quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A PEQUENINA FLOR LILÁS


Criança e flor

Por Honório de Medeiros

Havia uma pequenina flor lilás no nicho de cimento onde algumas plantas resistiam bravamente. Era um restaurante em um terraço, ao cair da noite cálida de Natal. Bárbara desceu da cadeira na qual a tínhamos colocado e enquanto se preparava para se aventurar pediu nossa aprovação com o olhar com o silêncio próprio dos seus dois anos e pouco. Em passos ainda trôpegos se dirigiu para o canteiro. Parou. Fixou sua atenção na pequena flor solitária e, em seguida, estendeu até ela sua mãozinha gorducha. Não a pegou com a mão como deveria fazer na sua idade. Com o polegar e o indicador, cuidadosamente, pegou no talo que sustentava a flor e o puxou decidida. Arrancou a flor na primeira tentativa. Com a flor na mão a contemplou durante algum tempo, como se resolvesse o que fazer. Virou-se para nossa mesa. Olhou para mim e, atenta ao meu olhar, veio em minha procura bamboleando com a flor estendida numa oferta silenciosa enquanto meu coração derretia lentamente antegozando o instante em que a receberia.



Essa flor, a pequenina flor lilás, eu, quanto a ela não tive dúvida: em frente ao local onde trabalhava havia um mercado aberto de camelôs e, dentre estes, alguém operava uma máquina de plastificação de documentos. Procurei-o e lhe expus meu projeto: aprisionar aquele instante através do enclausuramento da flor entre duas páginas de plástico. Ele entendeu – eu poderia jurar que um ligeiro brilho clandestino formado por um misto de lembrança e saudade surgiu no canto dos seus olhos – e a flor foi depositada em cima de uma folha de plástico, recebeu outra por cobertura e a máquina, previamente aquecida, as comprimiu unindo-as para sempre. Depois, foi só recortar e depositá-la, para que ficasse guardada, qual talismã, na minha carteira de documentos onde jaz, ela, a primeira flor, lilás, que minha filha me deu de presente quando tinha dois anos e pouco de idade.



De lá para hoje, várias vezes me pego pensando acerca daquele momento mágico, o da oferta da flor. Tento reproduzir em detalhes toda a cena, desde o início até o final, quando suspendi minha filha e a cobri de beijos. Os detalhes vão ficando esmaecidos ao longo do tempo, os contornos dos objetos – a mesa, as cadeiras, o terraço, minha esposa, a imagem de Bárbara – desaparecendo lentamente, e todo o processo de recordar vai sendo substituído, aos poucos, pelo desejo de compreender algo impossível: o quê se passava na cabecinha dela quando olhou para a flor, resolveu colhe-la e, em seguida, entregá-la a mim. Em que momento decidiu dar esse último passo? Por quê? Como uma criança de dois anos e pouco poderia ter em seu ainda pouco povoado universo simbólico, a noção de que a oferta da flor é um gesto através do qual se externa um afeto?



Claro que dirão que estou sonhando. Nada houve ali de especial. É tudo muito simples e fácil de explicar: trata-se de um gesto surgido de uma associação de idéias. Ela viu alguém fazendo isso e lembrou-se de fazer o mesmo. Ora, meu Deus. Essas pessoas não crêem. Não conseguem extrapolar seu materialismo árido. Percebem o mundo apenas através dos seus nexos lógicos. São os homens-ocos, dos quais fala o poeta T. S. Elliot em “A Terra Desolada”. Por causa delas eu mesmo não acredito, hoje, em fadas, mas sei que elas existem, existem sim, sou capaz de jurar...

terça-feira, 24 de novembro de 2009

APENAS ENGROSSAR AS FILEIRAS DA PM MELHORARÁ A SEGURANÇA?

Bilhete eletrônico do Professor Rinaldo Barros, comentando a postagem "APENAS ENGROSSAR AS FILEIRAS DA PM MELHORARÁ A SEGURANÇA?":

"Honório,


Em entrevista recente, o chefe de organização criminosa - Marcola - afirmou que já leu cerca de 2 mil livros na cadeia. Cita Dante em suas respostas.

Veja como as forças de segurança estão em desvantangem."

"COLEÇÃO MOSSOROENSE" EM FEIRA DE SANTANA

A doação de livros da Coleção Mossoroense em Feira de Santana, uma ação cultural do jornalista mossoroense radicado em Feira de Santana, Bahia, Jânio Rêgo (www.blogdafeira.com.br) repercute no Rio Grande do Norte. O jornalista Carlos Santos (www.blogdocarlossantos.com.br) registra o evento que vai acontecer no Paço Maria Quitéria**. E Gilberto de Souza enviou o link do seu blog com um especial artigo, bem humorado e leve como ele próprio, falando sobre o fundador da Coleção Mossoroense, Vingt-Un Rosado. Leia o artigo completo do jornalista mossoroense no blog Caderno Mil.

**O Blog da Feira e a Fundação Vingt-Un Rosado reiteram o convite a todos os leitores, feirenses, mossoroenses, nordestinos e sulistas a comparecer na Prefeitura Municipal de Feira de Santana, nesta quarta-feira, dia 25, às 17 horas.



ESTADO


Bartolo de Sassoferrato

(...) “com Bartolo de Sassoferrato (1315-1317) nasce a escola que lança as bases da teoria do Estado moderno. É nas obras deste período que se encontra o germe dos actuais direitos constitucionais, administrativo e fiscal” (“Os Grandes Sistemas Jurídicos”; LOSANO, Mário G.; Editorial Presença/Martins Fontes; pág. 54).


(...)


“Na realidade, o Estado nada mais é que o aspecto jurídico da sociedade política. É burguês numa sociedade burguesa. É proletário numa sociedade em que a classe burguesa foi suprimida” (Sociologia do Direito; LÉVY-BRUHL, Henri; Martins Fontes; São Paulo; 1997; p. 19).

