sábado, 3 de setembro de 2011

"CARIRI - CANGAÇO, COITEIROS E ADJACÊNCIAS", DE NAPOLEÃO TAVARES NEVES

Dr. Napoleão Tavares Neves

Honório de Medeiros   

                Deliciosa leitura a do “Cariri – Cangaço, Coiteiros e Adjacências”, do Dr. Napoleão Tavares Neves. O subtítulo “Crônicas Cangaceiras” é precioso, um achado. A edição é relativamente bem cuidada, da Thesaurus Editora, de Brasília, com orelhas de Leandro Cardoso Fernandes, apresentação de José Peixoto Júnior e prefácio de Melquíades Pinto Paiva. Cento e trinta e duas páginas, incluindo a iconografia.

                   São crônicas, não sobram dúvidas, que nos encaminham ao passado conturbado e inigualável do Cariri, do qual Dr. Napoleão Tavares Neves foi e é testemunha privilegiada, seja porque sua história se confunde com a dos seus ancestrais, seja porque ao longo dos anos colheu e preservou a herança oral e escrita dos muitos personagens caririenses aos quais procurou ou por eles foi procurado.

                   Não há história do cangaço sem o Cariri; não há história do coronelismo sem o Cariri; não há história do misticismo sem o Cariri. O Cariri é um mundo dentro do mundo. Como não se quedar admirado com um País, isso mesmo, um País onde fizeram e aconteceram, como dizemos no Sertão, Lampião, Padre Cícero e Floro Bartolomeu? Os Marcelinos, o Pe. Manuel Antônio de Jesus, o Coronel Santana da Serra do Mato? As mulheres da epopéia de Guaribas. O “fogo” do Custodio, da Piçarra, Chico Chicote? Tantos personagens e tantos fatos...

                   Por essas e outras razões, recomendo sempre ouvir Dr. Napoleão Tavares Neves. Quando não possível, ler o que ele – fina flor do Cariri, um fidalgo sem reproche – escreve. O mesmo Dr. Napoleão que menino, tão bem cuidado por “Dondon”, foi criança no Sítio Saco, em Porteiras, no Cariri eterno, e nas noites de lua ficava de papo para o ar deitado na bagaceira do velho engenho de rapadura, “ouvindo os mais idosos contarem as peripécias de Lampião”.

                   As crônicas históricas são assim mesmo: um compósito de lembranças que resulta de um olhar da memória cujo destino foi as pessoas e os acontecidos, tudo suavemente coberto por uma pátina de melancolia que nada mais é senão a nostalgia proustiana do tempo perdido, das eras anciãs, do arcaico que o tempo, há muito, levou.

                   Desafiam o tempo, essas crônicas, se eternizam, pois também nos apresentam o mundo como ele foi e permitem esboçar uma chave canhestra para compreender o presente e, quiçá, o futuro, principalmente quando escritas por alguém que lhes transmite respeitabilidade factual, mesmo que resultando de uma perspectiva personalíssima, como é o caso dessas crônicas do Dr. Napoleão Tavares Neves.                

APRESENTAÇÃO DE CARLOS SANTOS, EM "SÓ RINDO 2"

Honório de Medeiros

                   Talvez o conceito do sociólogo judeu-alemão Norbert Elias não o abarque, mesmo tangencialmente. Não importa. Vou me apropriar do termo e utilizá-lo para o fim visado.

Claro que poderíamos dizer: ele é um gauche, nos lembrando de Carlos Drummond de Andrade. Aplica-se, aqui, o mesmo raciocínio anterior. Prefiro outsiders, à Elias, pelo significado etimológico que o dicionário estudantil, o Michaelis, mostra: s. estranho, intruso.

Os outsiders – todos eles -, como eu já disse em outro tempo e lugar, em algum momento de suas vidas foram moídos por aqueles no meio dos quais conviviam. Foram mastigados, deglutidos e vomitados. Seus jeitos de ser o sistema não assimilava. Não se tratava de oposição externa ou interna ao Poder. Não se tratava de irridência, sublevação, contestação por contestação.

Nada disso.

Nada mais seus jeitos de ser eram que estranhamento em relação ao estamento ao qual, até então, o outsider pertencia, apesar de outsider.Ser tal qual foi sua glória e sua tragédia. Fez com que fosse deglutido e depois expelido. Deglutido graças ao talento, à competência individual – nada que se assemelhe à conseqüência de um compadrio, de um afilhadismo, de um parentesco qualquer.

