

O homem comum, por não entender a complexidade das forças que dispõem acerca de tal estado de coisas, passa a ansiar pela concretização de fantasias esdrúxulas: alguém que lhe traga ordem, segurança, que restabeleça o "status quo" anterior, o passado mítico... Torna-se, assim, presa fácil de messiânicos, manipuladores, ilusionistas.

Como aconteceu na eleição de Fernando Collor de Mello. Na de Jânio Quadros. Como pode acontecer novamente se nossas instituições continuarem frágeis como o são. Como pode acontecer novamente se não forem realizadas as reformas econômicas, políticas e sociais das quais tanto necessitamos, e o Brasil se enrodilhe, mais uma vez, na teia de interesses escusos que a ambição de alguns, neste presente momento, com certeza, está tecendo para nossa angústia.

E, em se enrodilhando, em se alienando nessas armadilhas todas, ao longo do tempo amplie, na Sociedade, um sentimento funesto de desencanto com a democracia.

Argumentos contra a Democracia não faltam. Sempre existiram, existirão sempre. Inteligentes, sutis, perigosos... Não faz muito tempo que Jorge Luis Borges a chamou de mera "ficção estatística".

Argumentos como esses, em ambiente construído e manipulado pelo capitalismo selvagem, no qual a ótica do lucro se impõe à ética do altruísmo social, são apropriados para aventuras tais como censura à imprensa, desprezo às leis e juízes, aplicação do “olho por olho, dente por dente”, corrupção de Estado...

Aventuras nas quais todos perdem, inclusive quem as provoca e delas supõe usufruir!

sábado, 13 de outubro de 2012

O QUÊ LEVA O JOVEM AO CRIME

Honório de Medeiros

 
Uma das conseqüências possíveis relacionadas com a teoria da Antropóloga Alba Zaluar, Coordenadora do NUPEVI (Núcleo de Pesquisa das Violências), ligado ao Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, de que apenas a pobreza e a desigualdade social não explicam a ida de jovens para a criminalidade, é dar razão ao senso comum do povo quando clama pelo endurecimento da legislação penal.
 
A teoria, exposta em matéria assinada pelo jornalista Antônio Góis, da sucursal da Folha de São Paulo no Rio de Janeiro, apresenta como uma das causas do envolvimento de jovens com a violência a estrutura cultural que induz o surgimento do que ela chamou de “etos da hipermasculinidade”, ou seja, trocando em miúdos, “a busca do reconhecimento por meio da imposição do medo”.
 
É algo decorrente da chamada “cultura machista”: os filhos homens são criados em ambientes que reproduzem condutas herdadas de desrespeito sistemático às mulheres, aos homossexuais, aos negros, às minorias, enfim, e valorização direta ou subliminar dos ícones da masculinidade distorcida; a música, a tradição oral, o lazer, a literatura, a própria postura passiva das minorias contribuem para a construção desse perfil medíocre e ameaçador.
 
A antropóloga lembra que “se a desigualdade explicasse a violência, todos os jovens pobres entrariam para o tráfico. Fizemos um levantamento na Cidade de Deus (conjunto habitacional favelizado na zona Oeste do Rio de Janeiro) e concluímos que apenas 2% da população de lá está envolvida com o crime.” É outra comprovação científica que respalda o senso comum: se apenas a pobreza fosse passaporte para o crime, não haveria Sociedade da forma como conhecemos. Melhor, não haveria tantos ricos criminosos.
 
De posse do trabalho apresentado por Alba Zaluar talvez pudéssemos pelo menos iniciar a discussão em torno da ampliação das penas no Brasil. Quem sabe instaurarmos a prisão perpétua: não outra punição merece uma quadrilha de assaltantes recentemente presa em São Paulo, todos na faixa dos vinte anos, especializados em condomínios, que se tornaram conhecidos por torturarem suas vítimas, fossem elas novas ou idosas. Prisão perpétua com alimentação, saúde, lazer, tudo pago com trabalho – há tantas estradas para ajeitarmos, Brasil afora, tanta terra para ser arada...
 
