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sexta-feira, 11 de abril de 2014

É PRECISO DUVIDAR DE TUDO!

Kierkegaard




* Honório de Medeiros



“Na cidade de H... viveu há alguns anos um jovem estudante chamado Johannes Climacus, que não desejava, de modo algum, fazer-se notar no mundo, dado que, pelo contrário, sua única felicidade era viver retirado e em silêncio”.

Assim começa “Johannes Climacus”, ou “É preciso duvidar de tudo”, delicioso texto do escritor – meio esquecido – Soren Kierkegaard, nascido em 1813, e morto quarenta e dois anos depois, em 1855, um típico excêntrico pensador do século XIX.

O pequeno livro que tenho em mãos é da Martins Fontes, Coleção “Breves Encontros”, que vem publicando opúsculos de autores variados, como Schopenhauer, Cícero, Sêneca, Schelle, dentre outros menos conhecidos, como o Abade Dinouart e Tullia D’Aragona.

O prefácio e notas, cuidadoso no que diz respeito ao levantamento da história da produção do texto e a um leve perfil do autor, está assinado por Jacques Lafarge – me é desconhecido – e a tradução por Sílvia Saviano Sampaio professora da PUC/SP, doutora em filosofia pela USP com a tese “A subjetividade existencial em Kierkegaard”, e membro da AMPOF – Associação Nacional de Pós-graduandos em Filosofia.

“É preciso duvidar de tudo” é dividido em três partes: "Introdução", "Pars Prima" e "Pars Secunda". A parte primeira contém três capítulos e o primeiro é uma afirmação: “A filosofia moderna começa pela dúvida”. A segunda parte, contendo somente um capítulo, Kierkegaard lhe nomina interrogando: “O que é duvidar?”

A mim, particularmente, interessou a seguinte proposição: “a filosofia começa pela dúvida”, que é o Capítulo II, da "Pars Prima". A conclusão de Kierkegaard, falando por intermédio de Climacus, é de que essa proposição se situava fora da filosofia e a ela era uma preparação. Perfeito.

No próprio texto Kierkegaard alude ao fato de os gregos ensinarem, aludindo a Platão, no "Teeteto", que a filosofia começa com o espanto. Eu traduziria espanto por perplexidade, mas talvez haja diferenças sutis entre os dois termos que não valem a pena serem esmiuçadas.

Muito mais recentemente Karl Popper propôs que o conhecimento novo – não apenas a filosofia – começasse por problemas. Esses problemas surgiriam a partir do conhecimento antigo, ou seja, da expectativa de que regularidades, padrões, se mantivessem, inclusive em relação a nós mesmos. Ao nos depararmos com algo que o nosso conhecimento antigo não explica, há uma fragmentação nas nossas expectativas e surge, então, o problema a ser solucionado. Elaboramos uma nova teoria que explique esse "algo" e, assim, surge o conhecimento novo.

Bachelard diz tudo isso de forma profunda e elegante: "o conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão".

Observe-se que tal teoria pressupõe a existência do conhecimento inato adquirido geneticamente, no que é referendada pela teoria da seleção natural de Darwin. Pressupõe, ainda, dando-se razão a Kant, que o Conhecimento, em última instância, antecede a Realidade.

Em certo sentido estão certos não somente os gregos, como Kiekergaard, Bachelard e Popper. Resta saber se, no início, há o espanto com a dúvida, ou a dúvida com o espanto.

Cabe também observar que Johannes Climacus é um típico caso de personagem acometido da Síndrome de Bartleby, algo que, com certeza, interessaria bastante à Enrique Vila-Matas, referência contemporânea do romance-ensaio.

 * Arte em filosofianews.blogspot.com

sexta-feira, 21 de março de 2014

ESTAMOS FICANDO CADA DIA MAIS LIMITADOS


* Honório de Medeiros

A ciência começa a comprovar algo que o senso comum já constatara: estamos ficando cada dia mais limitados na nossa capacidade de nos concentrar, principalmente em tarefas de natureza abstrata como ler um livro.

