terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
DECLARAÇÃO DE ZAFFARONI SOBRE O JULGAMENTO DE BALTASAR GARZÓN
Raúl Zaffaroni
Do Substantivo plural
O jurista Eugenio Raúl Zaffaroni, um dos penalistas mais destacados do mundo contemporâneo, sem dúvida o mais expressivo da América Latina, membro da Suprema Corte argentina desde 2003, deu uma declaração que me parece cristalina sobre o julgamento de Baltasar Garzón na Espanha. Ela é particularmente importante porque suspende qualquer discussão sobre se Garzón estava ou não correto ao autorizar interceptações telefônicas no caso Gurtel (base para a sua primeira condenação pela Suprema Corte espanhola) e passa a discutir o que interessa: a exoneração de um juiz com base numa decisão tomada por ele. Como a declaração está no YouTube, em espanhol, achei que valia a pena transcrevê-la e traduzi-la ao português para facilitar sua circulação em nossa língua.
Zaffaroni é autor de vasta obra, incluindo-se aí um livro que este leigo cara-de-pau tem a petulância de sugerir a qualquer um que se interesse por Direito Penal: o Manual de Direito Penal Brasileiro (7ª edição revista e atualizada, Editora Revista dos Tribunais, 2008), a adaptação para o Direito brasileiro, feita em co-autoria com José Henrique Pierangeli, do seu clássico Manual do Direito Penal (agradeço a Túlio Vianna pela minha introdução inicial a esta obra). O primeiro, o segundo e o quinto capítulos da obra, “Controle Social, Sistema Penal e Direito Penal”, “O Horizonte de Projeção do Saber do Direito Penal” e “Evolução da Legislação Penal”, são leitura obrigatória para quem queira ter uma introdução a esta perversa e fascinante máquina. Zaffaroni é fluente em português e entre seus inúmeros doutorados honoris causa, há um da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Já lecionou na Cândido Mendes e mantém inúmeros contatos com profissional do Direito no Brasil.
Aí vai, então, o pronunciamento de Zaffaroni sobre o julgamento de Garzón, relevante para todos os que se interessam por Direito e Justiça:
É muito alarmante para todos os juízes, para todos os juízes do mundo. Ou seja, aqui há um problema básico. Qualquer que seja a ideia que se tenha – de que Garzón estivesse errado, de que seu ponto de vista fosse incorreto etc., isso não importa. O que importa é que há uma ditadura de um organismo colegiado do próprio Poder Judiciário que, em vez de se limitar a revogar uma sentença com a qual ele não concorda, pretende exonerar um juiz. Isso é que é grave.
Isso significa transformar o Poder Judiciário numa corporação verticalizada. O Poder Judiciário não é uma corporação verticalizada. Os juízes temos a mais absoluta liberdade de critério para interpretar o Direito como sinceramente acreditamos que deve ser. Podemos errar, e para isso existem organismos colegiados: para corrigir as sentenças. Mas no dia em que se perca a independência interna, bem, o Poder Judiciário deixa de ser Poder Judiciário e há um grupo, um corpo que impõe os seus critérios de cima para baixo e que pune os outros porque os considera seus inferiores, seus amanuenses, seus subordinados.
Não. Entre os juízes, não há hierarquias, entre os juízes há diferenças de competência. Diferenças de responsabilidade pela competência, sim, é verdade. Mas não hierarquias. Há uma distorção temporal entre o processo, o requerimento do que seja, e a sentença definitiva. Para encurtar isso, vamos inventando coisas: os recursos, as medidas cautelares e, ao longo dos anos, estas invenções feitas para tentar reduzir esse hiato, que pode levar a uma absoluta injustiça, foram se ordinarizando, foram se transformando em comuns, e aparecem recursos que duram anos, quando se trata de uma medida urgente de proteção de um direito.
Então, cuidado. Acredito que estamos inventando uma cadeia de medidas urgentes em vez de agarrar o touro pelos chifres e sentar para dizer “olha, como faremos para conseguir uma aplicação mais rápida do direito de fundo e evitar todas essas coisas, ou pelo menos reduzir o seu âmbito”.
domingo, 12 de fevereiro de 2012
TERIAM OS HOLANDESES VISITADO O SERTÃO DO APODI DURANTE SEU DOMÍNIO DO RN?
Escritor Marcos Pinto
TERIAM OS HOLANDESES ADENTRADO O SERTÃO DO APODI DURANTE O SEU DOMÍNIO NO RN (1633-1654) ?
Por Marcos Pinto
A leitura amiúde e pacienciosa dos livros que enfocam o período do domínio holandês no Rio Grande do Norte aponta para uma excepcional probabilidade deste povo batavo ter pisado o solo Apodiense, durante o seu domínio em terras potiguares.
Cronistas dos Sécs. XVI e XVII como GABRIEL SOARES DE SOUZA, AMBRÓSIO FERNANDES BRANDÃO e FREI VICENTE DO SALVADOR assinalaram informações a respeito da Capitania do Rio Grande, todavia, restritas ao litoral e adjacências.
Foi a presença holandesa na Capitania que propiciou o envio de dois emissários ao sertão, com o objetivo de dotar de garantias a aliança flamenga com os grupos indígenas do interior. O primeiro é uma figura emblemática comentada pela historiografia regional.
Referimo-nos a JACOB RABI, judeu alemão que veio para o Brasil em 1637 com MAURÍCIO DE NASSAU e que esteve com os Tapuias Paiacus da nação Tarairiús no sertão por um período de quatro anos, durante os quais chegou a casar com uma índia de nome Domingas, compartilhando dos hábitos nativos e assumindo comportamentos indígenas.
Escreveu uma crônica sobre o viver desses índios, contendo informações sobre seu hábitos cotidianos e as terras que habitavam. Esse relato foi presenteado a Maurício de Nassau e serviu de base para as descrições posteriores de GASPAR BARLÉUS, GEORGE MARCGRAVE, JOHN NIEUHOF e GUILHERME PISO.
RABI atravessou o Rio Grande do Norte com uma força de 160 holandeses e centenas de índios. Os colonos ficaram aterrorizados. Alguns pagaram Rabi para que não os importunasse. Outros se refugiaram em fortificações e muitos foram mortos. Os colonizadores consideravam RABI "quase bárbaro como estes indômitos e cruéis gentios, que com eles havia muito tempo morado no sertão, e exercitado seus brutos e depravados costumes. Os tapuias paiacus se deram conta pela primeira vez da presença dos holandeses quando uma nau holandesa, que navegava ao largo da costa do Ceará, capturou um português e soltou 25 homens, mulheres e crianças tapuias que ele estava levando para serem vendidos como escravos no RN.
Durante alguns anos os tapuias vinham comerciando com os portugueses, trocando cativos por mercadorias. Em 1630 os portugueses já exploravam salinas naturais nas imediações de Areia Branca.
