sábado, 7 de abril de 2012

JUCA KFOURI: "O PIOR DO BRASIL É A IGNORÂNCIA"


Juca Kfouri
Do ventosulazul.blogspot.com 

Sexta-feira, 06 de Abril de 2012 
Jornal de Debates
ENTREVISTA / JUCA KFOURI
“O pior do Brasil é a ignorância”
Por Marcos Caldeira Mendonça em 20/03/2012 na edição 686
Reproduzido de O TREM Itabirano nº 77, fevereiro/2012; título original “Juca Kfouri: ‘O pior do Brasil é a ignorância da população’”
         Um dos jornalistas esportivos de maior credibilidade no Brasil, o paulistano Juca Kfouri é um inflamado informador sobre a corrupção no esporte brasileiro. Formado em ciências sociais pela Universidade de São Paulo (USP), pertenceu ao Partido Comunista Brasileiro, militou na Aliança Libertadora Nacional e trabalhou nos jornais O Globo, na revista Placar, na TV Globo e TV Cultura, entre outras importantes redações. Atualmente, está no canal ESPN-Brasil, na rádio CBN e mantém o blogdojuca.uol.com.br e é colunista da Folha de S.Paulo.
O TREM, que segue a linha, hoje quase exótica, de só entrevistar quem tem o que dizer, puxou papo com ele. Juca Kfouri revela que tem vontade de ir embora do Brasil, explica por que não o faz e responde a indagações como esta: “O que faz mais mal ao país: a emissora da família Marinho, na qual o senhor trabalhou, o narcotráfico, os políticos corruptos ou a ignorância da população?”
Perguntado sobre o motivo por que os times de Minas Gerais, Nordeste e Sul são sempre prejudicados em jogos decisivos contra paulistas e cariocas, foi curtinho, mas ao busílis: “Porque os rios correm para o mar”.
A seguir, com exclusividade, JK.

Pesando tudo, o futebol mais ajuda o Brasil ou mais atrapalha o país?

Juca Kfouri – Nem ajuda, nem atrapalha. Só o faz mais feliz.

Clubes do exterior compram jogadores brasileiros ainda nas fraldas, empobrecendo muito nosso esporte. Como evitar essa evasão absurda de pé-de-obra?

J.K. – Somos exportadores de pé-de-obra porque ainda não entendemos que devemos exportar o espetáculo, não o artista. Simples assim.

Você leu Quando é Dia de Futebol, de Carlos Drummond de Andrade? Quem são os escritores que mais bem escreveram sobre o futebol brasileiro?

J.K. – Li, é claro. Carlos Drummond de Andrade é um deles. Paulo Mendes Campos é outro. Para ficar nos mineiros, por mais cariocas que pareçam, Estrela Solitária, de Ruy Castro [sobre a trajetória do jogador Mané Garrincha], é um dos melhores livros sobre futebol escritos no Brasil.

Graciliano Ramos escreveu em jornal que o futebol não teria sucesso no Brasil e defendeu que o brasileiro praticasse a capoeira e outros esportes mais nossos. O futebol é bem retratado pela literatura brasileira ou é tratado como tema menor por nossos escritores.

J.K. – Na literatura propriamente dita, ainda não tem o tratamento que merece. Mas hoje em dia temos uma biblioteca futebolística pra lá de respeitável, de excelência mesmo. E se Graciliano deu uma bola fora, fez por ter crédito para dar mil.

O que achou de a Academia Brasileira de Letras – casa mais estéril que útero de mula, segundo o polemista Fernando Jorge, colaborador dO TREM– homenagear o jogador Ronaldinho Gaúcho?

J.K. – Uma demagogia barata de um presidente da ABL [Marcos Vilaça] que adora bajular cartolas nefastos e que prometeu, e jamais entregou, quando membro do Tribunal de Contas da União, um parecer final demolidor sobre os Jogos Pan-Americanos no Rio, em 2007.

Como a rivalidade no Brasil é acirrada, seria espetacular um campeonato de seleções estaduais, com esta condição: o jogador teria de defender o estado no qual nasceu. Assim, o futebol seria descentralizado dos principais eixos. Formar-se-iam grandes seleções no Nordeste, por exemplo. Para tanto, teríamos de ter organização e calendário muito bem planejado. O senhor considera interessante um campeonato assim?

J.K. – Não mais, infelizmente. O espaço tem de ser dos clubes, que investem demais para viverem sendo desfalcados por seleções.

No Brasil, se um time vai mal em três ou quatro partidas, a cobrança por bons resultados é imediata. Ou o time começa a vencer ou o treinador, sob protestos intensos, perde o cargo. Se igual cobrança fosse feita na política, que Brasil seríamos?

J.K. – Ah, se protestássemos diante dos palácios, como fazemos nos clubes de futebol, o país seria quase o que sonhamos que seja.

Por que os times de Minas Gerais, Sul e Nordeste, quando disputam partidas decisivas contra os do Rio de Janeiro e São Paulo, sempre são prejudicados por árbitros e auxiliares. Não há na história sequer um campeonato vencido por clubes de fora do Rio e São Paulo com erro capital do trio de arbitragem.

J.K. – Porque os rios correm para o mar...

