segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

DE QUANDO O RN E O CEARÁ SE TRAVARAM NA BALA!


 


Cel. Salustiano em 1897







 
 
 
 
 
 
 
 


 Coronel Salustiano Padilha, a "Altaneira Águia do Apodi" 

José de Arimatéia Bandeira 

O público nas ruas de Fortaleza o conhecia pouco. O jornal Unitário perguntava em editorial: "Quem é esse homem, a quem está confiada a tão momentosa tarefa de desafrontar a honra estadual?"

José Torcápio Salustiano de Albuquerque Padilha nascera na vila de Camocim a sete de setembro de 1861. Considerava o fato de ter nascido na data da independência nacional um presságio. Seus pais morreram quando ele era muito jovem, fazendo com que ele fosse criado por um de seus tios maternos, o farmacêutico João Francisco de Almeida Albuquerque.

Esse tio exerceu grande influência na sua vida, pois fora voluntário da pátria na guerra do Paraguai como alferes, tendo sido inclusive ferido e condecorado. O historiador Soriano Cavalcanti afirma que todas os finais de tarde o jovem Salustiano ouvia seu tio relatar feitos heróicos pela defesa da pátria em meio aos macegais do Paraguai, e que foi isso que acendeu nele a chama do patriotismo.

Em 1878 ou 1879, os registros não são claros, o jovem Salustiano se matricula na Escola Militar de Rio Pardo, formando-se aspirante em 1883.

Desde o começo de sua carreira militar Salustiano se destacava pelo seu acendrado patriotismo. Ele reprovava seus colegas quando estes se mostravam mais interessados em bebedeiras, teatros e flertes que em pensar na pátria. Sua companhia era evitada pelos outros oficiais, pois era bem conhecido que ele só tinha um assunto, único e exclusivo: a honra nacional.

O amor de Salustiano pela pátria se torna patente na carta que mandou a noiva, uma de cujas páginas que não se perderam se pode ver à direita, quando do início das querelas com a Bolívia devido à situação no Acre, e que quase levaram os dois países à guerra. Na carta Salustiano confessa seu ódio aos malévolos bolivianos, e mais do que isso, confessa à noiva que seu amor a ela é muito grande, mas que seu amor pela pátria é maior. Escreve também que o desejo mais ardente do seu coração, que o empolgou "desde o primeiro vagido no seio da mãe", é oferecer sua vida em holocausto pela pátria, para salvá-la de algum inimigo pérfido que a ameaçasse. Acrescenta no final da carta que o Brasil é a terra mais privilegiada do Planeta, e por isso é vítima de inveja das outras nações, que pretendem destruir sua glória. Diz que apreciaria morrer no campo de honra, afrontando o inimigo, batendo-se como um leão, enrolado no pavilhão nacional, e liderando a vitória das armas nacionais.

O tratado de Petrópolis em 1903 que resolveu as questões com a Bolívia involuntariamente causou o maior choque da vida de Salustiano, que decepcionado voltou para a sua terra natal, o Ceará, em licença, depois de tanto sonhar com as glórias nas batalhas com o país vizinho.

Mas este na verdade seria o prenúncio de seu momento de glória, pois no decorrer de sua licença o rio Mossoró foi cruzado pelas tropas norte-rio-grandense, que conquistaram a cidade de Grossos, no Ceará.

A questão de Grossos, hoje um tanto esquecida, foi um dos casos mais rumorosos que abalou o Norte do Brasil no começo deste século. As tropas do Rio Grande do Norte cruzaram a fronteira histórica entre os dois estados, que era determinada pela larga barra do rio Mossoró, em fins de janeiro de 1904. O governo do Ceará diante dessa afronta não agiu prontamente, gerando uma grande campanha por parte dos jornais oposicionistas, principalmente do Unitário. Multidões se reuniam na praça Central de Fortaleza exigindo a guerra ao Rio Grande do Norte. E de nada adiantavam as explicações de juristas dizendo que um estado não podia declarar guerra a outro! Finalmente, premido por todos os lados, o líder político do estado, Nogueira Aciolly (ao lado), toma uma providência: nomeia o Tenente-coronel do exército Salustiano Padilha para comandar as tropas estaduais na expulsão das tropas potiguares.

A reação da imprensa e da população foi entusiástica. Por todos os lados o Coronel Salustiano era aclamado como o salvador da honra estadual, era chamado de Leão do Norte, Alexandre o Grande do Ceará, Novo Napoleão. Mas foi de novo o jornal Unitário que lhe deu o epíteto mais marcante: a Altaneira Águia do Apodi.

Alheio a tais glórias o Coronel trabalha com afinco e entusiasmo, finalmente ele iria fazer o que sempre quis: bater-se contra o inimigo! E em pouco tempo a tropa de duzentos e cinqüenta homens estava organizada, e a cinco de março de 1904 instala sua base na cidade cearense de Aracati, a apenas oitenta quilômetros da zona conflagrada!

E na verdade aí começaram os grandes problemas de Salustiano. Primeiro, o problema logístico. Pelo mapa abaixo, pode-se ver que as bases potiguares estavam muito próximas do teatro de operações. A base inimiga mais próxima, a cidade fortificada de Mossoró, estava a pouco menos de trinta quilômetros de distância. Enquanto isso Salustiano e suas tropas tiveram de enfrentar cansativas marchas por praias de areias moles e sol causticante, e sem fontes d'água por perto.

Nem mesmo para seus sobrinhos Salustiano quis contar dos sofrimentos daquela marcha, pois para ele, homem de brio, tais sofrimentos pela pátria eram minúcias, indignos mesmo de menção. Mas pode-se imaginar o que ele e seus homens passaram. Diz a história popular que o Coronel Salustiano fez o percurso lendo uma velha edição de Clausewitz ("Da Guerra"), e que teria dado toda a água de seu cantil aos seus soldados, tendo ficado sem nada. Claro que talvez isso seja imaginação popular. O próprio Soriano Cavalcanti duvida que isso tenha acontecido, embora o hoje esquecido poeta José Albano tenha escrito uma ode "Ao Themístocles Cearense!" em homenagem a tal feito. De qualquer forma não deixa de ser bonito pensarmos em um comandante em pleno sol das praias nordestinas sacrificando-se por seus comandados e pensando apenas nas altas questões de estratégia, com o livro de um autor prussiano nas mãos.