O renomado historiador VINGT-UN ROSADO escreveu um livro intitulado "OS HOLANDESES NAS SALINAS DO RIO MOSSORÓ", em co-autoria com sua esposa Professora América Rosado (Vide Google - Arquivo PDF). Conta que os rios que delimitavam a produção salineira de GEDEON MORRIS DE JONGE e seus continuadores pseudo descobridores das salinas são o IWIPANIM, O MEIRITUPE e o WARAROCURY. Na linguagem travada dos Tarairiús o primeiro é o UPANEMA, com outra barra, entulhada no correr do tempo.
O Upanema passou a receber o nome de APODI, caindo no atlântico em Areia Branca. Mas a zona das salinas, sabidamente identificada pelo português desde fins do Séc. XVI, é que teve rápida ocupação pela mão dos holandeses, ajudados pela indiada que depois se revoltou e matou os brancos. Essa era a zona das únicas salinas holandesas, terras litorâneas no município de Areia Branca. As salinas de Macau não foram trabalhadas pelos flamengos.
O Holandês ADRIANO WERDONCK, que era morador no Recife desde o ano de 1618, deixou informações sobre as salinas da região de Areia Branca, cuja descrição está inserida num livro de memória intitulado "DESCRIÇÃO DAS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO, ITAMARACÁ, PARAÍBA E RIO GRANDE", apresentado ao Conselho Político do Brasil, em 20 de Maio de 1630.
Esta memória foi publicada na Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano - Ano 1901 - nº 55, traduzida pelo historiador ALFREDO CARVALHO. Eis um trecho do depoimento WERDONCKIANO sobre as salinas do Rio Apodi (Upanema, daquele tempo): "Quando ali há falta de sal, o Capitão-Mór do dito Forte do Rio Grande manda uma ou duas barcas de 45 a 50 toneladas a um lugar a 60 milhas mais para o Norte onde há grandes e extensas salinas que a natureza criou por si. Alí podem carregar, segundo muitas vezes ouvi de barqueiros que dalí vinham com carregamento de sal mais de mil navios com sal que é mais forte do que o espanhol e alvo como a neve.
Vejamos o que nos diz outro credenciado historiador potiguar FRANCISCO FAUSTO DE SOUZA: "Um fato inédito da invasão holandesa foi a rebelião tapuia de 1644, com a destruição do Forte de Paneminha (atual rio do Carmo) e o trucidamento de GEDEON MORRIS e de todos os seus companheiros. Alguns tapuias, nessa época, de volta do Outeiro da Cruz, no Maranhão, onde tinham estado em combate, empenharam-se em luta com os trabalhadores nas salinas de Mossoró, degolando indistintamente a quantos alí encontravam.(FONTE: Vide livro "BREVE NOTÍCIA SOBRE A PROVÍNCIA DO RIO GRANDE DO NORTE" (autor: FERREIRA NOBRE).
É possível que tenham sido os tapuias paiacus que habitavam as margens da lagoa e do rio PODY os autores deste massacre. É possível que estes holandeses tenham adentrado os sertões do Apodi, acompanhados pelo JACOB RABI, nestas barcaças que tinham a capacidade de carregar até 50 toneladas de sal.
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012
O ESTADO CONTRA A SOCIEDADE, MAIS UMA VEZ
Hoje às 06h24
O garrote vil contra Garzón
Jornal do Brasil
Por Mauro Santayana
Quando o mais alto tribunal da Espanha decide expulsar da magistratura o juiz Baltasar Garzón, pelo fato de haver, a pedido da polícia, e de acordo com manifestação oficial do Ministério Público, ordenado a escuta das conversas entre empresários corruptores e corruptos — a fim de impedir a continuidade dos delitos — é preciso ir além dos autos.
Baltasar Garzón
Acusa-se o magistrado espanhol de obsessiva atuação contra o crime organizado. Embora a extrema-direita se alinhe contra sua decisão de investigar os crimes do franquismo, ninguém ousou acusá-lo de servir a essa ou àquela convicção ideológica, ou a esse ou àquele partido político: ele atuou bravamente contra o terrorismo de direita, e contra os atos de violência do separatismo basco; decidiu investigar o terror do fascismo espanhol a fim de assegurar aos descendentes das vítimas do totalitarismo espanhol o direito de conhecer a história de seus pais e avós; obteve vitória jurídica internacional pioneira, ao conseguir a prisão de Pinochet, na Inglaterra, ao acusá-lo de haver cometido crime contra um cidadão espanhol, no Chile. Acima de tudo, um tenaz perseguidor dos ladrões do Erário.
Mesmo a um leigo, como o colunista, a leitura das 70 laudas da sentença não convence de que — nesse episódio das escutas no conhecido caso Gurtel — o magistrado tenha violado o Código Penal Espanhol, nos artigos em que se apoiaram seus juízes, sobretudo o artigo 446, 3º, em que se ancorou a decisão.
O totalitarismo está de volta. Na Espanha não há mais dois partidos políticos majoritários
É de tal ousadia, e violação do senso comum, a sentença do mais elevado tribunal da Espanha, para que nela não se veja novo sinal de alarme na Europa. O totalitarismo está de volta. Na Espanha não há mais dois partidos políticos majoritários mas, sim — e de acordo com a óbvia dedução de cidadãos que se manifestam pela internet —, a fusão da direita e da esquerda em um PPSOE, junção do PP, resíduo do franquismo, ao derrotado PSOE, que desonra seus grandes fundadores, entre eles o lendário Pablo Iglésias.
A reação à sentença, tanto da intelligentsia espanhola como nas manifestações populares, é de perplexidade e espanto. Garzón repeliu a sentença e anunciou seu propósito de continuar lutando pelo reconhecimento de sua dignidade de juiz, ao recorrer ao Tribunal Constitucional. É a instância que o pode socorrer.
Escreve Garzón:
“Esta sentença, sem razão jurídica, nem provas que a sustentem, elimina toda a possibilidade de que se investiguem a corrupção e seus delitos associados, abrindo espaços de impunidade, e contribui gravemente — no afã de acabar com um juiz em concreto — para ferir a independência dos juízes na Espanha”.
Mas, entre todas as opiniões, a mais sensata foi a da senhora Mercedes Gallizo Llamas, que foi secretária-geral e diretora das Instituições Penitenciárias da Espanha, quando ocorreram as escutas.