E o maior empecilho, para aumentarmos a dosagem das penas no nosso país, para criarmos a prisão perpétua, é exatamente esse remorso social – quando não é a defesa em causa própria, como por exemplo, o caso dos nossos congressistas, grande parte respondendo algum tipo de processo – hipócrita que nos corrói a capacidade de enxergar o óbvio agora corroborado cientificamente. Sempre achamos, segmentos da elite, que a criminalidade tinha ligação direta com a pobreza. Recusávamo-nos a perceber, com o povão, que sofre nas mãos da delinqüência e nas mãos da polícia, que não era assim, afinal não se justifica que haja tortura e morte desnecessária em cada assalto realizado: a crueldade é um ritual de passagem na hierarquia do crime, dependente da admiração dos companheiros: quanto mais cruel, mais admirado, quantos mais homicídios, mais enaltecido.
 
Agora é tempo de ir atrás do prejuízo antes que seja tarde demais: contamos nos dedos as casas e condomínios onde não há cerca elétrica e cães, isolamento e medo. Fazemos de conta que não há guerra civil em São Paulo e Rio de Janeiro. Iludimo-nos pensando que o Estado é soberano em algumas áreas das grandes cidades do Brasil.
 

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

DE KELSEN, GÖDEL E DA SOLIDÃO INTELECTUAL DOS ESPECIALISTAS

Kurt Gödel
www-history.mcs.st-and.ac.uk
 
 
Honório de Medeiros
 
Kelsen foi, sem dúvida, o mais fecundo e complexo dos filósofos que pensaram o Direito.
 
Mas os fatos,  destruidores de utopias filosóficas, e, no plano da lógica, Kurt Gödel, a quem Aristóteles não faz sombra, sepultaram o belo e ousado projeto de transplantar, para o entendimento, a compreensão, do universo jurídico, com a Teoria Pura do Direito, o ideário do positivismo lógico de Viena (Moritz Schlik) prenhe do ceticismo ontológico de Wittgenstein.
 
 Em sua última fase Kelsen rendera-se, muito embora o último e distorcido esgar do positivismo lógico, de forma oblíqua, fosse o funcionalismo sociológico americano. E, no mundo jurídico, Niklas Luhmann.
 
 O sistema jurídico não pode ser fechado,como Kelsen supunha, e isolado dos epifenômenos sociais com os quais ele constitui a trama social. Ao contrário, o sistema jurídico é aberto, eu diria mesmo escancarado, e fica reforçada, em assim sendo, a perspectiva que o considera, como o apontam os marxistas, um consequência do poder político.
 
Um engendramento, eu diria, mais que uma conseqüência, assim como a retórica e o terrorismo de Estado.
 
É de se lamentar que comentem Kelsen sem entender a filosofia da ciência de sua época. Sem entender Kant. Sem entender Marx.
 
Deus nos livre da solidão intelectual na qual vivem os especialistas em quase tudo acerca de quase nada. 
 
 
Hans Kelsen
darlanferreira.com.br
 

sábado, 1 de setembro de 2012

A CRÍTICA É O PRESSUPOSTO DO CONHECIMENTO CONSCIENTE

 
A Árvore do Conhecimento


Leia mais em: http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2010/02/arvore-do-conhecimento.html



Honório de Medeiros


                        Um dos maiores, senão o maior, males do qual padece a Educação, é a crença – o termo correto é esse – no aprendizado por informação.
 
                        Por essa crença nosso cérebro é como um recipiente vazio que deve ser preenchido com o conhecimento que nos for fornecido.
 
Popper denomina essa crença de “Teoria do Balde Vazio”, e ela depende, fundamentalmente, da suposição de que conhecemos por que observamos, o que nos conduz a um empirismo ingênuo, no qual a observação do que somos e do que nos cerca é possível graças ao raciocínio indutivo.
 
Este não é o espaço apropriado para analises acerca dessas teorias. Convém lembrar, de forma parafraseada, entretanto, um “blague” que Popper, em tom irônico, apresenta em uma de suas obras dedicadas à Teoria do Conhecimento: se solicitarmos a algumas pessoas que durante certo tempo cronometrado apenas observem, e, em seguida, nos digam o que aprenderam com essa observação, provavelmente todas elas indagarão: “em relação ao quê?”
 
Pois parece óbvio que somente é possível o conhecimento de algo a partir de um conhecimento já existente, o que situa a observação no seu devido lugar, qual seja o de comprovar, ou negar, uma teoria já existente.
 