A MORTE DE CHICO PEREIRA


Chico Pereira
Especial obséquio de Ivanildo Silveira

ADAUTO GUERRA FILHO, em “O SERIDÓ NA MEMÓRIA DE SEU POVO”; Julho de 2001; Editora: Departamento Estadual de Imprensa; Natal, Rn; P. 107:

“Apesar de ser uma história longa e complexa, não é difícil entender a razão de tanta contradição. Em primeiro lugar, levemos em consideração uma informação do livro ‘Vingança, Não’ de F. Pereira Nóbrega, o qual diz que os dois Presidentes de Província, Dr. Juvenal Lamartine, então Presidente do Rio Grande do Norte, e João Suassuna, Presidente da Paraíba, fizeram um pacto de morte no dia 18.08.1928. Isto assim se explica: O Presidente da Paraíba não queria entrar em choque com o recém-eleito Cel. João Pessoa, que dera a Chico garantia de liberdade. Então idealizou uma forma de condená-lo fora do Estado. Ele bem sabia que cangaceiro no Rio Grande do Norte tinha vida curta e, por isso, oportunamente se aproveitou do assalto à casa do Cel. Quincó para idealizar uma forma de incriminar Chico Pereira . Isto aconteceria ao induzir o bandido principal, Antônio Jerônimo, conhecido por Antônio Chofer, a dizer que Chico estava entre eles. Pessoas maliciosas vão mais além, afirmando que o assalto fora programado, tanto é que, logo após a ida de Chico para a detenção, em Natal, Antônio Chofer caiu no desinteresse da Justiça, inclusive sendo solto e ficando no anonimato.

Outro fato curioso que nos induz a pensar que o assalto foi programado é o excessivo interesse de Antônio Suassuna – o Tonho, sobrinho do Presidente da Paraíba, pela ‘liberdade’ de Chico Pereira. Ele próprio hospedou Chico em sua casa, na Fazenda Cajueiro, no município de Catolé do Rocha. Ali chegando, Chico foi alvo de sua atenção, havendo Tonho servido de mediador entre ele e João Pessoa, ao levá-lo à presença do Presidente eleito. Naquela ocasião, Tonho convenceu Chico de que, após o júri em Princesa, nada mais lhe aconteceria. Este fato, aliás, o demoveu da idéias de se retirara para Goiás.

Em Acari, Chico Pereira, sentindo o acre da traição, escreveu a Tonho, fazendo paralelos entre a cadeira e a Fazenda Cajueiro e, na doce ilusão de que um dia seria solto, dizia ao traidor que após ficar livre, não hesitaria em matá-lo.

Ainda com referência ao fato, o Sr. Abdias Pereira Dantas, numa conversa com o autor em Nazarezinho, no dia 04.01.1985, assim falou:

‘Só me queixo da morte do finado Chico, de João Suassuna. Depois que Chico morreu, ele mandou me chamar para conversar. Respondi que, com um bandido da qualidade dele, não queria conversa. Quem fez o assalto à casa do Cel. Quincó foi o sobrinho dele.’

Ainda par tornar mais clara a contradição da Justiça, o Pe. Francisco Pereira Nóbrega falou ao autor em João Pessoa, em 10.01.1985, que, no momento do assalto, seu pai se encontrava no município de Pombal. Ele é também dos que acreditam na hipótese do assalto ter sido programado naquele lugar.

Pelo menos uma coisa não se põe em dúvida: a morte de Chico estava programada. Isto está confirmado no depoimento de um soldado sobrevivente que reproduziu um diálogo entre Juvenal Lamartine e o Tem. Joaquim de Moura. O Presidente solicitou a presença do Tenente em seu gabinete e a ele assim se dirigiu:

- É verdade que aquele cangaceiro da Paraíba vai voltar para Acari?

- É, sim.

- Olhe! Não quero esse homem vivo.

Essa determinação, a priori, até dispensa pesquisadores de fazer exames mais apurados sobre notas de jornais diversos, tais como:

Correio de Campina – 17.12.1928. ‘Teria sido Chico Pereira vitimado mesmo de um desastre de carro? Pessoas residentes no interior do Estado (Rio Grande do Norte) põem dúvida à afirmação. O Presidente potiguar é acusado de mandar fuzilar sumariamente os sertanejos acusados.’ (Livro Vingança, Não, pág. 254).

Diário da Manhã, de Recife (PE) – 02.11.1928. ‘Chico Pereira, preso há pouco, ao ser transportado para a cidade de Acari, onde devia ser julgado, foi morto de ordem superior pelos policiais que o conduziam. Alegou-se que o carro que o conduzia capotou, verificando-se terrível desastre.’ (Livro ‘Vingança, Não’, pág. 254).”



Pág. 102:

“O Sr. José Pereira da Costa, cidadão de Ouro Branco, tabelião da cidade e curioso das histórias da região, assim detalhou o fato, em 09.07.1984:

‘Chico Pereira chegou preso a Santa Luzia na companhia do Ten. Manoel Arruda e alguns soldados. O Ten. Francisco Honorato, de Serra Negra do Norte, foi indicado para recebê-lo. Chico vinha de paletó e gravata e isso provocou censura da parte do Tenente:

- Como se conduz um bandido de paletó e gravata? Isso é um cachorro de fila.

Em seguida, com arrebates, tirou o paletó e a gravata de Chico e autorizou os soldados a lhe colocarem as algemas. O Ten. Francisco Honorato esperava que o matador de Chico fosse ele. Porém a ordem do governo veio para o Ten. Joaquim de Moura. Ele ficou revoltado.’”

FOTOGRAFIAS DE NATAL, 1957

Gentilmente cedidas por Marília Bulhões


Praia de Areia Preta, Natal, 1957



Aeroporto de Natal, 1957


Avenida Rio Branco, 1957

"INCERTO CAMINHAR"


David Leite e família em Salamanca

O atual Chefe de Gabinete da Universidade Regional do Rio Grande do Norte, advogado e escritor David de Medeiros Leite, recém chegado de um doutorado em Salamanca, terras de Espanha, lança, nos jardins da TV Cabo Mossoró, dia 27 de novembro, às 20:00 hras, em Mossoró, seu livro "Incerto Caminhar", premiado no II Concurso de Poesia em Língua Portuguesa promovido pela USAL - Universidade de Salamanca e Escola Oficial de Idiomas de Salamanca em 2008.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

APENAS ENGROSSAR AS FILEIRAS DA PM MELHORARÁ A SEGURANÇA?

Leio na mídia que o Governo convocará mais 650 suplentes do último concurso para a Polícia Militar.

O objetivo é engrossar as fileiras da "briosa".

Nada contra, muito antes pelo contrário.

Quanto mais PM na rua - e não em desvio de função - melhor.

Ocorre que a história nos ensina que não é volume que ganha guerra. Nesse caso, guerra contra a violência.

Se volume ganhasse guerra, a França não teria saido vergonhosamente da Indochina. Nem os EUA do Vietnã. Nem o Rio estaria perdendo a guerra do tráfico.

