sábado, 30 de junho de 2012

O MUNDO FUTURO

Merval Pereira, O Globo


O empresário Roberto Teixeira da Costa escreveu para o próximo número da revista “Política Externa” um artigo em que relata recente debate ocorrido no Instituto Fernando Henrique Cardoso intitulado Global Trends 2030 (Tendências Globais 2030), liderado por representantes do Espas — European Strategic and Policy Analysis; da ISS — European Union Institute for Securities Studies; do The Office of the Director of National Intelligence dos Estados Unidos; e do Atlantic Council, com a participação da FGV do Rio de Janeiro, representada pelo economista Marcelo Neri.


Na ocasião foi distribuído um livro cujo título, “Citizens in a interconnected and polycentric world” (“Cidadãos num mundo interconectado e policêntrico”), define bem a visão de futuro do grupo: um mundo cada vez mais interconectado, com vários centros de decisão.


A seguir, algumas conclusões e observações dos participantes anotadas pelo empresário.


O empoderamento dos indivíduos contribuirá para que adquiram o crescente sentimento de pertencer a uma única comunidade humana.


O mundo policêntrico será caracterizado pela mudança de poder dos Estados e por crescentes deficiências dos governos, sem responder de maneira adequada às demandas públicas globais.


A convergência de preocupações e a crescente vocalização de demandas serão enorme fator de contrastes com a capacidade dos governos de atender a elas, particularmente aquelas referentes à melhoria da qualidade da vida.
Esse gap será uma fonte permanente de tensão e conflitos sociais, podendo ser agravado pela ineficácia dos governantes.


De acordo com as Nações Unidas, em 2030 a população mundial atingirá 8,3 bilhões de pessoas. Grande parte desses indivíduos ganhará mais poder pelos progressos sociais e tecnológicos.


Nas últimas décadas o grande motor desse empoderamento foi a emergência de uma classe média, particularmente na Ásia, com acesso à educação aproximando-se de padrões mundiais pelos efeitos da informação e da comunicação tecnológica, e também com a evolução do “status” das mulheres na maioria dos países.


Em 1990, cerca de 73% da população mundial sabiam ler e escrever. Em 2010 atingiu 84% e estima-se que, em 2030, chegue a 90%.


A classe média aumentará sua influência, passando de 3,2 bilhões, em 2020, para 4,9 bilhões em 2030. Estima-se que esses cidadãos serão mais influentes que os antecessores de gerações passadas.


De qualquer forma, apesar dessas progressões, quando um número crescente de pessoas for beneficiado pela “era da informação”, diminuindo o chamado “digital divide” (a projeção é que, em 2030, metade da população terá acesso à internet), muitos indivíduos, quer por falta de eletricidade, analfabetismo ou ausência de acesso a telefones celulares, continuarão marginalizados.


O aumento da classe média não resolverá persistentes pobreza e desigualdade. Uma classe média burguesa emergirá na América Latina e na Ásia.


De qualquer forma, segundo relatório recente do Banco Mundial (2011), entre 2005 e 2008 — desde a África subsaariana até a América Latina, e desde a Ásia até a Europa Oriental —, a proporção de pessoas que vivem na pobreza extrema (em renda inferior a US$ 1,25 por dia) vem diminuindo.


O fortalecimento dos indivíduos também terá consequência, particularmente na sociedade civil, tendo grande impacto em como as políticas públicas serão conduzidas.


Usuários da internet poderão ser motivados a um maior engajamento em assuntos de natureza política. O temor é o de que todas as demandas sociais, justas ou não, façam enorme pressão sobre as instituições e partidos democráticos, podendo abrir espaço para um populismo radical, cuja saída poderá caminhar para a tentação do autoritarismo.


Apesar do progresso, sistemas educacionais fracos e o prevalecimento de doenças (epidêmicas ou não) continuarão sendo pesada carga para o desenvolvimento humano.


A corrupção será um fator de restrição ao desenvolvimento sustentável, funcionando como um dos principais obstáculos à inclusão social e à operacionalidade da economia de mercado.


As mudanças climáticas trarão sérias consequências e afetarão os padrões de vida e de segurança pública pela exacerbação da falta de água e de alimentos.


A degradação ambiental provocará desastres humanitários, inclusive com a desertificação e enchentes de grande escala em algumas regiões.


Maior estresse no desenvolvimento sustentável, tendo como pano de fundo maior escassez de recursos e persistente pobreza, potencializada por mudanças climáticas.


A água será um fator desestabilizador entre países fronteiriços, como, por exemplo, China e Índia. Tensões pela disputa entre países por matérias-primas poderão vir a acontecer.


A competição por recursos vai exacerbar tensões e provocará conflitos. Crise de energia sensibilizará e demonstrará que estaremos penetrando em uma “era de escassez”.