Não por outra razão a informação (conhecimento) que não é precedida de um conhecimento real, concreto, indiscutível, que nos permita aceitar de forma crítica, e, portanto, entender aquilo acerca do qual que se está sendo informado, resulta em nada.
 
E, também, não por outra razão, lê-se sem que se compreenda, participa-se dos fatos sem que se aquilatem suas causas, essência, e consequências, fala-se e escreve-se o que não tem sentido, concretizando a imagem fiel da alienação intelectual que descreve tão bem os habitantes do mundo em que vivemos.
 
Para que se estabeleça o processo de aquisição do conhecimento é preciso que algo deflagre, em nós, a angústia criativa de sobreviver a uma realidade que não mais é apreendida pelo que sabíamos até então. Ocorre em situações críticas, e independentes de nossa vontade. O senso comum diz isso de forma brilhante: “a necessidade é a mãe da invenção”.
 
Podemos, entretanto, gerar esse processo de conhecimento. Se formos estimulados a criticar (no sentido de buscar falhas, contradições, desarmonias) na informação que nos é fornecida, com certeza avançaremos. A crítica, portanto, é o pressuposto do conhecimento consciente. Não por outra razão Bachelard, o poeta/filósofo, afirmou: “O conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão”.
 
 E não por outra razão Kiekergaard nos impeliu a “duvidar de tudo”.
 
Muito mais recentemente Karl Popper propôs que o conhecimento novo – não apenas a filosofia – começasse por problemas. Esses problemas surgiriam do contraste entre o conhecimento antigo, a expectativa de que regularidades, padrões, se mantivessem, inclusive em relação a nós mesmos. Ao nos depararmos com algo que o nosso conhecimento antigo não explica, há uma fragmentação nas nossas expectativas e surge, então, o problema a ser solucionado. Observe-se que tal teoria pressupõe a existência do conhecimento inato adquirido geneticamente, no que é referendada pela teoria da seleção natural de Darwin.
 
A técnica mais banal para o exercício da crítica é o uso do contra-argumento (contraexemplo). Uma vez tendo recebido alguma informação, submetamo-la à crítica, argumentando na medida de nossas possibilidades, contra ela. Nada teremos a perder, muito teremos a ganhar em utilizando tal técnica. Outra técnica simples é indagar, dialogar com a informação. Para tanto cabe usar o que nos ensina a técnica jornalística, indagando a nós mesmos e também respondendo: Quem? Quando? Como? Onde? O quê? Por quê?
 
Uma vez que o espírito da crítica pedagógica, a vigilância epistemológica que pode conduzir à ruptura epistemológica, à “reforma das ilusões”, se estabeleça como “Paidéia”, padrão cultural, ideal civilizatório, o avanço será inexorável, e a nossa Educação somente ganhará com essa opção.
 
Para que se tenha ideia de como não evoluímos ao longo desses anos, em discurso na solenidade de formatura de todas as turmas concluintes do ano de 1982, representando os alunos, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, tive a oportunidade de dizer:
 
                        “Como entender, por exemplo, que no âmbito da Universidade, onde o sonho e a crítica deveriam caminhar de mãos dadas, permeando a efígie do futuro de esperança e conhecimento, nada mais se encontre do que o imediatismo, o pragmatismo solerte e a mera repetição anacrônica de informações? Como aceitar a inacreditável relação professor-aluno, completamente abstraída da consciência do saber, que conjuntamente com a preocupação de suscitar dialéticas, referendar críticas e debates livres, numa ontologia da ideia ensinada e na aplicação do racionalismo docente, constitui a preocupação básica de Gaston Bachelard, exposta em sua obra “Racionalismo Aplicado”, onde nos lembra: “De fato, numa educação de racionalismo aplicado, de racionalismo em ação de cultura, o mestre apresenta-se como negador de aparências, como freio a convicções rápidas. Ele deve tornar mediato o que a percepção proporciona imediatamente. De modo geral, ele deve entrosar o aluno na luta das ideias e dos fatos, fazendo-o observar bem a inadequação primitiva de ideia com o fato”.
 
                        Se na observação do problema limitamo-nos ao componente psicológico da relação professor-aluno, necessário se faz observar os próprios problemas estruturais em torno dos quais gravitam os específicos. Precisamos ir ao encontro do espírito mais geral que preside os fatos e as idéias no âmbito da Universidade. Fundamental é retornar à consciência crítica e política no sentido socrático-aristotélico, que é seu pressuposto maior. Fundamental é acreditar que quimera e contestação, a discussão, a livre manifestação de idéias - alicerce do conhecimento - caminham ou caminharão nos corredores da Universidade.”
 