Em artigo ontem publicado em EL Pais, ela faz uma análise da Justiça espanhola que serve ao mundo inteiro, mas especialmente aos países herdeiros da tradição ibérica de injustiça:
“Os cárceres estão habitados, em sua maioria, pelas pessoas pobres”. Como explica a autora do artigo, a maldade humana que existe em nossas sociedades não é punida proporcionalmente à gravidade dos delitos. Em suma: os pobres pagam, e os ricos, não. E continua:
“Faz muito tempo que todos os agentes policiais e jurídicos sabem que seria impossível a maior parte das operações de saqueio do dinheiro público, de fraudes contra a fazenda pública, de fuga de capitais a paraísos fiscais, de ocultação de bens, mediante testas de ferro, da lavagem de capitais, de corrupção dos responsáveis públicos, se não formasse parte dessas redes um entremeado técnico-legal que lhes dá cobertura, que obtém suculento benefício dessas operações, e que, em certos casos, acaba se situando na cúpula dessas atividades criminosas — e que se jacta de sua influência em todos os níveis da justiça”.
Afirma, em seguida, que a condenação de Garzón santifica as regras de um jogo repugnante, o da utilização dos princípios do estado de direito, para blindar, até o infinito, a cobertura legal da delinquência organizada em alto voo.
“Quando um imputado recebe, na prisão, a visita diária de uma corte de advogados de honorários milionários, a maior parte dos quais não se relaciona formalmente com sua causa, sem limite de tempo, sem controle de suas atividades reais, há quem queira pensar que se assessoram para sua melhor defesa. Alguns não acreditam nisso e resolvem investigar. Não há muitos que se atrevam a fazê-lo. Quase ninguém. A partir de hoje, menos ainda".
E conclui:
“Um estado implacável com os débeis, e débil com os poderosos, perverte o sentido da justiça, do direito e das leis. Alguém devia pensar sobre isso”.
A sentença que condenou o juiz Garzón é assustador sinal de alarme
Alguém deve pensar sobre isso, e não só em Madri que, ontem, para lembrar o belo conto de Hemingway, foi a capital do mundo. No mundo em que as comunicações derrubam as fronteiras, para o mal e para o bem, a sentença que condenou o juiz Garzón — e que equivale, em seus efeitos civis, a uma simbólica execução por meio de garrote vil — é assustador sinal de alarme. A Justiça perde os seus últimos e frágeis liames com o sentimento ético do homem e o sistema democrático. Se não há ética na justiça, todos os crimes são consentidos, toda a opressão é permitida, todos os absurdos passam a ser naturais e subvertem a lógica da vida em comum. Enfim, a farsa substitui a lei e a ideia de justiça — e Themis se vende no mercado.
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012
SE LIXANDO PRA SER DA ELITE
postado por O Santo Ofício
Por Rodolfo Viana*
Por Rodolfo Viana*
A Universidade de Oxford é a quinta melhor do mundo e a segunda mais bem conceituada do Reino Unido, de acordo com o ranking QS Universities. Mas Elly Nowell está cagando para tudo isso. Na semana passada, depois de ser convidada para tentar uma posição na instituição – apenas sete alunos britânicos conseguem esta façanha por ano – e ser entrevistada para ocupar uma das vagas da prestigiada escola de direito de Oxford, a Magdalen College, a jovem de 19 anos escreveu uma carta à direção – 50% jocosa, 50% séria – rejeitando Oxford como sua universidade.
Parodiando cartas que geralmente Oxford envia aos alunos que não conseguem uma vaga, Nowell escreveu:
“Eu considerei a sua instituição como um lugar para aprender direito. Verdadeiramente lamento informar que estou retirando minha candidatura à vaga. Acredito que você possa estar desapontado com esta decisão, mas você estava concorrendo com muitas outras universidades fantásticas e, de acordo com a sua entrevista, receio que você não esteja em concordância com os padrões das universidades que eu estou considerando.”
Elly Nowell
Pode soar a orgulho, pedantismo ou arrogância. Mas Nowell, à BBC, afirmou que a entrevista fez com que ela se sentisse como “a única ateia em um grande monastério”. Em texto publicado no The Guardian, ela explica sua motivação:
“Não quero estudar direito porque quero ser rica ou usar uma peruca e uma toga desconfortável. Quero estudar direito porque tenho interesse na justiça. Para mim, retirar minha candidatura à vaga de uma instituição que é símbolo de desigualdade em ambos os nossos sistemas educacional e legal faz todo o sentido, e eu não desejo fazer parte de um sistema dominado de maneira tão ostensiva por um pequeno grupo de elites auto-seletivas.”
Enquanto tantos desejam fazer parte de alguma elite, Nowell foge delas. Talvez seja uma menina a ser admirada. Ou internada.
*RV é jornalista, editor do PdH.
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
UM ANHANGUERA CULTURAL
Transcrito doDiário da Mnhã [Goiania, 5 de favereiro de 2012]
Por Ubirajara Galli
Por Ubirajara Galli
Goiás, ao longo de sua história, desde a colonial,tem sido visitado por ilustres personalidades como Burchell, Saint-Hilaire eCarlos Pereira de Magalhães, entre tantos outros que registraram as belezas naturais, potencialidades econômicas, valores humanos e culturais goianos.
No final da década de 1970, o jornalista-escritor, Franklin Jorge, portando a sua bateia cultural, desembarcou em Goiânia ecomeçou a lavrar as áureas águas da cultura goiana. Da sua colheita, nada se perdeu. Todas as suas impressões, experiências vividas, bem-materializadas deram vida a essa publicação, de nome sugestivo "O Ouro de Goiás" que tem tudo a ver com a gênese existencial do nosso Estado.
Esse Ouro tem cor, peso, valor inestimável, amalgamado por construtores da cultura brasileira em Goiás, muitos dos quais, em 2012, bateados por Deus. Da sua viagem goiana alongada no tempo, entre essesseres de luz visitados por Franklin Jorge e que Deus nos presenteia preservandoa sua presença entre nós, está o escritor e gestor cultural, José Mendonça Teles, um dos nomes mais expressivos da cultura da nossa terra.
Há mais de trinta anos, José Mendonça Teles fora apresentado ao Franklin Jorge por uma amiga em comum, a escritora e crítica dearte, goianiense, Alcyone Abrahão, cuja amizade tivera início com Franklin,quando ela residiu em Natal. Alcyone e sua mãe, Jandyra Hermano de Paula,juntamente com sua tia, Amália Hermano Teixeira, foram as gentis cicerones de Franklin,em todos seus encontros culturais e humanos em Goiás.
José Mendonça Teles, ao publicar seu livro "Crônicas de Pirenópolis" presenteou Franklin Jorge com um exemplar da obra. Franklin agradeceu o autor através de um poético texto, revelador de quem fez a leiturado livro, página por página, por puro prazer.
Feliz com a acolhida de Franklin à sua obra, José Mendonça Teles, sabendo de outros guardados goianos reluzentes de FranklinJorge ofertou-lhe a possibilidade de publicar "O Ouro de Goiás". Para nossa alegria, motivada pelo enriquecimento da historiografia cultural goiana, que a obra publicada proporcionará, Franklin aceitou a oferta editorial.