Depois da longa e cansativa marcha, os homens chegaram ao teatro de operações, tendo os primeiros pelotões atingido a região na tarde de 11 de março de 1904, para fazer espantosa descoberta: o inimigo tinha fugido!

Perguntas a moradores da região confirmaram tudo. Sabendo da aproximação das tropas cearenses, os potiguares tinham de novo cruzado a barra do rio Mossoró, tendo se reagrupado na cidade de Areia Branca, do outro lado do rio. Um tanto desanimado, Salustiano estabelece seu quartel-general na vilazinha de Grossos, tendo ordenado o hasteamento do pavilhão cearense e que se cantasse o hino, ao crepúsculo do dia 11.
Aí começa o episódio mais glorioso e obscuro da carreira do coronel, e que de certa forma revela toda a grandeza e vileza de que o homem é capaz. A verdade crua é que certos homens, inclusive certos oficiais das forças expedicionárias cearenses simplesmente estavam aliviados por saberem do recuo do inimigo. Estavam certos de que não haveria combate, eles - e a verdade precisa ser dita - estavam com medo da morte, e prezavam mais suas vidas que sua honra.

E foram esses homens que se assustaram quando, por volta de meia-noite, o Coronel Salustiano entrou na tenda dos oficiais e disse que isso não podia ficar assim. A honra estadual não podia ficar afrontada daquele jeito. O inimigo
recuara para suas fronteiras, mas não poderia ficar impune: era preciso dar-lhe uma lição. E de nada adiantaram as objeções de alguns oficiais mais medrosos. Salustiano expôs seu plano e deu a ordem: no dia seguinte, eles invadiriam o Rio Grande do Norte! Havia alguns barcos lá por perto, e eles cruzariam a barra do rio Mossoró e invadiriam a cidade de Areia Branca.

O ataque começou logo ao amanhecer. A tropa cearense deveria estar pronta para embarcar nas canoas e seguir o trilho. O historiador Soriano Cavalcanti guarda algumas poucas fotos que sobreviveram, tanto do lado cearense como do lado potiguar, e essas fotos contam como foi a incursão. Ao alvorecer do grande dia o Coronel Salustiano estava eufórico, mas não uma euforia irresponsável e otimista. Não, pelo contrário, ele uma euforia rara nos tempos
modernos, a euforia do homem que vai de encontro ao próprio destino, embora esse destino possa ser a morte em alguma salina perdida na costa de um rio esquecido. Salustiano não tinha ilusões quanto à guerra: sabia que nela os homens morrem, matam e são mutilados física e mentalmente. Mas também não tinha ilusões quanto a si mesmo: sabia que seu destino era afrontar o inimigo, e desafiar a morte carregando o Sagrado Pavilhão.

Às sete horas do dia 12 de março de 1904 o Coronel Salustiano, com alguns soldados, pegou o primeiro dos barcos (foto).Nesta foto vemos o Coronel Salustiano com seu uniforme afrancesado, ao lado do homem de cartola, o velho prefeito da cidade cearense de Grossos, que Salustiano acusou de ter fugido covardemente perante o inimigo quando da invasão e por isso obrigou a vir logo na primeira vaga de invasão, composta deste e de alguns outros poucos barcos.

O problema é que nunca houve uma segunda e terceira vagas de invasão. Alguns oficiais, achando que Salustiano estava enlouquecido, atravessaram o rio e entendendo-se com o inimigo conseguiram telegrafar para o Presidente do Estado, e este respondeu que eles não deveriam invadir o estado vizinho. Salustiano negou-se a cumprir tais ordens, por serem uma afronta a sua honra militar, e no comando apenas de poucos homens, empreendeu a travessia.

O combate foi renhido, tendo as poucas tropas de Salustiano lutado bravamente. (ver foto à esquerda). Esta foto da esquerda, diga-se de passagem, talvez seja a mais rara e importante de todas as que estão aqui, pois apesar de sua má qualidade, é a única de combate real, e foi tirada pelo fotógrafo da expedição, o alferes Cristiano de Moraes. O fato é que após renhida luta o Coronel Salustiano, sem apoio, foi obrigado a retirar-se. Esse talvez tenha sido seu grande problema, a retirada. Ele, que passara a vida inteira dizendo que um comandante deveria vencer ou morrer, agora se deixara convencer por seus comandados de que não deveria se suicidar, e assim retirou-se com suas poucas tropas de volta para o lado cearense, deixando os potiguares livres na cidade entrincheirada de Areia Branca, onde orgulhosamente posaram para muitas fotos, como esta abaixo. Logo depois veio a ordem do Presidente da República de que as tropas dos dois lados deveriam recuar para suas bases.

O fato é que depois daquele dia quente de março de 1904, naquela região com um vento penetrado de sal, o Coronel Salustiano nunca mais foi o mesmo. Pediu passagem para a reserva e deixou-se ficar numa cadeira de balanço olhando para o mar na sua casa em Fortaleza, sempre remoendo o momento em que tivera de se retirar, manchando sua honra para sempre. Era um homem acabado. E pouco adiantaram as homenagens que recebeu no decorrer dos anos. Foi condecorado por vários governadores e muitos anos depois a o Presidente Getúlio Vargas enviou um telegrama de enaltecimento ao velho militar.

Para não deixar a história sem final, acrescento que a região do Apodi e de Grossos, objeto do litígio entre os dois estados, acabou sendo decidida no Supremo Tribunal Federal, onde o Rio Grande do Norte teve a esperteza de contratar o melhor advogado que havia na época, o baixinho e ranheta advogado baiano Ruy Barbosa, o homem que se agarrava aos livros como se fossem ouro. Com um homem desses acabou sendo barbada para os potiguares, e eles ficaram com a região.