O modelo de economia de mercado prevalecente no desenvolvimento continuará sendo questionado. Os governos financiarão mais projetos de pesquisa para energias limpas e renováveis, que poderão ser insuficientes ou que os obrigarão, desde já, a tomar sérias iniciativas para melhorar e buscar maior eficiência energética.


Na questão de segurança humana e proteção dos cidadãos, muito embora seja um tema sempre presente, não se imaginam guerras entre os superpoderes, como também, está descartada uma maior conflagração envolvendo armamentos químicos, biológicos ou nucleares nas próximas duas décadas.


Conflitos motivados por nacionalismo e políticas de identidade extremista poderão acontecer, assim como (associados ou não) massacres genocidas. Serão a preocupação principal da governança mundial.


Organizações criminosas e movimentos populistas nacionalistas poderão tornar os Estados mais vulneráveis, como, aliás, tem acontecido em alguns países na América Latina.


O terrorismo continuará sendo grande preocupação, assim como os conflitos urbanos de baixa intensidade, que não deixarão de ser considerados nas políticas de segurança interna. (Amanhã, o Brasil e o mundo).

sexta-feira, 29 de junho de 2012

UMA JÓIA ENCRAVADA NO SERTÃO PARAIBANO

Se essa jóia cravada no Sertão paraibano, em Brejo do Cruz, cercanias de Catolé do Rocha, estivesse localizada na França, por exemplo, estaria completamente restaurada e preservada para a posteridade. Como não está, corre o risco de desaparecer. Ah!, esse meu Sertão misterioso e cheio de histórias. E de estórias também. Que o diga Ariano Suassuna... Fotografia e texto conseguido através da gentileza de Cezário Maia.



quarta-feira, 27 de junho de 2012

MINHA AMADA GOSTA DAS CIDADES GRANDES...

Honorio de Medeiros
    
Para Bárbara Lima 


Minha amada gosta das cidades grandes, do bulício das ruas elegantes nas manhãs de sol pálido que não lhe agrida a pele muito branca, quando se dedica às compras “virtuais” e compõe mentalmente, enquanto deambula, várias toilettes com as peças à mostra, da rotina dos cafés ao entardecer que são promessas de noite e despedidas do dia, das noites suavemente embaladas por uma discreta taça de vinho, à qual seguem, como um coroamento de um dia feliz, un dessert, e um sono tranqüilo, embalado pela confortante presença próxima do seu ateliê, onde se dedica à requintada arte do “scrap”, no qual obras de arte feitas à mão disputam espaço com as marcas sutis de sua presença diária.

                        Já lhe ponderei, diversas vezes, acerca das maravilhosas manhãs na Serra, quando a neblina propõe, aos transeuntes, um véu opaco com o qual os envolve enquanto o silêncio, companheiro de nossas caminhadas, somente é perturbado pelo ir-e-vir dos pássaros e o balançar dos ramos e galhos das árvores tangidas pelo vento matinal, e, também, das tardes pungentes tão típicas e plenas de uma profusão de cores cambiantes que esmaecem lentamente anunciando a noite, ah!, a noite, e o imenso céu estrelado, límpido, misterioso, inigualável, do Sertão...

                        Eu lhe prometi um espaço somente seu, amplo, no qual cada laivo de sua imaginação criadora tenha a condição de se transformar em realidade, separado do chalé com o qual sonho por um caminho margeado pelas flores das quais tanto gosta e pelas árvores das quais sou tão próximo, onde ela poderia receber as pessoas que a procurassem lhes oferecendo um café feito na hora a ser servido nas delicadas e herdadas xícaras onde despontam motivos florais finamente estampados, acompanhado de biscoitos da terra, de gosto suave, que facilmente se dissolvem na boca, ou, quem sabe, nos frios dias de julho, uma taça de chocolate quente enquanto a conversa fluísse animada.

                        Receio não lhe ter convencido, posto que o prosaico da vida sempre interfere nos sonhos de cada um: é a rotina do trabalho, a rotina dos filhos, a rotina dos compromissos que exigem nossa presença diária e nos impõem atividades que não gostamos, deveres que nos assoberbam, atenções que nos impedem de nos entregarmos plenamente à vida que passa tão rápida enquanto desperdiçamos nosso tempo a ranger os dentes de raiva pelo trânsito que não flui, a nos eriçarmos para o combate com nossos estressados semelhantes, a nos debater com a melancolia que nos assoma no final-do-dia pelo muito que é perdido quando constatamos que nada mais somos que apenas outra peça da engrenagem.