Em "A Civilização do Espetáculo" Mário Vargas Llosa especula, a esse respeito, por vias transversas, enquanto descreve a banalização da cultura contemporânea na medida da opção pelo entretenimento ligeiro, de conteúdo pobre e forma atraente, em detrimento da complexidade de nossa anterior herança cultural comum.. Não aponta causa específica para o fenômeno, mas alude, obliquamente, à onipresença imperiosa, por trás dos panos, da incessante necessidade do lucro.

Em outra face da questão o filósofo americano Michael J. Sandel, autor de "Justiça" menciona, em "O que o Dinheiro não Compra", como a corroborar Llosa, o poder avassalador do mercado a dominar tudo e todos, corações e mentes, e suas consequências no universo moral. Quem diz mercado, diz lucro.

Daniel Coleman, o famoso psicólogo americano professor em Harvard, criador do conceito de "Inteligência Emocional", pondera acerca de outra face desse poliedro social, ao apontar o déficit de atenção cada vez mais profundo, decorrente da escravidão às redes sociais , em nossa civilização, a originar uma demanda, no futuro, pelo próprio mercado, de todos quanto sejam capazes de se concentrar em tarefas de médio e longo prazo. Perguntamo-nos se quando o mercado reagir a catatonia (alienação) já não estará estabelecida de vez.

Acerca do fenômeno da volatilidade das coisas, causa e consequência desta atual fase do capitalismo, discorre Baumant com excepcional clareza em sua obra de caráter mais filosófico que sociológico. Somos uma sociedade evanescente, crê ele, na qual a transitoriedade de tudo, cada vez mais acentuada e veloz, seria o único fator permanente.

Ou seja, mercado, lucro, redes sociais potencializadoras, volatilidade, déficit de atenção, tudo interconectado.

Em outra face - são mesmo muitas, para a mesma realidade - Moisés Naím especula acerca da fragmentação do poder, tal qual o conhecemos, como consequência dessa realidade volátil, evanescente, permanentemente transitória, em decorrência, entre outras coisas, dos instrumentos que a alimentam e ampliam, ou seja, a rede social e a interconectividade, por exemplo.

O que estaria por trás de tudo isso? Como chegamos a esse patamar? Que teoria explicaria esse fenômeno em sua inteireza?

A menção, feita por Llosa, Sandel, Michel Henry e Debord, estes aqui ainda não citados, mas que também especulam acerca de faces do mesmo poliedro, qual seja o dinheiro, o lucro, o mercado, poderia, obliquamente, dar razão ao Marx sociólogo, não aquele do materialismo dialético. Ou à teoria da seleção natural, do qual o capitalismo seria um epifenômeno.

Nesses casos bem vale o dito atribuído a Proust: "o tempo é senhor da razão."

Ressalve-se, apenas, que as tentativas para conter a alienação, quando e se acontecerem, promovidas seja pelo próprio mercado, seja pelo Estado, poderão encontrar um status quo irreversível. Isso acontecendo, tendo como causa um brutal nivelamento por baixo em termos de capacidade de apreensão, cognição, pensar em termos complexos, perdemos todos.

Concretamente viveremos a realidade da Academia no Brasil, hoje: cada dia mais alunos, cada dia menos conhecimento...

quarta-feira, 19 de março de 2014

À MEMÓRIA DOS ESCRITORES ESQUECIDOS


* Honório de Medeiros                           
Na Rue de Lutèce, entre o Boulevard du Palais e a Rue de La Cité, em algum lugar conhecido por muitos poucos, o “La Mémoire de L'homme” cumpre sua missão de preservar a história abandonada da humanidade, assim como, na Barcelona arcaica, o Cemitério dos Livros Esquecidos, do qual nos deu conta Carlos Ruiz Zafón em “A Sombra do Vento”, arquiva, em seus infinitos desvãos, tudo quanto a loucura e a sanidade de cada um de nós ousou escrever ao longo do tempo e terminou encaminhado às traças ou, em lugar incerto e não sabido, a Biblioteca de Babel, descrita por Jorge Luis Borges em “Ficções”, de 1944, que nos fala da realidade constituída por uma biblioteca sem fim, abriga uma infinidade de livros possíveis e impossíveis...