Quanto a Salustiano, morreu numa data muito infeliz, 11 de julho de 1932, quanto os olhos de todo o país estavam voltados para a Revolução que estourara em São Paulo. Poucas pessoas foram a seu enterro, a maioria familiares, e dizem que o enterro foi rápido, devido a uma chuva fina de fim de estação. Sua lápide ainda hoje pode ser vista no cemitério de Fortaleza, e nela está escrito muito simplesmente: "Aqui jaz José Torcápio Salustiano de Albuquerque Padilha, a Altaneira Águia do Apodi".
 

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

DOIS MOMENTOS DA IGREJA CATÓLICA

teutônicos.org
"Deus reconhecerá os seus"


Honório de Medeiros 

"Matem todos, Deus saberá quem são os seus".

 Assim falou Arnold Amaury, monge cisterciense, quando seus guerreiros cruzados, a um passo de atacar a cidade de Béziers, em 22 de julho de 1209, tinham se voltado em sua direção para perguntar se deviam distinguir os fiéis ao catolicismo dos cátaros heréticos.

É o que nos conta Stephen O'Shea em seu "A Heresia Perfeita", cujo subtítulo é "A vida e a morte revolucionária dos cátaros na idade média".

A "Cruzada Albigense" se estendeu de 1209 a 1229 e foi deflagrada por Inocêncio III, sob a alegação de erradicar a heresia popular que grassava no Languedoc, região francesa que se estendia dos Pirineus à Provence e que incluia cidades como Toulouse, Albi, Carcassone, Narbonne, Béziers e Montpellier.

 Na verdade os barões feudais do Norte da França - dentre eles o Rei - cobiçavam as terras e as riquezas dos seus pares do Sul, principalmente o condado de Toulouse, que era suserania de Pedro de Aragão.

As duas décadas de sangue deram lugar a quinze anos de revolta e repressão até o cerco de Montségur, em 1244.

 No final, mais de duzentos de seus defensores, os líderes cátaros, foram arrebanhados e tangidos até uma clareira na neve para serem queimados vivos. Resultado do guerra de extermínio foi o surgimento da Inquisição e suas técnicas que atormentariam a Europa e a América Latina durante séculos, sob o comando dos Dominicanos. Técnicas essas que estabeleceram o modelo para o controle totalitário da consciência individual em nossos dias, diz-nos O’Shea.

Autos-de-fé, enceguecimentos, enforcamentos em massa, catapultamentos de corpos por sobre as paredes dos castelos, pilhagens, saques, julgamentos secretos, exumação de cadáveres, estupros, sevícias, tudo em nome da fé!

Em 27 de agosto de 1689, em correspondência dirigida a Domingos Jorge Velho, Frei Manuel da Ressurreição, Arcebispo e Governador do Rio Grande o parabeniza: "E dou a Vossa Mercê o parabem de um avizo que do Recife me fez o Provedor da Fazenda estando para dar á vela a embarcação que o trouxe de haver Vossa Mercê degollado 260 Tapuyas".

De 26 a 30 de outubro de 1689 Domingos Jorge Velho mata 1.500 tapuias e aprisiona 300. Em 12 de janeiro de 1690 Frei Manuel da Ressurreição manda que se busque "trilhas de Bárbaros, como Vossa Mercê me diz se acham, os não faça o nosso descuido ousados".

Em 4 de março do mesmo ano o Governador Geral determina aos três cabos de guerra que exterminam os tapuias: "Se não devem esperar nos Arraiais, em que se acham as mesmas armas; senão seguindo-os até lhes queimarem, e destruirem as Aldeias, e elles ficarem totalmente debelados, e resultar da sua extincção, não só a memória, e temor do seu castigo, mas a tranquilidade, e segurança com que sua Magestade quer que vivam, e se conservem vassallos, como por tão duplicadas ordens tem recommendado a este Governo".

Está em "Cronologia Seridoense", do grande Olavo Medeiros Filho.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

FALTA DE ALTERNATIVAS E AUSÊNCIA DE FAVORITO PARA 2014 NO RN

Do Blog do Carlos Santos

 
Rosalba Ciarlini e Robinson poderão se enfrentar num cenário que não anima eleitorado potiguar
 
Carlos Santos

Faltando cerca de um ano e meio para a campanha ao Governo do Estado em 2014, é precipitado se falar em favoritismo de algum nome ou apontarmos – por exemplo – que a governadora Rosalba Ciarlini (DEM) está alijada do processo, em face de uma gestão até o momento sem rumo e sem prumo.
 
Alto lá.
Robinson e Rosalba - dia 17 de outubro de 2010: sincera hipocrisia mútua
 
De antemão, é difícil se fazer uma configuração prévia quanto aos times da oposição e governo para a peleja de 2014. Foi-se o tempo em que tudo era facilmente destrinçado por cores, gestos e companhias. Há muitos anos convivemos com políticos e partidos híbridos, andróginos.
 
Essas máquinas políticas, versão “total-flex”, são especialistas num mimetismo que confunde até mesmo os seus eleitores. Tudo em nome da sobrevivência num teatro de guerra em que o amigo de hoje pode se transformar em adversário de amanhã.
 
Olhando assim a distância, o que parece ser a oposição basicamente se mexe com o vice-governador dissidente Robinson Faria (PSD). Ele finalmente empina postulação própria a governador, depois de se revelar um excelente aliado à combustão de Wilma de Faria (PSB) e Rosalba Ciarlini (DEM) ao governo.
 
Mas é precipitado lhe conceder a perigosa condição de “favorito”.
 
Na verdade, Robinson faz-se viável muito mais pelo o que o Governo Rosalba Ciarlini não consegue ser, do que pelo o que ele imagina que é.
 
O vice-governador rompeu com o governo antes do primeiro ano de gestão. A partir daí, ficou estacado na oposição ao esquema que ele ajudou a entronizar no poder.
 
Até a disputa de 2014, por mais que consiga amealhar apoios, o vice-governador dependerá – e muito – da performance do governo que ele resolveu renegar.
 