                        Quantos de nós, envelhecidos, eu não observo enquanto me desloco: são tão poucos os que sorriem! Será que neles há o fastio do acúmulo das horas inúteis, a consciência do tempo perdido com coisas vãs? Será que esse balanço de final-de-vida, quase sempre negativo, é que lhes colocou nos rostos esse olhar vazio, tão distante? Será que essa entrega derradeira, o abandono da condição de controle do próprio destino, é que constitui o caldo de suas amarguras?

                        Como saber? Enquanto penso dou razão à minha amada e me conformo, mas não perco a esperança. Enquanto espero, e os dias rolam na minha vida como as contas de um terço rolam nas mãos daqueles que rezam, escapo para o último andar do prédio onde moro, prédio entre prédios, subo a escada que conduz ao topo, e lá, derramo meu olhar descontente por sobre a cidade febril enquanto gulosamente sinto, sobre mim, o infinito do céu no qual os limites existente são o vôo dos pássaros e de um ou outro avião.                      

O GOVERNO DOS ILUMINADOS

Do Blog de Ricardo Noblat

Cresce em toda parte a autoridade da Suprema Corte, por Joaquim Falcão


O que tem a ver com o Brasil a renúncia do ministro do Supremo na Espanha?

Aliás, mais do que ministro, a renúncia foi do presidente do Supremo e do CNJ de lá, que se chama Conselho Geral do Poder Judiciário (CGPJ). O que tem a ver com o Brasil? Aparentemente nada. Na verdade, tudo.

O presidente tentou permanecer no cargo. Conseguiu até uma decisão de seus colegas do Supremo a seu favor. Mas só de protestos na internet foram mais de cem mil. Não foi preciso decisão em processo legal. A pressão ética e política foi maior.

O Presidente Carlos Dívar teve que renunciar porque usou dinheiro público para fazer viagens de fim de semana não oficiais. Pouco dinheiro. Não importa a quantia. Importa o gesto, suas consequências e a evidência da acelerada mudança do fundamento político da autoridade do Supremo. Na Espanha, no Brasil e no mundo.

Nestes mesmos dias uma decisão do Supremo na Venezuela não reconheceu a legitimidade de dois líderes de partidos que se opunham ao governo, o que prejudica a possibilidade de vitória da oposição contra Chaves.

No Egito, o Supremo considerou a eleição para o Parlamento inconstitucional e ordenou sua dissolução, o que altera os rumos da vida política de um país com Supremo, mas sem constituição.

No Paquistão, o Supremo também decidiu pela inabilitação do Primeiro Ministro, cuja consequência deve ser a necessidade de nova escolha e novas eleições para preencher o cargo no Parlamento. Tudo em menos de três semanas.

Sem falar nos países da Europa. As políticas econômicas recessivas e o incontido apoio dos governos aos bancos vão, como foram nossos planos econômicos, ser contestadas nos seus respectivos Supremos. Provavelmente.

Parece ter razão o ministro Lewandowski quando lembra que o século XX pode ter sido o século dos executivos fortes. Mas o século XXI será o século dos Supremos fortes. Detentores da última palavra. Para o bem ou para o mal.

De onde está vindo a crescente autoridade de Supremos mais poderosos? Mais do que de uma necessidade política estabilizadora, esta autoridade precisa da autoridade moral de seus ministros, de sua aceitação pela sociedade, de decisões não partidárias ou corporativas.

Cresce sobretudo a necessidade de ilibada reputação da vida pessoal dos magistrados.

Não podem pairar dúvidas de comportamentos não explicados. Ou quando explicados, não convincentes. O intenso e mobilizado mundo da participação política na internet protesta. Retira legitimidade e autoridade de ministros e instituições.

De certa maneira estamos voltando à aldeia antiga. Onde a autoridade comunitária residia nos velhos sábios de reputação ilibada. De vida vivida e comprovada. Sem ambições futuras que não o bem de sua própria aldeia.

Estes fatores – reputação pessoal, isenção política, desambição corporativa e de enriquecimento - estão voltando à moda. O mundo está exausto da apropriação pessoal e política das instituições democráticas.

Esses fatores deverão pesar nas futuras escolhas da Presidente Dilma para nosso Supremo.

terça-feira, 19 de junho de 2012

OS HOMENS OCOS


Mordor: Terra Desolada

nãodiganada.blogspot.com


Górgias de Leontino:

1.            Nada existe;
2.            Mesmo se algo existisse, acerca disso nada poderia ser sabido;
3.            Mesmo se se pudesse saber algo, o conhecimento acerca disso não poderia ser comunicado a outro;
4.            Mesmo que pudesse ser comunicado, não poderia ser compreendido.