Histórias tais quais aquelas vividas pelo velho militar a quem deu tempo e voz Alain de Botton, em “Nos Mínimos Detalhes”:

“Ele não tinha nenhum biógrafo para recolher suas palavras, para mapear seus movimentos, para organizar suas lembranças; ele estava vazando sua biografia para o interior de inúmeros receptores, que o ouviam por um momento, e então lhe davam uma pancadinha no ombro, e partiam para suas próprias vidas. A empatia dos outros era limitada às exigências do dia de trabalho, e assim ele morreu deixando fragmentos de si dispersos casualmente em meio a uma caixa de cartas esmaecidas, fotografias sem legenda reunidas em álbuns de família e histórias contadas a seus dois filhos e a um punhado de amigos que marcaram presença no funeral em cadeiras de rodas.”

Ou aquela acerca de todos os poemas e fragmentos que Robert Walser, ao qual aludiu tão belamente Enrique Vila-Matas em um dos seus romances-ensaios, escreveu e dispersou ao vento, sobre as neves por onde caminhou durante vinte e três anos, em sua Suíça natal, ansiando pela morte, interno em um manicômio.

A eles, a todos eles, a todos os esquecidos de ontem, hoje e amanhã, ao fim do livro de papel, da leitura densa, do pensar crítico, da profundidade do argumento, da propriedade do estilo, da beleza da forma, da imanência do conteúdo, da elegância do texto, do prazer da leitura cultivada, a homenagem de todos os que resistem,na Rue de Lutèce, nessa missão de preservar a história do Homem.

domingo, 8 de dezembro de 2013

O JUSTO NÃO ESTÁ FORA DE MIM

Guilherme de Occam



Honório de Medeiros

O nominalismo de Guilherme de Ockham questionou a possibilidade de as coisas (“a Coisa-Em-Si”, “ o Objeto”, “o Ser”, “a Realidade”) dizerem, ao Sujeito Cognoscente, aquilo que elas são (quais são suas essências).

Nós é que, enquanto demiurgos, ordenamos, organizamos, aquilo que nossos sentidos apreendem, de forma caótica, a partir do nosso conhecimento pré-adquirido (Kant, Bachelard, Popper).

Podemos rastrear tal concepção até o relativismo sofista (Protágoras de Abdera, Antístenes versus Platão), mesmo até Parmênides.

O nominalismo também impede a fenomenologia de Bérgson e Husserl e a pretensão de uma ciência cujo objetivo seja “compreender”: não é o termo “salinas” que me diz algo; eu é que digo algo dele, a partir do conhecimento que já possuo. Não há essência a ser apreendida, Platão estava errado, os sofistas estavam certos.

Thomas Nagel (“Visão a Partir de Lugar Nenhum”; Martins Fontes; SP; 2004; 1ª edição; p. 137; nota) observa que “Chomsky e Popper rechaçaram as teorias empiristas do conhecimento”.

Nominamos relações, processos, evanescências; não há coisas a serem nominadas. O Justo não está fora de mim, está em mim...

O VÔO DO SOLITÁRIO PARA O INFINITO

Plotino


Honório de Medeiros


“É como se vc, estando dentro de um ambiente fechado, uma clausura, criasse uma saída e a utilizasse. Lá, do outro lado da saída, lhe espera um outro ambiente, também fechado, só que maior, bem maior. Sua tarefa, assim, é sempre criar outra saída, sair, entrar em outro ambiente ainda maior, criar outra saída, sempre, em uma escala exponencial”, disse-me ele.

“Não tem fim?”, perguntei.

“A morte”, respondeu, “que acaba com tudo ou lhe leva a um infinito que está além de todas as coisas e fenômenos, onde não há qualquer tipo de limite ao conhecimento”.
 
“Agora", continuou, "ao lhe falar, sei o que significa aquela frase de Plotino, por meio da qual ele nos diz acerca do vôo do solitário para o infinito”.
 