A pré-campanha será crucial para os propósitos de Robinson, como foi decisiva à vitória de Rosalba em 2010.
 
Robinson sabe bem disso.
 
Ele rompeu com o governismo capitaneado por Wilma, proporcionando à Rosalba um capital importante com seu apoio, além de subtração direta nas forças governistas que terminou lançando o então vice-governador Iberê Ferreira (PSB) candidato a governador.
 
Para a corrida eleitoral de 2014, a história parcialmente se repete.
 
Rosalba trabalha para não sofrer desnutrição, principalmente com a hipotética saída do PMDB de sua base aliada. Robinson sonha em atrair a simpatia dos insatisfeitos com o governo e de representar a esperança de mudança (sempre essa palavrinha mágica e surrada), em contraponto ao que a governadora tem representado.
 
Surpresas
 
Nesse enredo podem surgir surpresas. Por enquanto, ninguém tem robustez para ser um elemento catalisador das multidões.
 
Temos, mesmo, é uma multidão de incrédulos e desapontados. Robinson não é popular nem populista. Rosalba definha na governadoria.
 
Mas é improvável ou pouco provável, como queira, que tenhamos duas candidaturas de oposição à Rosalba. Ninguém descarte que o nunca surpreendente PMDB faça outro movimento brusco e, dessa feita, aposte numa postulação própria.
 
O que vai ocorrer com a pré-candidatura do deputado Henrique Alves (PMDB) à presidência à Câmara Federal, acaba tendo conexão direta com a política de alianças no Rio Grande do Norte.
 
Robinson pode ser abraçado pelo PMDB, obtendo seu apoio. O PMDB, desgarrado do governismo, o puxaria para um chapão, com outro papel. Vice novamente? Quem sabe?
 
O prefeito natalense Carlos Eduardo Alves (PDT) e a deputada federal Fátima Bezerra (PT) não estão na mesa de apostas como candidatos ao governo. O senador-ministro Garibaldi Filho pode desembarcar na pista e alterar essa bipolarização Robinson-Rosalba.
 
Carlos tem a missão hercúlea de ser o reconstrutor de Natal, o que adiante lhe renderia popularidade a projeto de maior envergadura adiante.
 
Fátima sonha com o Senado. Se der, ótimo. Não se viabilizando, não terá dificuldades na reeleição à Câmara Federal.
 
Garibaldi há tempos que se desinteressou pelo governo rosalbista. Se for candidato, mela também projeto de Robinson. Aí sim, surgiria alguém com a aura de favorito.
 
Sobrou mais quem para enfrentar Rosalba e a máquina do governo, mesmo que cabaleante?
 
Dessa distância, ajustando bem o periscópio, quase nada mais é possível ser detectado. Quadro revela como há um empobrecimento de nomes e uma esqualidez de projetos alternativos à gestão da coisa pública.
 
É algo desolador.
 
Isso é ótimo para Rosalba. Só depende dela emergir. Do outro lado, quase nada lhe intimida e impõe-lhe uma suposta derrota antecipada. Se não sofrer baixas no elenco de forças que sustentam o governo, continuará viva.
 
Seu maior adversário não é Robinson: é seu próprio modelo de gestão político-administrativa.
 
Robinson, em resumo, não depende só de si. Seu cabo-eleitoral (indireto) principal é Rosalba, a quem ajudou. Ele acena como antítese dessa forma de governar; seria uma negação à “Rosa”.
 
Diante de tantas incertezas, um slogan do deputado Tiririca (PR-SP), na campanha eleitoral de 2010, faz o norte-rio-grandense pensar alto: “Pior não fica”.
 
Será?

O CAMINHO SE FAZ AO CAMINHAR


“A formação de educadores se dará concomitantemente ao desenvolvimento das práticas democráticas”. (Norberto Bobbio)

(*) Rinaldo Barros

A conversa de hoje vai ser coberta de nostalgia. Afinal, eu sou do tempo em que a juventude possuía ideais e ainda se acreditava na utopia. Além disso, as equações político-ideológicas eram simplificadas. Havia governo e oposição, claramente definidos. Era mais fácil delimitar o campo dos adversários e até do inimigo principal.

Na teoria clássica marxista, o sujeito da história era determinado: o proletariado industrial tinha interesses próprios que negavam -se contrapunham -, na sua prática, aos interesses da classe dominante.

Dado o aumento contínuo do seu contingente e a agudização das contradições, o proletariado teria condições para generalizar, para o conjunto da sociedade, suas, aspirações de libertação. O proletariado unificava politicamente a vontade geral de mudança.

Tudo era claro como água de rocha. Bastava construir o partido, internacionalista, e estabelecer as alianças (com o campesinato e com a fração da burguesia "nacional") e estavam dadas as condições para a longa marcha da conquista da nova hegemonia. O processo poderia ser pacífico ou não. A tática dependeria do inimigo. Era o sonho garantido ou sua utopia de volta.

Saudades fora, qual é o problema, então?

Negó seguin: no caso brasileiro, formou-se uma heterogeneidade estrutural nas classes dominadas e surgiu um novo tipo de padrão de desenvolvimento capitalista que, simplesmente, destrói o argumento clássico, em relação à questão de hegemonia do proletariado.

Explico-me: o Brasil alavancou o seu processo de desenvolvimento tardiamente e se inseriu no sistema capitalista-industrial já na fase monopólica (na verdade, oligopólio). Saltou de cara do modelo agro-exportador para o desenvolvimento industrial-internacionalizado.

Desde então, fábricas de automóveis, fábricas de aviões, fábricas de locomotivas elétricas, de computadores, siderúrgicas, refinarias, pólos petroquímicos, industriais de química fina, dentre outros, convivem com latifúndios improdutivos, com trabalhadores informais e com uma economia camponesa atrasada, pré-capitalista.

Este tipo de desenvolvimento dependente caracterizou-se ainda por um crescimento urbano acelerado e pela formação de um amplo e crescente setor de serviços sofisticados, ao lado da implantação de um modelo cultural (“the american way of life”) consumista, ainda que de forma caricata e incompleta.

