segunda-feira, 5 de novembro de 2012

SE NÃO FOSSE O ANEL



Honório de Medeiros
 
 
Como se encarnasse um sonho de adolescente, na terceira ou quarta volta em torno do salão onde casais dançavam ao ritmo das músicas daqueles loucos anos 70 ela me apareceu. 

Em um gesto instintivo levantei o copo de rum Montilla com coca-cola, como que oferecendo, enquanto a avaliava. Ali estava uma mulher bonita, muito bonita, pelo menos para o seu padrão: cabelos longos, crespos, cheios, displicentemente soltos e partidos ao meio, emoldurando um rosto oval perfeito no qual pontificavam um nariz diminuto acima de uma boca carmim/carnudo-vermelha e olhos sempre meio escondidos por longos e abundantes cílios; o corpo magro quase oculto por um daqueles vestidos longos, típicos da época, terminava nos tornozelos pousados em sandálias das quais saiam finas tiras de couro que subiam pernas acima. 

O copo foi aos lábios dela e sem trocarmos qualquer palavra nos dirigimos a um batente meio afastado que circundava a área onde ficavam as mesas. 

Então conversamos. Não sei se o primeiro beijo veio logo ou demorou. Não sei acerca do que falamos, mas o passado e o futuro se fizeram presente. Na ânsia de conhecê-la mergulhei meus olhos nos dela querendo alcançar os fatos e pensamentos mais remotos gravados em sua memória. A noite adquiriu contornos mágicos: seu perfume, discreto, suave, era único; o bulício longínquo da festa, um pano-de-fundo perfeito para os silêncios intermitentes; a música tocava em nós. 

Já no final, noite alta, ainda desatento ao fato de que a encontrara vagando sozinha, e que ela não fora procurada, até então, por quem quer que seja, enquanto a multidão se dispersava eu perguntei onde ela morava. Ela me disse, vagamente, que no Centro. E como iria para casa? Não houve resposta. Àquela hora somente havia táxi. Ou carona, já que carro era um luxo distante. 

Poderíamos ir a pé, eu propus, afinal não ficava tão distante, e as ruas e bairros seriam atravessados lentamente enquanto o sentimento nascente fluía mundo afora e saudava a manhã que chegava. Não ocorrera, ainda, a mim, quão estranho era a solidão que a cercava. Se eu não estivesse ali – era o caso de se pensar – ela teria ido sozinha, enfrentando a madrugada, para casa? 

Assim, fomos. Mãos dadas. Silêncios interrompidos por brincadeiras. E beijos. As ruas silenciosas por testemunha. A manhã possuindo a noite. Na altura do velho cinema ela parou e me disse que ali precisaríamos nos separar. Não era possível deixá-la em frente à sua casa. Não questionei. Minha relutância não a oprimiu. Beijei-a e lembrei-lhe o compromisso de me telefonar no momento que acordasse. 

Pegou o caminho da volta. Antes da esquina que a tiraria de meu ângulo de visão olhei para trás. Ela estava lá esperando esse gesto. Beijou a palma da mão, apontou-a para mim e soprou. E meu coração adolescente, feliz, exultou. 

Foi a última vez que a vi. 

Ao longo do dia, ao longo das horas, a espera foi interminável, opressiva. O toque do telefone fazia meu coração disparar. O livro, sequer folheado, jazia pousado no chão ao lado do sofá. 

Passaram-se os dias. Nada. Nenhum rastro. As pessoas que moravam no entorno do lugar onde eu a deixara talvez tenham estranhado meu vai-e-vem incessante, nos primeiros dias, quando ainda havia a esperança de encontrá-la saindo de algum lugar. Depois se acostumaram. Ninguém sabia de nada, ninguém a conhecia. 

Todo tipo de pergunta, a mim mesmo, foi feita. Não houve resposta. Nunca houve. Não haverá.
Poderia parecer algo sobrenatural não fosse, passados todos esses anos, aquela bijuteria – um anel – que teima em me deixar pensativo e um pouco melancólico quando o ponho na palma da mão, e o lenço – naquele tempo ainda se usava – no qual resiste ao tempo a lembrança de um perfume e o contorno impreciso de um beijo calcado a batom.

domingo, 4 de novembro de 2012

ELOGIO À PREGUIÇA


Juvenal Antunes
 
 
ELOGIO DA PREGUIÇA

Juvenal Antunes

Bendita sejas tu, Preguiça amada,
Que não consentes que eu me ocupe em nada!