                        Portanto precisamos ensinar a criticar, para que seja possível o conhecer, afastando, de vez, essa perspectiva ideologicamente equivocada e intelectualmente ultrapassada de informar para formar.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O "OAB RECOMENDA" E A GESTÃO DO ENSINO NAS INSTITUIÇÕES PRIVADAS DE ENSINO JURÍDICO

Por Honorio de Medeiros
                              
                               A Diretora Nacional de Ciências Jurídicas do Grupo Estácio, Solange Moura, explicando o índice de aprovação de 45,83% do Campus Petrópolis no Exame da OAB cujo resultado foi anunciado neste agosto de 2012, fez um diagnóstico das dificuldades das instituições particulares quando comparadas com as públicas e apresentou o projeto pedagógico que, no seu entender, é o apropriado para enfrentar tal situação. Veja em: (http://www.tribunahoje.com/noticia/36467/brasil/2012/08/13/universidades-federais-sao-campeas-de-aprovacao-no-exame-da-oab.html).
                               No seu entender o trabalho das instituições particulares é “muito mais duro” que o das públicas, já que elas recebem, de forma acentuada, os alunos vindos do ensino público, e precisam nivela-los com aqueles oriundos do ensino privado de primeiro e segundo graus.
                               Diz Solange: “Nos primeiros anos trabalhamos fortemente leitura e redação. A formação específica é feita de forma contextualizada. A cada semana eles resolvem um caso concreto jurídico”.
                               Seria interessante sabermos se é esse o projeto pedagógico do INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROFESSOR CAMILLO FILHO (ICF), uma Instituição de Educação Superior (IES) mantida pela SOCIEDADE PIAUIENSE DE ENSINO SUPERIOR LTDA. O ICF foi inaugurado em 5 de julho de 2000, iniciando suas atividades acadêmicas em 5 de agosto do mesmo ano, e recebeu, recentemente, o disputado “OAB RECOMENDA”  (http://oab.jusbrasil.com.br/noticias/3092628/oab-confere-selo-de-qualidade-a-89-cursos-de-direito-brasileiros).
                               Aqui no Rio Grande do Norte somente o CENTRO UNIVERSITÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE (FARN) ostenta esse galardão.
                               Não é muito difícil chegar ao diagnóstico apresentado pela Diretora Solange Moura. Entre outros indicativos, tais como gestão equivocada de recursos humanos e infraestrutura, ou mesmo planejamento realizado segundo moldes ultrapassados, a questão do nível de aprendizado dos alunos das escolas públicas, principais “clientes” dos cursos particulares de Direito, é, realmente, significativa, e uma das causas do pífio resultado obtido por essas instituições nos exames da OAB.
                               Outro indicativo é a leniência com os alunos que estudam à noite e sua cultura de “pagou passou”.
                               Da mesma forma, no que tange a sua proposta pedagógica, no geral ela está correta. A grande questão não é a ideia em si de trabalhar esmeradamente leitura e redação, como proposto, nos primeiros anos. Aliás, é preciso trabalhar firmemente leitura e redação TODOS OS ANOS DO CURSO.
                               O problema é como fazê-lo. Aliás, esse é o problema fundamental da gestão, pois implica em avaliação permanente e retificação constante dos obstáculos que se apresentam, tudo dentro de uma determinada perspectiva estratégica. Leia, para ter uma noção, http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2011/06/eficiencia-na-gestao-publica.html
                               No caso específico das instituições particulares, que têm de levar em consideração a presença do viés financeiro e seu mandamento fundamental (“é preciso lucro”) no planejamento, a gestão, para alcançar êxito, precisa de recursos humanos com experiência (currículo) e descortínio. Precisa de solidez e ousadia. Precisa de conhecimento e inteligência. Não há espaço para a mediocridade.
                               Será que as instituições particulares de ensino do Direito no Rio Grande do Norte estão atentas a esses parâmetros?                    

sábado, 5 de novembro de 2011

UMA OBRA A MAIS, UMA POLÍTICA PÚBLICA A MENOS

Até quando?