E expelido porque impossibilitado, graças ao que seria uma excentricidade moral, ou psicológica, ou filosófica, ou todas juntas, de acompanhar a carneirada e sua vocação para ser usado pelos lobos ao custo de balangandãs, bijuterias, penduricalhos materiais ou simbólicos.

Pois Carlos Santos é assim, talvez porque nascido no território imagético composto pelas ruas cujo epicentro é a histórica Capela de São Vicente, coração da Mossoró libertária – não a outra que o Poder tornou sem substância há quase ruins cem anos. Território com população pequena e selecionada por uma dessas felizes circunstâncias que a história mostra ser tão rara, e soberania construída via permanente e anárquica tensão afetiva entre o matriarcado implícito/patriarcado explícito e a insubmissão das gerações mais novas. E logo fez parte da geração que se distanciou da infância, entre alegre e triste, a golpes indisciplinados de leituras de todos os matizes e para todos os gostos, nos anos 70.


Fez-se e se diz repórter, Carlos. Nada mais, segundo ele.

Podo ser, mas há controvérsias. Embora conheça tudo de jornal – até fundou um -, é engano o que diz, e esse dizer nasce de um exercício crítico da razão tolhida pela modéstia e certo laivo de manha.

Como todos nós que nascemos na nossa República Independente de São Vicente tem Carlos uma base comum sobre a qual construímos, ao longo do tempo, nossas distinções de personalidade, muito mais que de caráter: aquela educação ministrada pelos exemplos, tradição dos mais antigos, consolidada por intermédio de orações e devaneios à luz mortiça da Capela, nas longas noites das novenas de Santo Antônio, a cantar as ladainhas e aspirar o doce aroma do incenso que o turíbulo aspergia conduzido por nossas ciosas mãos de meninos.

Qualidades morais, mas há as outras, para além da decência de suas atitudes, que o expõem como muito mais que repórter, entretanto louvado e respeitado seja esse mister.

Por que naqueles dias nos quais o homem que cada um de nós seria amanhã ia sendo produzido nas leituras, bate-papos e discussões – às vezes aguerridas – havia, como que permeando sutilmente nosso presente e preparando o futuro, uma romântica angústia metafísica por Justiça (assim mesmo, com J maiúsculo) nascida do olhar sensível e da razão aguçada que percebiam, mas ainda não entendiam o que se passava no nosso entorno, sorvida nos rios literários nos quais nos dessedentávamos, aguardando uma práxis qualquer que nos tornasse mais Sanchos Panças e menos Quixotes largando mão da retórica adolescente contra os moinhos de vento da Ditadura.

Era um tempo no qual o máximo de ousadia consistia em ouvir, antes da meia-noite, as transmissões da Rádio de Moscou. Falávamos mal dos que não estavam na Oposição. Criticávamos o Regime. Ansiávamos por mudar o mundo e as pessoas.

Então cada um foi para o seu lado, sempre Quixotes, quase nunca Sanchos. Encruzilhadas, conquistas, fracassos.

Da nossa geração, da nossa República, tivemos políticos, escritores, empresários, de tudo um pouco, até mesmo alguns, tão especiais que o Céu, cedo, os levou.

E tivemos jornalistas como Carlos, que também é escritor, pois escolheu ler, escrever e pensar as coisas e as pessoas, as pessoas e as coisas, cada uma no seu tempo, cada tempo uma vez ou tudo. E de suas crenças construiu respeito; de suas idéias, a admiração; de suas escolhas, o afeto, sem perder a sede por Justiça.

Quem o lê, diariamente ou não, em seu blog, logo percebe tal e se gratifica com suas análises políticas e algumas esparsas crônicas, mas anseia por outras incursões literárias, tais quais ensaios, críticas, que tenham sua assinatura, algumas guardadas – ainda não tornadas públicas – junto aos livros que, aos poucos, tomam os espaços restantes do seu bunker, mas não esquece, também, outra faceta sua: o talento com o qual, como ele mesmo diz ao descrever Só Rindo 2, retrata disparates, rompantes inteligentes, gafes homéricas e cenas picarescas em narrativas condensadas, como se fossem esquetes teatrais.