Alguns goianos, como Zecchi Abrahão, pai de Alcyone Abrahão, primeiro editor da Revista Oeste, concebida para as comemorações do Batismo Cultural de Goiânia, ocorrido em 1942, e José Décio Filho, Franklin só conheceu através das suas pegadas culturais.
Porém, outra plêiade de talentosas personalidades,do mundo artístico e intelectual, como José Godoy Garcia, Bariani Ortencio, Frei Confaloni, Maximiliano da Mata Teixeira, Cora Coralina, Brasigóis Felício,Antônio Poteiro, Carmo Bernardes, Amália Hermano Teixeira, Luís Estevam, Antônio José de Moura, Goiandira do Couto, Jandyra Hermano de Paula e ReginaLacerda, com estes, sim, Franklin teve a oportunidade pessoal de vivê-los habitados entre nós.
José Mendonça Teles, cumpridor emérito de promessas, preservacionista do patrimônio artístico e histórico de Goiás,agora, por meio do Instituto Cultural que leva seu nome, publica e faz o tombamento de "O Ouro de Goiás", lavras de um sensível talento. Méritos de Franklin Jorge, esse Anhanguera cultural.
.Ubirajara Galli é membro da Academia Goiana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás.
domingo, 5 de fevereiro de 2012
ENTENDA COMO ESTÁ A SEGURANÇA PÚBLICA DO RIO GRANDE DO NORTE
Juiz Henrique Baltazar
Entrevista Henrique Baltazar
Edição de domingo do Diário de Natal, 5 de fevereiro de 2012
Por Maiara Felipe
"É um sistema que não tem como funcionar"
Juiz é corregedor do presídio de Alcaçuz.
Em meio aos desdobramentos da maior fuga da história do presídio de Alcaçuz, o termo inimigo foi usado pela primeira vez pelo secretário estadual de Justiça e Cidadania, Fábio Holanda. "Inimigos foram vencidos", disse ele afirmando ter tomado as rédeas da penitenciária. A frase indireta parece ter causado um efeito direto. O ex-coordenador José Olímpio, exonerado após a fuga, tratou logo de declarar que não era inimigo do Governo. Os agentes penitenciários mostraram um vídeo à imprensa para provar que os presos poderiam fugir sem a ajuda deles. O único que não armou sua defesa foi o próprio Estado, ainda dono da razão. "O caos acabou. Nunca mais acontecerá algo assim no estado novamente", afirmou, mais uma vez, Fábio Holanda. Quinze dias depois mais seis presos fugiram e surgiu uma nova frase: "É o Estado que não está dando condições para o sistema funcionar". Dessa vez, quem fala é o juiz de Execuções Penais e corregedor de Alcaçuz, Henrique Baltazar dos Santos. Em entrevista a O Poti/Diário de Natal, ele deixou claro não só a falta de investimentos no sistema penitenciário, mas a corrupção latente por ausência de fiscalização. O juiz diz ainda que o Estado não tem o controle de quem está preso em Alcaçuz, e ainda levanta a possibilidade dos 41 presos não terem fugido no mesmo dia.
Como o senhor resumiria a situação de Alcaçuz hoje?
Um desastre. A penitenciária de Alcaçuz, além de velha e deteriorada, apresenta problemas novos. Você tem um presídio que quando foi construído já não estava correto, em cima de uma duna, onde há uma possibilidade enorme de cavar um túnel para fugir. Também ocupa uma área muito grande e não é bem separado.
A penitenciária foi mal projetada?
Eu não sei se ela é mal projeta ou o problema foi na construção. Aqueles pavilhões precisam de contenções ao redor. Uma cerca colocada ao redor e com penetração subterrânea. Não tem nada disso. Existem vários métodos de contenção de túneis. Além disso, o prédio, na parte da estrutura física, é todo velho e com problemas. Há guaritas que não são utilizadas. A principal, por exemplo, os policiais não podem subir porque levam choque. Ela fica em cima de uma caixa d'água. E o outro problema é que todos os pavilhões estão deteriorados. Hoje, os agentes não ficam nesses pavilhõessozinhos ou em grupos, com medo de serem atacados. Os presos podem sair tranquilamente de dentro das celas e percorrer os pavilhões, porque há buracos nas estruturas.
O senhor falou sobre a falta de infraestrutura de Alcaçuz. Mas nos últimos 15 dias, com essas duas fugas, o senhor acredita em problemas estruturais ou em algum tipo de sabotagem?
Não acredito, como quer crer o secretário de Justiça. Apesar de se saber que alguns servidores revoltados com alguma coisa podem estar fazendo corpo mole, e não observam certas coisas, eu não acho que tenha sido intencional. O que há realmente é um problema de gestão. A gestão anterior quis corrigir o problema da falta de agentes na estrutura de Alcaçuz, criando um outro maior: diminuindo a segurança interna do presídios. Como os agentes não se sentiam seguros dentro dos pavilhões, então tiraram todo mundo, inclusive, do Pavilhão 5. A informação que eu tenho é que a energia elétrica está com problemas e não há luminosidade no Pavilhão 5. Você tem cinco pavilhões dentro de um presídio, sem nenhum agente trabalhando durante a noite. Só durante o dia. Você tem uma falta absoluta de segurança. Essa falta de gente é que potencializa o problema estrutural. Nessa ultima fuga (fugiram seis presos na última quinta-feira), o guariteiro viu e disparou. Mas como os presos conseguiram acessar esse buraco?
Esse pavilhão não foi revistado há poucos dias?
Os pavilhões são revistados, mas isso não é feito corretamente. Foi exatamente o Pavilhão 1 que passou pela revista. Mas a revista que foi feita pela PM, que deve ter visto o túnel tapado. Só que estava tapada apenas a entrada dele.
Esse mesmo túnel foi utilizado na última fuga, antes da saída dos 41 presos?
É. O fechamento dos túneis lá é feito precariamente. Colocam alguns tijolos, que em uma noite de trabalho o preso desmancha o serviço. É necessário em Alcaçuz um serviço grande. Tem que ser desde máquinas que cavem um fosso ao redor do presídio, para poder os túneis serem descobertos e efetivamente tapados. Se isso não for feito, não via adiantar. Vai acontecer outra e outra fuga.
O senhor deve ter visto o vídeo apresentado pelos agentes que mostra como os presos teriam fugido. Como o senhor avaliou o vídeo juridicamente? Todas aquelas informações podem ser divulgadas?