Se o futebol adotasse a regra do futebol de salão, em que o jogador pode entrar na disputa e sair quantas vezes o treinador quiser, a durabilidade de um atleta seria ampliada para até uns 45 ou 50 anos. Temos craques com mais de 40 anos, mas que não jogam mais porque não suportam a correria do futebol moderno. Imagine, por exemplo, poder ter no banco um Zico cinquentão só para cobrar falta, ou um Éder. O que pensa dessa proposta, para privilegiar a habilidade e estender a carreira dos gênios?

J.K. – Considero uma boa ideia, dessas que o conservadorismo do futebol jamais adotará.

Copa do Mundo no Brasil: já calculou a conta da corrupção, do superfaturamento, da desonestidade?

J.K. – Nossos netos a pagarão.

Em todos esses anos de estrada jornalística, qual foi a melhor história que presenciou numa redação?

J.K. – Estava na redação da Globo em Barcelona, esperando com todos para botar no ar a chegada da tocha olímpica, que vinha de navio, na cidade. Eis que de repente um dos produtores escalados para vigiar o monitor que trazia imagens do porto catalão grita da sala de edição: “A xota está chegando, a xota está chegando!”. Ao cabo da gargalhada geral e irrestrita, ouviu-se a voz tranquila e sarcástica do saudoso Hedyl Valle Júnior: “Calma, pessoal, calma...”

Você trabalhou na TV Globo, conhece-a por dentro. O que faz mais mal ao Brasil: a emissora da família Marinho, o narcotráfico, os políticos corruptos ou a ignorância da população?

J.K. – A ignorância da população que elege os políticos que elege, que alimenta o tráfico e que confere hegemonias a quem não deve.

Por favor, fale sobre este assunto: a importância para um jornalista de que ele seja respeitado, tenha credibilidade.

J.K. – É só o que vale. O resto, como já disse o escritor Millôr Fernandes, é armazém de secos e molhados.

O senhor é conhecido pelo empenho jornalístico em favor da ética no esporte e na política. Ao jornal O Pasquim21, em 2002, disse que o Brasil é invivível. Já teve vontade de largar este torrão e morar em um país com menor grau de canalhice?

J.K. – Vontade já tive sim, mas tinha os filhos e era difícil. A vontade se mantém, mas agora tem as netas e ficou impossível.

Digamos que inventaram um equipamento pelo qual é possível falar e ser escutado simultaneamente por todos os brasileiros. Se fosse usar essa estrovenga para falar duas importantes verdades sobre o Brasil, o que escutaríamos?

J.K. – Que não temos, felizmente, o monopólio da corrupção, mas parecemos ter, infelizmente, o da impunidade.

***

[Marcos Caldeira Mendonça é editor de O TREM Itabirano]

sexta-feira, 6 de abril de 2012

BASTIDORES POLÍTICOS DA INVASÃO DE MOSSORÓ POR LAMPIÃO E DO "FOGO DE PAU DOS FERROS"

Escritor Marcos Pinto


Amigo HONÓRIO,

Bom-dia.

                    Garimpando novidades no vetusto jornal "O MOSSOROENSE", edição de 18.03.1914, encontrei os laços de grande amizade entre FELIPE GUERRA e BENÍCIO FILHO, sendo certo que FELIPE GUERRA foi padrinho de casamento de BENÍCIO FILHO, ocorrido em 14 de Março de 1914, em Mossoró.

Escoimando-se o ocorrido antes e depois do ataque de Lampião à Mossoró, o fato de que o BENÍCIO FILHO era o Diretor Geral da Segurança Pública do RN (cargo que corresponde ao atual Secretário de Segurança), depreende-se que o mesmo deveria ter tido todo o empenho em enviar força policial para guarnecer Mossoró.

 Não o fez, de sorte que o nosso bravo RODOLFO FERNANDES defendeu a cidade convocando amigos e civis voluntários.

 Ora, se FELIPE GUERRA era compadre e amigo íntimo do JERÔNIMO ROSADO, e exercia influência sobre BENÍCIO FILHO, deve-se atribuir, dentre outros fatores, a essa relação, que FELIPE GUERRA, já Desembargador desde 1919 e residente em Natal, tenha traficado influência para que BENÍCIO FILHO adotasse a posição pusilânime, e que deixou muito a desejar, em relação à defesa de Mossoró.

                  Qualquer novidade enviarei pra Vosmincê.

                  Abraço.

Lembrei-me de outra particularidade: O Desembargador HORÁCIO BARRÊTO era sobrinho da esposa (Dona. ALEXANDRINA BARRÊTO) do Governador do Rio Grande do Norte JOAQUIM FERREIRA CHAVES, que deu apoio integral à perseguição policial ao Cel. JOAQUIM CORREIA DE MELO[1] e aos AIRES em Pau dos Ferros (Fogo de Pau dos Ferros, em 1919[2]), sendo certo que tanto HORÁCIO BARRÊTO como FELIPE GUERRA foram indicados e nomeados Desembargadores pelo Governador em 1919.

Outra particularidade: FELIPE GUERRA foi candidato e eleito Deputado Estadual em 1934 na chapa dos Pelabuchos, na qual constava, também, BENEDITO SALDANHA, que foi eleito, mas que, devido a um sério entrevero com o Deputado “cabra macho” PEDRO MATOS, de Santana dos Matos, em plena Assembleia Legislativa, renunciou à Deputação, temendo por sua vida, que lhe dissera em alto e bom tom que toparia qualquer parada, a qualquer hora, de homem pra homem.