Mas queiras tu, Preguiça, ou tu não queiras,
Hei de dizer, em versos, quatro asneiras.

Não permuto por toda a humana ciência
Esta minha honestíssima indolência.

Lá está, na Bíblia, esta doutrina sã:
-Não te importes com o dia de amanhã.

Para mim, já é grande sacrifício
Ter de engolir o bolo alimentício.

Ó sábios, dai à luz um novo invento:
A nutrição ser feita pelo vento!

Todo trabalho humano, em que se encerra?
Em, na paz, preparar a luta, a guerra!

Dos tratados, e leis, e ordenações,
Zomba a jurisprudência dos canhões!

Juristas, que queimais vossas pestanas,
Tudo que legislais dá em pantanas.

Plantas a terra, lavrador? Trabalhas
Para atiçar o fogo das batalhas!

Cresce o teu filho? É belo? É forte? É loiro?
- Mas uma rês votada ao matadouro!

Pois, se assim é, se os homens são chacais,
Se preferem a guerra à doce paz...

Que arda, depressa , a colossal fogueira
E morra assada, a humanidade inteira!

Não seria melhor que toda gente,
Em vez de trabalhar, fosse indolente?

Não seria melhor viver à sorte,
Se o fim de tudo é sempre o nada, a morte?

Queres riquezas, glórias e poder?
Para que, se amanhã tens de morrer?

Qual mais feliz? O mísero sendeiro,
Sob o chicote e as pragas do cocheiro...

Ou seus antepassados que, selvagens,
Viviam, livremente, nas pastagens?

Do Trabalho por serem tão amigas,
Não sei se são felizes as formigas!

Talvez o sejam mais, vivendo em larvas,
As preguiçosas, pálidas cigarras!

Ó Laura, tu te queixas que eu, farcista,
Ontem faltei, à hora da entrevista,

E, que ingrato, volúvel e traidor,
Troquei o teu amor - por outro amor.

Ou que, receando a fúria marital,
Não quis pular o muro do quintal.

Que me não faças mais essa injustiça,
Se ontem não fui te ver, foi por preguiça.

Mas, Juvenal, estás a trabalhar!
Larga a caneta e vai dormir, sonhar.

(Cismas, 1908)
 
* Homenagem singela, minha, a dois homens: Juvenal Antunes, poeta e filósofo, e Pirro de Élida, filósofo. Este nos deu, de presente, uma das mais poderosas armas contra a manipulação e a chatice dos plenos-de-certezas: o ceticismo! Dois personagens também são homenageados: Macunaíma e Oblomov. E viva a arte como instrumento de combate à qualquer tipo de opressão! 

sábado, 3 de novembro de 2012

A POLÍTICA E A LENDA DE DIÓGENES, O CÍNICO

Diógenes, o Cínico
 
Honório de Medeiros
"Aqueles que atravessaram
de olhos retos, para o outro reino da
morte
nos recordam - se o fazem - não como'
violentas
almas danadas, mas apenas
como os homens ocos
os homens empalhados".

"Os Homens Ocos"
THOMAS STEARN ELLIOT

Li, certa vez, há muito tempo, a lenda de Diógenes, O Cínico.

Refiz imprecisamente, claro, na imaginação, a cena: ao ver Diógenes uma criança se dessedentar na margem de um riacho utilizando o côncavo da mão, desfez-se de sua caneca e, a partir de então, somente passou a ter, de seu, o manto com o qual ocultava sua nudez e o tonel onde dormia.

A caneca era desnecessária. Acreditava Diógenes que em nada possuindo, seria um homem livre. E o era, em certo sentido. Há muito de Diógenes na ira de Proudhon ao dizer “toda a propriedade é um roubo!” Instado por Alexandre, O Grande, seu admirador, a lhe dizer o quê desejava, Diógenes respondeu de pronto pedindo que não fosse obstruída a passagem do sol com o qual se banhava.

Heroicos tempos, aqueles, nos quais homens como Empédocles preferiam descobrir uma só lei causal a governarem o mundo; assim era Atenas, a Hélade, berço da civilização ocidental, aurora da democracia cuja essência repousa no conceito ético de "homem público virtuoso".

Qual a ligação existente entre a ingênua concepção de mundo de Diógenes e esse homem público virtuoso cujo perfil Péricles tão bem delineou em sua célebre "Oração aos Mortos de Maratona?"