O que se noticiou é que o sindicato quis mostrar que as acusações contra eles eram falsas. Isso é uma avaliação errada dos agentes penitenciários. Eles precisam pensar na segurança do sistema antes de fazer isso. Para mim, há possibilidade de ter sido praticada uma falta disciplinar, por mostrar, inclusive aos presos, como fugir. Eles podem ter quebrado uma regra de segurança. Eu não quero analisar do ponto de vista jurídico, porque eu posso julgar um processo que venha a ser aberto. Só posso analisar do ponto de vista da segurança, dizendo que isso pode ajudar em futuras fugas. Por outro lado, o vídeo mostra que houve no mínimo negligência ao se permitir um monte de pedaços de ferro dentro de uma cela. Não tem como guardar lá dentro, a construção não permite. Como esses ferros ficaram dentro da cela sem que ninguém da segurança tenha visto?
O que evoluiu nas conversas que o senhor teve ao longo desses 15 dias com o secretário de Justiça?
Falei duas vezes com Dr.Fábio (Hollanda). Ele primeiro precisa conhecer o sistema. A avaliação inicial de que existia um inimigo está incorreta. Eu não vejo nem Olímpio (ex-coordenador da Coordenadoria de Administração Penitenciária) e nem no Major Lisboa (ex-diretor de Alcaçuz) como inimigos. O que eu acompanhei durante muito anos, é uma luta intensa de quem está na Coap (Coordenadoria de Administração Penitenciária) junta a Sejuc para conseguir recursos que não vêm. Eu vi durante meses os diretores dos presídios tentando conseguir, por exemplo, cadeados. Isso é uma coisa que precisa se comprada em quantidades enormes. A Coap não tem verba, e buscava na Sejuc, mas nem sempre isso acontecia. Viaturas quebradas e não seconseguia dinheiro para consertar. Faço parte da comissão que controla o fundo penitenciário, e nós liberamos mais R$ 400 mil para o sistema adquirir armas. É uma coisa lenta. No final do ano foi feita essa liberação e até agora não foi adquirido esse material. Então, eu não via esses inimigos dentro do sistema, o que há é um sistema que não tem como funcionar.
Por que os materiais ainda não foram adquiridos?
Eu não sei. Eu comentei com Dr. Fábio que nós tínhamos aprovados a liberação do dinheiro. Ele nem sabia, disse que iria se informar. Na época da reunião foi dito que o Exército tinha autorizado comprar 100 espingardas calibre 12, 100 coletes, e uma quantidade razoável de munições. É uma coisa que ajudaria a resolver a deficiência da segurança. Os agentes reclamam que trabalham com armas próprias. O estado deveria tentar junto ao Exército e à Polícia Federal a liberação de armamentos apreendidos para usar no sistema penitenciário.
Ao que parece, o inimigo é o próprio estado?
É o que eu sinto mais. É o Estado que não está dando condições para o sistema funcionar. O secretário Thiago Cortez me reclamava sempre que dava determinações aos setores da Sejuc, como por exemplo, a engenharia, para fazer um projeto, e o sistema (servidores) não obedecia. É um problema de gestão. O Estado não consegue mandar nos seus funcionários. Alcaçuz é um exemplo. Para mim, tem um problema grave na região, alguma bactéria. Os policiais frequentemente faltam o trabalho porque estão de licença médica. Antes quando existia uma gratificação para os policiais que trabalhavam em Alcaçuz ninguém ficava doente, agora fica todo mundo. Parece que a falta desse pagamento está importando em uma bactéria qualquer que está atacando os policiais. O Estado não tem controle sobre a falta dos seus funcionários ao trabalho. Na própria Coap consta que tem agente tirando licença médica em cima de licença médica. O Estado não tem uma junta médica que avalie isso para saber se não está tendo uma fraude. A grande maioria dos agentes é bom e dedicado, mas existe uma pequena parte que não presta, que vai desde vagabundo que não quer trabalhar até corruptos que vendem fugas e possibilitam certas situações.
Independente de ser droga, celular, bebida alcóolica, o material só entra com ajuda de alguém. O problema de Alcaçuz só vai ser resolvido quando for combatida a corrupção?
Não só de Alcaçuz como de todo o sistema penitenciário. O PEP ( Presídio Estadual de Parnamirim) tem um índice enorme de drogas entrando lá. O sistema fazia uma revista aprendia e 15 dias depois tinha de novo. Como isso está entrando? Está nascendo lá dentro? Droga, arma e celulares entra direto. E porquê não é feito nada? Eu já ouvi de autoridades penitenciárias que elas, às vezes, deixam de investigar certas situações com mais cuidado porquese demitirem os agentes, não vai ter suficiente para colocar no lugar.
As autoridades deixam de investigar os servidores por não poder substituí-los?
Parece-me isso, pelas conversas que eu tenho escutado. Muitas vezes, não tira o agente que seja corrupto porque não tem quem colocar no lugar. O Estado não tem velocidade na reposição desses servidores. De toda forma, o Estado tem que trocar esses agentes. Um detalhe que eu escuto ser dito que está errado: o número de agentes foi mais do que duplicado nos últimos anos. O problema é que o número de presos, uma média de seis mil hoje, há dois anos eram 2.500, e não é porque prendeu muita gente, não. É que os presos que estavam nas delegacias foram assumidos pela Coap, que não se estruturou para isso.
O senhor acha que o principal problema do sistema penitenciário do Rio Grande do Norte hoje é a corrupção ou a falta de estrutura?
Fica difícil dizer qual o principal. Mas existem alguns grandes males que a gente poderia anotar. O primeiro é a estrutura física.Ruim e pequena. Presídios que, além de poucos, são mal localizados. Não tem dificultadores de fugas, que são frequentes. Não tem vigilância suficiente, não tem câmeras. O segundo problema é o de gestão. Alguns têm diretores muito bons. Agora está sendo testado o Coronel Mendonça, que sempre se destacou por ser um PM muito bom. Mas infelizmente alguns diretores são nomeados por indicação política. Outros estados exigem dos diretores pós-graduação em Gestão Prisional. No Rio Grande do Norte não se exige coisa nenhuma. Não temos diretores com essas formação. Há um amadorismo na administração penitenciária. O outro problema grave é o da corrupção. Existe sim, por mais que os agentes não gostem quando a gente diz isso. Nós temos maus juízes e bons juízes, temos bons PMs e outros que merecem estar na cadeia. A mesma coisa com os agentes. A Coap instalou uma espécie de corregedoria que vai começar a apurar essa situações. No governo anterior, o corregedor foi preso supostamente extorquindo os agentes. Essa nova estásendo dirigida por um tenente da PM que parece dedicado. Major Deques fez milagres na Coap, José Olímpio também e agora Coronel Reis vai ter que fazer um curso com um santo qualquer para aprender a fazer milagres. Eles ficam fazendo pequenas coisas com o pouco que eles tem. Vai chegar uma hora que não tem mais jeito.
Será que já não chegamos a essa hora?
Essa impressão eu já tenho faz tempo. Ou o Estado resolver dar ao sistema penitenciário a atenção que ele merece, ou não tem mais o que fazer.