T. S. Eliot:
OS HOMENS OCOS:

I 
“Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada

II 
Fôrma sem sombra, sombra sem cor,
Fôrça paralisada, gesto sem vigor;" 
(...)

domingo, 17 de junho de 2012

ROUSSEAU SURPREENDIDO ACIMA DE VOLTAIRE


Voltaire


Rousseau



Bárbara de Medeiros se aproxima de uma pilha de livros postados uns em cima dos outros na Potylivros da Escola Doméstica e, após observá-los, cai na risada.

"Irônico", pensa. "Rousseau e seu Contrato Social estão postados acima de Voltaire e seu Dicionário Filosófico. O que diria Voltaire dessa situação?"

Rousseau enviou a Voltaire um exemplar de seu Discurso sobre a origem da desigualdade entre os povos, em que argumentava contra a civilização, a ciência e as letras e defendia o retorno a uma condição natural na qual os homens viveriam como animais.

Voltaire respondeu: "Recebi, senhor, vosso novo livro contra a espécie humana, e agradeço-vos a remessa... Ninguém foi tão espirituoso como vós ao tentar nos transformar em animais; ler o vosso livro faz com que sintamos vontade de andar de quatro. No entanto, como abandonei essa prática há cerca de sessenta anos, acho que me é infelizmente impossível voltar a adotá-la".

Acerca do Contrato Social de Rousseau, Voltaire diz: "Jean-Jacques se parece tanto com um filósofo quanto um macaco com um homem".

Pelo menos aqui Voltaire  está acima da de Rousseau. Para compensar, claro.

sábado, 16 de junho de 2012

TODA IDADE É A MELHOR IDADE



Nada mais dissimulado que esse gueto para o qual encaminham os idosos, ao qual denominam de "melhor idade", enquanto os confinam em um espaço geográfico e cultural específico, como o fazem com os negros e os homossexuais, diferenciando-os, especificando-os, para melhor manipulá-los.

Os detentores do capital agem como os grandes predadores o fazem quando caçam: isolam a presa do restante do bando para melhor abatê-la.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

NÃO SEGUIMOS À TOA


“VOLTE PARA O SEU LAR”
Marisa Monte
Aqui nessa tribo
Ninguém quer a sua catequização
Falamos a sua língua,
Mas não entendemos o seu sermão
(...)
Aqui nesse barco
Ninguém quer a sua orientação
Não temos perspectivas
Mas o vento nos dá a direção
A vida que vai à deriva
É a nossa condução
Mas não seguimos à toa
Não seguimos à toa

domingo, 10 de junho de 2012

GRACILIANO RAMOS E O CANGAÇO


Graciliano Ramos

Por Honório de Medeiros                     

                  Graciliano Ramos e o Cangaço.
Ricardo Ramos ao ouvir seu pai contar acerca de quando Palmeira dos Índios se armara para enfrentar Lampião, ficara fascinado:
“Passara a meninice acalentado pelas estropolias dos cangaceiros, da polícia volante, duas pestes que nos assolavam.”
“E (lhe) contei de uma noite, após a ceia, em que, atraído por foguetes, sai à calçada e vi os caminhões, as cabeças cortadas, espetadas em estacas, de Lampião, Maria Bonita e mais dez outros, os soldados empunhando archotes, gritando vitoriosos, um cortejo macabro pelas ruas de Maceió”.
Graciliano lhe diz:
“- Eu escrevi sobre isso”.
                   “Não havia lido, era pequeno e estava fora do Rio. Bem depois, ao se reunirem as crônicas de Viventes das Alagoas (título sugerido por Jorge Amado), afinal encontrei “Cabeças”. Ou reencontrei minha antiga visão, bárbara, mas transporta no sarcástico perfil do tenente Bezerra, que se reformou coronel, o falante matador de Lampião, versado em frases feitas, sua retórica elementar de glorificado primário.”
                   “Havia mais, bem mais. O Fator Econômico no cangaço, crônica da propriedade que se mantém e cresce pela força, com pequenos exércitos de senhores rurais, sedentários, enquanto os cangaceiros se distinguem dos outros facínoras apenas por serem nômades, no regime de produção agrícola da caatinga.”
                   Corisco, uma crônica do diabo louro, seu conterrâneo de Viçosa, filho de decadente família de donos de engenho, forçado a decair, enlouquecido, o pequeno monstro baleado e decapitado, morto quase inédito porque havia a guerra na Europa, tantos crimes. Dois Cangaços, a crônica dos matutos indefesos diante de dois poderes, a volante e o cangaceiro, a primeira muitas vezes obrigando-os à segunda opção, ou o seu reverso, em todo o caso forçando-os a escolher, pela imposição sócia, ou pior ainda, pela econômica.”
                   “E Lampião e Virgulino, que buscam o perfil. Necessariamente fincado no agreste.”
                   “Graciliano nunca idealizou Lampião. Desde 1926, ao escrever do assédio a Palmeira dos Índios, sem mencionar a sua participação pessoal. Chama-o ‘bicho montado’, ‘horrível’, ‘sanguinário’, diz dele o animal ‘cruel’, que ‘queima fazendas’, capaz ‘de violar mulheres na presença de maridos amarrados’, e ‘se conservara ruim, porque precisa conservar vivo o sentimento de terror que inspira’, enfim ‘vemos perfeitamente que o salteador cafuzo é um herói de arribação bastante chinfrim’”.
                   “Por outro lado, não desconhecem a sua projeção lendária. ‘Lampião nasceu há muitos anos, em todos os estados do Nordeste’. E se refere à nossa tradição bandoleira, do remoto Jesuíno Brilhante ao envelhecido Antônio Silvino, para concluir: ‘Resta-nos Lampião, que viverá longos anos e provavelmente vai ficar pior. De quando em quando, noticia-se a morte dele com espalhafato. Como se se noticiasse a morte da seca e da miséria. Ingenuidade.’”
                   Obra citada: “Graciliano RETRATO FRAGMENTADO”; RAMOS, Ricardo; Globo; 2ª edição; 2011; São Paulo.

