Pereiro, Ceará
Por Honório de Medeiros
No pequeno cemitério – o antigo – de Pereiro, cidade duas vezes secular que se estende ao comprido e preguiçosamente entre serras, localizado no centro da cidade, passeio entre os túmulos, as árvores e as flores com sua guardiã, Dona Maria, procurando o jazigo perpétuo de Décio Hollanda, aquele mesmo que quis tomar Apodi pelas armas através da valentia de Massilon. Ela aponta: “são três; aqueles dois lá e este aqui, mas eu não sei quem é essa pessoa que o senhor está procurando.”
Voltamos para a entrada naquele caminhar desconexo de quem anda nos cemitérios antigos de cidades pequenas, tomando cuidado para não pisar em algum montículo inesperado que guarde os restos mortais de alguém. Eu lhe elogio a limpeza, a arborização e as flores do cemitério. “Obrigada”, diz. “Já faz vinte e cinco anos que estou aqui. Antes de mim era uma senhora com quem aprendi tudo e que também passou vinte e cinco anos.” “É muito tempo”, falo quase para mim mesmo. “Para eles, não”, responde, fazendo um arco amplo com o braço e envolvendo toda a área.
Dona Maria é baixinha, moreno-clara, entroncada. Sexagenária, eu diria. Muito limpa e bem arrumada, não há sinal de desmazelo em si. Os cabelos não guardam qualquer fio branco. Seria pintura? Não, observo de perto. Filhos, netos, todos foram criados através do labor contínuo e obscuro entres velas, flores frescas ou murchas e os restos mortais de seus conterrâneos.
“Qual o fato mais estranho que a senhora presenciou neste cemitério?” Ela não hesita em responder. Talvez a mesma história já tenha sido contada muitas vezes. “Uma viúva” - começa esboçando um olhar distante, “que chega sempre toda de preto para rezar naquele túmulo muito antigo encostado à parede. Ninguém sabe de quem ele é. O tempo já apagou, há muito, as inscrições. Não há qualquer documento a respeito. Eu mesma já pesquisei. Ela somente aparece quando não há ninguém, além de mim, no cemitério. Passa por mim, eu dou bom dia ou boa tarde, ela responde com um aceno de cabeça que intimida a gente, vai até o túmulo e reza em pé mesmo. Aí sempre acontece alguma coisa que me distrai e quando olho novamente ela já não está presente.”
“Alguém mais a viu?” “Não, somente eu.”
Chegamos à entrada. “Espere”. Desaparece por trás de algumas árvores e volta logo depois com uma flor branca entre os dedos. “Tome, é para o senhor”. “Ah, um bogari (jasminum sambac)!” “O senhor conhece?” “Era a flor predileta de minha mãe”. Eu agradeço, tocado. Ela nota a minha emoção. Vou me afastando, a flor próxima ao nariz, linda, pura, perfumada. Depois eu a ofereci à castelã da Casa-Grande da Fazenda Trigueiro, onde Frei Damião procedeu ao ritual exorcista próprio para afastar almas penadas, mas isso é outra história...