Pelo que diz, e como diz, já temos uma noção da qualidade do texto. Daí porque um jornalista que é escritor; um escritor que é jornalista.

Claro que quereremos mais, nós que o lemos sempre. É esse seu débito para conosco, no geral. No particular, a República deseja que se mantenha no que escreve, mesmo quando cuida de advertir divertindo, com esse compósito de profundidade e ironia – a boa ironia – esculpida a pinceladas incisivas, rascantes, argutamente postas, celebrando a vida no que ela tem de flores e lama: desde o homem que ascende para além dos limites de suas circunstâncias até o homem que mergulha no opróbrio de seus instintos vis de predador social.

Pois a Justiça de ontem em seu coração é a Justiça de hoje em sua razão.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

NAS TETAS DO ESTADO


Laélio Ferreira
 
M O T E :



Quero ser publicitário

chupar nas tetas do Estado



G L O S A:



Não posso mais ser otário,

viver na merda em que vivo;

preciso ser mais ativo,

quero ser publicitário !

Tenho inveja do cenário,

roo as unhas, tô pirado,

fico sonhando acordado,

minha vida desandou

- mas aposto: um dia eu vou

chupar nas tetas do Estado !
 

A HIPÓCRITA CAMPANHA DO DESARMAMENTO

 
Faz-de-conta

Pelo o que se sabe, não apareceu qualquer assaltante ontem no Hotel VillaOeste (Mossoró), entregando arma à Campanha do Desarmamento. Uma pena.

Por lá, várias autoridades proclamaram o início da campanha nacional para recolhimento de armas de fogo. Picotaram algumas peças de artilharia numa maquininha (pura pirotecnia), proclamaram a ideia de combate à violência e repetiram outros lugares-comuns.

Por que não cortam o mal pela raiz, proibindo a fabricação desse produto bélico? Não seria mais sensato?

Em Israel, Estado militarizado, qualquer pessoa tem uma pistola nos “quartos” e índice de criminalidade urbana é baixíssimo. Aqui no Brasil, só bandido pode ter arma.

Cidadão de bem não costuma ter arma privativa das Forças Armadas; qualquer bandido reles, sim.

Desarmamento poderia tentar alcançá-los.

O Estado passa ao cidadão de bem responsabilidades que são suas: desarmar bandido, puni-lo exemplarmente e salvaguardar a vida.

Cinismo. Hipocrisia. Só.

Arma na mão de um cidadão de bem é como plano de saúde: você tem para prevenção, na esperança de não precisar usar. Com bandido, é ganha-pão.

Conta outra, vai.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

DO ESTUDO DO CANGAÇO NAS ESCOLAS

Do cariricangaço.blogspot.com

Por Bárbara de Medeiros

Tendo um pai profundamente envolvido com o estudo do cangaço, era de se esperar que eu soubesse bastante sobre o assunto. Mas não, na verdade. E aqui, aproveito para ressaltar a importância de ensinar corretamente as matérias para crianças.


Quando eu tinha uns sete anos, meu pai já demonstrava sinais de seu amor pelo cangaço. Quando eu soube que iria estudar exatamente isso, podem imaginar a minha alegria: Finalmente iria entender as conversas extremamente sem sentido (para mim) mas interessantes (para meu pai e seus amigos) sobre o assunto. Eu deixaria de ser uma “outsider” na conversa.


Pois bem. Qual não foi a minha decepção quando eu descobri que dessa matéria tão importante para a história não só da nossa região, mas também do nosso país, só havia um parágrafo no fim de uma página constituído de quatro linhas. E nenhuma das quatro continha uma informação verdadeira. Eu aprendi, ainda cedo, na escola, que o cangaço era um movimento liderado pelos cangaceiros contra seus coronéis, que matavam seus pais e se recusavam a pagar dinheiro pelos serviços feitos pelos cangaceiros. Então, revoltados, eles invadiam as casas dos tais coronéis, tocavam fogo, estupravam suas mulheres, roubavam seu dinheiro e pegavam seus filhos para eles se tornarem cangaceiros também.