Honório de Medeiros



Há uma lógica perversa, induzindo a opção por privilegiar obras físicas em detrimento de políticas públicas, nos governos brasileiros, sejam estes quais sejam: municipais, estaduais, ou mesmo federal. Tal lógica é ainda mais perversa por praticamente excluir a opção pelas políticas públicas, entendidas estas “como as várias funções sociais possíveis de serem exercidas pelo Estado, tais como saúde, educação, previdência, moradia, saneamento básico, entre outras”, no dizer de Antônio Sérgio Araújo Fernandes, Doutor em Ciência Política pela USP e professor de Políticas Públicas da UNESP/Campus Araraquara, em “Políticas Públicas: Definição, Evolução e o Caso Brasileiro”.

Em primeiro lugar, a opção por obras físicas, QUANDO RESULTADO DESSA INDUÇÃO, é conseqüência de uma demanda específica: a das grandes empresas de construção civil e de serviços – e suas agregadas – que precisam recuperar o montante investido nos candidatos por elas apoiados e, também, convenhamos, como conseqüência do fato de seus proprietários, o mais das vezes, serem integrantes, através de laços familiares ou de compadrio, da elite política, quando não são o que comumente chamamos, no Brasil, de “laranjas”, ou seja, títeres dos próprios políticos.

Em segundo lugar, a opção por obras físicas é, também, conseqüência de outra demanda específica: a necessidade de encher os cofres vazios da elite política vencedora dos pleitos eleitorais aos quais se candidataram, e construir reserva para as futuras demandas político-partidárias.

Em terceiro lugar, a opção por obras físicas é, ainda, conseqüência de outra demanda específica: a de gerar condições de manutenção ou aquinhoamento financeiro dos quadros responsáveis pela gestão pública, sob a alegação (interna) de que não suportariam sobreviver com a remuneração miserável que lhes paga o serviço público (o chamado “por fora”).

Esse círculo vicioso – a elite política ser financiada pelas obras e serviços e, como conseqüência, por intermédio do Tesouro, financiá-las – consome o que sobra, no orçamento, quando pagos o custeio da máquina e a folha de pessoal, na maioria das vezes com manipulação orçamentária, sem praticamente nada deixar para a efetivação de políticas públicas.

A manipulação, persistente, o gerenciamento estrutural e dolosamente equivocado das finanças públicas, se mantém com a conivência dos Órgãos fiscalizadores, seja por desídia, seja por incompetência. Ano após ano a Constituição Federal é desrespeitada e seus princípios norteadores, no que diz respeito à Educação e Saúde, entre outros, adquirem o perfil de “letras mortas”.

O círculo vicioso engendra uma custosa publicidade com o objetivo de persuadir a sociedade acerca dos bons propósitos de toda obra e qualquer serviço que estejam sendo feitos. Assim, toda e qualquer obra surge, na publicidade, como decorrência de uma “demanda social” e se destina ao “desenvolvimento sustentado”. Obras e serviços por intermédio dos quais circula o capital financeiro da elite política, para perpetuar a expropriação da força de trabalho da classe média, que é quem paga, na verdade, os tributos nossos de cada dia.

E as políticas públicas, tais como a luta pela erradicação do analfabetismo, a luta contra a mortalidade infantil, a luta pela qualidade do ensino em todos os graus, a luta pela queda dos índices de homicídios, latrocínios, furto, que não dão retorno financeiro – embora dêem retorno eleitoral (e como dão) – são deixadas de lado e nosso Brasil, este imenso Brasil que sobrevive às vezes milagrosamente, apesar do Estado, continua um dos líderes mundiais da exclusão social.

Vejamos o que nos dizem, por exemplo, Admir Antonio Betarelli Junior, Edson Paulo Domingues e Aline Souza Magalhães em seu estudo “QUANTO VALE O SHOW? IMPACTOS ECONÔMICOS REGIONAIS DA COPA DO MUNDO 2014 NO BRASIL”, encontrável no Google, sob o título acima. Leiam com atenção:

“Os resultados analisados neste trabalho dizem respeito aos impactos dos investimentos em infra-instrutora urbana e estádios programados para a Copa-2014 anunciados pelo Ministério do Esporte no início de 2010. A literatura de economia dos esportes costuma elencar outros impactos advindos dos eventos esportivos, como por exemplo: ampliação dos setores de serviços e hotelaria; fluxo adicional de turistas no evento e pós-evento; e exposição internacional do país, com atração de investimento externo. Entretanto, tais impactos, se existem, são de difícil mensuração e projeção. Por exemplo, diversos especialistas em economia do turismo (e.g. Matheson, 2002) consideram que um mega-evento como a Copa do Mundo apenas substitui turistas usuais no país-sede por “turistas-copa”, e mesmo estes podem efetuar um dispêndio no país significativamente menor, tendo em vista os gastos com ingressos e deslocamentos para o evento.