 

Entre outras uma dicotomia aparente: a virtude privada, de um lado, e, do outro, a virtude pública. Para Diógenes, o homem somente se realizava através do rompimento com os grilhões que a vida em sociedade impõe; para Péricles, o homem somente se realizaria na medida em que esses grilhões, ou seja, as leis, os costumes, a moral, estabelecidos voluntariamente a partir de uma cultura comum, transformassem o homem em "cidadão", e em o transformando, concretizassem um ideal de sociedade virtuosa.

 

Ou seja, esse “cidadão” deveria ter altruísmo social, subordinando sua ambição pessoal ao projeto de construção de uma sociedade democrática tal qual a delineada pela "Paidéia" ateniense.

 

Hoje, ao observarmos o cenário político no qual vivemos, não podemos deixar de nos lastimar. Os políticos pouco ou nada fazem para ocultar a ambição pessoal que origina suas ações políticas, e suas aparições públicas são de um ridículo atroz. Pior: as agressões pessoais, a lavagem de roupa suja em público, a indigência oratória, a ignorância generalizada, o cinismo deslavado, atingem os eleitores e permitem a continuidade de um processo eleitoral que lembra, a todo instante, para os observadores mais avisados, quão atrasados estamos...

 

São tais políticos os homens ocos aos quais se refere Elliot.
Em ambientes políticos como o que vivemos, florescem as mais exóticas e nocivas plantas. Trata-se, segundo os cientistas políticos herdeiros do liberalismo, do ônus da democracia. E, assim, por sermos democratas, somos obrigados a conviver com alpinistas sociais, corruptos, mentirosos, hipócritas, arrivistas, aventureiros, e assim por diante.

O homem comum, por não entender a complexidade das forças que dispõem acerca de tal estado de coisas, passa a ansiar pela concretização de fantasias esdrúxulas: alguém que lhe traga ordem, segurança, que restabeleça o "status quo" anterior, o passado mítico... Torna-se, assim, presa fácil de messiânicos, manipuladores, ilusionistas.

Como aconteceu na eleição de Fernando Collor de Mello. Na de Jânio Quadros. Como pode acontecer novamente se nossas instituições continuarem frágeis como o são. Como pode acontecer novamente se não forem realizadas as reformas econômicas, políticas e sociais das quais tanto necessitamos, e o Brasil se enrodilhe, mais uma vez, na teia de interesses escusos que a ambição de alguns, neste presente momento, com certeza, está tecendo para nossa angústia.

E, em se enrodilhando, em se alienando nessas armadilhas todas, ao longo do tempo amplie, na Sociedade, um sentimento funesto de desencanto com a democracia.

Argumentos contra a Democracia não faltam. Sempre existiram, existirão sempre. Inteligentes, sutis, perigosos... Não faz muito tempo que Jorge Luis Borges a chamou de mera "ficção estatística".

Argumentos como esses, em ambiente construído e manipulado pelo capitalismo selvagem, no qual a ótica do lucro se impõe à ética do altruísmo social, são apropriados para aventuras tais como censura à imprensa, desprezo às leis e juízes, aplicação do “olho por olho, dente por dente”, corrupção de Estado...

Aventuras nas quais todos perdem, inclusive quem as provoca e delas supõe usufruir!

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

MORRE ALCINO COSTA, ESTUDIOSO DA CULTURA SERTANEJA NORDESTINA

 
ALCINO ALVES COSTA
 
17/06/1940
 
à
 
1º/11/2012
 
DESCANSE EM PAZ, GUERREIRO DO CANGAÇO.
 
CANGAÇO QUE É UMA DAS MAIS LEGÍTIMAS EXPRESSÃO DA CULTURA SERTANEJA NORDESTINA.

"O VÔO DO SOLITÁRIO PARA O INFINITO" (PLOTINO)

Plotino
 
Honório de Medeiros
 
 
“É como se vc, estando dentro de um ambiente fechado, uma clausura, criasse uma saída e a utilizasse. Lá, do outro lado da saída, lhe espera um outro ambiente, também fechado, só que maior. Sua tarefa, assim, é sempre criar outra saída, sair, entrar em outro ambiente ainda maior, criar outra saída, sempre, em uma escala exponencial”, disse-lhe eu.

“Não tem fim?”, me perguntou.