De que adianta colocar mais 650 PMs na rua se eles não têm veículos específicos para seu serviço? E quando têm, a gasolina é racionada?

Se suas armas não são apropriadas? 

Se eles não têm uma base, um suporte de Inteligência que lhes coordene a ação? Uma Inteligência com recursos humanos e materiais que norteie as estratégias e táticas no combate ao crime?

Se não há rigor na punição aos excessos de alguns PMs fora-da-lei, o que contamina a ação dos outros?

Se a politicagem impede o desenvolvimento de políticas de segurança que sejam do Estado, ultrapassando os governos e se confundindo com o futuro?

A luta contra o crime, dizem os especialistas, é uma luta de inteligência. O mais é consequência.

E, por fim, que fique claro: se o problema da segurança, assim como o da educação e o da saúde não é somente do Rn, isso apenas significa que em todos os lugares - do Brasil - há um deserto de idéias. E de outra coisas.

TÉCNICA DE ESCREVER


Jorge Luis Borges

"Desvario laborioso e empobrecedor o de compor vastos livros; o de explanar em quinhentas páginas uma idéia cuja exposição oral cabe em poucos minutos. Melhor procedimento é simular que estes livros já existem e apresentar um resumo, um comentário. Assim procedeu Carlyle em 'Sartor Resatus' (...) Mais razoável, inepto, ocioso, preferi a escrita de notas sobre livros imaginários" ("FICÇÕES", Jorge Luis Borges, 5a. edição, Globo, Prólogo).

PERGUNTEI A FRANÇOIS SILVESTRE


François Silvestre

Perguntei a François Silvestre:

"Em quem você NÃO vota para Senador e Governador nas próximas eleições?"

Ele respondeu:

"Para senador eu voto nulo. Nem o senado nem os nossos candidatos merecem o voto. Para governador ainda não fiz a lista negativa. Tô no limbo."

SONETO IMAGINÁRIO PARA NOVEMBRO


Jarbas Martins

Por Jarbas Martins, em "Contracanto" (Prêmio Fundação José Augusto de Poesia - 1978):

"Agora que novembro libertou os
enigmas que habitam o calendário
e - gaivota imatura - fez-se em vôos
ao Atlântico azul e legendário;
agora que novembro - operário
do mar - alicerçou a estação
e levantou os muros de verão
para prender-te o corpo imaginário,
seremos livres pássaros. Então -
além do bem e do mal, nas nossas bocas -
beijos e gritos inverntar-se-ão
e lúcidas canções de frases loucas.

Agora, que é novembro e me descubro,
desfaço-me das vestes de outubro."

domingo, 22 de novembro de 2009

LA BOÉTIE E O FIM DE TUDO


La Boétie

Por Honório de Medeiros

Leiam isso: “Aqueles a quem o povo deu o poder deveriam ser mais suportáveis; e sê-lo-iam, a meu ver, se, desde o momento em se vêem colocados em altos postos e tomando o gosto à chamada grandeza, não decidissem ocupa-lo para todo o sempre. O que geralmente acontece é tudo fazerem para transmitirem aos filhos o poder que o povo lhes concedeu. Ora, tão depressa tomam essa decisão, por estranho que pareçam, ultrapassam em vício e até em crueldade os outros tiranos; para conservarem a nova tirania, não acham melhor meio que aumentar a servidão, afastando tanto dos súditos a idéia de liberdade que estes, tendo embora a memória fresca, começam a esquecer-se dela”.



E isso: “Os teatros, os jogos, as farsas, os espetáculos, (...) as medalhas, os quadros e outras bugigangas eram para os povos antigos engodos da servidão, o preço da liberdade que perdiam, as ferramentas da tirania”.



Parece recente? Não o é. Trata-se, tanto um quanto o outro, de excertos da excepcional obra “Discurso Sobre a Servidão Voluntária”, de La Boétie, escrita entre 1546-1548. Esse francês, nascido em 1º de novembro de 1530, no condado de Périgord, França, e morto em 1563, perto de Bordéus, aos trinta e três anos, foi o maior dos amigos de Montaigne, que lhe era mais novo dois anos. Dessa amizade o próprio Montaigne deixou registro emocionante: “Vindo a durar tão pouco e tendo começado tão tarde, pois éramos ambos homens feitos e ele mais velho do que eu alguns anos, não tínhamos tempo a perder, nem tivemos de nos ater aos modelos de amizade moles e regulares que necessitam de precauções e conversações prévias”.



Quanto à genialidade de La Boétie é bastante o depoimento do seu tradutor, o português Manuel João Gomes na edição Antígona, de Lisboa, Portugal, 1997: “Para La Boétie é ilegítimo o poder que um só homem exerce sobre os outros; (...) O Discurso afirma a liberdade e a igualdade absolutas de todos os homens; Indo mais longe do que Maquiavel (o primeiro que reconheceu o poder efetivo das massas), La Boétie incita os povos a desobedecerem aos príncipes (governantes) e, com uma clareza até então nunca vista, põe em evidência a força da opinião pública”. Tudo isso aos dezoito anos de idade!



Ler La Boétie é, principalmente, perceber quão antiga permanece a luta do homem para não ser completamente subjugado pelo Estado. Ela começou na longínqua Idade Antiga, quando os maravilhosos gregos inventaram a Democracia. Prossegue até hoje, apesar dos percalços. Mas está cada dia mais difícil: no Oriente Médio disputa-se o poder à custa do sangue de inocentes. Israel, secundado pelos Estados Unidos e sua doutrina da “guerra preventiva”, mata, como os nazistas faziam aos serem atacados pela resistência, a dez por um. E assim vamos marchando rumo à barbárie, inexoravelmente, e à tirania, sob o pretexto de combater o terrorismo, como quem está com um encontro marcado com o final de tudo.

O CANGAÇO EM NOVA ONDA



Cangaço

Mestre em filosofia do Direito afirma que a fase da coleta de dados está esgotada e defende a necessidade de estudos multidisciplinares para a correta interpretação do fenômeno.

Professor de Filosofia do Direito, advogado, Honório de Medeiros tem exercido importantes cargos públicos, entre os quais, o de procurador chefe da Procuradoria da Prefeitura de Natal, Secretário de Administração e Finanças do mesmo município e Secretário da Administração do Estado, na primeira gestão da governadora Wilma de Faria. Líder estudantil, ao tempo do seu curso de Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, confessa-se um leitor vocacionado para o ensino universitário, atividade que lhe tem granjeado o respeito e a admiração de centenas de alunos que tiveram o privilégio de desfrutar das suas lições. Escritor e pensador das Ciências Jurídicas, tem livros publicados e se mantém como colaborador regular deste semanário. E, quando não está na sala de aula ou estudando, dedica seus ócios a pesquisa do fenômeno do cangaceirismo, tendo como foco a vida de Massilon Leite, cuja vida em parte transcorreu em terras do Oeste norte-rio-grandense.
 