Raibrito (RAIMUNDO SOARES DE BRITO) me falou que a morte de PEDRO MATOS, atribuída a uma fatalidade, se dera na ocasião em que ele retornava para Natal, quando parou em Santa Maria ou Lajes (me falha a memória) e um soldado, disfarçando que estava a limpar sua arma, permitiu um disparo que atingiu de forma certeira e fatal o Deputado “cabra macho”.

 O pior é que na hora do ocorrido só estavam na calçada PEDRO MATOS e o dito Soldado que, de forma calma e sem alarde, alegou disparo acidental. Como não havia qualquer testemunha do episódio, ficou mesmo por tiro acidental.

 Averiguemos, pois.  Ah, sim!  Em 1918 já tinha havido a ruptura do FERREIRA CHAVES com TAVARES DE LIRA, e daí em diante o Dr. ZÉ AUGUSTO BEZERA DE MEDEIROS andou vendo e sentindo veementes sinais de traição de FERREIRA CHAVES em atos governamentais, que culminou com a ruptura em 1922 (leia-se livro “OCASO E FASTÍGIO DE FERREIRA CHAVES” - escrito pelo Dr. GIL SOARES).  Sugiro-lhe, também, a leitura do livro "VERTENTES", do Dr. JOÃO MARIA FURTADO, pai do ex-deputado ROBERTO FURTADO.

                Boa tarde.  INTÉ!

                   Marcos Pinto





[1] De BARTOLOMEU CORREIA DE MELO recebi (Honório de Medeiros), em seis de abril de 2009, às 22h29min, o seguinte e-mail:
Lourenço Correia, jovem português de Braga, exilado político, chegou ao Brasil por Fortaleza e desceu mascateando até Pau dos Ferros, onde se fixou como comerciante e depois pequeno agricultor. Nesse tempo envolveu-se com a irmã do amigo Padre Pinto, daí nascendo Joaquim Correia que, tendo a mãe morrido no parto, foi criado e educado pelo tio padre. Após estes fatos, saiu Lourenço de Pau dos Ferros para Macaíba, onde progrediu como comerciante de secos e molhados e, já quarentão, casou com Idalina Jacinta Emerenciano (irmã do Professor Zuza), com quem teve mais cinco filhos, sendo os homens: Pedro, Francisco e João Correia. Tendo seu armazém saqueado na revolta do “quebra-quilos”, quando quase foi linchado, mudou-se com a família (filhos ainda crianças) para o Ceará-Mirim onde tinha propriedades rurais e poucos anos depois faleceu. Pedro Correia foi senhor de engenho e Prefeito do Ceará-Mirim, Francisco, foi comerciante, e João (meu avô materno), oficial do Exercito.
Joaquim Correia foi deputado por mais de três décadas (considerado por Câmara Cascudo o maior tribuno do seu tempo). Não se enquadrava muito no perfil clássico de Coronel nordestino; sempre teve apenas médias posses, havendo morrido na pobreza. Era sim, dono de carisma político e senso de conciliação, somente vencidos pela violência. A versão de sua história, contada por minha avó (cunhada e confidente) confere com fontes e fatos aqui citados. Neste comentário esclareço a relação entre os Correia de Paus dos Ferros e do Ceará-Mirim pouco conhecida pelos não parentes.

[2] Episódio relatado em “Massilon”, de Honório de Medeiros. Diz respeito a como os FERNANDES, liderados pelo Cel. ADOLPHO FERNANDES, tomaram o poder em Pau dos Ferros, pela força das armas, do Cel. JOAQUIM CORREIA que, com sua vida ameaçada, se foi da cidade e nunca mais voltou.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

QUEM É FILÓSOFO E QUEM NÃO O É


Olavo de Carvalho
De medicoanimosico.blogspot.com


Por Olavo de Carvalho


Cada filósofo tem de pensar com as cabeças de seus antecessores, para poder compreender o status quaestionis – o estado em que a questão chegou a ele. Fora disso, toda discussão é puro abstratismo bocó, opinionismo gratuito, amadorismo presunçoso.


À medida que se espalha a consciência da debacle total das nossas universidades públicas e privadas, cresce o número de brasileiros que, valentemente, buscam estudar em casa e adquirir por esforço próprio aquilo que já compraram de um governo ladrão – ou de ladrões empresários de ensino – e jamais receberam.

Quase dez anos atrás a Fundação Odebrecht – no mais, uma instituição admirável – me perguntou o que eu achava de uma campanha para cobrar do governo um ensino de melhor qualidade. Respondi que era inútil. De vigaristas nada se pede nem se exige. O melhor a fazer com o sistema de ensino era ignorá-lo. Se queriam prestar ao público um bom serviço, acrescentei, que tratassem de ajudar os autodidatas, aquela parcela heróica da nossa população que, de Machado de Assis a Mário Ferreira dos Santos, criou o melhor da nossa cultura superior. O meio de ajudá-los era colocar ao seu alcance os recursos essenciais para a auto-educação, que é, no fim das contas, a única educação que existe.

Cheguei a conceber, para isso, uma coleção de livros e DVDs que davam, para cada domínio especializado do conhecimento, não só os elementos introdutórios indispensáveis, mas as fontes para o prosseguimento dos estudos até um nível que superava de muito o que qualquer universidade brasileira poderia não só oferecer, mas até mesmo imaginar.