Eu precisei que o meu pai explicasse o cangaço umas seis vezes para que eu finalmente entendesse. Talvez eu nunca chegue a entender completamente. A imagem daquele parágrafo no fim da página falando dos cangaceiros tão erradicamente ainda invade os meus pesadelos, pois o meu maior medo é que outras crianças venham depois de mim e acreditem piamente no que o livro disse. Talvez elas não tenham seus pais para explicar a verdade. Talvez elas cresçam com a informação errada. Talvez morram sem nunca descobrir a verdade, sem nunca entender a importância desse movimento para a história do seu país. Quem sabe?


NOTA CARIRI CANGAÇO: Bem; para quem não conhece, permita apresentar essa pequena sobrinha que é puro encanto, em todos os sentidos. Pela inteligência, pela sensibilidade, pela dedicação em tudo o que faz e principalmente pelos muitos talentos que possui. Bárbara tem 13 aninhos de vida, mas que poderia ser 13 mil... diante de tanta Luz e Força que imprime à sua vida; é filha de Michaela e de Honório de Medeiros, e é uma das convidadas especiais do Cariri Cangaço 2011.

PAULO DE TARSO CORREIA DE MELO LANÇA, HOJE, O "LIVRO DE LINHAGENS"


Do Substantivo Plural:

As experiências e lembranças, vividas e guardadas, pelo escritor Paulo de Tarso Correia de Melo durante viagens pela literatura e por terras portuguesas e gregas são o fio que tece seu novo "Livro de Linhagens", com lançamento marcado para hoje, às 18h, na sede da Academia Norte-Riograndense de Letras. A publicação que sai no Brasil sob a guarda da editora mossoroense Sarau das Letras, também será lançada no próximo dia 1º de outubro na cidade do Porto, em Portugal, pela editora Corpos - uma parceria inédita no RN. A obra custa R$ 30 e poderá ser encontrada, após o lançamento, nas principais livrarias da cidade.


quarta-feira, 31 de agosto de 2011

IVa. SEMANA DE GESTÃO PÚBLICA

IV SEMANA DE GESTÃO PÚBLICA: A Importância da Educação Superior para a Administração Pública

Dia 08/09/2011 – Abertura – Auditório 2 da Unidade Floriano Peixoto - 19:00h. às 22:30h.

Palavra da direção – Professora Diretora do Curso de Gestão Pública - Maria Tânia B. Inagaki

Apresentação cultural: Coral UnP

PALESTRA DE ABERTURA

Palestra: FRANCISCO HONÓRIO DE MEDEIROS FILHO – A EDUCAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA

Dia 09/09/2011 – às 15:00h. -  Exposição de painéis – Os painéis estarão divididos em 4 categorias :

Temática dos painéis
Professores responsáveis
DIREITO ADMINISTRATIVO
Jaciratan Ramos e Antônio Vaz
GESTÃO DE PESSOAS
Walid, Socorro e Hildérica
GESTÃO FINANCEIRA
Maurício, Vanusa, Giovani e Monteiro
COMUNICAÇÃO E CIDADANIA
Tânia Inagaki, Ana Tázia Patrício e Marígia Madje.

Dia 09/09/2011 – horário 17h30min – Auditório 2 da Unidade Floriano Peixoto
Palestra 1 - Tenente Coronel Margarida Brandão Fernandes – o uso de ações afirmativas da polícia militar no combate às drogas.
Palestra 2 -  LÊNIN GUERRA – horário 19:00h.: PERSPECTIVAS DO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO.

Encerramento – Lançamento de livros do professor Lênin Guerra.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