Por Franklin Jorge
 
A coleta de informações sobre o cangaço está esgotada?

Honório de Medeiros -- No plano das fontes primárias, aparentemente, sim. São poucos os sobreviventes daquela época e, deles, já se extraiu o impossível. Quanto aos documentos, ressalvo a possibilidade de surgimento de alguma documentação desconhecida, como foi o caso recente de papéis relativos a Plácido de Castro, guardados por um lugar tenente seu, encontrados, por acaso, pelo Ministério Público, no interior do Rio Grande do Sul. Saliento que a produção do resultado dessa coleta, embora feita de forma amadorística, é o material que nós temos para trabalhar. É uma produção profusa.
 
Qual seria a seu ver o próximo passo a ser dado pelos estudiosos do cangaço?

- Uma mistura de jornalismo investigativo e processos interpretativos científicos em relação ao que nós possuímos. É o que eu chamo de terceira onda. A primeira foi a produção dos fatos, a segunda sua colheita, e a terceira é a elaboração das conjecturas, teorias. Temos que trabalhar com teorias, investigações, correlação de dados, testes dessas hipóteses e sujeição das conclusões á comunidade cultural. É preciso desfazer o mito de que Lampião era um estrategista militar. Na verdade, o sucesso de sua longa trajetória decorre antes de uma mistura de incompetência e corrupção, por parte dos governos, e instinto de sobrevivência da parte dele, Lampião.
 
Essa segunda onda, no plano dos estudos do cangaço, já é perceptível?

-- Já há alguns poucos trabalhos nesse âmbito. Eu citaria a teoria do escudo ético - o mecanismo justificativo do cangaceiro para as suas ações -, de Frederico Pernambucano de Melo. Há também outras tentativas de explicação do cangaço á luz de um marxismo mecanicista que aponta o fenômeno como conseqüência da divisão desigual da terra e das mazelas que disso decorre. Esse modelo, porém, está ultrapassado. E, na verdade, enquanto não se montar o mosaico completo ou parcialmente completo – que vai ser o resultado do trabalho investigativo -, não será possível construir macroteorias. Vou dar um exemplo do que afirmo. Houve um pacto de governadores – João Suassuna, Juvenal Lamartine, José Augusto Bezerra de Medeiros e o governador de Pernambuco á época – para a supressão do cangaço através da eliminação física dos cangaceiros, cuja conseqüência foi a morte de Jararaca, Bronzeado, Mormaço, Chico Pereira? Outro exemplo. Por que o Poder Judiciário e o Ministério Público silenciaram em Mossoró quanto a morte de Colchete, Jararaca e Bronzeado? Por que o capitão Abdon Nunes, embora tendo chamado para si a responsabilidade por essas mortes, livrando assim José Augusto e Juvenal Lamartine, não foi processado e condenado, assim como o Tenente Laurentino de Morais?
 
Além de Frederico Pernambucano, que outros autores estão enveredando por esse novo caminho?
 
– Na verdade, o trabalho de Frederico é mais de caráter sociológico do que investigativo; embora seja importante, existem furos na história do cangaço que precisam ser fechados, para que nós possamos avançar na proposição de uma teoria geral.
 
Quais são esses furos?
 
– Ora, por que o Rio Grande do Norte, excetuando-se Mossoró, praticamente está distante do fenômeno do cangaço e do coronelismo? Comparemos a história do Rio Grande do Norte, do seu sertão, com a história do sertão do Cariri cearense ou do Pajeú pernambucano. Essas perguntas, inclusive, invalidam a teoria marxista que atribui à divisão da terra a questão do cangaço. Nós somente vamos avançar se relacionarmos esses fenômenos através da linha que os costura, o Poder Político.
 
Qual seria essa macroteoria ou qual o paradigma que explicaria, inclusive, essas discrepâncias?
 
– Eu, particularmente, utilizo como paradigma a contribuição teórica do darwinismo.
 
Como você chegou á aplicação desse paradigma?
 
-- Por exclusão. O paradigma darwiniano é o único que se sustenta, do ponto de vista da crítica, após a virada do século. Mesmo o marxismo pode ser – com toda a sua contribuição – agregado e transcendido por esse novo parâmetro científico voltado para as Ciências Sociais. Aqui, a categoria do poder político é o viés explicativo básico, atento às circunstancias históricas e geográficas peculiares.
 
Queira, por favor, explicar melhor.
 
-- Trata-se de entender esses fenômenos sociais a partir de uma perspectiva de poder dentro do contexto da teoria darwiniana.
 
Por que o Rio Grande do Norte se diferencia dos demais estados nordestinos quanto á eclosão do fenômeno do cangaço?
 
-- Você tocou no xis da questão. Formular essas questões e procurar respondê-las é a segunda onda. Observe que só é possível estudar o cangaço, se for possível estudar o coronelismo e o misticismo. Esse tripé básico constitui a alma sertaneja.
 
E Jesuíno Brilhante não foi um cangaceiro?
 
-- Eu, particularmente, defendo que não. Jesuíno teria sido uma espécie de justiceiro social. Assim como Cassimiro Honório. Observe que Jesuíno teve uma área restrita, não de atuação mas de fuga; não se apossava do patrimônio de ninguém; não matava nem agredia a não ser em legitima defesa ou para fazer respeitar um código de honra ancestral e, excetuando que tinha alguns companheiros, nada o diferencia de Diogo Maia, outro justiceiro social que atuou entre os estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Compare a atuação de Jesuíno com a de Lampião, Sinhô Pereira, Antonio Silvino e Corisco e perceba a diferença. Se definimos alguém como cangaceiro, o que ele é passa a ser parâmetro. Assim, compare Jesuíno com Lampião. O fato de chefiar um bando e ser perseguido não transforma ninguém em cangaceiro.
 
Há, a seu ver, alguma relação entre esses bandoleiros e os bandos que atuam hoje no Alto Oeste?
 