"Penso que ele quis dizer que nossa busca pelo conhecimento é sempre solitária, e que somente a morte nos liberta e nos remete ao infinito”.

sábado, 7 de dezembro de 2013

AS MULHERES SERRANAS

 
 
 
Honório de Medeiros


Ah, as mulheres da Serra, frescas, em flor, sem nada que as enfeite exceto a simplicidade. Elas vestidas de simplicidade. “Uma carne sadia, abundante e rosada”, como descreve Proust, em “No Caminho de Swann”. Nada artificial, nelas. Não há um jogo sequer nas suas atitudes para com os homens. Beber, comer, amar, é tudo tão natural! Swann “prefiria infinitamente à beleza de Odette a de uma pequena operária fresca e rechonchuda como uma rosa, de quem se enamorara...” Está em Proust. Em contraposição a essa naturalidade sadia, o universo urbano recheado de mulheres excessivamente enfeitadas, com a mente tomada por negaceios e articulações, no afã infindável de seduzir por seduzir: o óculos de sol, a roupa de grife, o olhar dissimuladamente distante, o celular através do qual são armados os lances do jogo. Por quem, no final, Vaumont se apaixona em “As Relações Perigosas”, de Chorderlos de Laclos, senão pela inteireza de sentimentos e ações, distante de qualquer dissimulação, da mulher que julgara tão fácil seduzir e descartar? Uma mulher inteira, na plenitude de sua condição feminina. Uma mulher por quem valeria a pena uma entrega total...
 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

REZAR EM TEMPOS MODERNOS

Blaise Pascal
 
 
Honório de Medeiros
 
 
 
Pascal dizia que nada perderíamos se louvássemos a Deus: se Ele não existir, fomos bons, nada perdemos, que se há de fazer? Se existir, tanto melhor, honramos nossa fé.
 

Nos tempos modernos podemos nos dar por felizes ao respeitarmos os valores que a espécie humana construiu em seu processo civilizatório: estaremos rezando assim mesmo e já é o bastante.

Assim minoramos a angústia da dúvida, quando não cremos, ou cremos que não cremos, embora reste, soberana, a dúvida da angústia: não seria indescritível, em sua plenitude, a certeza absoluta, a fé integral, a entrega total que consumia Santa Tereza de Lisieux?
 

Miserere mei, Deus, secundum magnam misericordiam tuam.


quinta-feira, 21 de novembro de 2013

"ILUMINAR A REALIDADE"

Bachelard, por Vasco


Honório de Medeiros


“Iluminar a realidade”, disse-me o poeta/filósofo. Ou seria filósofo/poeta? Não importa. Hoje a filosofia não mais se expõe poeticamente. Veste outra vestes, sem elegância.
 
Foi-se o tempo de Heráclito de Éfeso: "não se pode entrar duas vezes no mesmo rio", célebre fragmento que tanto impressionou Wittgenstein. "Tudo flui"... Ah!, a beleza da filosofia dos gregos arcaicos...
 
Quem terá sido o último dos filósofos/poetas? Talvez Gaston Bachelard: "o Conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão". Ou mesmo: " O pensamento puro deve começar por uma recusa da vida. O primeiro pensamento claro é o pensamento do nada."
 
Suprema gnosiologia...
 
Certa vez, quando exposto um senão, o horizonte foi apontado, naquela linha onde se fundem mar e céu, e a resposta enunciada por um filósofo/poeta: "procure iluminar a realidade". "Somente assim podemos enxergar." Simples assim.
 
A poesia –  ela transfigura e sintetiza o comum, o banal, o trivial. Muitas palavras lavradas na árida linguagem técnica diriam o mesmo, até de forma mais precisa, reconheçamos. Entretanto essa frase descerrou véus e foi possível enxergar claramente, pois há sempre uma nesga, um fragmento de realidade a ser iluminada, revelada, exposta, onde antes nada havia além de escuridão e ignorância.
 