Minha sugestão foi gentilmente engavetada, e, com ou sem campanha de cobrança, o ensino nacional continuou declinando até tornar-se aquilo que é hoje: abuso intelectual de menores, exploração da boa-fé popular, crime organizado ou desorganizado.

Na mesma medida, o número de cartas desesperadas que me chegam pedindo ajuda pedagógica multiplicou-se por dez, por cem e por mil, transcendendo minha capacidade de resposta, forçando-me a inventar coisas como o programa True Outspeak, o Seminário de Filosofia Online e outros projetos em andamento. E ainda não dou conta da demanda. As cartas continuam vindo, e o pedido que mais se repete é o de uma bibliografia filosófica essencial. É pedido impossível.

O primeiro passo nessa ordem de estudos não é receber uma lista de livros, mas formá-la por iniciativa própria, na base de tentativa e erro, até que o estudante desenvolva uma espécie de instinto seletivo capaz de orientá-lo no labirinto das bibliotecas filosóficas. O que posso fazer, isto sim, é fornecer um critério básico para você aprender a discernir à primeira vista, entre os autores que falam em nome da filosofia, quais merecem atenção e quais seria melhor esquecer.

Tive a sorte de adquirir esse critério pelo exemplo vivo do meu professor, Pe. Stanislavs Ladusãns. Quando ele atacava um novo problema filosófico – novo para os alunos, não para ele –, a primeira coisa que fazia era analisá-lo segundo os métodos e pontos de vista dos filósofos que tinham tratado do assunto, em ordem cronológica, incorporando o espírito de cada um e falando como se fosse um discípulo fiel, sem contestar ou criticar nada.

Feito isso com duas dúzias de filósofos, as contradições e dificuldades apareciam por si mesmas, sem a menor intenção polêmica. Em seguida ele colocava em ordem essas dificuldades, analisando cada uma e por fim articulando, com os elementos mais sólidos fornecidos pelos vários pensadores estudados, a solução que lhe parecia a melhor.

A coisa era uma delícia, para dizer o mínimo. Num relance, compreendíamos o sentido vivo daquilo que Aristóteles pretendera ao afirmar que o exame dialético tem de começar pelo recenseamento das “opiniões dos sábios” e tentar articular esse material como se fosse uma teoria única. Cada filósofo tem de pensar com as cabeças de seus antecessores, para poder compreender o status quaestionis – o estado em que a questão chegou a ele. Fora disso, toda discussão é puro abstratismo bocó, opinionismo gratuito, amadorismo presunçoso.

A conclusão imediata era a seguinte: a filosofia é uma tradição e a filosofia é uma técnica. Chega-se ao domínIo da técnica pela absorção ativa da tradição e absorve-se a tradição praticando a técnica segundo as várias etapas do seu desenvolvimento histórico.

Note-se a imensa diferença que existe entre adquirir pura informação, por mais erudita que seja, sobre as idéias de um filósofo, e levá-las à prática fielmente, como se fossem nossas, no exame de problemas pelos quais sentimos um interesse genuíno e urgente. A primeira alternativa mata os filósofos e os enterra num sepulcro elegante. A segunda os revive e os incorpora à nossa consciência como se fossem papéis que representamos pessoalmente no grande teatro do conhecimento. É a diferença entre museologia e tradição. Num museu pode-se conservar muitas peças estranhas, relíquias de um passado incompreensível. Tradição vem do latim traditio, que significa “trazer”, “entregar”. Tradição significa tornar o passado presente através da revivescência das experiências interiores que lhe deram sentido. A tradição filosófica é a história das lutas pela claridade do conhecimento, mas como o conhecimento é intrinsecamente temporal e histórico, não se pode avançar nessa luta senão revivenciando as batalhas anteriores e trazendo-as para os conflitos da atualidade.

Muitas pessoas, levadas por um amor exagerado à sua independência de opiniões (como se qualquer porcaria saída das suas cabeças fosse um tesouro), têm medo de deixar-se influenciar pelos filósofos, e começam a discutir com eles desde a primeira linha, isto quando já não entram na leitura armadas de uma impenetrável carapaça de prevenções.

Com o Padre Ladusãns aprendíamos que, no conjunto, as influências se melhoram umas às outras e até as más se tornam boas. Incorporadas à rede dialética, mesmo as cretinices filosóficas mais imperdoáveis em aparência acabam se revelando úteis, como erros naturais que a inteligência tem de percorrer se quer chegar a uma verdade densa, viva, e não apenas acertar a esmo generalidades vazias.

Algumas regras práticas decorrem dessas observações:

1. Quando você se defrontar com um filósofo, em pessoa ou por escrito, verifique se ele se sente à vontade para raciocinar junto com os filósofos do passado, mesmo aqueles dos quais “discorda”. A flexibilidade para incorporar mentalmente os capítulos anteriores da evolução filosófica é a marca do filósofo genuíno, herdeiro de Sócrates, Platão e Aristóteles.

2. Quem não tem isso, mesmo que emita aqui e ali uma opinião valiosa, não é um membro do grêmio: é um amador, na melhor das hipóteses um palpiteiro de talento. Muitos se deixam aprisionar nesse estado atrofiado da inteligência por preguiça de estudar. Outros, porque na juventude aderiram a tal ou qual corrente de pensamento e se tornaram incapazes de absorver em profundidade todas as outras, até o ponto em que já nada podem compreender nem mesmo da sua própria. Uma dessas doenças, ou ambas, eis tudo o que você pode adquirir numa universidade brasileira.