Alcaçuz chegou a ser considerado um presídio de segurança máxima. Ainda é esse o caminho que a Justiça tem para enviar um criminoso de alta periculosidade ?
As penas são aplicadas pelos juízes e o juiz da Execução Penal tem que fazer com que essa pena seja cumprida. Ele precisa fazer cumprir essa pena dentro do estabelecimento do estado. O juiz de Execução não tem outra coisa a ser feita. A lei prevê que eu posso fechar o estabelecimento prisional que for ruim. Eu vou lá, fecho Alcaçuz. O que eu vou fazer com osquase mil presos que tem lá? Vou deixá-los aonde? Não tem onde colocar. A gente acaba aceitando a situação que existe e tentando melhorar. Você vai causar um perigo maior para sociedade deixando eles soltos. Fogem alguns, mas a maioria continua lá dentro.
Até que ponto a desorganização do sistema penitenciário interfere no trabalho executado pelo senhor?
A maior interferência é o sistema não funcionar. E o que você vai fazer com os presos? Em Natal não tem regime fechado. Você tem os presos provisórios, que ao serem condenados devem ser transferidos para uma penitenciária. Nós temos a PEP e Alcaçuz. A PEP está lotada. As outras transferências são feitas para Alcaçuz. Infelizmente muitos fogem. Alguns desses que fugiram recentemente, foram apenados que a gente transferiu de Natal. Eram os presos da delegacias dos CDPs (Centros de Detenção Provisória). Então você fica na situação: os presos piores que tem penas maiores são retirados dos CDPs, que são frágeis, mas têm menos fugas, e são levados para um presídio de segurança. Lá eles fogem com mais facilidade. O outro problema muito mais grave está relacionado aos direitos dos presos. Alguém que é levado para Alcaçuz, o Estado é responsável pela segurança dele. Pavilhões velhos, presos armados, o preso novo termina sendo extorquido pelo preso que controla o pavilhão. O estado não manda dentro de presídio.
Em relação à fuga dos 41 presos. O senhor já recebeu a relação dos fugitivos ?
A gente fica sabendo das coisas pela imprensa. Infelizmente, há em Alcaçuz uma situação que a direção nem sabe efetivamente quem está preso lá. Algumas coisas estranhas ocorreram. Existe a possibilidade de que algumas fugas não tenham acontecido naquele dia. Simplesmente, naquele dia é que foram fazer a contagem e aqueles presos não estavam. Mas pode ser que que a fuga tenha sido antes, simplesmente porque o Estado não sabe quem está preso lá.
Precisa de novos mandados de prisão para esse fugitivos?
Isso.
Enquanto não tiver esses mandados, o que ocorre?
Infere-se que a polícia não está procurando. Um policial do interior ou de outro estado para um sujeito desse e não tem como saber que tem um mandado de prisão expedido contra ele.
Em uma verificação de documentos não tem como se prender essa pessoa?
Não. Você não tem como saber que ela é foragida. E aliás é uma fantasia você dizer que a polícia está procurando os fugitivos. Onde? O policial que assumiu o serviço hoje vai procurar alguém que fugiu na semana passada de Alcaçuz? Não existe uma estrutura no sistema penitenciário ou na polícia para sair procurando. A Decap (Delegacia de Capturas) não tem nem essa estrutura. Lá tem milhares de mandados de prisão para serem cumpridos. É preciso ter um grupo de recaptura.
O cidadão pode acreditar que a polícia estaria verificando possíveis locais onde os fugitivos estão?
Eu duvido. Pode ser que um o outro mais famoso. Alguém que a polícia resolve procurar, um o outro policial, por conta própria. Nos primeiros dias a polícia se mobiliza, mas depois de alguns dias, ele ( preso) é pego quando está cometendo algum crime.
O senhor acredita que precisa ser criada uma estrutura dentro do sistema penitenciário para fazer essas recapturas ou isso deveria ser feito pela Polícia Civil?
Era da Polícia Civil, mas como ela não faz mesmo, o próprio sistema deveria ter. O sistema tem uma espécie de dossiê de cada preso. Examinando esse documento tem condições de saber detalhes daquele preso. Essa era uma reclamação de José Olimpio, que não tinha essa facilidade de contato com a Polícia Civil de forma que houvesse uma troca contínua de informações.
O senhor acha que a administração anterior de Alcaçuz era impotente ou conivente com as muitas situações do presídio?
Impotente. Eu digo porque vi várias vezes. Não quanto as notícias que foram divulgadas, que depois José Olímpio disse que não teria dito aquilo, sobre vídeos, etc. Mas informações que poderiam ter levado a prisão de mais gente, descoberto quadrilhas de tráfico e outras coisas desse tipo. Informações que existem dentro do sistema penitenciário, e que a Civil poderia ter apurado. Isso não acontece porque eles (coordenação do Coap) não sabem nem a quem levar. Se usa só a base da amizade. Eu conheço um delegado, você conhece alguém... As informações dentro do sistema penitenciário correm com muita facilidade. Os presos conversam com os agentes as coisas que sabem. E o agente recebe a informação e não sabe o que fazer com ela.
Tem alguma coisa que o senhor como cidadão pense do sistema penitenciário, que como juiz ainda não tenha falado?
Eu sou juiz de Execução Penal desde 1990, eu acompanho desde o começo o sistema, desde os governos anteriores. Acompanho esse trabalho de muito tempo. Minha esposa é agente penitenciária, eu tenho acompanhado sempre e tenho visto a vontade dos servidores do sistema de fazer funcionar. O Estado não tem interesse. Na cabeça de muitas pessoas, o preso deve ser colocar em uma ilha cercada de tubarões e ser esquecido para sempre. Na verdade, o sistema penitenciário deve mantê-los recolhidos pelo tempo que for necessário para que voltem para o seio da sociedade. A pena tem que ter a função pedagógica. O problema é que quanto o sistema não funciona, quando preso é solto antes da hora, quando ele foge, quando ele tem essa facilidade, esse efeito pedagógico desaparece. Para o resto da população é pior. A sensação que eu tenho como cidadão, que também sofro com crimes - tive um filho com revólver na cabeça durante um assalto - é de impotência. E pior, eu, como juiz de Execução, tenho feito reclamações. Há anos eu venho lutando, pedindo, brigando, falando com os secretários. Eu conheço todos eles. Conversei várias vezes com Leonardo Arruda, Dr. Thiago, e já tive alguns contatos com Fábio. Simplesmente eu não consigo fazer com que a cosia funcione. Mas a esperança a gente sempre tem.
O RETRATO DO CORONELISMO NO JUDICIÁRIO
Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal deve decidir uma ação que tem como intuito bloquear a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, no que diz respeito à iniciativa dos procedimentos disciplinares contra juízes e desembargadores.