Então, assim, o Homem é muitos, mesmo sendo nenhum. 

terça-feira, 19 de novembro de 2013

O IDEALISMO RADICAL É A LOUCURA DA RAZÃO


 
 
Honório de Medeiros
 
O idealismo radical é a loucura da razão: nele estamos à mercê de uma idéia de realidade que somente existe em nossa imaginação. Algo como, talvez, o sonho de um semideus demiurgo. Nele, sonhamos que sonhamos.
Como não lembrar Chuang Tzu?
"Chuang Tzu sonhou ser uma borboleta. Ao despertar não sabia se era Tzu que havia sonhado que era uma borboleta ou se era uma borboleta e estava sonhando que era Tzu.”
A realidade imaginária de Matrix, única e exclusiva criação em um sonho induzido, conduzido e coletivo, onde sonhamos que estamos vivos, é uma instigante analogia com o idealismo radical.
Isso nos conduz à fonte dessa ousadia alegórica, qual seja a ancestral concepção hindu de que essa realidade imaginária é algo criado por Maya, a deusa da ilusão, que nos faz crer que estamos vivos e conscientes quando, na realidade, nada mais fazemos que sonhar.
Outro estranho paralelo é o mito da caverna, de Platão, com o qual aprendemos o quanto estamos distantes do real, imersos na contemplação de nossas próprias sombras.
E a razão lúcida, sobreviveria por si somente? Pensar, pensar o pensamento, pensar o pensamento pensado, enveredar pelo caminho do pensar exponencialmente não seria outro caminho a encontrar, no infinito, assim como as paralelas, o próprio idealismo radical?
 
Arte: ideiasparalelas.blogspot.com

terça-feira, 12 de novembro de 2013

O PESO DO MEU SILÊNCIO



Honório de Medeiros


Não me exporei,
cá estou.
Venha, se puder.
Busque-me.
Assim o farei eu,
se o desejar.
Nada tenho que valha a pena
dizer,
por enquanto.
Não sei se tive,
ou terei.
Eu lhe digo mais,
agora,
com meu silêncio.

SER GENTIL NÃO É SER HUMILDE

Susan Sontag
 
 
Honório de Medeiros

Em seu Diário (As Consciouness Is Hamessed To Flesh: Journals and Notebooks, 1964-1980), Susan Sontag se propõe, em 20 de julho de 1977:

"Ter um espírito nobre. Ser profunda. Nunca ser gentil".

O comum dos mortais, cada vez mais sem descortínio, confunde gentileza com humildade. Talvez seja essa confusão entre gentileza e humildade que levou, em uma época de feroz competitividade, Sontag a desdenhar a gentileza. Se não se impusesse essa regra de conduta, poderia correr o risco de ser considerada alguém humilde, e posto que humilde, frágil, o que seria fatal no demi monde ao qual ela pertencia, como se percebe em Proust, no Em Busca do Tempo Perdido, ou em Honoré de Balzac, no La Comédie Humaine.

Percebe-se em qualquer canto deste mundo, claro, onde, como disse Thomas Hobbes, "homo homini lupus", mas convenhamos: antes em Proust que na bodega da esquina.


domingo, 10 de novembro de 2013

HOMEM LOBO DO HOMEM

Honório de Medeiros
Os ingênuos creem que um iluminado possa assumir qualquer Governo e o conduzir ao melhor dos destinos possíveis. É mais ou menos como acreditar que Emerson Fittipaldi pudesse ser campeão do mundo de automobilismo dirigindo um fusca. Ou que um time de várzea, com Pelé jogando, pudesse vencer a Seleção Brasileira. Mas o mundo é assim mesmo, e não existiriam os espertalhões se não existissem os ingênuos. E a única arma possível contra a exploração do homem pelo homem, qual seja o pensamento crítico, que a maioria dos escolados confunde com crítica ao pensamento por não saberem a diferença entre conhecer e se instruir, até onde se sabe, desde Sócrates, passando por Jesus Cristo, não faz qualquer sucesso junto aos espertalhões.


domingo, 6 de outubro de 2013

CHUANG TZU

Tzu (séc. IV a.c.)