3. Não estude filosofia por autores, mas por problemas. Escolha os problemas que verdadeiramente lhe interessam, que lhe parecem vitais para a sua orientação na vida, e vasculhe os dicionários e guias bibliográficos de filosofia em busca dos textos clássicos que trataram do assunto. A formulação do problema vai mudar muitas vezes no curso da pesquisa, mas isso é bom.

4. Quando tiver selecionado uma quantidade razoável de textos pertinentes, leia-os em ordem cronológica, buscando reconstituir mentalmente a história das discussões a respeito. Se houver lacunas, volte à pesquisa e acrescente novos títulos à sua lista, até compor um desenvolvimento histórico suficientemente contínuo. Depois classifique as várias opiniões segundo seus pontos de concordância e discordância, procurando sempre averiguar onde uma discordância aparente esconde um acordo profundo quanto às categorias essenciais em discussão. Feito isso, monte tudo de novo, já não em ordem histórica, mas lógica, como se fosse uma hipótese filosófica única, ainda que insatisfatória e repleta de contradições internas. Então você estará equipado para examinar o problema tal como ele aparece na sua experiência pessoal e, confrontando-o com o legado da tradição, dar, se possível, sua própria contribuição original ao debate.


É assim que se faz, é assim que se estuda filosofia. O mais é amadorismo, beletrismo, propaganda política, vaidade organizada, exploração do consumidor ou gasto ilícito de verbas públicas.

terça-feira, 3 de abril de 2012

O QUE ACONTECERÁ COM O LIVRO

Zygmunt Balman

fernandajimenez.com

Por Honório de Medeiros

                        “A vida é líquida”, diria Zygmunt Balman, aludindo à consistência das relações entre nós e os outros, ou entre nós e as coisas e/ou fenômenos. Líquida, posto que essa consistência não tem forma definida, assume aquela que o recipiente (o contexto) impõe. Não somos estruturas rígidas que atravessam o tempo imutáveis ou pouco atingidos pelas circunstâncias, somos proteiformes, somos difusos, somos evanescentes.

                        Vivemos em uma época na qual as gerações mais novas escrevem tudo em uma linha. No máximo algumas poucas linhas. E somente lêem, e são treinadas pela realidade virtual com a qual convivem “full time” exatamente para isso, algumas linhas, umas poucas linhas. Tal é o ser (e o dever-ser) que essa realidade virtual impõe: tudo é frenético, tudo é descartável, tudo é cambiante, imediato. É a maximização das potencialidades, negativas ou positivas, da nossa espécie sobrevivente e dominante, conforme descrito pela teoria da seleção natural.

                        O ensino, hoje, está em ruínas por vários motivos, mas desconfio que o modelo que ainda predomina está fadado ao fim, entre outras razões, mais ainda, em decorrência do descompasso com essa realidade que aos poucos se impõe, no qual não há mais espaço para uma educação que se estrutura a partir de livros, com textos pesados, longos e que exigem tempo e estudo profundo, e o tratamento do “pensar” típico dos escolásticos medievais que moldaram as bases do nosso ensino ocidental e cristão.

                        As gerações mais novas, que herdarão o mundo, ou o que restar dele, e sua forma de apreender e expressar a realidade, estão em processo de descompasso com aquela construída pelos nossos antepassados. Não se trata de estarmos certos e eles errados por não quererem ler livros como “Ulisses”, de Joyce, “Paidéia”, de Jaeger, ou “Em Busca do Tempo Perdido”, de Proust.

                        São elas, as gerações mais novas, mutações engendradas pelo meme que é a realidade virtual: caracterizam-se por viver em ritmo alucinante, pensar freneticamente, falar acelerado, em contraposição ao viver, pensar e falar arcaico, que vai sendo deixado para trás.

                        O livro de papel sobreviverá, claro, como sobreviveu o ritual do chá no Japão moderno que a restauração Meiji instaurou, e atirar com arco-e-flecha, algo excêntrico, típico de verdadeiros “outsiders”, a partir do qual hão de se criar seitas e seus inevitáveis rituais iniciáticos. Livros em ambientes virtuais existirão cada vez mais, óbvio. Mas nunca serão consumidos como o foram os livros de papel após Gutenberg.

                        Assim como os monges que salvaram a civilização como nós a conhecemos, na Alta Idade Média, copiando os textos antigos e os deixando para a posteridade, será em ambiente monacal que os iniciados lerão obras como as que foram citadas acima.

                        O velho mundo está morrendo, viva o novo mundo, do qual serei espectador privilegiado, posto que, quando menino fui apresentado ao milagre da televisão quando já completamente cativado pelo livro de papel, e, agora cinquentão, me maravilho com as infinitas possibilidades de uma realidade sequer possível de ser imaginada antes, domínio e prisão dos que, hoje, ainda são apenas adolescentes.

sexta-feira, 23 de março de 2012

HÁ, BASICAMENTE, TRÊS TIPOS DE TEXTOS ACERCA DO CANGAÇO


                                             Há, basicamente, três tipos de textos acerca do Cangaço.
                               Obras como “Guerreiros do Sol”, de Frederico Pernambucano de Melo; “História do Cangaço”, de Maria Isaura Pereira de Queiróz; e “Os Cangaceiros”, de Luiz Bernardo Pericás, PENSAM o Cangaço.
                               Livros como “A Marcha de Lampião”, de Raul Fernandes; “Lampião e o Rio Grande do Norte”, de Sérgio Augusto de Souza Dantas; e “Lampião – Segredos e Confidências do Tempo do Cangaço”, de Antônio Amaury Corrêa de Araújo, NARRAM o Cangaço.
                               Escritos como “Os Cangaceiros”, de Carlos Dias Fernandes; “Cangaceiros”, de José Lins do Rêgo; “A Cidade de Quatro Torres” (cordel), de Luiz Campos; FANTASIAM o Cangaço.
                               E, claro, há textos que são “zonas” intermediárias: narrações que enveredam pela análise; fantasias que narram; pensações (neologismo) que narram: nada que impeça a possibilidade de demarcar o espaço específico de cada tipo.