O que esta por trás deste processo e de outros que visam coibir as atribuições fixadas na Constituição Federal ao CNJ, órgão criado com a reforma do Judiciário?
Resposta: o coronelismo, que no Judiciário é forte o bastante para que com unhas e dentes segure os anéis. Está arraigado em sua estrutura de poder, em suas entranhas, aculturou-se de tal modo que é blindada às mudanças estabelecidas pelos legisladores.
O retrato do coronelismo no Judiciário, especialmente perceptível face à atuação do CNJ nestes seus primeiros anos de existência, pode ser apontada particularmente no que representa a terrível “confusão” entre a coisa pública e a privada; nos favorecimentos pessoais de toda ordem, como o pagamento de valores de forma privilegiada, em total desrespeito aos princípios constitucionais da moralidade e transparência; a designação de mais ou menos funcionários nos cartórios pelas relações de amizade, sem critérios objetivos e transparentes; o favorecimento de designação de funcionários para a segunda instância, como demonstrou pesquisa realizada em Pernambuco; o desvio de verbas; os gastos descontrolados, perseguição de juízes por manifestação de opinião; o corporativismo; distribuição de processos muito aquém para desembargadores do órgão especial; impunidade que beneficia as cúpulas e membros dos Tribunais, etc...etc...
Mais grave é o descaso do coronelismo judiciário com os que estão no andar de baixo, que não são pessoas dotadas de dignidade, pois para o coronelismo a existência de andares e castas é uma premissa. Tal foi demonstrado com a realização dos mutirões carcerários. Presos e presas não recebem o tratamento respeitoso de jurisdicionados, como se não tivessem direito de acesso à justiça. Em relação a São Paulo, estranhamente, o CNJ não inseriu o relatório do mutirão, conforme consulta realizada no site.
Registro que o CNJ não pode se imiscuir na questão jurisdicional, sob pena de ferir o princípio consagrado na Constituição Federal e em documentos internacionais, da independência judicial, que não existe em benefício do magistrado, mas do povo, para que o juiz possa decidir, sem que os coronéis do judiciário possam interferir em suas decisões, sem pressioná-los, como a dar telefonemas para que decidam assim ou assado. Isto é fato. Acontece. Recentemente, magistrado do Rio de Janeiro recebeu um telefonema destes e pediu que o presidente apresentasse o pedido por escrito. Acreditem: o presidente do TJ-RJ assim o fez e conseguiu-se documentar esta conduta.
E mais recentemente, aqui em São Paulo, o próprio presidente declarou em nota pública que comandou a operação militar de desocupação do “Pinheirinho”. Qual o fundamento para que um presidente de tribunal atue em um processo, senão nos casos previstos em lei? Não há previsão legal de poder de avocação de processo e de seus atos por qualquer desembargador.
Há que se reconhecer que o CNJ abriu um pouco da caixa preta deste Poder, por vezes de forma excessivamente midiática e muitas como também fosse um coronel, querendo controlar a conduta pessoal do magistrado, usando da fúria normativa, inclusive querendo que o juiz se submeta às decisões jurisprudenciais, sob pena de sanção para o momento de promoção (apenas alguns exemplos).
O foco do CNJ muitas vezes é equivocado, a gestão administrativa do Judiciário como se fosse uma empresa privada é fruto de uma visão mercadológica do Poder. O que o Judiciário necessita é de práticas democráticas. O CNJ deve ser o guardião da independência judicial, do princípio do juiz natural, deve ser o órgão a pensar e idealizar novas formas de realização de justiça e não apenas ser um cobrador de números.
É necessário também rever a própria estrutura do CNJ, pois o controle social do Judiciário, ninguém pode mais ter dúvida, é imprescindível. Entretanto, é fatal pensar que é basicamente um órgão de cúpula, dirigido pelo próprio presidente do STF, composto majoritariamente por magistrados indicados pelas cúpulas do Judiciário. Onde estão a Universidade, as pessoas de outras áreas, porque só temos pessoas do direito a compor o CNJ, onde estão os sociólogos, os economistas, administradores, filósofos, etc...?
A cidadania tem direito de controlar todos os seus poderes de Estado, pois são seus. O Judiciário deve se subordinar ao povo soberano, os juízes têm que se subordinar ao povo e somente o farão se cumprirem o seu papel de garantidor de direitos.
Como afirmado pela Associação Juízes para a Democracia, em nota pública, a competência disciplinar do CNJ, encontra apoio no art. 103-B, § 4.º, incisos III e V da Constituição Federal, é salutar conquista da sociedade civil. Os mecanismos de controle da moralidade administrativa e da exação funcional dos magistrados garantem legitimidade ao poder.
Nem todos os juízes compactuam com a nefasta tradição de impunidade dos agentes políticos do estado, mas todos os juízes sabem que até hoje nada é feito em relação à conduta dos desembargadores, e o caso de São Paulo, estopim das ações propostas no STF, é exemplar. Muitos ouviram que foi realizado pagamento de forma irregular, mas tudo ficou no âmbito da fofoca, do mal dizer. Mas o que foi feito até que tudo viesse publicamente à tona? Absolutamente nada, pois a postura preferencial é jogar para debaixo do tapete, como se isto fosse melhor para a imagem do Poder Judiciário.
Não é justo que todos os juízes sejam confundidos com o que existe de mais nefasto no Poder e os relatos e exemplos acima não podem ser generalizados e isto o CNJ pode e deve fazer.
A necessidade de democratização do Judiciário é premente e um bom começo seria o Supremo Tribunal Federal, enviar ao Congresso sua proposta de nova lei de regência, pois passados 23 anos da Constituição Federal, ainda somos obrigados a viver sob uma lei promulgada pela ditadura militar. A colocação do projeto de lei no ambiente próprio, no Congresso Nacional, permitiria que a sociedade discutisse os marcos desejáveis para uma justiça democrática.
Espera-se que o Supremo Tribunal Federal tenha coragem para romper com o conservadorismo que ainda impera no Judiciário e atenda a expectativa social, que foi apresentada pela carta “Pela Transparência e Democratização do Poder Judiciário”, lançada por diversas organizações sociais, que clamam que os órgãos e os agentes do Poder Judiciário brasileiro respeitem os marcos republicanos instituídos com o advento da Constituição de 1988 e com a Reforma do Poder Judiciário.