Honório de Medeiros


DIAS DE DOMINGO


"Chuang Tzu sonhou ser uma borboleta. Ao despertar não sabia se era Tzu que havia sonhado que era uma borboleta ou se era uma borboleta e estava sonhando que era Tzu".

domingo, 28 de julho de 2013

A VERDADE CONVENIENTE

Honório de Medeiros

 
 
A Verdade Conveniente é aquela contaminada pela cômoda aceitação, intuída ou inferida por quem a diz, daquele ou daqueles a quem é dita.
 
Aqui há o que se poderia chamar de covardia da conveniência.
 
Pressupõe a omissão calculada de outras verdades, quais sejam, as que desconstroem as ilusões.
 
Pressupõe a comodidade de deslizar pela vida sem construir arestas que tolham o bem-estar, construindo uma falsa aceitabilidade geral.
 
A covardia da omissão é a afirmação da covardia.


quinta-feira, 16 de maio de 2013

O DIREITO É FALSAMENTE TRANSPARENTE


 
 
Honório de Medeiros
 
 
O Direito é falsamente transparente.

 

E o é porque os juristas têm uma atitude ante o Direito de afirmar que conhecê-lo, no sentido científico, é apreendê-lo a partir da experiência que dele possamos ter em Sociedade.

 

Esta valoração da experiência implica em uma atitude pré-científica denominada “Realismo Ingênuo”, condizente com a “filosofia da identidade” de Hegel, na qual o Real = Razão, a partir da qual se permite asseverar que tudo quanto for razoável deve ser real e tudo quanto é real deve ser razoável.

 

Uma das conseqüências mais danosas da “filosofia da identidade” de Hegel é o suporte filosófico dado ao denominado “Realismo Político”, do qual são useiros e vezeiros, embora não o assumam, os Estados imperialistas.

 

O “Realismo Ingênuo” é um terrível e complexo obstáculo epistemológico ao conhecimento, porque encontra respaldo retórico no senso comum. Basta lembrar o episódio da condenação de Galilei pela Igreja contrariada com a contestação ao fato, aparentemente incontroverso, de que o Sol girava em torno da Terra, e não o contrário, como o demonstrava a Ciência.

 

A raiz subterrânea de nosso sofrimento social é a ignorância da qual faz uso, em proveito próprio, consciente ou inconscientemente, os predadores sociais.
 
 
ARTE: youpix.com.br  

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

DE COMO AQUILO QUE VOCÊ VÊ PODE NÃO SER O QUE VOCÊ PENSA


 
Honorio de Medeiros
Divirti-me muito lendo “A Elegância do Ouriço”, um romance de Muriel Barbery.
Recomendo.
Vou, aqui, editar um trecho do livro que fala acerca da fenomenologia de Husserl. “O quê”, vocês devem ter se perguntado. "Fenomenologia? Em um romance?”
É. Em um romance. E esse trecho prova, para mim, por a + b, que somente a literatura salva a filosofia da chatice dos filósofos.
Leiam:
“Então, a segunda pergunta: que conhecemos do mundo?
A essa pergunta os idealistas como Kant respondem.
Que respondem?
Respondem: pouca coisa.
(...)
Conhecemos do mundo o que nossa consciência pode dizer dele porque isso aparece assim – e não mais.
Vejamos um exemplo, ao acaso, um simpático gato chamado Leon. (...) E pergunto a vocês: como podem ter certeza de que se trata de verdade de um gato, e até mesmo saber que é um gato? (...) Mas a resposta idealista consiste em demonstrar a impossibilidade de saber se o que percebemos e concebemos do gato, se o que aparece como gato na nossa consciência é de fato conforme ao que é o gato em sua intimidade profunda.
(...)
Eis o idealismo kantiano. Só conhecemos do mundo a IDEIA que dele forma a nossa consciência.”
Agora vem a parte que eu considero hilariante:
“Mas existe uma teoria mais deprimente que essa (...)
Existe o idealismo de Edmund Husserl (...)
Nessa última teoria só existe a apreensão do gato. E o gato? Pois é, o dispensamos. Nenhuma necessidade do gato. Para fazer o quê, com ele? Que gato? (...) O mundo é uma realidade inacessível que seria inútil tentar conhecer. Que conhecemos do mundo? Nada. Como todo conhecimento é apenas a autoexploração da consciência reflexiva por si mesma, pode-se, portanto, mandar o mundo para os quintos dos infernos.
É isso a fenomenologia: a CIÊNCIA DO QUE APARECE À CONSCIÊNCIA. Como se passa o dia de um fenomenologista? Ele se levanta, tem consciência de ensaboar no chuveiro um corpo cuja existência é sem fundamento, de engolir o pão com manteiga inexistente, de enfiar roupas que são como parênteses vazios, ir para o escritório e pegar um gato.
Pouco se lhe dá que esse gato exista ou não exista, e o que ele seja na própria essência. O que é indecidível não lhe interessa. Em compensação, é inegável que na sua consciência aparece um gato, e é esse aparecer que preocupa o nosso homem.”
Aí está. Por isso digo para meus alunos que o idealismo radical é a loucura da razão. Fica mais fácil para eles entenderem o grande mistificador que foi Platão. Entender que não existe algo Justo-Em-Si-Mesmo. Entender o uso manipulativo, retórico, das teorias filosóficas. E entender por qual razão os professores de Direito, com algumas exceções, são como os gatos existencialistas...