A RETÓRICA, SEMPRE A RETÓRICA!


                   O caráter demiúrgico da interpretação jurídica. O Direito enquanto instrumento de legitimação do combate. A aplicação da norma jurídica enquanto arma. O papel da retórica, comum a todos.


BERTRAND RUSSEL E A CAUSA DA EXISTÊNCIA DO PODER

Bertrand Russel

hoovervamtol.blogspot.com


Em “Power: A New Social Analysis”, Sir Bertrand Russel expõe a teoria de que os acontecimentos sociais somente são plenamente explicáveis a partir da idéia de Poder[1]. Não algum Poder específico, como o Econômico, ou o Militar, ou mesmo o Político[2], mas o Poder com “P” maiúsculo, do qual todas os tipos são decorrentes, irredutíveis entre si, mas de igual importância para compreender a Sociedade.


            A causa da existência do Poder é a ânsia infinita de glória[3], inerente a todos os seres humanos. Se o homem não ansiasse por glória, não buscaria o Poder. Infinita posto que o desejo humano não conhece limites. Essa ânsia de glória dificulta a cooperação social, já que cada um de nós anseia por impor, aos outros, como ela deveria ocorrer e nos torna relutantes em admitir limitações ao nosso poder individual. Como isso não é possível, surgem a instabilidade e a violência.


            Essa ânsia de glória, cuja manifestação objetiva é o exercício do Poder, pode ser encontrada em qualquer ser humano: explicitamente nos guerreiros, santos, ou políticos, e implicitamente nos seus seguidores: Xerxes não precisava de alimentos, roupas ou mulheres quando invadiu Atenas; Newton não precisava lutar pela sobrevivência quando empreendeu escrever seus “Principia”; São Francisco de Assis e Santo Inácio de Loyola não precisavam criar ordens religiosas para difundir a palavra de Cristo. Somente o amor ao Poder explicaria realizações tão singulares.


            Portanto, para Russel, a força propulsora das transformações sociais se resume no amor ao Poder glorioso, que é inerente a qualquer ser humano.


            Cabe agora indagar: o que leva o homem a ansiar por glória, e em ansiando, lutar pelo Poder, posto que este é o instrumento, segundo se depreende da leitura de Russel, por meio do qual se obtém aquela?


[1] Poder, segundo Bobbio, em Teoria Geral da Política, no início do capítulo acerca de Política e Direito, diz que Poder  deve ser entendido como a capacidade de influenciar, condicionar, determinar a conduta de alguém.

[2] Bobbio, em Teoria Geral da Política, abre o capítulo alusivo a Política e Direito expondo que o termo “Política” diz respeito às ações por meio das quais se conquista, mantém e exerce o Poder último ou soberano, tal e qual o dos governantes sobre os governados.

[3] Em Darwin a obtenção  da“glória” é um dos meios por intermédio dos quais o homem amplia as possibilidades de sobrevivência dos seus gens.

segunda-feira, 19 de março de 2012

EMPRESÁRIOS FLAGRADOS FRAUDANDO LICITAÇÕES PÚBLICAS


Pinçado de glaucocortez.com

Do "Blog do Noblat" 
Empresários são flagrados fraudando licitações públicas. 
Repórter do ‘Fantástico’, da TV Globo, se passou por administrador de hospital da UFRJ.  
O Globo, 18/03/12 - 22h56.

Empresários de quatro firmas ligadas ao setor da saúde foram flagrados oferecendo propina para ganhar contratos de um hospital público. A denúncia foi feita neste domingo pelo "Fantástico", exibido pela TV Globo. Com a ajuda do diretor do hospital de pediatria da UFRJ, o repórter Eduardo Faustini se passou pelo gestor de compras da instituição. Ao longo de dois meses, ele acompanhou negociações, contratações, licitações e compras de serviços.

O repórter convocou licitações em regime emergencial, fechadas ao público e feitas através de convites a quatro empresas que estão entre os maiores fornecedores da União: a locadora de veículos Toesa Service; a Locanty Soluções, que faz coleta de lixo; a Bella Vista Refeições Industriais; e a Rufolo Serviços Técnicos e Construções.

Empresas são investigadas por irregularidades.

Três são investigadas pelo Ministério Público por diferentes irregularidades. Ainda assim, receberam juntas R$ 500 milhões em contratos feitos com verbas públicas.

— É a ética do mercado, entendeu? Se eu ganho um milhão e 300, eu dou 130 (mil). É o normal — diz Renata Cavas, gerente da Rufolo.

As negociações foram todas filmadas de três ângulos diferentes e levadas até o último momento antes da liberação do dinheiro. O "Fantástico" explicou ainda que nenhum negócio foi concretizado.