DOS LIVROS

Do O Santo Ofício

Por Franklin Jorge

Disse Georges Bataille que a literatura é uma força essencialmente contestadora, uma presença confrontada em “medo e tremor”, capaz de nos revelar a verdade da vida e suas possibilidades excessivas, que só se realiza quando escrever deixa de ser uma arte da livre vontade para tornar-se uma questão de sobrevivência.


Bataille faz uma oportuna distinção entre livros escritos à guisa de experiência e livros que nascem da necessidade. E nos interroga de maneira apaixonada e parcial, como devem interrogar os artistas. Bataille é desafiador: — Como podemos perder tempo com livros que sentimos que o autor não foi compelido a escrever?


Eis porque ainda se lê Marx e Engels. Eles escreveram, por uma necessidade visceral inexplicável, porque tinham de fazê-lo. E o fizeram, como puderam fazer. Aqui, no entanto, a grande produção de títulos leva à vulgarização e nos faz ponderar sobre a gratuidade do ato de escrever, usado, abusado e colocado quase sempre à serviço da vaidade provinciana que busca auto-satisfação na logorréia.


Montaigne condena essa produção estéril e apressada. E defende a criação de uma lei capaz de exemplar com os rigores incautos e reincidentes, semelhante à velha lei que punia por vadiagem. Alguns séculos depois, o brasileiro Gustavo Barroso diria que um grande contingente de poetas seria sintoma infalível de decadência de uma cultura.


Há, por toda parte, gente escrevendo e produzindo livros em excesso. Escritores que prescindem do convívio dos livros. Seja-nos suficiente a vistoria diária da página de Opinião – a mais nobre de todas – dos nossos jornais. São tantos os articulistas que já constituem um pagode. Porém, apesar desse afã de nos fazermos reconhecidos como escritores, faltam-nos os autênticos homens de letras de que carece uma literatura vitaminada.


Escrever tornou-se um exercício de frivolidade que apetece a todo mundo, inclusive aos ágrafos. Resulta quase sempre em ejaculação precoce, masturbação, goga… Beira a irresponsabilidade, como fruto do desfastio, do tédio e da vaidade que a todos contamina e agrada. Enfim, uma contravenção simpática que pode ser praticada impunemente.


Diante deste quadro, faz-se necessário e urgente que as nossas instituições promovam o hábito da leitura como tática de preservação da cultura das belas letras, despertando os jovens para a convivência com os livros, fornecendo-lhes o arsenal de informação básico para que eles possam escolher suas leituras com altivez e competência.


É preciso ampliar em caráter permanente e sem lapso o acervo das nossas bibliotecas públicas, reforçando a verba para a aquisição de livros, inclusive dos lançamentos que muitos querem ler e poucos podem comprar… E sem deixar de fora as bibliotecas escolares que precisam não apenas de manuais e de livros didáticos, mas da grande literatura. Somente depois desse processo é que teremos leitores capazes de distinguir o excelente do apenas bom ou razoável.

sábado, 9 de junho de 2012

EM UM CERTO TEMPO PASSADO



Houve um tempo no qual comíamos apenas abacates crus no café-da-manhã, PFs no almoço, líamos e discutíamos Marx à tarde, e, quando vinha a noite, bebíamos cachaça e declamávamos Augusto dos Anjos para as meninas de São Carlos, em São Paulo, antes de as convidar para dançar forró, que estava começando a fazer sucesso, no "Porão" da Universidade Federal de São Carlos. Aqui, com o grande "Gentil", o "Alma minha Gentil que te partiste, tão cedo desta vida descontente...". Tirando a foto, meu irmão Gilson Ricardo, com quem eu passava as férias.