Em que pese haver avançado anos-luz em sua cidadania, a sociedade civil brasileira ainda está engatinhando. Ainda tem que decidir para onde dará os primeiros passos, resolvendo o dilema partido ou movimento social, basismo-assembleísmo ou representação política.

A dificuldade maior está na falta de clareza nas análises sobre o peso do século XX (conceitos ultrapassados), a qual perturba a visão do presente, mutante e inusitado. Parece que não se percebe que a classe operária brasileira não é semelhante à européia e que o atual padrão de desenvolvimento é diferente daquele do capitalismo competitivo-liberal. Não se percebe também que o futuro do Brasil não vai se desenvolver político-socialmente como ocorreu na Europa.

É preciso, portanto, decifrar - estudando nossa história recente - o enigma da expressão das peculiaridades da sociedade brasileira.

Quero compartilhar algumas perguntas ainda em busca de respostas:

Como construir esta nova sociedade de universalização, inclusiva e de uso dos benefícios das inovações tecnológicas, assegurando a participação efetiva do cidadão, defendendo a Natureza?

Como incluir o cidadão digitalmente, considerando que nossa população se encontra em estágios diferenciados de desenvolvimento ou de solução dos problemas básicos de educação, saúde, alimentação, higiene, infra-estrutura de esgoto, energia elétrica, água potável e urbanização?

Nossa população não pode ficar excluída desta nova utopia do espaço urbano.

Tenho claro que o poder público, mais do que qualquer ator, deve ser o articulador, organizador, promotor, orientador, fiscalizador e gestor das potencialidades emergentes. O resto está por se descobrir.

Ainda bem que o velho Marx afirmava que ele próprio não era marxista.

E, bem mais perto de nós, o Che nos legou esta frase lapidar "Não existe caminho, o caminho se faz ao caminhar”.

 

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

ENTENDAM QUE TODOS OS ESTADOS SÃO POLICIAIS

Aaron Swartz


 
Pedro Doria, O GLOBO
O desespero de Aaron
Ele tinha 14 anos quando chamou a atenção, pelo brilho, das maiores mentes da internet. Agora, está morto
Na sexta-feira, dia 11, Aaron Swartz cometeu suicídio em seu apartamento no Brooklyn, Nova York, onde vivia com a namorada. Tinha 26 anos, se enforcou. Fazia exatos dois anos do dia em que fora preso e seu pesadelo começou. Era, já desde os 14, uma das mentes mais brilhantes e influentes da internet. Por vezes demais, parece, o gênio da rede está apenas em jovens bilionários do Vale do Silício. Engano. Aaron era do tipo que escolheu não ser um deles. Um erro de juventude, e a mão pesada do governo americano, parecem ter contribuído na decisão.
RSS é daquelas siglas que poucos conhecem mas sem as quais a internet não funciona. É uma forma de fazer assinaturas de conteúdo na rede. Hoje a tecnologia é usada para que informação flua pelas redes sociais. Não é nunca trivial estabelecer um padrão geral, simples, aberto, com o qual inúmeros fabricantes sintam-se à vontade, que todos aceitem. Aaron foi um dos seus criadores aos 14 anos.
Nascido em Chicago, era um rapaz muito magro, imberbe. Seu computador, um Macintosh portátil já muito velho para o tempo, com inúmeros problemas, a tela já quase incapaz de gerar brilho. Foi rapidamente adotado por gente como Dave Winer, inventor dos blogs, Cory Doctorow, um dos mais influentes pensadores da internet, e pelo advogado Larry Lessig, de Stanford e Harvard, talvez o maior especialista jurídico do mundo digital.
Aaron fez dinheiro com o Reddit. É, hoje, um dos sites mais visitados do mundo. Nele, os usuários colocam no ar links para o que consideram mais interessante. Estes links ganham votos para cima ou para baixo, o material mais bem votado vai à capa. Curadoria coletiva. Boa parte do sistema que mantém Reddit no ar saiu do computador do jovem programador. (Já era um Macintosh mais avançado.) Quando o Reddit foi comprado pela Condé Nast, a maior editora de revistas dos EUA, Aaron Swartz botou um bom dinheiro no bolso.
Sua causa: ele acreditava em liberdade do fluxo de informação de interesse público. Bom não confundir com o pirata da esquina. Nunca se meteu com música ou filmes. Seu primeiro feito foi entrar no sistema Pacer, baixar 20% do conteúdo e publicá-lo gratuitamente online. É o banco de dados onde estão todas as decisões judiciais tomadas nos EUA. Tudo em domínio público, embora o Pacer cobre taxa para acesso. O FBI entrou na investigação, tentou cercá-lo de toda forma, mas ninguém foi capaz de descobrir uma lei que tivesse quebrado.
Universidades e bancos de artigos não queriam processo.
Estudante em Harvard, Aaron foi além. Tinha acesso ao Jstor, o principal banco (pago) de papers acadêmicos. As universidades americanas pagam para que seus alunos possam consultar o trabalho publicado de cientistas livremente. Porque tinha acesso legal, Aaron baixou milhões de papers, muitos deles em domínio público, nem todos. Aí tornou tudo disponível. Desta vez, o FBI tinha uma razão para investigá-lo. Prendeu-o, foi solto por ordem do juiz, aguardava julgamento em liberdade.
Seus principais amigos consideram que errou. Mas, juridicamente, o caso é complicado. A turma do Jstor decidiu que não queria processar. Universidades, que pagam pela assinatura, são suas principais clientes e não iam deixar de pagar pelo serviço. O MIT, em cuja rede Aaron estava ligado quando fez o download, se absteve. E papers acadêmicos são, por natureza, já trocados livremente por cientistas. Não são como um DVD, um livro, um disco. A discussão sobre direitos autorais é tensa no meio científico. Preocupam-se mais com autoria. Afinal, é justamente para que informação científica circule com rapidez e facilidade que a internet foi criada. Não é à toa que, diferentemente da indústria cultural, a turma do Jstor simplesmente tirou o corpo fora do processo.
Mesmo que os principais prejudicados não quisessem levar o caso à Justiça, o governo americano decidiu processá-lo. Mais, quis fazer dele um exemplo na luta contra pirataria. Queria uma pena de 30 anos. Nenhum pirata real jamais foi condenado a tanto.
Um único excesso de juventude, a falta de proporção do governo dos EUA e, aparentemente, uma depressão clínica custaram ao mundo um grande talento. Faz mal, até, à causa dos direitos autorais.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