De acordo com a reportagem, os representantes das empresas usam códigos no primeiro contato com o administrador, exigindo saber quem fez a recomendação dos serviços. Mas logo falam abertamente sobre a propina.

— Eu quero o serviço. Você escolhe o que quer. Faço meu preço, boto... Qual é o percentual? Dez? — pergunta Renata, antes de fechar em 20%.

Já o gerente da Locanty Soluções, Carlos Sarres, diz que até pode diminuir a margem de lucro para aumentar a propina:

— A gente abre o custo e a nossa margem, e joga o percentual que você desejar.

Propina é paga em caixas de uísque.

Sarres fala da forma como é paga a propina:

— Onde você marcar. E o troço é muito discreto. Nem parece que é dinheiro. Traz em caixa de uísque, caixa de vinho. Fica tranquilo.

O esquema é possível porque os valores das propostas são acertados previamente. E, no dia da abertura dos envelopes, as concorrentes chegam a ir ao local da apuração.

— A gente faz a mesma coisa para eles. Da mesma maneira que a gente vai pedir para eles formatarem uma proposta em cima da nossa, eles pedem para a gente fazer isso para eles — diz Sarres.

As empresas foram procuradas pelo "Fantástico". David Gomes, dono da Toesa, negou a fraude. Já os representantes das empresas Bella Vista e Rufolo não quiseram se pronunciar. A Locanty informou por e-mail que afastou temporariamente o gerente Carlos Sarres.

domingo, 18 de março de 2012

"JUSTIÇA NÃO MANDA RICO PARA A CADEIA", DIZ JURISTA

Domingo, 18 de março de 2012: "Justiça não manda rico pra cadeia", diz jurista!

Para juristas e cientistas políticos reunidos no II Congresso contra a Corrupção, que ocorre neste sábado, 17, na Câmara Municipal de São Paulo, é ilusão acreditar que esse cenário será revertido enviando mais corruptos para a cadeia - pois a chance de isso ocorrer, no Brasil, é mínima.

O caminho para reduzir a impunidade, segundo eles, é criar mecanismos de mediação e conciliação entre acusados e Ministério Público (MP), aplicando penas alternativas, como devolução do dinheiro desviado, perda dos direitos políticos e proibição de sair do País.

"A Justiça brasileira não manda o rico preso. Se o juiz de baixo manda prender, o do tribunal manda soltar. Não nos iludamos com o discurso do cadeião", alertou o jurista Luiz Flávio Gomes, membro da Comissão de Reforma do Código de Processo Penal.
Ele se diz "descrente" com a Justiça brasileira e afirma que só com soluções mais dinâmicas, como o acordo entre acusação e acusado, será possível punir corruptos com rapidez e reduzir a sensação de impunidade.

Deu no Estado de São Paulo

sexta-feira, 9 de março de 2012

COMO É ATRAPALHADO ESSE NOSSO STF!

 STF derruba lei que criou Instituto Chico Mendes
Em Blog do Noblat


BRASÍLIA - Um dia depois de deixar o governo e o mundo jurídico em polvorosa, com o risco de nulidade de 560 medidas provisórias editadas desde 2001, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou nesta quinta-feira uma decisão surpreendente: após ter declarado inconstitucional a lei que criou o Instituto Chico Mendes, voltou atrás e decidiu pela constitucionalidade da mesma lei. Na decisão de quarta-feira, por 8 votos a 1, o Supremo considerou a MP inconstitucional por ter sido votada em plenário no Congresso, sem atender a exigência de tramitar também numa comissão especial mista da Câmara e do Senado. Com isso, todas as 560 MPs que tiveram o mesmo rito a partir de 2001, quando foi criada a comissão especial, estavam ameaçadas de ter a constitucionalidade contestada.

Com o recuo, por 7 votos a 2, o STF não só validou a lei que cria o Instituto Chico Mendes, como decidiu que o rito da comissão especial tem de ser observado apenas nas MPs editadas a partir desta quinta-feira. Ficam de fora as 50 MPs que já estão em tramitação, e todas as editadas e já transformadas em lei desde 2001, como por exemplo, as que criaram o Bolsa Família, o ProUni, o Brasil sem Miséria, do governos de Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva; e, no governo Fernando Henrique, a que instituiu o valor do salário mínimo em 2002 e a que mudou a legislação tributária, sobre a cobrança do PIS/PASEP.

Caso a decisão de quarta-feira fosse mantida, 560 medidas provisórias convertidas em lei poderiam ser afetadas, se fossem ajuizadas ações no tribunal. Esse número é fruto de levantamento da Câmara dos Deputados. Segundo o ministro do STF Gilmar Mendes, há 50 ações no Supremo contestando leis aprovadas da mesma forma. As leis deverão ser validadas no julgamento.

A polêmica foi lançada na quarta-feira, quando o STF declarou inconstitucional a lei que criou o Instituto Chico Mendes. O motivo foi a forma de tramitação. Uma resolução no Congresso exime a comissão mista de dar parecer sobre o tema, se isso não ocorrer em 14 dias. O problema é que a Constituição prevê a necessidade desse parecer, para que as medidas provisórias se tornem lei. Nesta quinta-feira, o STF derrubou a resolução. Para não prejudicar apenas uma lei com a nova interpretação, o STF mudou de ideia e declarou a criação do Instituto Chico Mendes constitucional.