"O PROBLEMA NÃO ESTÁ NA INSTITUIÇÃO, E SIM NAS PESSOAS"

Do www.blogdafeira.com.br


Por Danillo Ferreira

Existe uma construção no imaginário de alguns policiais que pretende simplesmente acusar as pessoas como culpadas por más práticas nas organizações policiais. Para eles, “a instituição é perfeita, as pessoas é que a distorcem”. Trata-se de um argumento curioso, que possui consequências ainda mais inusitadas.

Se o problema está nas pessoas, não há motivo para diferirmos, por exemplo, uma ditadura de uma democracia, pois qualquer um dos regimes pode ser igualmente bom, se temos pessoas boas. Como meus colegas defendem que o Brasil, por sua cultura, é um exemplo de país com pessoas “más”, parece que a Suécia, ou o Japão, teria sucesso ao implementar uma Ditadura.

Este raciocínio, que pretende conservar estruturas institucionais existentes, terceirizando o problema para “as pessoas”, acaba mesmo por extinguir a necessidade de quaisquer instituições. Ora, se todo o nosso problema é moral (poucas pessoas “boas” e muitas pessoas “más”), não há necessidade de instituição alguma. É só aguardar até que tenhamos mais “bons” do que “maus” no mundo para que tudo dê certo.

Poucos teriam esta ingenuidade quase infantil, embora defendam o argumento apontado no início deste texto.

É preciso observar que instituições são feitas para resolver problemas, devendo se ajustar sempre que os problemas mudam ou se tornam mais complexos. Se deixa de resolver os problemas, deixa de fazer sentido enquanto instituição, na medida da quantidade de problemas que deixa de sanar. 

É óbvio que a cultura local deve ser considerada nos mecanismos institucionais de resolução de problemas. E aí deve-se atentar para a formação dos profissionais e para a estrutura correcional, que também são problemas que se referem ao modelo de instituição adequado. Ou a formação policial não serve para modificar, em certo grau, os indivíduos? Orientá-los para determinados tipos de prática, em detrimento de outras? Estamos condenados à “educação que vem de berço”?

Existem, sim, elementos institucionais que, independentemente de quem os esteja operando, são ineficientes, ineficazes. Alguns gargalos são insuperáveis pela maior boa vontade que exista, algumas perversões permanecerão existindo enquanto determinada arquitetura institucional prevalecer.

Defender a conservação de uma instituição dizendo que o problema são as pessoas é infantil e até ridículo. Observemos os resultados: sua instituição resolve os problemas que se dispõe a resolver? Se sim, ela é perfeita. Se não, precisa enfrentar o desafio da mudança.

Autor: Danillo Ferreira - Tenente da Polícia Militar da Bahia, associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública e graduando em Filosofia pela UEFS-BA. | Contato: abordagempolicial@gmail.com

DUAS COISAS ME FAZEM SEGUIR EM FRENTE





Por Bruna Negreiros

E assim, naquele momento, mais uma vez ela me dizia o quanto acreditava em Deus, afirmando que confiava e sabia que tudo daria certo. Repetia.

 
- Há duas coisas que me fazem seguir em frente, a fé e a esperança.
 
E eu me surpreendia, aquilo parecia tão absurdo para mim. Custava-me acreditar e aceitar que alguém que passava por situação tão dolorosa poderia ainda assim ter fé e crer na existência de um ser bom, um ser supremo que cuidava de todos. Aquilo me irritava, e como irritava! Logo eu que costumava respeitar a crença de todos, tempos depois acabara me tornando alguém que sentia um tremendo desconforto ao ouvir ela dizer. E ela repetia.
 
- Confio em Deus e em Jesus Cristo e somente eles podem me ajudar nesse momento. O que seria de mim sem a fé?
 
Aquilo continuava a me irritar, ficava em silêncio, mas subjacente ao que demonstrava na superfície, o meu corpo parecia até ter milhares de facas pontudas e cortantes por dentro. E o que eu queria de verdade era gritar.
 
- Escuta, presta bem atenção! Não há provas, não existem fatos que comprovem. Sabe esse Deus que você tanto fala? Ele não existe! Nós o criamos. Foram humanóides há milhares de anos que procuraram uma explicação para a vida, para as coisas, e sem conhecimento científico justificaram tudo através de um ser divino!
 
Mas infelizmente eu sabia, bem no fundo, e custava-me muito dizer, mas eu tinha conhecimento que aquela fé e esperança que ela tanto falava, eram o alicerce que ainda a matinha de pé. E por mais que eu quisesse, mesmo no ápice do desespero e da raiva, eu sabia que não poderia dizê-lo. Afinal, aquilo era o que a motivava e fazia com que mesmo com tanto sofrimento, um sorriso tímido e sincero ainda surgisse no canto de sua boca.
 