O CAPITALISMO SOVIÉTICO NO BRASIL

François Silvestre     

         O comunismo soviético do Leste europeu praticava o socialismo? Não. O capitalismo soviético do Brasil Também não.
         No comunismo soviético, o individuo tinha alguma importância substancial? Não. No capitalismo soviético do Brasil também não.
         No comunismo soviético, o indivíduo se sentia seguro para andar em qualquer logradouro público, a qualquer hora, sem risco de sofrer algum tipo de agressão? Não. No capitalismo soviético do Brasil também não.
         O Estado do comunismo soviético era monstruoso e ineficiente? Sim. O Estado do capitalismo soviético do Brasil também.
         O dinheiro público, no comunismo soviético, era destinado a manter um aparato estatal corrupto, inatingível, burocraticamente institucionalizado, sem resposta ou explicação ao indivíduo contribuinte? Sim. O capitalismo soviético do Brasil também é assim.
         O indivíduo, no comunismo soviético, podia ser apanhado a qualquer hora ou em qualquer lugar, sem direito de defesa e sem saber quem o estava agredindo, física e moralmente? Sim. No capitalismo soviético do Brasil também é assim.
         No comunismo soviético, o Estado não dava qualquer satisfação ao indivíduo assaltado ou agredido, nem punia os agressores, nem registrava ou investigava tais denúncias? Sim. No capitalismo soviético do Brasil também é assim.
         No comunismo soviético, as pessoas se prendiam em casa com medo das ruas, sussurravam entre vizinhos, borravam-se de medo ao ouvirem tiros ou ao presenciarem confrontos de gangues fardadas ou não? Sim. No capitalismo soviético do Brasil também é assim.
         No comunismo soviético, as instituições públicas davam alguma satisfação ao indivíduo ou tinham por ele algum respeito? Não. No capitalismo soviético do Brasil também não.
         No comunismo soviético, o Estado gastava mais com propaganda do que com segurança e saúde individuais? Sim. No capitalismo soviético do Brasil também é assim.
         O “socialismo” do comunismo soviético era apenas fachada onde imperava esmola e medo? Sim. No capitalismo soviético do Brasil também é assim.
         O comunismo soviético nasceu de uma ditadura militar? Sim. O capitalismo soviético do Brasil também.
         No comunismo soviético, os remanescentes da ditadura viraram líderes da “democracia”? Sim. No capitalismo soviético do Brasil também.
         No comunismo soviético, o discurso era um e a prática era outra? Sim. No capitalismo soviético do Brasil também.
No comunismo soviético, as instituições mereciam respeito dos indivíduos? Não. No capitalismo soviético do Brasil também não.
         No comunismo soviético, o parlamento era livre na forma e escravo no conteúdo, dependente do poder executivo? Sim. No capitalismo soviético do Brasil também é assim. Té mais.
          