-- Que eu saiba, nós não podemos chamar esses de cangaceiros por conta do limite temporal que enclausura os cangaceiros, propriamente ditos. Ambos os bandos praticam formas de banditismo rural, mas o cangaço está preso ao tempo histórico compreendido entre o final do século dezenove a começos do século vinte. É preciso ter cuidado, portanto, com as definições.
 
Segundo suas concepções o Rio Grande do Norte teve algum cangaceiro?

-- Há suspeita, não comprovada, de que Virginio, cunhado de Lampião, seria de Alexandria. Um Luis Brilhante que andou com Massilon Leite, era, no entanto paraibano. Massilon, embora seus pais tenham vivido no Sítio Cava, em Luis Gomes, não era norte-rio-grandense.
 
Qual, então, o ponto de referencia entre Lampião, o coronel Floro Bartolomeu e Padre Cícero?

-- Essa é uma colocação emblemática. Temos aí, quando os três se encontraram, um momento ímpar da história social do sertão. O cangaceiro-mor, um dos mais poderosos coronéis e a lenda mística que é o Padre Cícero do Juazeiro. Nesse aspecto o caráter simbólico desse momento sem igual até hoje não foi explorado.
























sábado, 21 de novembro de 2009

"OS MAIAS", DE EÇA DE QUEIRÓS



Eça de Queirós

"Taveira ultimamente introduzira o dominó no Ramalhete, e havia agora ali, às vezes, partidas ardentes, sobretudo quando aparecia o marquês. Porque a paixão do Taveira era bater o marquês.

Mas foi necessário que o marquês acabasse de bracejar, de desenrolar o arrazoado com estava acabrunhando o Craft, que do fundo da poltrona, de cachimbo na mão e com ar de sono, respondia por monossílabos. Era ainda a propósito do artigo do Ega, da definição de 'senso moral'. Já tinha falado de Deus, de Garibaldi, até do seu famoso perdigueiro 'Finório"; e agora definia a Consciência... Segundo ele, era o medo da polícia. Tinha o amigo Craft visto já alguém com remorsos? Não, a não ser no teatro da Rua dos Condes, em dramalhões...

- Acredite você uma coisa, Craft - terminou ele por dizer, cedendo ao Taveira que o puxava para a mesa. - Isto de consciência é uma questão de educação. Adquire-se como as boas maneiras; sofrer em silêncio por ter traído um amigo, aprende-se exatamente como se aprende a não meter os dedos no nariz. Questão de educação... No resto da gente é apenas o medo da cadeia, ou da bengala..."

A APR0PRIAÇÃO, PELO ESTADO, DA FORÇA DE TRABALHO DO SERVIDOR PÚBLICO



Apropriação

Esqueçamos as sofisticadas definições criadas pelos intelectuais acerca do que seja Estado. Vamos pegar a noção do senso comum, que é uma evolução do pensamento de Aristóteles acerca do que seja uma comunidade política: Estado é um território no qual vive uma população submetida a uma elite governamental supostamente representativa dos interesses da maioria, quando em uma democracia.

Essa elite governamental, para aumentar ou perpetuar seu poder, necessita de instrumentos através dos quais isso seja possível, os chamados “Aparelhos do Estado”, como o Poder Executivo, o Legislativo e o Judiciário – todos eles cristalizações de relações de domínio – que “operam, se concretizam” por intermédio dos assim chamados “servidores públicos”. Em síntese: alguns mandando em muitos através de outros.

Os servidores públicos cumprem, portanto, uma dupla função: concretizam a dominação exercida pela elite governamental, da qual eles são integrantes, sobre a maioria da população e, ao mesmo tempo, são concretamente dominados pelo topo da hierarquia da pirâmide do Estado ao qual pertencem. Nesse papel de “correia de transmissão” entre o Estado e a Sociedade os servidores vendem, ao primeiro, em troca de uma remuneração, sua força de trabalho física ou intelectual.

No Estado brasileiro, por força de disposição constitucional pétrea, ou seja, “imexível”, essa remuneração não pode ser reduzida.

Essa mesma remuneração, muito embora não possa ser reduzida, é alvo permanente de apropriação por parte do Estado ao qual o servidor público presta serviço. Isso ocorre indiretamente, por exemplo, quando seu poder de compra é corroído pela inflação, e o Estado paga cada dia menos pelo mesmo trabalho, ou diretamente, quando a base de cálculo sobre a qual incide a alíquota do imposto de renda permanece baixa por que o Governo não corrige seu valor erodido pelo custo de vida, e, assim, mais servidores são tributados. Outro exemplo de apropriação direta é a imposição do pagamento da contribuição previdenciária aos aposentados, somente possível vergando-se, via Supremo Tribunal Federal, cláusula pétrea da Constituição.

A lista de exemplos é ampla: o não pagamento, pelos governos, dos débitos oriundos de questões jurídicas transitadas em julgado – os precatórios – e das decisões administrativas indiscutíveis e irrecorríveis, tais como férias vencidas e não pagas, pagamentos a menor, gratificações não incorporadas, e assim por diante; o pagamento vindouro, pelo servidor público, de contribuição previdenciária ao regime complementar, caso queira sobreviver, na aposentadoria, com algo além do teto que lhe reservará o regime próprio de previdência. Outro exemplo é a não implantação do Plano de Cargos e Salários, que impede o servidor público de ascender profissionalmente seja por mérito, seja por antiguidade, e, assim, melhorar sua remuneração.

Em todos esses exemplos se configura aquilo que o Poder Judiciário denomina de “enriquecimento ilícito do Estado”. Resulta da fome pantagruélica do Estado, permanentemente a atingir a classe média, constituída em grande parte por servidores públicos, espremida entre os que muito têm - a quem não importa o que lhes é cobrado - ou aos excluídos e miseráveis, de quem nada se pode arrancar.

O servidor público não tem como fugir da voracidade do Estado: indefeso, passivo, vê, todos os meses, o imposto de renda ser cobrado na fonte, ou seja, em sua remuneração, enquanto os megacontribuintes, pagando caro a escritórios especializados, através das brechas das leis vão driblando os fiscais e engordando seus lucros. Recente matéria publicada na Revista Veja (edição 2100, ano 42, nº 7, 18 de fevereiro de 2009) aponta para 20 bilhões de reais o débito de madeireiras, siderúrgicas, bancos, financeiras, empresas telefônicas, indústrias, cartéis econômicos, distribuidoras e postos de combustíveis, fabricantes de alimentos e medicamentos, promotores de eventos, supermercados e padarias, empresas aéreas e outros, para com o Governo. Esse valor é apenas estimativo.