O principal resultado da Copa-2014 parece ser a melhoria da infra-instrutora urbana nas cidades-sede, o que representa efetivamente impacto de longo prazo na eficiência econômica de diversas cidades. Além disso, este trabalho destacou as opções de financiamento dos investimentos da Copa-2014, e sinalizou que o impacto econômico tende a diminuir com o financiamento público para as obras de estádios de futebol, uma vez que implicam ou no crescimento da dívida pública ou na redução do gasto das diferentes esferas de governo envolvidas. Embora no Brasil o futebol seja a “paixão nacional”, não se vislumbra uma forma de avaliar o ganho de bem-estar das famílias com a reforma e construção de estádios de futebol, de uso essencialmente dos clubes de futebol ou eventos comerciais. Provavelmente, um ganho mais importante de bem-estar ocorrerá com a vitória brasileira na Copa-2014.”

Ou seja, os impactos econômicos favoráveis são como miragens no deserto. E estão os autores abordando única e exclusivamente o viés econômico do evento. Não está sendo abordado o dano incalculável em termos de políticas públicas não gestadas e implementadas pela falta de financiamento governamental.

Obviamente que há toda uma plêiade de estatísticas justificando os investimentos do Governo. Não é nada difícil manipular estatísticas. Difícil é admitir que fazer calçamento possa ser melhor que educar as crianças, melhorar o atendimento médico-hospitalar ou diminuir as estatísticas da violência urbana e rural.              

sábado, 1 de outubro de 2011

O SISTEMA JOGA SUJO



Honorio de Medeiros


                        O pior da luta contra o Sistema é que não conseguimos individualizar o adversário. Não conseguimos identificar o responsável pela nossa ira. Não conseguimos olhá-lo no olho e lhe dizer o que ele merece escutar.

                        Lutamos contra algo amorfo, sem consistência definida, sem limites delineados, que não oferece resistência imediata e clara. Há pequenos recuos ante nossa indignação, que são apresentados pelos tentáculos do sistema – os seus operadores – e uma imediata, homogênea e difusa contrapressão como resposta ao incômodo que causamos e nós terminamos sendo manipulados e conduzidos, lenta e inexoravelmente, para o lugar que nos foi reservado.

                        Muito abstrato? Exemplifico.

Em uma instituição de ensino superior deste imenso e desgovernado País um velho e experiente professor de História das Idéias Políticas percebeu, em certo momento de desconforto profissional alusivo à “como as coisas estavam acontecendo” no seu Departamento, como quem acorda abruptamente e a realidade penetra sem rodeios sua percepção, um insidioso e ainda opaco processo de mudança nos paradigmas implícitos que governavam a Instituição. Algo sutil, mas persistente.

O velho professor já passara por algo semelhante, em sua longa carreira universitária. Sentiu que a luta era vã, sua resistência inócua, contra o processo que se instalava lentamente, mas decidiu lutar, resistir, para documentar, mesmo que somente para si, tudo quanto estava acontecendo.

“Quando tudo havia começado?”, se perguntou. “Ora, como saber?” Deixou essa questão para trás e tratou de fazer um registro e análise “positivista”, sem levar em consideração possíveis causas estruturalistas, materialistas, marxista-leninistas, do fenômeno em si. Faria o registro, pura e simplesmente dos fatos e os interpretaria a partir da própria lógica do sistema.

Recordou que longe, lá no começo, sua Disciplina, que previa 80 horas/aulas por semestre, fora reduzida para 60 horas/aula. Reduziram, também, para 60 horas/aula a Disciplina co-irmã História das Idéias Sociais. Depois, extinguiram História das Idéias Sociais e a História das Idéias Políticas passou a ser História das Idéias Sócio-Políticas, com as mesmas 60 horas/aula. De uma penada só o Sistema se livrou de vários professores.