AGRADECIDA POR SER DODORA CARDOSO

Por Franklin Jorge
Este ano Dodora Cardoso não se apresentou na Festa de Santana. Um dos motivos dessa ausência seria o valor do cachê pago pelo prefeito Bibi Costa, míseros seiscentos reais, o que não pagaria as despesas com músicos, hospedagem e transporte. Um agravo aos artistas locais.
Devota de Sant´Ana, durante dois anos seguidos cantou de graça nessa festa que atrai milhares de seridoenses, e financiou as despesas do próprio bolso. Também contou com o apoio de amigos, como Núbia Albuquerque, que hospedou os músicos em sua casa da Boa Passagem. Este ano, porém, resolveu não cantar mais de graça, ao saber que a prefeitura estava pagando 50 mil reais a bandas de outros estados, em detrimento dos artistas locais, alguns tão melhores do que os forasteiros, mas desqualificados pelo fato de serem da terra.
Dodora é a agitação em pessoa. Ela se diz “barra pesada e sem o rabo preso com ninguém’’. Muito intensa em tudo o que faz e diz, é sinônimo de inquietação e irreverência, parecendo estar em toda a parte com essa tremenda energia que a anima e faz dela, Dodora Cardoso, um fenômeno humano.
Ouvindo-a, pareço ouvir os versos que Hölderlin consagrou a Rousseau [Jean-Jacques]:
… E ele levanta voo, o espírito audacioso, como as águias
Ao encontro das tempestades, profetizando
Seus deuses que chegam…
Uma mulher que carrega a energia da vida e não faz conchavos com a falsidade; que canta as canções que em Caicó, especialmente, todos se agradam de ouvir e sentir, a cada nota, impulsionadas por uma pulsão de vida.
Como a conheci? Por acaso, através das ondas do rádio, onde dava uma entrevista e logo me conquistou por sua autenticidade. Ela estava sendo entrevistada por Suerda Medeiros, a quem eu telefonava naquele momento para marcar um encontro. Queria entrevistar a entrevistadora. Ao chegar à Rádio Caicó AM, alguns minutos depois, quem estava saindo do estúdio? A própria, Dodora Cardoso, que trocou algumas palavras comigo. Um pouco mais tarde a encontrei no Restaurante Brilhante e, mais uma vez, um pouco mais tarde, na Boa Passagem, de onde é amiga. Antes, tomamos sorvete – Bento, Dodora Ferreira, Socorro, Janilson Sutero, Núbia… – e eu saí para fazer minhas entrevistas.
Dodora, em sua autenticidade, não suporta hipocrisia e falsidade. Canta o que a encanta. Ela tem o que Garcia Lorca chamava de “o duende”, esse sortilégio que não se pode explicar, presente na visceralidade do seu canto, que ouvi depois em CD.
Recebida com festas nas ruas de Caicó, cidade onde o povo se agita, dança e canta em seus shows, Dodora é popular em toda a região. Uma vez, viajando com um amigo, entraram os dois em uma churrascaria na cidade de São José do Seridó. Enquanto estavam lá, comendo, um homem não parava de olhá-la.
Por fim, veio falar-lhe. Disse que a estava olhando porque tinha a impressão de conhecê-la de algum lugar, de Caicó ou de Cerro Corá. Seria ela, por acaso, cantora? Dodora confirmou. Era a cantora, sim. E ele, sem disfarçar a ansiedade: Não lembra de mim, não? Eu apenado e a ouvi cantando na Penitenciária de Caicó. Eu sou Fulano e estava cumprindo pena por ter matado um homem…
Muito pequena, Dodora ouvia o pai, que era militar, tocando trombone de vara. Desde pequena, tinha o hábito de ouvir a Elis Regina, Ângela Maria, até Glorinha Oliveira. Meus pais nasceram aqui, mas vivemos em vários lugares, como o Rio de Janeiro. Ele, Francisco Omar da Cunha – ou Omar Peitica, como o conheciam -, era músico, militar, juiz de futebol e,por algum tempo, delegado de polícia em Jucurutu. Ela, do coral da Igreja de Sant´Ana de Caicó… Ah, meu pai fez o serviço militar com Elino Julião, de quem sempre foi amigo. A música, como você está vendo, esteve sempre perto da gente. Sempre cantei. Por prazer, principalmente.
Cheguei aqui em 1970. Ontem, como vê… Voltamos do Rio, onde ficamos por cinco anos. Quando meu pai foi assassinado, minha mãe, Rita Cardoso da Cunha, resolveu que era hora de voltar para cá… Comecei fazendo bailes aqui. Minha verdadeira paixão sempre foi as bandas de baile. Nessa época, os jovens de Caicó só bebiam e fumavam. Não havia o que fazer. Eu, que não tinha jeito para fazer cacho em periquita [ficar alisando os pelos pubianos] para passar o tempo, cantava e gostava de cantar. Resolvi, assim, ser cantora…
Dodora costuma dizer que, de perto, não é nada normal. É coisa de família, enfatiza, disparando uma gostosa gargalhada. Uma sua irmã, por exemplo, vive juntando moedas para dar aos garotos que pedem nos cruzamentos. Eu, dou camisinhas. Vou logo dizendo, dinheiro não tenho. Mas tenho essa camisinha com sabor chocolate… “Quê, tia? Camisinha?” Reclamam. Quer ou não quer…? Os garotos ficam aturdidos com minha oferta, mas acabam pegando a camisinha, embora desconfiadíssimos, e vão embora, pensando que sou uma doida..
Leia a continuação desta Série na próxima terça.

domingo, 28 de agosto de 2011

FINAL DE TARDE A PARTIR DO MEU CASTELO

Por Bárbara Lima







COMEMORAÇÃO

CAROS AMIGOS LEITORES,

ESTE BLOG COMEMOROU, NESTA SEMANA, MAIS DE 30.000 VISITAS, A UMA MÉDIA ENTRE CINQUENTA E SETENTA POR DIA.

NÃO É NADA, NÃO É NADA, ... NÃO É QUASE NADA MESMO.

MAS QUEM, COMO EU, ESCREVE ACERCA DO QUE ESCREVO,  E É LIDO POR VOCÊS, TEM QUE SE DAR POR MUITO SATISFEITO.

POR TUDO ISSO, E PELOS COMENTÁRIOS, MUITO OBRIGADO!

sábado, 27 de agosto de 2011

ELES, LOBOS; NÓS, OVELHAS



Honório de Medeiros


"Foi buscar lã e saiu tosquiado"
DITO POPULAR


Antes que me acusem de “simplismo” lembro, aos leitores, que guardando as proporções devidas entre o gênio e o provinciano inquieto, o texto a seguir, pelo menos na aparência, pode guardar alguma semelhança remota, no que diz respeito à ausência do embasamento erudito tão caro aos acadêmicos (nada mais que argumentos de autoridade quando não é possível comprovação empírica), ao “Manifesto Comunista” de Marx e Engels e ao “Servidão Voluntária” de La Boètie, ou mesmo ao “O que é a Propriedade”, de Proudhom.