Tampouco consegue reagir a essa apropriação silenciosa e eficiente: ameaçado de todas as formas, inclusive por intermédio da mídia subserviente comprada pelos governantes, assiste, perplexo, a uma permanente campanha difamatória contra si promovida quando o verdadeiro alvo deveria ser os cargos em comissão, as funções de confiança, os detentores de gratificações ou vantagens espúrias ou mal atribuídas, tudo quanto corrói e solapa a administração pública. Essa apatia, reforçada por mecanismos táticos compensatórios tais como gratificações, horas-extras, diárias, todas elas impossíveis de serem levadas para a aposentadoria, aliena o servidor público e deteriora a prestação do serviço à Sociedade.

E não se está analisando, aqui, o mal que a ausência de uma política de qualificação contínua do servidor público pode causar. Tentativas esporádicas esbarram no óbvio: de que adianta qualificar-se se não há possibilidade de ascensão profissional, se não há promoção, se não há vantagens e regalias para quem se esforça e carrega o piano?

Do ponto de vista estratégico o aviltamento da remuneração dos servidores públicos, no Brasil, implica no comprometimento da capacidade de consumo da classe média, fortemente por eles constituída. Esse aviltamento cerceia seu poder de compra e estimula a corrupção. Por outro lado implica, também, na impossibilidade de elaboração de políticas públicas consistentes, dado sua falta de qualificação. E como não as há, haja contratos milionários com a iniciativa privada para prestação de assessorias, consultorias e outros, através, quase sempre, de licitações – quando as há – manipuladas.

Até quando, portanto, por intermédio dessa contínua apropriação, a classe média e segmento dos servidores públicos permanecerão bancando, alienados, o pagamento do serviço da dívida e financiando ações sociais assistencialistas, populistas, e obras públicas desnecessárias, impostas à Sociedade por meio de estranhos critérios que a mídia áulica se encarrega de legitimar? Até quando será a classe média e o servidor público responsável pela benemerência dos governantes junto aos excluídos e miseráveis para assegurar-se seu voto e lealdade política, sem qualquer contrapartida?










sexta-feira, 20 de novembro de 2009

SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO



Acerca da Constituição

“Para Gomes Canotilho a superioridade hierárquica da Constituição revela-se de três modos: ‘(1) as normas do direito constitucional constituem uma lex superior que recolhe seu fundamento de validade em si próprio (autoprimazia normativa); (2) as normas de direito constitucional são normas de normas (norma normarum), afirmando-se como fontes de produção jurídica de outras normas (normas legais, normas estatutárias, normas regulamentares, etc.); (3) a superioridade normativa das normas constitucionais implica o princípio da conformidade de todos os actos dos poderes políticos com a Constituição’” (“Curso de Direito Constitucional”; CARRAZZA, Roque Antônio; Malheiros Editores; 9a. edição; pág. 28).

I. F. STONE, UM D. QUIXOTE QUE DEU CERTO


Por Honório de Medeiros



I. F. Stone

I. F. Stone, “Izzy”, tinha 45 anos quando deu o passo mais arriscado de sua vida, conta-nos Sérgio Augusto em “Uma pedra no caminhos dos poderosos”, apresentação da obra “O Julgamento de Sócrates”, escrita aos 77 anos pelo ícone do jornalismo, depois de aposentado e após uma jornada intelectual que o levou, na investigação acerca da liberdade de pensamento, a pesquisar as duas grandes revoluções inglesas do século XVII, a Reforma Protestante, os pensadores ousados da Idade Média, a redescoberta de Aristóteles, a Atenas da Antiguidade, e aprender o Grego Antigo.



Em 1952, Stone viu-se desempregado depois de ter granjeado fama nos Estados Unidos e Europa de mucraking, jornalista especializado em revolver casos de corrupção e abuso de autoridade trabalhando às margens das redações e desconfiando que qualquer governo tudo faz para esconder verdades incômodas, após trabalhar em vários jornais do eixo Nova Jersey – Filadélfia – Nova York, inclusive o Daily Compass e o New York Post.



Com a indenização do Daily Compass criou uma newsletter sem nada semelhante na imprensa do mundo. Conta-nos Sérgio Augusto: “Dispondo da lista de assinantes de três publicações para as quais havia trabalhado, assegurou de saída 5.300 leitores. O primeiro número do I. F. Stone’s Weekly chegou aos seus assinantes no dia 17 de janeiro de 1953. Pouco antes de virar quinzenal, em 1968, o alternativo mais bem informado do planeta ultrapassou a barreira dos 40 mil leitores”.



Qual não seria a influência de Izzy hoje, em tempos de aldeia global!



“Os primeiros anos foram solitários”, Stone recordaria na última edição do jornal, em dezembro de 1971. “Meus leitores me sustentaram” – dentre eles Bertrand Russel, Albert Einstein e Eleanor Roosevelt. O I. F. Stone’s Weekly fechou por que Izzy não tinha mais forças, vitimado por uma angina de peito. Seu artigo de despedida foi comovente: “Tenho podido viver de acordo com minhas convicções. Politicamente, acredito que não pode existir uma sociedade decente sem liberdade de crítica: a grande tarefa do nosso tempo é uma síntese de socialismo e liberdade. Filosoficamente, creio que a vida do homem se reduz, em última análise, a uma fé – cujos fundamentos estão além de qualquer prova – e que esta fé é uma questão estética, um sentimento de harmonia e beleza. Acho que todo homem é o verdadeiro Pigmalião de si próprio. E em recriando a si próprio, bem ou mal ele recria a raça humana e o futuro”.

“O Julgamento de Sócrates” tornou-se uma obra de referência, apesar do nariz torcido de alguns membros da comunidade acadêmica. Stone fez com Sócrates o que Karl Raymund Popper fez com Platão em “A Sociedade Aberta e seus Inimigos”: demoliu sua imagem oficial. Ao longo das páginas do seu ensaio esmaece o Sócrates “santificado” por Platão e Xenofonte a partir de um julgamento que o condenou à morte, e qual aquelas pinturas ocultas pela poeira do tempo, surge, aos poucos, um legado: todos seus seguidores concordavam em uma questão - tratavam a democracia com condescendência ou desprezo.



Como disse o próprio Stone: “Nas Memoráveis, Sócrates afirma que seu princípio básico de governo é que ‘cabe ao governante dar ordens e cabe aos governados obedecer’. O que exigia não era o consentimento dos governados, mas sua submissão. Trata-se, certamente, de um princípio autoritário, rejeitado pela maioria dos gregos, e em particular pelos atenienses”.