* Arte de Claude Verlinde 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

A MEMÓRIA DOS ESQUECIDOS


  
 
Honório de Medeiros                           
Na Rue de Lutèce, entre o Boulevard du Palais e a Rue de La Cité, em algum lugar conhecido por muitos poucos, o “La Mémoire de L'homme” cumpre sua missão de preservar a história abandonada da humanidade, assim como, na Barcelona arcaica, o Cemitério dos Livros Esquecidos, do qual nos deu conta Carlos Ruiz Zafón em “A Sombra do Vento”, arquiva, em seus infinitos desvãos, tudo quanto a loucura e a sanidade de cada um de nós ousou escrever ao longo do tempo e terminou encaminhado às traças, ou a Biblioteca de Babel, descrita por Jorge Luis Borges em “Ficções”, de 1944, que nos fala do mundo  constituído por uma biblioteca sem fim, abriga uma infinidade de livros possíveis e impossíveis...
Histórias tais quais aquelas vividas pelo velho militar a quem deu tempo e voz Alain de Botton em “Nos Mínimos Detalhes”:
“Ele não tinha nenhum biógrafo para recolher suas palavras, para mapear seus movimentos, para organizar suas lembranças; ele estava vazando sua biografia para o interior de inúmeros receptores, que o ouviam por um momento, e então lhe davam uma pancadinha no ombro, e partiam para suas próprias vidas. A empatia dos outros era limitada às exigências do dia de trabalho, e assim ele morreu deixando fragmentos de si dispersos casualmente em meio a uma caixa de cartas esmaecidas, fotografias sem legenda reunidas em álbuns de família e histórias contadas a seus dois filhos e a um punhado de amigos que marcaram presença no funeral em cadeiras de rodas.”  

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

DO PODER POLÍTICO

Do fabiopestana.blogspot.com


Honório de Medeiros
 
O Poder Político é o parâmetro fundamental para o estudo da tragicomédia sócio humana: está por trás de tudo.

Engendra as soluções para transpor os obstáculos que possam surgir. Constrói estratégias adaptativas.

Não há vazio no espaço social, por que o Poder Político está sempre presente. Mudam seus titulares por que o Poder Político muda de dono de acordo com fatores tais como competência, circunstância...

Tudo é prolongamento ou instrumento do Poder político. O que há para além dele? Ernst Becker diria: o medo da morte. Darwin diria: a necessidade de sobreviver.