                                               Entretanto ouso dizer que é possível um tratamento “acadêmico” ao que se vai expor. Tanto é possível fazê-lo a partir da Filosofia, com Marx e os anarquistas ou, para não ser acusado de tendência óbvia pelo pensamento de esquerda, com base no pensamento de Gaetano Mosca, comprovadamente um autor de direita, quanto a partir da Sociologia, desde que haja, como matriz, a Teoria da Evolução de Darwin.

                                               Posto isso, gostaria de iniciar apresentando a célebre fábula de La Fontaine, “o Lobo e o Cordeiro”, ITO POPULAR uiado
e, " iniciar apresentando a censamento de Gaetano Mosca, comprovadamente um autor de direita, quanto a partir devidamente parafraseada:

                                               Um cordeiro matava a sede nas águas límpidas de um regato.”

                                               “Eis que se avista um lobo que por lá passava em jejum e que lhe diz irritado”:

                                               - “Que ousadia a sua, turvando, em pleno dia, a água que bebo. Vou castigar-te”.

                                               - “Majestade, permita-me um aparte – diz o cordeiro – veja que estou matando a sede vinte passos adiante de onde o Senhor se encontra. Não seria possível eu ter cometido tão grave grosseria”.

                                               - “Mas turva, e ainda pior é que você falou mal de mim no ano passado”.

                                               - “Mas como poderia – pergunta assustado o cordeiro – se eu não era nascido”?

                                               - “Ah, não? Então deve ter sido seu irmão”.

                                               - “Peço-lhe perdão mais uma vez, mas deve haver um engano, pois eu não tenho irmão”.

                                               - “Então foi algum parente seu: tios, pais... Cordeiros, cães, pastores, nenhum me poupa, assim vou me vingar”.

                                               “E o leva até o fundo da mata, onde o esquarteja e come sem qualquer processo judicia”.

                                               Os lobos são a elite política; as ovelhas, o povo.

                                               Desde que o mundo é mundo, excetuando, talvez, um período provavelmente mítico no qual o Homem vivia anarquicamente de caça e coleta[1], sem chefes nem hierarquias[2], a Sociedade é assim mesmo: de um lado os exploradores, do outro lado, os explorados.

                                               Lembremo-nos como era antes nas grandes civilizações arcaicas: a grega, a judia, a chinesa, a hindu. O quê mudou de lá para cá? Nada, exceto a forma: se antes a polícia do chefe usava lança, hoje usa fuzil AK-47; se antes o tributo era o butim arrancado violentamente sem qualquer justificativa, hoje a extorsão se faz sob a desculpa de se dar condições ao Estado para que este melhore a vida das ovelhas em Sociedade.

                                               Não vou perder tempo discutindo o que é o Estado. Desde que surgiu, quando surgiu a Polícia, o Tributo, a Norma Jurídica, e a Propaganda, o Estado é isso mesmo que você, caro leitor, pensa que é: um conjunto de aparelhos de controle social que a elite política criou para manter o “status quo”.  

                                               Pensemos, por exemplo, na Norma Jurídica. A elite política dissemina a idéia de que sua finalidade é o bem-estar social. Quando os gregos irridentes, nas guerras civis, pediram leis que submetessem a todos, a aristocracia pressionada acatou, mas tratou logo de controlar sua interpretação, produção e aplicação[3]. Hoje ainda é do mesmo jeito.

                                               Aliás, a Norma Jurídica deve ter surgido como um estratagema de domínio: como não era mais possível dar ordens verbais a todos, e a escrita estava surgindo, nada melhor que cria-las, coloca-las em algum lugar público, e impor que “a ninguém é dado alegar o desconhecimento da lei”. Tudo sob medida.

                                               Pois bem, e essa elite política se perpetua? Claro, em todos os lugares. No Brasil, desde o Império.