- Daqui para trás, todas as leis aprovadas com a observância da resolução, nós consideramos que são constitucionais. Daqui para a frente, como a resolução já não vige, o Congresso tem liberdade para obedecer ao artigo 62, parágrafo nono, da Constituição - explicou o presidente do STF, Cezar Peluso.

A reviravolta foi provocada por uma questão de ordem levada ao plenário nesta quinta-feira pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. Ele argumentou que a decisão afetaria centenas de medidas provisórias aprovadas pelo Congresso. O ministro Luiz Fux foi o primeiro a concordar. Seus colegas então ponderaram e decidiram que a nova interpretação da resolução do Congresso só valeria a partir de agora. Ou seja: os parlamentares terão de adequar a tramitação apenas para as medidas provisórias que chegarem ao Congresso após o julgamento do STF.

- Muitas dessas MPs que foram convertidas em lei constituem marcos regulatórios importantíssimos sobre os quais se baseiam nossa economia. O risco é enorme - alertou Ricardo Lewandowski.

- A situação é extremamente grave, uma das mais graves com as quais tenhamos nos deparado. A decisão desta quinta-feira obriga o Congresso a refazer o rito processual. Se pode se aplicar a outras leis - disse Gilmar Mendes.

Lewandowski comemorou:

- Essa é uma solução pragmática e louvável.

A decisão de quarta-feira foi tomada por 8 a 1. A maioria considerou inconstitucional a lei que criou o instituto. Só Lewandowski votou contra. Argumentou que a forma de tramitação deve ser resolvida apenas por parlamentares, sem que o Judiciário se intrometa. Nesta quinta-feira, sete ministros apoiaram a reviravolta no julgamento da véspera, devido ao impacto que a decisão traria. Só Marco Aurélio Mello e Peluso argumentaram que a lei deveria continuar sendo considerada inconstitucional.

Ministra comemora decisão.

Não é a primeira vez em que o STF discute a mudança do resultado de um julgamento. Em 2009, o tribunal considerou inconstitucionais benefícios concedidos a servidores de Minas Gerais que ocupavam cargo de confiança. No julgamento, faltou um ministro. No dia seguinte, com o quorum completo, Gilmar Mendes propôs que o tema fosse votado novamente. Joaquim Barbosa ficou indignado.

- Ministro Gilmar, me perdoe a palavra, mas isso é jeitinho. Temos que acabar com isso - disse Joaquim.

- Vossa Excelência não pode pensar que pode dar lição de moral aqui - respondeu Gilmar.

- Eu não quero dar lição de moral - retrucou Barbosa.

- Vossa Excelência não tem condições - comentou Gilmar.

- E Vossa Excelência tem? - questionou, por fim, Barbosa.

O ministro Lewandowski interrompeu a discussão.

Nesta quinta-feira, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, comemorou a decisão do STF de considerar constitucional a criação do Instituto Chico Mendes. Segundo a ministra, a decisão de quarta-feira causara grande mal-estar e apreensão na equipe do órgão, que conta com dois mil servidores.

sábado, 3 de março de 2012

NO MISTER DE JUIZ, NÃO BASTA SER HONESTO, É PRECISO PARECER HONESTO!

Do blog do Noblat -
Homens (e mulheres) de preto
Nelson Motta, O Globo

Como um capitão Nascimento da magistratura, a ministra Eliane Calmon está combatendo os bandidos de toga, os traficantes de sentenças e os vagabundos infiltrados no Judiciário, em defesa da imensa maioria de juízes honestos e competentes que honram a instituição. Por isso é alvo do tiroteio corporativo que tenta fazer de acusações a maus juízes suspeitas sobre toda a classe.

Para merecer os privilégios de que desfrutam, maior rigor é exigido dos que julgam. Nesta nobre função não basta ser honesto, é preciso parecer honesto, ter a integridade, a independência e a competência exigidas pela magistratura, para que a Justiça seja respeitada, e temida, porque sem ela não há democracia.

"Não tenho medo dos maus juízes, mas do silêncio dos bons juízes, que se calam quando têm que julgar colegas", fuzilou a faxineira-chefe, e quem há de contestá-la?

Todo mundo entende as relações de amizade que se estabelecem ao longo de muitos anos de trabalho, mas quem escolhe esta carreira — ao contrário de engenheiros, médicos, advogados ou músicos — tem que estar preparado para julgar igualmente a todos, do batedor de carteiras ao presidente da República — e aos seus colegas.

Com razão, ela diz que os juízes de segundo grau, quando enveredam para o mal, são os mais deletérios, porque os de primeira instância, por corrupção ou incompetência, podem ter suas sentenças anuladas pelo colegiado do tribunal superior. Mas é quase impossível um desembargador ser condenado pelos seus pares.

A ministra os conhece bem: “esses malandros são extremamente simpáticos, não querem se indispor, dizem que o coração não está bom, que estão no fim da vida.”

Alguém imagina os desembargadores do Tribunal de Justiça, digamos, do Maranhão, condenando à pena máxima — aposentadoria remunerada — algum colega agatunado? Quanta pressão um juiz pode suportar do político que o nomeou ?

Por tudo isto a corregedora nacional apoia a emenda constitucional do senador Demóstenes Torres para que os desembargadores sejam julgados com isenção, não por seus colegas de tribunal, mas pelos juízes do Conselho Nacional de Justiça.