OLIVIO DUTRA, PT, EX-GOVERNADOR DO RS X PT

No PT.2.0 não há lugar para Olívio Dutra

Elio Gaspari, O Globo
 
Num momento luminoso para o PT, o companheiro Olívio Dutra, fundador do partido, ex-prefeito de Porto Alegre e ex-governador do Rio Grande do Sul, disse ao deputado José Genoino: “Eu acho que tu deverias pensar na tua biografia, na trajetória que tens dentro do partido. Eu acho que tu deverias renunciar. Mas é a minha opinião pessoal, a decisão é tua. Não tenho porque furungar nisso.”
 
Dias depois o comissário André Vargas, secretário de Comunicação do partido, disse que Olívio fora “pouco compreensivo”. E mostrou a faca: “Quando ele passou pelos problemas da CPI do Jogo do Bicho, teve a compreensão de todo mundo. (...) Ele já passou por muitos problemas, né?”
 
Engano. Durante o governo de Olívio Dutra, o PT gaúcho foi apanhado numa maracutaia, mas ele nunca foi acusado de envolvimento direto no caso.
 
Processo judicial, nem pensar. Genoino e seu colegas foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal.

Olívio Dutra é de um tempo em que petistas rachavam apartamento em Brasília (seu parceiro era Lula). Quando deixou a prefeitura voltou a ser um bancário.
 
Com seus bigodes e uma bolsa tétrica, anda de ônibus. Passou por problemas, mas nunca passou pelas soluções dos comissários de hoje.
 
A resposta do André Vargas indica que no PT 2.0, uma pessoa com a biografia de Olívio é um estorvo, tornando-se necessário colocá-lo ao alcance de qualquer suspeita.

domingo, 13 de janeiro de 2013

ESCOLHA


Regina Azevedo*
Poetinha na empresa Iapois, poesia


encolheu-se num mar de solidão
mesmo tendo,
à sua volta,
um oceano
de gente
que lutaria
corpo e mente
pra nadar
nele.



* Regina Azevedo tem treze anos e alguns dias. Segundo ela mesma, até recentemente tinha a idade de um uísque bom.

ESTIMULADO PELO DESAFIO

 
 
Franklin Jorge
 
Ao término de minha primeira semana à frente da Pinacoteca do Estado, creio que o balanço é positivo. Reencontrei-a, trinta anos depois, no mesmo estágio em que a deixei e com a peculiaridade de ter um corpo funcional exclusivamente formado por “guias”, aos quais vamos atribuir novas funções, pois seria contraproducente manter o quadro atual composto de 21 servidores e todos eles exercendo a mesma função. Para que se tenha uma ideia dessa situação, minha antecessora no cargo era quem varria e limpava a própria sala.
 
Apesar dos desafios e obstáculos a enfrentar e superar, através da reavaliação do quadro funcional, esses primeiros dias de trabalho desenharam novas perspectivas para a Pinacoteca do Estado que em três décadas, teve uma única mudança significativa: foi reconhecida como tal e mudou de endereço; saiu do prédio do antigo Quartel General, hoje Memorial Câmara Cascudo, para o Palácio Potengi, por muitas décadas a sede do Governo do Estado.
 
O gesto do deputado estadual José Dias de Souza, comprometendo-se em apresentar uma Emenda Parlamentar ao Orçamento Geral do Estado no valor de 250 mil reais, reveste-se de grande significado para todos nós e, em especial, para a Cultura. Pela primeira vez na história do nosso Parlamento um deputado mostra-se sensível às necessidades e carências crônicas da Pinacoteca do Estado, gesto supervalorizado pelo fato de ser o deputado José Dias líder da oposição e crítico do Governo. Ao fazê-lo, José Dias – homem culto e refinado que defende os interesses populares – sobrepõe-se às mesquinharias provincianas e nos dá um exemplo de cidadania que devemos reconhecer e louvar para que sirva de incentivo a outros parlamentares.
 
Na última terça-feira (8), em conversa particular com os funcionários, pudemos ter uma visão mais próxima da realidade e a partir desse diagnóstico prévio já podemos saber, em relação aos que trabalham pela manhã,com quem podemos contar e o que esperar de cada um. Senti uma grande falta de entusiasmo generalizada.
 
Na quarta-feira (9) a Secretária Extraordinária de Cultura, professora Isaura Amélia Rosado Maia despachou na Pinacoteca e prometeu-nos fazê-lo uma vez por semana, para discutirmos questões de interesse e agilizarmos ações que clamam urgência e são necessárias à efetivação de nossos projetos que incluem além da reforma do Palácio Potengi, onde estamos instalados, e já prevista antes de minha posse, a refundação da Oficina de Gravura Rossini Quintas Perez que deve reintegrar-se ao complexo da Pinacoteca, conforme a ideia original que previa, para a Pinacoteca, atividades didáticas.
 
Ontem (quinta-feira, 10) já definimos que a artista plástica Sayonara Pinheiro será a Curadora da Pinacoteca e estamos fazendo gestões para que tenhamos um vice-diretor executivo com perfil de alguém que é do ramo, cosmopolita, tem uma visão de conjunto e sabe fazer. Também estamos atraindo e conquistando a colaboração de voluntários que se dispõem a nos ajudar a fazer da Pinacoteca do Estado aquilo que, no jargão dos museólogos, é chamado de “museu quente”, ou seja, um espaço não estanque, vivo e ativo. Ainda ontem, em contato com o Diretor de Relações Institucionais da Pinacoteca do Estado de São Paulo, Ivo Mesquita, obtivemos o seu compromisso de nos ajudar na reestruturação da Pinacoteca que tem um largo espectro de desafios e obstáculos a vencer.
 