                                               Vejamos o caso do Rio Grande do Norte: nos Alves, Walter Alves é filho de Garibaldi Alves filho, que é filho de Garibaldi Alves pai, que é irmão de Aluízio Alves, que foi filho de Manuel Alves, o “Seu Nezinho”, líder político em Angicos, Rn, e de Maria Fernandes, da família Fernandes, de Aristófanes Fernandes, pai de Paulo de Tarso Fernandes; nos Maia, Felipe Maia é filho de José Agripino Maia, que é filho de Tarcísio Maia, que é filho de José Agripino Maia, que é parente próximo da esposa de Jerônimo Rosado, iniciador da oligarquia homônima em Mossoró, todos com raízes políticas ancestrais no Rio Grande do Norte e Paraíba; Larissa Rosado, por exemplo, é filha de Sandra Rosado, que é filha de Vingt Rosado, que é filho de Jerônimo Rosado; Fábio Faria é filho de Robinson Faria, que é filho de Osmundo Faria, latifundiário parente e protegido de Dinarte Mariz, de quem foi suplente no Senado; Dinarte de Medeiros Mariz, com ascendentes que vão até o Império, era parente de José Augusto Bezerra de Medeiros; este, por sua vez, familiarmente ligado a Juvenal Lamartine de Faria, de quem Márcia Maia, filha de Wilma de Faria, que é filha de Morton Mariz de Faria, parente de Dinarte Mariz, este por sua vez parente de José Augusto Bezerra de Medeiros, etc., etc..., é descendente colateral, todos com raízes que vão até o passado remoto do Rio Grande do Norte.

                                               As oligarquias, para sobreviverem, em certas circunstâncias históricas usam talentos aos quais agregam, consomem e expelem para fora do círculo íntimo do Poder Político: Dinarte Mariz fez isso; Aluízio Alves, também; Tarcísio Maia o fez, os Rosados o fizeram; Wilma de Faria idem, e assim por diante. São os escalões intermediários entre o círculo íntimo e a base mais abaixo, constituída de “inocentes úteis”.

                                               Brigam entre si os integrantes da elite política[4]. Mas, se ameaçados, se unem contra o inimigo comum. Vejam o caso de Mossoró. Não por outro motivo o PT, até Lula chegar ao Poder, era um anátema, posto que representasse uma real ameaça aos interesses políticos/econômicos dos detentores do Poder. Hoje, a história é outra.

                                               Essa elite política, para sobreviver, se espraia por todos os aparelhos do Estado: Judiciário, Legislativo, Executivo. Aparelha tudo. Os aparelhos são integrados por membros das famílias que constituem a elite política ou agregados. Quando não é possível a nomeação de familiares ou agregados, ainda resta a cooptação e o exílio, o esvaziamento político/social. E, obviamente, se espraia também pela mídia servil, que bem paga, passa a filtrar os fatos – até mesmo criá-los, se for necessário - e lhes dá a conotação que interessa ao grupo dominante, assim como pelos negócios, através dos predadores empresariais, quase sempre sanguessugando, obliqua e dissimuladamente, a máquina estatal.

                                               Obviamente, em certas circunstâncias históricas, como ocorreu recentemente no Brasil pós Lula, parece mudar os atores principais do teatro político. É possível. Mas a estrutura continua: uma nova elite política substitui a anterior que, derrotada, sai de cena. Os atores são novos, mas o Teatro e a tragicomédia são os mesmos, há sempre lobos e ovelhas, e continua tudo igual. “Mutatis mutandis”.

                                               Portanto temos que a elite política domina o Executivo, o Legislativo, o Judiciário; os meios de comunicação, a tributação e os negócios empresariais com o Estado, bem como a Polícia. Ou seja, domina tudo. E o domínio é extremamente eficiente: os tributos alimentam o Tesouro que vai pagar as obras que vão, por sua vez, pagar toda a máquina política. Tudo isso legitimado por uma propaganda eficiente que cria a impressão de que a arrecadação vai ser usada para produzir e manter políticas públicas de interesse da ovelhada.

                                               Enfim, não por outras razões, como não somos lobos, somos ovelhas: nos tempos de hoje, enquanto alienados, indo inevitavelmente para a tosquia, tão logo sejamos convocados, sem “tugir nem mugir”, ou, quem sabe, quando muito, discreta e aceitavelmente perorando pelos cantos, em voz educadamente baixa, para não levar castigo.



[1] Jacques Le Goff.


[2] Robert Wright


[3] Nikos Poulantzas


[4] Gaetano Mosca.