Em um governo assim, não há espaço para a liberdade de expressão. Esta questão é o fio condutor da obra: Sócrates não quis calcar sua defesa no conceito de liberdade de expressão, tão caro aos gregos do seu tempo – está em Ésquilo, Sófocles, e, principalmente em Eurípedes, para não comprometer seu visceral e antigo desdém com a democracia, escolhendo conscientemente a imortalidade que seu martírio iria originar.



Stone: “Xenofonte afirma que Sócrates queria ser condenado, e fez o que pode no sentido de hostilizar o júri”.



Quando faleceu, em junho de 1989, I. F. Stone, “Izzy”, era uma lenda viva. Mesmo assim continuava sarcástico: “Não consigo me acostumar com o lado dos vencedores”. Seu radicalismo, seu espírito outsider ainda inspiram muitos. Sua postura firme contra a intolerância o torna um ícone para os libertários de todos os credos. E sua história de vida o credencia a tornar-se um exemplo a ser usado pelos que ainda acreditam na espécie humana.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009



O filósofo

De Aluisio Lacerda, esse bilhete eletrônico:

"Bom dia, amigos filósofos Laurence e Honório Medeiros



Salve o 19 de novembro, Dia Internacional da Filosofia. A Filosofia não é uma ciência (no sentido estrito), mas é a mãe de todas as ciências.


Montaigne escreveu que "filosofar é aprender a morrer". Assim, a filosofia também é arte de viver.


Nada irrita mais o filósofo do que a ignorância petulante, a se entregar a forças cegas.


Kant resumiu a sua tarefa em três perguntas fundamentais: "Que posso saber?, Que devo fazer?, Que me é permitido esperar?"


Premissa empirista de Hobbes: "A experiência é a mãe de tudo"."

INTENÇÃO DO TEXTO



Texto

“O nível de leitura é a intenção do autor que redigiu o texto. Ele escreveu para informar, mover ou comover? Determinar o nível de leitura é o primeiro momento obrigatório da leitura de qualquer texto” (A Arte de Pensar; Pascal Ide; Martins Fontes; 1995; pág. XI).

O TEMPO E OS FATOS CORROEM QUALQUER ESPERANÇA



A passagem do tempo

O tempo e os fatos corroem as esperanças até mesmo dos mais empedernidos: um amigo me para em algum canto daquele imenso espaço de consumo que é um shopping e observa: quando da invasão de Mossoró por Lampião, em 1927, o Banco do Brasil, através de seu gerente Jaime Guedes, participou ativamente, sob a liderança de Rodolfo Fernandes, inclusive com dinheiro, para a organização da defesa de Mossoró. Oitenta anos depois, o Banco do Brasil continua dando dinheiro para organizar a defesa de cidades: que o digam aquelas pequenas, abandonadas pelo Poder Público, cujos automóveis da Polícia e/ou sua gasolina foram por ele doadas.


quarta-feira, 18 de novembro de 2009

POLÍCIA PRENDE QUADRILHA DE SEQUESTRADORES QUE AGIA NO ALTO OESTE

Leio na mídia que a Polícia Militar identificou e prendeu uma quadrilha de sequestradores que infernizava o Alto Oeste.

Merece nossos parabéns, a "Briosa".

A notícia, entretanto, é preocupante.

Por que nos permite perceber que quando pode e quer, a Polícia sabe agir e age.

Como não nos é possível admitir que ela pode, mas não quer agir, então somente nos resta supor que quer agir, mas não pode.

Se não pode é por que o problema é mais em cima.

Falta-lhe, quem sabe, recursos. Como falta à educação, e à saúde, para ficar no básico.

Embora não falte para obras.

Enquanto isso ficamos entregues à insegurança. À gripe suina. E à indigência intelectual.

Por que será?




Anamnese

“A teoria de Platão da anamnese, isto é, de que todo o conhecimento é recognição ou recordação do conhecimento que tivemos em nosso passado pré-natal, faz parte da mesma concepção: no passado reside não só o que é bom, nobre e belo, mas também a sabedoria” (A Sociedade Aberta e Seus Inimigos; Sir Karl R. Popper; v. 1; 1974, Itatiaia/Edusp; pág. 238).

O DIÁRIO DE SEBASTIÃO GURGEL

Por Honório de Medeiros

Acabo de reler, de um fôlego só, as “MEMÓRIAS DE UM COMERCIANTE E BANQUEIRO (DIÁRIO) de Sebastião Gurgel, abrangendo o período entre 1900 a 9 de agosto de 1955. São cinco volumes – do 1290 ao 1295, 2ª. Edição, 2002 – da COLEÇÃO MOSSOROENSE, SÉRIE “C”, esse incomparável legado que Vingt-Un Rosado deixou para o futuro, patrocínio da PETROBRÁS e GOVERNO DO ESTADO – LEI CÂMARA CASCUDO. Chegaram elas – as memórias – às nossas mãos, segundo Raimundo Soares de Brito, que lhes faz o prefácio da edição, graças ao memorialista Obery Rodrigues e Ronaldo Gurgel, neto de “Seu Tião Gurgel”.
 
É uma obra incomparável sob muitos aspectos. Nela podemos encontrar desde o registro obsessivo do preço dos produtos vendidos pelo comércio, ano a ano, como a menção aos males –e seu tratamento - que acometem a saúde do autor no espaço de tempo que dura o diário, além das anotações relativas às estiagens e invernadas. Não contivesse outros temas esses bastariam para um estudo de caráter sociológico. Mas há mais, muito mais, como por exemplo o registro da vida social, econômica e política de Mossoró na primeira metade do século XX. E, por que não dizer, um vasto e portentoso material para uma análise psicológica do autor e da época. Ou seja: para encurtar a conversa, é todo um excelente material à espera de futuros mestres e doutores.
 
Não contive minha curiosidade e, antes de começar a ler pela ordem cronológica, busquei o volume alusivo à 1927. É o III. Vai de 01 de fevereiro de 1916 a 08 de junho de 1936. Que nos diz Sebastião Gurgel em relação à invasão de Mossoró pelo bando de Lampião? Infelizmente “Seu Tião” foi avaro nos comentários. Aliás não vamos encontrar textos exundiosos em relação a qualquer tema. Trata-se de registros secos, sem “finura” psicológica, esboços às vezes até mesmo toscos em relação aos fatos. Mas há um comentário seu, a respeito de sua conduta durante o episódio, que vale a pena ser contado pela auto-ironia nele contida: “Eu, já se sabe, nestas ocasiões, sou sempre o herói da retirada.”