O desafio de administrar a Pinacoteca do Estado do RN exige-nos muito mais que estímulos governamentais ou movimentos individualizados da iniciativa privada. Disso temos plena consciência.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

HOMEM, QUEM ÉS?



Honório de Medeiros

Esse homem que o acaso colocou em minha frente é uma incógnita. Nada sei a seu respeito. Se observo os detalhes que a sua aparência externa coloca ante meus olhos, e concluo algo, posso incidir em uma oceano de erros. Afinal, sob seu verniz de civilização pode se ocultar qualquer ignomínia.

Não faz pouco tempo, foi ele gentil com uma criança. Vi, mesmo, de soslaio, a mãe lhe sorrir complacente, como quem acha muito natural receber, sua cria, as atenções do mundo. O gesto me fez lembrar as contradições do ser humano. Ele mesmo, o observado, que desarrumou, com um afago, os cachos do cabelo da criança, em outra ocasião, outra circunstância, uma guerra, talvez ordenasse um bombardeio que vitimaria tantos outros sorrisos infantis.

Por certo não falo a mesma linguagem que ele. Quantas formas há de entender uma só palavra? Malsã atividade, a dos lógicos, a dos filósofos da linguagem, que pretendem descobrir o meio de diminuir a distância entre aquilo que percebo e o que digo. Se lhe chamasse a atenção e perguntasse algo, poderíamos divergir tanto, e acerca de coisas tão banais...

"Todavia, entre mim e esse homem glacial, sinto todos os espaços vazios que separam os homens". É como disse Saint-Exupèry, em um artigo para o Paris-Soir, em 1935, contando sua experiência de viajar, à noite em um trem repleto de mineiros poloneses que voltavam à sua terra natal, expulsos da França pelas contingências da economia.

Vazios semelhantes àqueles expressados por Elliot, em "The Waste Land": a angústia da constatação da impossibilidade da comunicação humana; a percepção de sua solidão essencial, primitiva, indescartável. 

"Estou mal dos nervos esta noite. Sim, mal. Fica comigo.
Fala comigo. Por que nunca falas? Fala.
                  Em que estás pensando? Em que pensas? Em quê?
Jamais sei o que pensas. Pensa."
 

"Penso que estamos no beco dos ratos
Onde os mortos seus ossos deixaram."
(Uma Partida de Xadrez, Elliot). 

Poderia o amor, esse sentimento tão tipicamente cristão, aproximar os homens? Desnudar sua alma, lhe fazer não rir, nem chorar, mas compreender, como queria Spinoza? Dar, a eles, a capacidade de transcender a mesquinha luta pela sobrevivência, que coloca em lados opostos os que deveriam semear juntos?

Ou essa é uma missão utópica, e não há tempo para sentir quando não conseguimos refletir acerca dessa misteriosa rede de aliciamento e cooptação que nos induz a darmos o pior de nós mesmos em praticamente todos os momentos de nossa vida?

Podemos ter alguma esperança, mesmo depois de tantos mil anos de aperfeiçoamento na capacidade de destruir, matar, e nenhum progresso quanto ao ideal de fraternidade humana?

Saint-Exupèry, esse tão injustamente banalizado filósofo da melancolia, da nostalgia, já dissera: "É absolutamente necessário falar aos homens". Em sua "Carta ao General X", escrita em La Marsa, perto de Túnis, julho de 43, para o “Le Figaro Littéraire”, ele denuncia: "Ah!, General, só existe um problema, um único, em todo o mundo. Restituir aos homens uma significação espiritual, inquietações espirituais. Não é possível viver-se só de geladeiras, política, orçamentos e palavras cruzadas, não é mesmo?"

Um sentido para a vida.

Teria a vida sentido?

Se nos indagassem: "homem, que és tu?", teríamos que responder "aquele em cuja biblioteca os livros de poesia perderam seu lugar para os de computação?". 

Meu companheiro anônimo se fora. Tinha perdido, eu, a chance de lhe falar acerca de tudo isso que poderia nos aproximar ou afastar: a solidão, o sentido da vida... Não seria dessa vez que construiríamos uma ponte entre a clausura de nossas almas.