“A morte”, lhe respondi, “que acaba com tudo ou lhe leva a um infinito que está além de todas as coisas, onde não há qualquer tipo de limite ao conhecimento”. “Agora, ao lhe falar, sei o que significa aquela frase de Plotino, o vôo do solitário para o infinito”, continuei. “Nossa busca pelo conhecimento é sempre solitária, a morte nos liberta e nos remete ao infinito”.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

NOVA PESQUISA APONTA VITÓRIA DE ALDO PARA A OAB/RN


Do justicaempauta.com.br:
 
Eleição OAB/RN: enquete aponta Aldo Medeiros como advogado para unir a categoria

"1 de novembro

No dia da eleição do Quinto Constitucional, 1.252 advogados participaram de uma enquete realizada pela Focos Marketing para avaliar qual dos dois candidatos à presidência da Ordem, Sérgio Freire e Aldo Medeiros, teria mais condições de unir a categoria.

Pois bem, o blog Justiça em Pauta recebeu a autorização para divulgar o resultado. E deu Aldo Medeiros, com 47,0%, enquanto o adversário Sérgio Freire contou com 30,4% dos votos.

Segundo o Focos Marketing, todos os questionários foram aplicados no dia da eleição para o Quinto Constitucional e 50,6% do público é formado por mulheres, enquanto os outros 49,9% correspondem à homens.

Apesar da vitória expressiva de Aldo Medeiros, é preciso estar atento também a quantidade de votos nulos e indecisos que juntos somam mais de 22%."

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

OS MISTÉRIOS DO ATAQUE DE LAMPIÃO A MOSSORÓ; QUARTA E ÚLTIMA TEORIA, TERCEIRA PARTE

Honório de Medeiros
 
Quarta teoria: o ataque a Mossoró resultou de um plano político (terceira parte)


QUESTÕES SEM RESPOSTA (continuação), SEGUIDO DE MASSILON E O PLANO DENTRO DO PLANO 


Vigésima-quarta: nos primeiros dias de setembro de 1927 a fazenda Bálsamo, da família Hollanda, fronteira do Ceará com o RN, foi invadida pela polícia à cata de cangaceiros, à procura de Júlio Porto, Francisco Brilhante e dois irmãos seus, envolvidos no assalto a Apodi. Por que lá não estavam Massilon nem Décio Hollanda, o proprietário da Fazenda?
 
Vigésima-quinta: por qual razão os cangaceiros não atacaram a residência do Gerente do Banco do Brasil para sequestrá-lo em busca de resgate, como supostamente queriam fazer com o Prefeito?
 
Vigésima-sexta: a que se atribui a lenda de que Jerônimo Rosado, correligionário do Coronel Rodolpho Fernandes e personalidade influente em Mossoró desde os tempos do Coronel Francisco de Almeida Castro, líder político que havia falecido há pouco tempo, estaria por trás do ataque, e não permitira saque ao comércio? Seria em decorrência de sua estranha omissão quanto à defesa da cidade?
 
Jerônimo Rosado
 
Em relação a esta última questão, é interessante a transcrição, feita por Kydelmir Dantas[1], de uma entrevista com Jerônimo Lahyre de Melo Rosado, 78 anos, farmacêutico e funcionário público federal aposentado[2]:
 
E seus familiares, onde estavam?
 
“O velho Rosado, meu avô, com quem eu morava desde a morte do meu pai, Jerônimo Rosado Filho, não queria sair da casa do centro da cidade. Ele chegou a fazer uma seteira (buracos enviesados nas paredes da sala), pois queria se defender dentro de casa com a família. Duó (Duodécimo), seu filho, ponderou que ele deveria retirá-la para um lugar seguro, pois ele tinha muitas filhas e o bando era terrível. Então ele passou a transportar todos, em várias viagens de automóvel, na manhã do dia do ataque. Foram todos para o “Canto do Junco”, de propriedade do Sr. Dobinha, no caminho de Tibau. Imagine, umas casinhas de palha num descampado, sem proteção... Mas era fora da cidade. Na casa da rua só ficaram o velho Enéias, avô de Wilson Rosado, e seu Chico, antigo empregado da Farmácia, com as portas e janelas trancadas.”
 
E o que fizeram com ele?[3]
 
“Acho que pensavam que ele ia morrer; mas como isso não aconteceu, resolveram matá-lo, temendo que Lampião voltasse para buscá-lo. Aí, ninguém teria sossego. Natal reclamou muito porque ele foi morto. O Major Laurentino, de Mossoró, se justificou com esse argumento.”
 