Kenarik Boujikian Felippe é juíza em São Paulo e co-fundadora do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia.
sábado, 4 de fevereiro de 2012
A ÉTICA DO CORONELISMO
Em revistaepoca.globo.com
Por Roberto Damatta
Nos idos de 1960, um humilde sertanejo do antigo Estado de Goiás me disse o seguinte sobre o sistema político brasileiro: “Todo mundo tem patrão e empregado. Só Deus não tem patrão e não deve favor a ninguém! O resto tudinho tem um lado forte e um lado fraco! É patrão e doador (seu lado forte) e cliente e recebedor (seu lado fraco). Por isso, todo mundo tem o rabo preso!”. Confesso que fiquei sobressaltado com essa moralidade que punha todos os relacionamentos em uma escala que ligava os patrões – os mandões e os coronéis – a seus empregados, capangas e partidários; e, mais ainda, pelo fato de que a fórmula mostrava como todos estavam divididos entre credor e devedor. Sendo o Brasil assim, a descoberta de que Fernando Bezerra Coelho – descendente de uma ilustre e eficiente estirpe coronelista do Nordeste e atual ministro da Integração Nacional – nomeava parentes e, paralelamente, desintegrava suas verbas, favorecendo seu Estado, Pernambuco, não deveria causar assombro.
Esquecer que cuidamos primeiro dos nossos é algo semelhante a não recordar que todos queremos um jeitinho, que somos nazistas no volante, que achamos normal o roubo da coisa pública, predestinada para o furto; que temos gosto em fumar em local proibido e, por fim mas não por último, que temos o dever de perguntar ao amigo do peito o que ele quer quando entramos no governo. Ou seja, quando temos emprego para “dar” sem nenhum prejuízo para a empresa que é o Estado – essa Viúva ou a Grande Prostituta (como dizem nossos irmãozinhos latino-americanos com senso de realidade) – cuja riqueza até ontem era tida como infindável e que, pertencendo a todos, pertenceria aos governantes do momento. Daí chegamos ao caudilhismo – a politicagem e o personalismo que excluem as pessoas, pois nos autoritarismos o poder não está a serviço da sociedade, mas dos donos da máquina pública. Recolher impostos de todos para gastar com os nossos (porque são nossos) é o ponto central da ética do coronelismo.
Recolher impostos de todos para gastar com os nossos é o ponto central da ética do coronelismo
Diante disso, pergunta-se: como gastar dinheiros públicos sem isenção, quando somos incessantemente motivados por nossas famílias, compadres e amigos? Quando somos todos patrões de um lado e clientes de outro – e como patrões usamos a lei contra o cliente, mas, como clientes, queremos tê-la a nosso favor? Afinal, os governos passam, mas os irmãos, os tios, os primos, os amigos e os cunhados ficam. E nossa vida sexual, bem como nossa paz de espírito e senso de integridade, depende muito mais deles do que – e aí está o problema! – da polícia, do Ministério da Fazenda, da escola pública e do posto de saúde que nos faz esperar 12 horas numa sala imunda. Dane-se o Estado, viva a família. Por tudo isso, e por jamais ter sido devidamente politizado, o que é público é, no Brasil, sinal de pornografia e de prostituição.
Como, então, seguir o sábio conselho do historiador romano Cornélio Tácito – o famoso sine ira et studio (sem cólera ou parcialidade)? Esse princípio que inspirou Max Weber como a atitude mais adequada? Que serviu de base para a impessoalidade igualitária – base das democracias modernas? Como, com base nesses princípios, contrastar com os modos de governo tradicionais no país, fundados justamente no poder da família, do carisma e dos elos pessoais? Num universo social como o brasileiro, fundado numa economia e num sistema legal escravista, centrado na desigualdade e nas relações pessoais (os escravos precisavam ser mantidos na ignorância), como bloquear o oceano de práticas culturais baseadas nas hierarquias do dar para receber? Como operar sem o viés dos elos pessoais e familísticos que ordenam todas as esferas da vida? Como esquecer a importância capital da “casa” (que congregava, como faz até hoje, patrões e empregados harmonizando as mais brutais desigualdades) se era precisamente na família onde se centrava a operação do sistema?
Amigo dos amigos
O caso Bezerra desnuda um lado de nossa vida política que os partidos políticos, a divisão de poderes no melhor estilo do Barão de Montesquieu, os diários oficiais e os códigos legais escondem. Pois se neles a lei é feita para indivíduos enquanto cidadãos, o clientelismo nepotista do ministro pernambucano – que pertence, pasmem, aos quadros do Partido Socialista Brasileiro – mostra que ao lado do cidadão coexistem, mais ou menos escondidos, o tio, o primo, o irmão e o pai. Ou seja: antes de saber das competências e das necessidades para um cargo público, temos os parentes, os compadres, os amigos e, no lulo-petismo de hoje em dia, os partidários. O Brasil moderno, não cabe dúvida discutir, é um país feito de cidadãos sujeitos absolutos da lei e sobretudo do mercado que vale para todos; mas – eis o problema que hoje fere mais do que ontem – há também uma teia de relações cujo dado crítico continua sendo o velho parentesco, pai do clientelismo.
Afinal de contas, somos republicanos ou monárquicos? Nascemos no Novo Mundo ou em Roma? Quem deve ser nomeado? O mais competente, como ocorre no futebol? Ou o parente feito do mesmo sangue a quem devemos favores desde o nascimento? Quem deve receber a verba? A região mais atingida pelas enchentes ou nosso torrão natal, o lugar dos nossos conterrâneos, governado por nossa família? Se na era Vargas e na ditadura militar o Brasil tinha um patrão que despoticamente dava ou tirava direitos, será que hoje – com mercado, competição, internet, Banco Central, moeda estável, telefonia sem fio, globalização e uma imprensa não só livre, mas profissional e eficiente, que divulga e (muito mais que isso) faz pensar – continuamos na mesma? Paramos ou não no tempo em termos de política, de justiça e de administração pública igualitária e democrática?
Essas são as questões que o caso do ministro da Integração Nacional levanta com sua conduta clientelística. Se fomos marcados desde o início por um documento que terminava com Pero Vaz de Caminha pedindo um favor ao rei Dom Manuel, pois boas notícias se pagam com bons presentes, cabe perguntar até quando iremos continuar a viver num mundo onde a igualdade é sempre preterida – e, em seu lugar, valem os laços de família.
A questão é saber até onde quem tem o controle do Estado, e pode mudar as regras do jogo, vai continuar a – em nome do povo e dos pobres – usar a máquina pública em favor da família, dos amigos e do partido. A privatização passa, no Brasil, pelo elo pessoal, não exclusivamente pela dimensão empresarial. Falamos em igualdade, mas continuamos a ter pessoas que são maiores do que os cargos que ocupam. E, o que é pior, jamais discutimos a ética desses cargos. Que não podem pertencer a partidos ou indivíduos porque são do Brasil. Mesmo tendo partidos, a lógica do poder à brasileira contempla mais as pessoas – com suas manias e fobias – que as ideologias que, por isso mesmo, desmoronam do mesmo modo que nossas estradas e pontes debaixo das tempestades. As chuvas começam na natureza, mas acabam no velho nepotismo que jamais foi erradicado entre nós. Temos leis universais que valem para todos, mas o sistema insiste em funcionar como um coronel, como uma ação entre amigos.
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