Algumas vezes eu tentava realizar uma espécie de brincadeira, tentando um tipo de regressão, voltando a tempos que hoje me parecem tão distantes. Transportava-me aos meus 11, 12 anos de idade, aos tempos que os problemas eram poucos, as brincadeiras eram muitas e eu ainda acreditava em Deus. Talvez eu nem acreditasse mesmo, penso que só seguia a ideologia hegemônica da família, uma criança de 11 anos de idade não pode questionar muita coisa. Nessa pequena viagem de volta ao passado, tentava lembrar o que eu pensava sobre o assunto na época, e infelizmente não recordo de muita coisa. Lembro-me vagamente do primeiro contato na escola com a teoria do big bang. Confesso quão estática fiquei ao tomar conhecimento desta teoria. Veio-me a epifania, tudo parecia ter sentido, e por muito tempo me considerei diferente de todas as outras crianças na sala de aula, lembro-me que por muito tempo a teoria criacionista e a do big bang coexistiram dentro daquela pouco desenvolvida mente infantil.

terça-feira, 5 de junho de 2012

XIV FÓRUM DO CANGAÇO EM MOSSORÓ

XIV Fórum do Cangaço em Mossoró



Programação

Dia 12/06/12 – Terça-feira -19h15min
Local: Universidade Potiguar
Conferência de abertura
Tema: O código do sertão: violência e
resolução de conflitos
Conferencista: Prof. Francisco Linhares Fonteles Neto – Fortaleza/Ce
Coordenação: Paulo Medeiros Gastão
21:00h - Lançamento de livro:
Obra: A outra face do cangaço: vida e morte de um praça.
Editora. Edições Bagaço
Autor. Antônio Vilela de Sousa

Antônio Vilela presente ao XVI Fórum do Cangaço
Dia 13/06/12 – Quarta-feira - 08:00h
Assembléia Geral da SBEC
19h15min - Mesa-redonda
Tema: Violência contra a mulher no tempo do cangaço
Debatedoras
Juliana Pereira Ischiara - Quixadá/CE
Susana Goretti Lima Leite – Mossoró/RN
Moderadora
Rosimeiry Florêncio de Queiróz Rodrigues


Paulo Gastão e Juliana Ischiara, presentes ao XIV Fórum do Cangaço

Dia 14/06/12 – Quinta-feira -19h30min
Posse da nova diretoria
20h00min - Mesa Redonda
Tema: Narrativas sobre o cangaço na imprensa
Debatedores
Anildomá Willans de Souza – Serra Talhada/PE
Wescley Rodrigues Dutra – Cajazeiras/PB
Moderador
Marcilio Lima Falcão

ELIAS CANETTI, ENSAÍSTA


Por Franklin Jorge

Excepcionalmente dotado das artes do feiticeiro, previu Elias Canetti que o ar é o nosso último bem comum. Disse-o num discurso pela passagem do quinquagésimo aniversário de Hermann Broch, em Viena, 1936. Ao refletir sobre a data, viu Canetti um belo sentido na homenagem que se presta a um homem pelo seu quinquagésimo ano de vida e, desde então, percebeu que o público e o privado não admitem distinção; interpenetram-se hoje e de uma forma jamais vista no passado.

Consumido por uma compulsiva fome de leitura, forjou Canetti, como escritor, uma individualidade complexa e poderosamente vital. Tudo o que há lido, desde que aprendeu a ler, parece estar sempre ao seu dispor. Um leitor, enfim, alerta e hipercrítico. Descobriu – ou inventou – os seus precursores.

Ensaísta emérito, por índole, temperamento e cultura, escreveu os ensaios de Consciência da palavra, dos seus livros mais pessoais. Contém e resume todo um credo humanista ávido de vida. Escritor enciclopédico, sempre reiterando que nada surge sem grandes modelos, parece dizer-nos também que o ensaio agrada aos espíritos analíticos e discriminadores.

Dentre as suas obsessões, a busca de Kafka, um de seus precursores -, leitmotiv recorrente de suas inquisições metafísicas -, Franz Kafka é uma ideia fixa para o escritor. Canetti amplia a nossa consciência das coisas e da palavra. Como um arguto e inquieto observador minucioso, aplica-se a Canetti o mesmo axioma de Otto Maria Carpeaux para Benedito Croce. Foi um homem que pensou implacavelmente sem pensar em consequências. Sim, repetindo o próprio Canetti, leitor multifacético de Schopenhauer, rarefeito é o número de cabeças que pensam. Muitos escrevem sem medir as palavras. Leviana e epidermicamente, expedem palavras sem pensamento e sem noção.