Resolveu protestar, então. O Chefe do Departamento o escutou atentamente e se prontificou a levar sua Exposição de Motivos à próxima reunião do Conselho Diretor. Algum tempo depois, sem receber resposta do Chefe, indagou dele acerca da decisão do Conselho. Este lhe comunicou que o assunto estava despertando o devido interesse e que, inclusive, tinha sido encaminhado para a Comissão de Análise, uma instância superior, restando apenas aguardar e ter paciência.

Dias depois o velho professor recebeu formalmente, por intermédio de um Memorando, a notícia da desativação da sua linha de pesquisa. Novo protesto. Nova atitude do dirigente de encaminhar, para escalões superiores, sua queixa. Nova espera. E, como não poderia deixar de ser, nova retaliação: as decisões acerca da rotina futura acerca das relações entre professores e alunos de sua disciplina foram tomadas sem seu conhecimento, sem sua participação.

E o velho professor, no atual estado-de-coisas, ao perceber o esvaziamento profissional para o qual o encaminha o Sistema, passou a duvidar, inclusive, de si mesmo: “será que tudo isso não é o resultado da aplicação dos meios que são usados para afastar aqueles que, como eu, já estão próximos da aposentadoria, abrindo espaço para o “sangue novo” dos “inocentes úteis” que assumiam os paradigmas que lhes eram impostos com questionamentos meramente formais? Lembrou-se de uma antiga tia, professora universitária assim como ele, que se queixava amargamente, pouco tempo antes de sua aposentadoria, de como estava sendo deixada, deliberadamente, para trás em tudo que dizia respeito ao Departamento no qual estava lotada.

Como também se perguntou, muitas vezes, acerca de como o Sistema agia com outras pessoas, individualmente demarcadas, que eram seus opositores, por essa ou aquela circunstância pessoal. Lembrou-se de um amigo que encetara uma guerra solitária e inútil contra o Tribunal de Contas do seu Estado; outro às voltas com o Ministério Público Estadual; outro enredado nas malhas do Tribunal de Justiça; outro sendo massacrado, lentamente, na burocracia da Prefeitura Municipal. Por fim, outro, a quem a posição do seu Sindicato, oportunista e alienada, condenava ao isolamento. Todos vítimas, todos impotentes, todos derrotados.

“Que fazer”, perguntou-se muitas e muitas vezes. Tentar ser um predador, mesmo com os dentes gastos? Imaginar que a experiência compensa o passar do tempo e ir á luta? Ou deixar que tudo passe, sobrevivendo no dia-a-dia, sem se preocupar com o amanhã, agindo como a grande maioria age, engolindo o sapo nosso de cada hora e seguindo em frente? “Não há resposta”, concluiu desanimado. “O Sistema vence sempre”. “É mesmo seguir em frente.” “Caminhante, o caminho se faz ao caminhar”, consolava-se, enquanto a moenda prosseguia, implacável, até que nem o pó de seus ossos existisse mais. Nem o de todos os que viessem pela frente, meras peças de reposição.

Pois a idéia precede a ação, não há ação no vazio da mente, e assim emerge o sistema: uma idéia mutante, uma idéia fora do sistema anterior, fora do padrão, uma idéia que é um vírus em busca de um ambiente fértil no qual se replique, se desenvolva. Um “meme”.

Quando o primeiro ser humano cercou uma área de terra e afirmou que ela lhe pertencia, eis que surge uma idéia-mutante. Uma vez tendo surgido, e sobrevivido, atraiu outras idéias que puderam a ela se conectar, a mutação funcionando como atrator, ensejando o surgimento de uma rede. A rede é o Sistema. O Sistema é idéias e homens. O Sistema passa a se expandir na medida em que supera os obstáculos à sua expansão. Assim foi com o rock; assim foi com o futebol; assim foi com o protestantismo; assim foi, no Direito, com o Positivismo; assim foi com o cálculo integral.

Sistemas destroem Sistemas. O Coronelismo se foi; o Feudalismo se foi; o Cangaço se foi; Roma se foi; todos eles Sistemas que entraram em colapso.

Tudo há de ir, um dia. Enquanto isso, na moenda da vida, homens e idéias são triturados.