Faz sentido o quê Lahyre de Melo Rosado diz, ou teria sido ele industriado por seu avô?
 
Elencadas todas essas indagações extremamente sérias e ainda não respondidas, que teimam em parecerem importantes na justa medida em que as outras teorias acerca da invasão de Mossoró por Lampião não se sustentam, como visto antes, passemos então para o “x” da questão, conscientes que os indícios existentes acerca do viés político no ataque são muitos, e o difícil é conectar os fatos e lhes dar unidade de propósitos, tornando verossímil a conjectura exposta a seguir.
 
Sabemos que quando da invasão de Apodi por Massilon, o projeto de atacar Mossoró já existia, como noticiou o jornal “O Mossoroense”, em 15 de maio de 1927[4], insinuando, sem rodeios, que a invasão à cidade, a ocorrer em dias vindouros, integrava empreitada[5] (grifo do Autor) de grande vulto, e dele dera conhecimento, ao Coronel Rodolpho Fernandes, a carta de Argemiro Liberato.
 
Tudo isso foi abordado antes, neste livro.
 
Agora é preciso aprofundar o estudo do papel de Massilon no ataque a Apodi para, somente então, realmente começarmos a entender o cerne da teoria que atribui a um complô político o ataque de Mossoró por Lampião.
 
MASSILON E O “PLANO DENTRO DO PLANO”
                  
Para tanto, recordemo-nos que foi dito, antes, que a idéia de atacar Apodi e Mossoró não fora do Coronel Isaías Arruda. Do Coronel havia sido o planejamento e a “logística”, digamos assim.
 
A idéia do ataque a Apodi chegara ao Coronel Isaías Arruda por intermédio de Décio Hollanda, fidalgote de Pereiro, Ceará, levado a ele por José Cardoso, seu[6] primo, residente em Aurora, no mesmo Estado, e responsável por apresentar Massilon a Lampião[7].
 
Décio Hollanda era genro de Tylon Gurgel, o principal líder de oposição ao Coronel Francisco Pinto em Apodi, Rio Grande do Norte.
 
Casa de Tilon Gurgel em Pedra de Abelhas
 
Dá-nos conta de tudo isso o pesquisador Marcos Pinto[8]:
 
Em 10 de maio de 1927, a pequena e pacata cidade de Apody é assaltada por uma horda de cangaceiros comandados pelo célebre bandido Massilon Leite ou Massilon Benevides, chefiando parte do bando de Lampião[9].
 
Igreja Matriz de Apodi. Foto de 1918.
 
A malta de desordeiros procedia do Pereiro, no Ceará, por determinação de Décio Holanda, Tilon Gurgel e Martiniano de Queiroz Porto, ferrenhos e virulentos adversários da família Pinto, do Apody.
 
Chegaram à cidade por volta das três horas da madrugada tendo início, de imediato, uma série de truculências, culminando com o assassinato do comerciante Manoel Rodrigues.
 
O bandido Mormaço, preso posteriormente nas imediações de Martins, RN, em princípio de junho, afirmou, em seu depoimento, que Décio Holanda os acompanhou até a fazenda Pau de Leite, próximo a Apody. Décio era genro de Tilon Gurgel.
 
Mormaço
 
De início os bandidos inutilizaram os aparelhos do telégrafo nacional. Dando seqüência à macabra missão de que estavam contratados, aprisionaram alguns cidadãos. Saquearam e incendiaram totalmente a casa comercial ‘Jázimo & Pinto’, da viúva do Coronel João Jázimo Pinto, a Senhora Isabel Sabina Filha, conhecida como Dona Bebela de João Jázimo.
 
Dentre os cidadãos presos estava o Coronel Francisco Pinto, prefeito municipal, que obteve sua liberdade mediante pagamento de vultuosa quantia e pela eficaz e enérgica intervenção do padre Benedito Alves, vigário da cidade, que intercedia piedosamente pelo preso já condenado à morte.
 
O ataque terminou às 11 horas, para alívio da pequena urbe oestana.
 
O eminente historiador Válter Guerra escreveu minucioso artigo sobre este episódio, intitulado “A Madrugada do Terror”, publicado no jornal “Gazeta do Oeste”.
 
Neste mesmo dia o Coronel Francisco Pinto enviou mensageiro especial a Mossoró, montado em fogoso alazão, com a missão de procurar o seu parente Rodolfo Fernandes e entregar uma missiva, com pormenores que soubera por terceiros, de que o celerado grupo de Lampião tencionava atacar Mossoró. O historiador Raimundo Nonato aborda este fato em seu livro ‘Lampião em Mossoró’, à pág. 53[10].
 