Trata-se, obviamente, de um escritor para escritores; de um escritor que é um poço inesgotável de surpresas e novidades, adverte-nos o diabo da inveja. O homem de Ruschuk, Bulgária, é desses escritores que pacientemente deglutem o conhecimento, a informação, a herança dos séculos, devolvendo-os aos leitores em parágrafos que contém a memória universal.

Escritor de uma estirpe rara, tece Canetti a sua escrita com clareza e densidade, com razão e inteligência, podendo assim louvar seus precursores. Gogol, Stendhal, Thomas Mann, Karl Kraus, Kafka, Dostoievski etc.

Mestre da sátira, escreveu um único romance que não poucos afirmam ser o contraponto tardio de Don Quixote. Auto-de-fé foi o único de oito romances planejados que escreveu e que constitui um tour de force, numa prosa tão maior do que a de Joyce; um tour de force que se lê com prazer e assombro. Uma obra visceral, sob alguns aspectos, até, inumana. Ou sobre-humana, outros dirão. Canetti nunca foi desses escritores ricos, barulhentos, que querem ser levados a serio.

De suas obras, Massa e poder, a desconcertante e minuciosa trilogia biográfica constituída por A língua absolvida, O jogo dos olhos e Uma luz em meu ouvido; e, sobretudo, o romance Auto-de-fé, avultam, em grandeza metafísica e perspicácia, entre as criações magnas de Canetti. Diz-nos, através dessa obra progressiva – canettiana -, que a prática faz o mestre, tornando-nos merecedores, portanto, de uma paga justa.

Mario Vargas Llosa viu Auto-de-fé como um pesadelo realista. De fato, parece ser um dos maiores horrores da literatura, algo da mesma natureza demoníaca de Vathek, o califa ímpio. Contém o desejo do autor de escrever um texto rigoroso e desapiedado; um texto que não podia ser agradável ou complacente. Para muitos, uma das obras de ficção mais ambiciosas da narrativa moderna; para outros, a obra de um intelecto desmedido que não quer ser feliz, quer ser sábio. Um romance cômico inexcedível que só muito raramente provoca o riso do leitor. Assim, Auto-de-fé.

Canetti considera a leitura uma carícia. E, o escritor, alguém que nada obtém por herança, sem mérito nem esforço. Jamais será um pobre de espírito quem pensa assim! Alguém que engordou de inércia. Sobretudo preservou Canetti a coragem de manter-se sozinho. De não ser de preço comum no mercado. Desde cedo soube o que queria ser e quis sê-lo sem tardança. Porem deu tempo ao tempo e fez milhares e milhares de anotações que recheiam seus arquivos. Os arquivos de um escritor compulsivo, insuportável em sua minuciosidade. Ninguém era capaz de escrever com tanta raiva, como escrevia às vezes Canetti.

Os ensaios desse autor constituem uma biblioteca de humanidades e convergem para um fim, seu trabalho. Sua escritura – por sua extensão e profundidade -, dir-se-ia quase infinita, obra de um fazedor de bruxarias. De um ilusionista da literatura. Uma obra aparentemente sobre-humana. Trabalho que resultou, concretamente, num espólio literário extraordinário.

Canetti escreveu milhares de fragmentos que, organizados, procriarão dezenas de novos livros, de livros inéditos, desconcertantes, justificando a sua natureza de obra progressiva. O ensaio, como declarou, foi o meio pelo qual se manifestou o seu talento. Sua energia verbal, encantatória, persuasiva.

Engrandeceu Elias Canetti a arte do ensaio. Acrescentou-lhe o seu nome desmedido.

.Fragmento de O Escrivão de Chatham, v.2 -2 [inédito]

domingo, 3 de junho de 2012

A CASA-GRANDE DA FAMÍLIA DIÓGENES, CONTINUAÇÃO


Pereiro, Ceará: mítica, misteriosa...



Casa-Grande da Família Diógenes, do final do século XVIII, com trinta e oito compartimentos, construída por escravos, palco de muitas histórias e estórias...






Eis que na parede da Casa-Grande encontro a fotografia de uma ancestral comum. O Coronel José Fernandes de Queirós e Sá foi o pai do construtor da Casa Grande da Fazenda João Gomes em Marcelino Vieira, Rio Grande do Norte, e meu tetravô pelo lado materno.



As impressionantes janelas da Casa-Grande, quase do tamanho da cozinheira, a quem pedi que ficasse onde está, para estabelecer a comparação.



Muito mais acerca da Casa-Grande da Família Diógenes em www.honoriodemedeiros.blogspot.com.br, ou, especificamente:
1) A CASA GRANDE DA FAMÍLIA DIÓGENES EM PEREIRO, NO CEARÁ:  http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2009/12/casa-grande-da-familia-diogenes-em.html