domingo, 6 de janeiro de 2013

O VELÓRIO


Charles M. Phelan

...
As razões de minha tarefa não importam nesse momento. Apenas importa o fato de que não há maior solidão que observar um morto. É como estar morto.
Nunca cuidei de um cadáver antes. Já cuidei de muitas outras coisas, mas nunca de um morto. Distintamente observei algo peculiar relegado apenas àqueles, penso eu, que se submetem a este ofício.
Uma delegação tão psicologicamente severa que agi com intemperança e repugnância diante da ordem, sussurrando excrementos de indignação ao meu mandante, inconsistentes com o decoro de quem deve obedecer fielmente sem questionar.
Ah! Como me abalaram os dias que antecederam aquele momento. Sofri de dores intensas. Cada segundo e minuto e hora que simplesmente me atormentaram ao longo dos dias. Meu Deus de todas as divindades (em mãos, o meu rosário de contas vermelhas), por qual razão as angústias d’alma não me deixam a mente? Já não basta a doença que me afligi?
Não pude resistir a uma ordem superior. Surpreendido, acatei. Meu coração palpitava desconcertado.
Minha insatisfação cresceu e meus dias foram ocupados por pensamentos que ora me paralisavam a mente ora me enfraqueciam o corpo. Noite e dia perderam seu ritmo natural e meu relógio biológico passou a rejeitar as demandas tão próprias da fisiologia humana. Meu ciclo circadiano desordenou-se. Contrario a lógica, a escuridão da noite me mantinha em vigília, enquanto o dia me conduzia à exaustão absoluta. Supliquei, inutilmente contra minha tarefa de observar o morto. Apelei com orações celestiais ao meu mandante para que noutro momento, num futuro mais adiante ou noutra oportunidade mais conveniente, me fosse delegado o encargo. Mas não agora. O silêncio veio como resposta e meu apelo foi rejeitado tacitamente.
Essa seria a minha vez.
E assim foram todos os dias até o meu encontro com o morto. O que poderia um morto fazer comigo? Nada no plano físico, eu sabia. No plano psicológico, todavia, muitas coisas. Sem opção, fui ao seu encontro, mas antes de nos apresentamos por completo observei-o a distancia. É preciso cautela nas apresentações, principalmente a que estava prestes a acontecer.
Lá estava ele, mortinho-mortinho, imóvel, não por opção, visto que naturalmente o estado de morte não é objeto de escolha para maioria das pessoas, e sim, talvez, derivado da velhice ou por razões acidentais ou planejadas ou por alguma doença. A verdade é que hoje eu iria vigiar um cadáver. E ele já estava ali, a alguns metros do meu olhar precavido.
O corpo encaixotado em madeira de carvalho vestia um paletó cinza que me apetecia o gosto, lembrando-me, pelo estilo do corte, um modelo que parecia cair bem estivesse eu naquele predicamento, ou não. Pensei em algumas ocasiões durante minha observação, que o caixão me caberia perfeitamente. Fisicamente não havia diferença entre eu o morto e, se alguma houvesse, meu tanatopraxista certamente usaria de algum artifício técnico de modo a me acomodar no interior daquele confinamento.
Cheguei mais perto. Investi em sua direção antes de correr o risco de ser observado primeiro. Que loucura, ele estava morto. Olhei-o lentamente direto na face lânguida e pálida. Parecia anônimo num primeiro olhar, mas o foco dos meus olhos absorveram suas feições em minha memória, encontrando familiaridade em lugares do meu cérebro onde passado e presente se misturam.
Passei a recorrer por todos os cantos da minha memória buscando uma identificação daquele homem. Não bastava a agonia de estar sozinho ali, agora tinha também a preocupação de que estava na companhia de um conhecido.
Não consegui identificar completamente as feições do morto muito provavelmente por nunca, na condição de vivo que estou, ter conhecido alguém, pela primeira vez, penso, naquele estado. Lembrava meu pai de certo modo, mas era jovem por demais. Poderia ser um irmão um pouco mais novo. Mas eu também não tinha irmãos mais jovens. Eu era o mais jovem dos cinco irmãos, e havia muito tempo que não ouvia falar deles. Prossegui tentando
identificá-lo. Apalpei seu rosto relegando ao tato as resposta de minha angústia. Meu Deus quem será esse homem? Pensei.
Permaneci por certo tempo recostado contra o pesado caixão observando aquele semblante, mas após alguns instantes a ausência de respostas me causou uma inquietação. Meu coração desencadeou batimentos descompassados que levariam qualquer maestro a loucura se postas numa partitura. Um calor interno intenso me fazia recorrer ao lenço de bolso. Passei a andar em sentido horário em volta do caixão. Olhei os detalhes de cada ângulo de sua face, pescoço e cabelo. Observei cada segmento do rosto separadamente, atento as simetrias da familiaridade. Talvez se os olhos estivessem abertos tudo seria mais fácil e a identificação mais acurada. São nos olhos os traços mais fortes da compleição humana. Do tronco observei apenas o porte dos ombros, e por eles avaliei o peso. Pelo comprimento do caixão, a altura. Da pele jovial, ainda que através da perfeição da maquilagem, e mesmo sob o efeito sui generis da morte, estimei a idade.
Uma criatura de razoável beleza, mortinha, mortinha. Os olhos cerrados como de praxe e harmonizados pelos retoques impecáveis de um profissional preparador de defuntos que, num primeiro olhar, provoca no observador o singelo comentário, “aahhh.. pela expressão, ele morreu em paz. Que Deus o tenha.” Eu não enxergava nada - nem sinais de paz nem de desassossego. Meus olhos não desgrudavam do desejo de reconhecer aquele gentleman.
Confesso que não sei se há paz na morte. Por ser a paz um estado de espírito, como um cadáver, como simples manifestação da armadura física desse espírito, pode provocar qualquer comentário de que morrera em paz?
Jamais os vivos se reconciliam com a morte
As horas se passavam e em breve a casa funerária abriria as portas para a última visita de amigos e familiares. Forcei a mente como se estivesse a empurrar a massa cinzenta de meu cérebro até as profundezas do meu inconsciente. Retoquei a testa com o lenço já encharcado. Não queria que aquele homem fosse enterrado sem que eu pudesse identifica-lo. Tornei a observá-lo intensamente.
Em breve, após os primeiros visitantes, a tampa seria fechada, e eu seria deixado para sofrer com sua imagem que me perseguiria para o resto da vida.
O caixão possuía uma tampa daquelas que se dividem em duas. Uma parte expunha o tronco e a cabeça. A outra, fechada, expunha da metade para baixo.
Meu desejo de identificar o homem do caixão virara uma obsessão. Baixei a cabeça fingindo estar em oração. Cobri parte do rosto com o lenço. Fixei meu olhar no chão e no morto. Ao meu redor pude observar a presença das primeiras pessoas e nada mais. Um silêncio enorme engoliu o lugar. Mantive a mesma postura roubando, sub-repticiamente, uma visão do gentleman. Insisti em lembrar do homem, mas já estava sem a energia necessária para o meu intento. O silêncio continuou. Havia algumas pessoas, mas não consegui ouvir um único som. Nada. Nem um respirar.
Inconformado, recuei. Sempre de cabeça baixa. Fui até o fundo do salão em silêncio, no contra fluxo dos que se aproximavam do caixão.
Levantei a cabeça levemente percebendo o vulto e o fechamento da tampa de carvalho pesado. Todos estavam sentados de costas para mim, com exceção dos homens que marchavam lentamente em minha direção e para fora do salão trazendo o pequeno caixão. Cada qual de posse de uma das quatro alças.
Finalmente, levantei por completo a cabeça, olhei e olhei com atenção até que, já bem perto, reconheci os traços dos quatro homens que traziam o caixão.
...