Por ocasião do ataque, Apody assumira o aspecto de cidade saqueada e sitiada, invadida que fora pelos bandidos comandados por Massilon, deflagrando os mais hediondos crimes, enormes pela truculência e brutalidade com que foram perpetrados.
 
Esse episódio fora antecedido, em 12 de maio de 1925, pelo denominado “Fogo de Pedra de Abelhas”, também relatado na obra mencionada do historiador Marcos Pinto, e que tem relação direta com os acontecimentos acima relatados:
 
Neste dia ocorreu o famoso “Fogo de Pedra de Abelhas”. Os truculentos Décio Holanda e seu sogro Tilon Gurgel arregimentaram vultoso grupo de jagunços, em consonância com Martiniano Porto, primo do bandido Júlio Porto, componente do bando de Lampião, espalhando o terror em Apody e região.
 
Como era do seu dever, o Coronel João Jázimo comunicou ao governador José Augusto a triste e vexatória situação vivida no Apody e região circunvizinha. De imediato o chefe do Executivo Estadual encaminhou um contingente policial composto por 40 praças, comandado pelo Capitão Jacinto Tavares, exemplar oficial da Polícia Militar do Estado que ficou aquartelada em Apody.
 
Na manhã de 12 de maio a tropa dirigiu-se até a povoação de “Pedra de Abelhas” objetivando efetuar a prisão de Décio, Tilon Gurgel e toda a jagunçada. Antes da força policial chegar ao seu destino, já Décio era sabedor de que o contingente estava vindo ao seu encontro, por mensageiro enviado por Martiniano Porto.
 
Quando Décio preparava-se com seus “cabras” para empreenderem fuga rumo ao Ceará, eis que surge a tropa policial, travando-se cerrado tiroteio, culminando com a debandada da jagunçada rumo ao Rio Apody, morrendo na ocasião um “cabra” de Tylon Gurgel, por nome Mamédio Belarmino dos Santos, da família dos “Caboclos”, daquela paragem.
 
Após esse entrevero bélico, a tropa policial retornou ao Apody, com a missão de retornar no dia seguinte, o que não se efetivou pelas informações concretas de que o grupo armado se homiziara no Ceará.
 
Depois desta ocorrência coibitiva, voltou a reinar a paz naqueles rincões, mas não satisfeitos com a reprimenda policial, eis que Martiniano, Tilon, e seu genro Décio (primo do coiteiro Izaías Arruda, protetor de Lampião[11]) tramam e efetivam o famoso ataque de 10 de maio de 1927 à cidade do Apody, contando com o empenho de Massilon Leite, comandando parte do grupo de Lampião.
 
Continua...
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PARA ENTENDER O QUÊ SE EXPÕE AQUI, É CONVENIENTE LER OS TEXTOS ANTERIORES POSTADOS EM www.honoriodemedeiros.blogspot.comPROCURE Cangaço, DENTRE OS Marcadores, E LEIA TUDO QUANTO FOI ESCRITO ACERCA DO TEMA.



[1] “MOSSORÓ E O CANGAÇO”; Coleção Sociedade Brasileira do Cangaço; volume V; Fundação Vingt-Un; Coleção Mossoroense; Série “C”; Vol. 950; junho de 1997; Co-edição com EFERN-UNED de Mossoró; Mossoró, RN.
 
[2] Jerônimo Lahyre era neto de Jerônimo Rosado com quem morava desde a morte de seu pai Jerônimo Rosado Filho. A entrevista foi concedida a Ilná Rosado.
 
[3] Jararaca.
 
[4] Sérgio Dantas, em “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE”, obra citada.
 
[5] O termo utilizado foi exatamente esse.
 
[6] Do Coronel.
 
[7] “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE”; Dantas, Sérgio; Cartgraf Gráfica Editora; 2005; 1ª edição; Natal, RN.
 
[8] “DATAS E NOTAS PARA A HISTÓRIA DO APODY”; Coleção Mossoroense; Série “C”; Volume 1.164; Mossoró, RN; 2001.
 
[9] Aqui há um evidente equívoco. Não se tratava de “parte do bando de Lampião”.
 
[10] Grifei.
 
[11] Aqui se trata de outro equívoco. Não havia qualquer parentesco entre Décio Hollanda e Isaías Arruda.