Isto é, queremos o Poder Político porque queremos deixar nossa marca na história, na ânsia de uma imortalidade fictícia. Ou queremos o Poder Político porque somente assim asseguramos a sobrevivência dos nossos genes através dos nossos descendentes.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

DEUS NÃO JOGA DADOS?


norbertoconti.com


Honório de Medeiros
                              
                               Como emerge um sistema?
                               Se considerarmos que Einstein estava correto, e “Deus não joga dados”, ou seja, se está correto o princípio da causalidade que propõe existir uma causa para tudo quanto existe, é possível supor um retorno causal a um ponto-de-partida.
                               As questões metafísicas, claro, surgem, então, aos borbotões: considerando sempre a perspectiva de uma explicação científica, portanto deixando de lado a hipótese Deus, é de se perguntar o que havia antes desse ponto-de-partida.
                               Não pode ser o “nada”, posto que do “nada”, nada se origina. Entretanto, se o ponto-de-partida surgiu a partir de algo, voltamos ao início: e o que originou esse ponto-de-partida?
                               Independente dessas dificuldades próprias de uma concepção determinista do “tudo”, contra ela podemos elencar várias críticas: a concepção indeterminista oriunda da física quântica, ou mesmo o postulado de Göedel, que demonstra a impossibilidade de construir uma linguagem matemática definitivamente consistente que expresse uma realidade, o que nos impossibilitaria de descrever completamente o “tudo”.
                               Entretanto, a se aceitar nossa condição humana de sermos programados evolutivamente para raciocinarmos causalmente (indução e dedução), podemos conceber a realidade (o “todo”) enquanto um incomensurável sistema, cujo ponto-de-partida perceptível, nas atuais condições, é o “big bang”.
                               Mesmo assim, provavelmente um infinito em termos de tempo tem que ser percorrido até sermos capazes de compreender como as lacunas entre o “ponto-de-partida” e a realidade atual são preenchidas. Uma tarefa tanto mais complexa quanto parece existir uma persistente impossibilidade de conciliação entre a física newtoniana e einsteiniana com a física quântica.
                               Em assim sendo, a questão de como emerge um subsistema dentro de outro subsistema, ou seja, como surge um subsistema de normas dentro de um subsistema de poder dentro de um subsistema social dentro de um subsistema orgânico dentro de um subsistema realidade física, nesse diapasão, é realmente uma tarefa descomunal.
                                Entretanto, deterministas, causalistas, sistêmicos, como somos instados a ser para sobrevivermos, mesmo que não tenhamos sequer uma pálida noção de todas as relações existentes entre os subsistemas, e muito menos, daquilo que se origina quando subsistemas se conectam com outros subsistemas engendrando ocupações de “espaços” vazios, não paramos de teorizar, ou seja, construir explicações acerca das lacunas no conhecimento, ou mesmo construir teorias que avançam no desconhecido.
                               A imagem possível que expressa essa concepção é a mesma, embora em menor infinitamente menor, que a teoria do “big bang” possibilita: o nada sendo ocupado pela matéria, ou seja, a ignorância sendo ocupada pelo conhecimento.
                               Ou seja, uma realidade finita, mas ilimitada, como pensava Einstein, lentamente ocupada pelo conhecimento, até que a equação final explique tudo.
 

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

SER GENTIL NÃO É SER HUMILDE

Susan Sontag*
 
 
 
Honório de Medeiros
 

Em seu Diário (As Consciouness Is Hamessed To Flesh: Journals and Notebooks, 1964-1980), Susan Sontag se propõe, em 20 de julho de 1977:
 
"Ter um espírito nobre. Ser profunda. Nunca ser gentil".
 
 O comum dos mortais, cada vez mais sem descortínio, confunde gentileza com humildade. Talvez seja essa confusão entre gentileza e humildade que levou, em uma época de feroz competitividade, Sontag a desdenhar a gentileza. Se não se impusesse essa regra de conduta, poderia correr o risco de ser considerada alguém humilde, e posto que humilde, frágil, o que seria fatal no demi monde ao qual ela pertencia, como se percebe em Proust, no Em Busca do Tempo Perdido, ou em Honoré de Balzac, no La Comédie Humaine.
 
Percebe-se em qualquer canto deste mundo, claro, onde, como disse Thomas Hobbes, "homo homini lupus", mas convenhamos: antes em Proust que na bodega da esquina.