Sebastião Gurgel não deixa claro para onde fugiu quando da invasão de Mossoró. Deixa claro, entretanto, que como conseqüência da onda de boatos acerca da volta dos bandidos pegou a família no dia 10 de julho e a levou para Natal, onde alugou casa, somente voltando no dia 8 de setembro do mesmo ano. Na mesma data – 31 de julho – na qual informa essa saída de Mossoró, comenta que no dia 24 de julho houve “um acontecimento sensacional”: trata-se do casamento do Monsenhor Almeida Barreto com Maria Nazareth de Oliveira, algo que realmente deve ter causado bastante impacto na época, haja vista a publicação – COLEÇÃO MOSSOROENSE, Série “B”, Número 1637, 1999 - pelo pesquisador Dr. Paulo Gastão, de plaquete na qual transcreve carta de Rodolpho Fernandes ao citado sacerdote, de quem era compadre, noticiando o recebimento de correspondência sua “confidencial” na qual expõe as razões do seu gesto.

Comove o leitor o apreço que Sebastião Gurgel teve por sua esposa e companheira de toda uma vida – Dna. Elisa – com que teve oito filhos. Suas demonstrações de apreço por ela e agradecimento a Deus pela escolha que fez são notáveis, principalmente se levarmos em conta que o casamento foi, de acordo com os moldes da época, “arranjado”. Como chama a atenção, também, a religiosidade simples de “Seu Tião”: missa dominical, envolvimento nas ações da Igreja, uma legião de “afilhados”, uma devoção prática a um Deus provedor e justiceiro ao qual se dirige de cabeça baixa para aceitar, sem questionamento, a “pena” por Ele imposta a sua família através de José, seu filho, seminarista, acometido de lepra. Nada mais medieval.

Quanto não há para se escrever acerca desse País de Mossoró e seus habitantes!





UMA CERTA FOTOGRAFIA



Garçonete

Por Honório de Medeiros

Eu e a garçonete de olheiras profundas concordamos quanto à fotografia na parede. A noite apenas começava. Mas ela já parecia estar muito cansada. Fiquei tentado a lhe perguntar se dormira nas últimas vinte e quatro horas. “Melhor não”, disse aos meus próprios botões. A fotografia - melhor dizendo, a reprodução dividia com outras, em preto e branco, a atenção dos freqüentadores. “É a que chama mais atenção”, disse-me ela, enquanto me servia uma taça de vinho. “Por que será?”, perguntei-lhe. “Sei lá”. “Porque é bonita”. Furtei-me à tentação de lhe indagar em que ela se baseava para achar uma reprodução mais bonita que a outra.

Olhei novamente para a fotografia. Nela, uma americana de mais ou menos vinte anos, na década de cinqüenta, atravessa um grupo de rapazes italianos postados aleatoriamente em uma esquina de Roma. Malgrado o nariz empinado e as passadas rápidas há algo de aflito no seu olhar, causado talvez pela vergonha de tão exacerbada atenção. Bela obra de arte. Ruth Orkin, que a fez, contou-nos que não foi difícil convencer a americana que conhecera em uma pensão para turistas a servir de modelo. Tampouco houve produção. Exceto a idéia apresentada à moça, todo o restante foi espontâneo.

Contei tudo isso à garçonete de olheiras e seios profusos. Ela pareceu-me interessada. Comentei como não deveria estar, hoje, a modelo, se fosse viva. “Velha, enrugada, feia...”, respondeu-me, “como eu vou ficar, você vai ficar, todos nós ficamos com o passar dos anos”.

A noite começava a ficar febril. Casais entravam, mulheres e homens desacompanhados, a maioria turista. Quando ela me trouxe a massa, já éramos quase amigos. Tínhamos ficado cúmplices observando tudo o que se passava ao nosso redor: a solidão do rapaz da mesa vizinha a dialogar constantemente com seu celular; o casal de “gringos” que nunca trocava uma palavra um com o outro; as amigas que se namoravam às escondidas; o louro quase albino - talvez escandinavo - e sua acompanhante morena quase negra. Cada vez que ela ia, eu perscrutava ao meu redor o próximo capítulo da novela que extraíamos da noite; e ela me chegava com novidades da periferia do restaurante, que meu olhar não alcançava.

“Você não se preocupa com sua beleza?”, perguntei-lhe. “Como assim?” “Essa história de você trabalhar a noite toda”.“Olhe, eu não me considero feia, embora não seja nenhuma "miss””. “O problema é que não adiante ficar pensando em levar uma vida de dondoca quando se nasceu pobre. Lógico que eu gostaria de ter tempo para me cuidar. Mas até acho que beleza hoje é algo muito comum. Todo mundo é bonito. O difícil é ter charme”. “Mulher bonita os homens estão comprando aí fora a preço de banana”.

“Quanto você ganha aqui, por mês?” “Uns quinhentos”. As meninas, as adolescentes das quais os jornais e as teses de mestrado em sociologia e a televisão e o congresso falam, continuam passando em frente ao restaurante. São alegres, palradoras, pelo que se vê e ouve. Ganham em torno de cinqüenta reais por programa. E fazem dois ou três por dia. Dá uns quatro mil por mês.

A conta chega.

“Posso lhe perguntar outra coisa?” “Claro”, diz-me ela. “Quando você olha para a reprodução da fotografia, qual é a primeira coisa que lhe vem à cabeça?” “Uma sensação de que tudo passa, mas permanece. Ontem, era aquela americana e os rapazes italianos; hoje é qualquer outra... A vida continua, mas é como se fosse sempre a mesma”. Ela não esperou qualquer comentário meu à sua resposta. Talvez já lhe tivessem perguntado isso. Ou, quem sabe, sequer teve tempo para se perguntar porque lhe fizera tal pergunta. Apenas respondeu. Mecanicamente.

Desço a escada e ganho a rua. Vou a busca do carro lembrando de um romance que fez furor quando eu era adolescente: “Sidarta”, de Herman Hesse. Em um certo momento da estória, o protagonista observa para um seu amigo e discípulo mais ou menos aquilo que a garçonete havia me dito, contemplando as águas de um rio. Para ele, Sidarta, assim como para a garçonete, embora as águas estejam sempre indo a busca do oceano, o rio continua no mesmo lugar. A vida passa mas está. O homem vai mas a humanidade permanece. Fim de noite.