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sábado, 28 de maio de 2011

FRANKLIN JORGE, O INCONFORMISTA UTÓPICO

Franklin Jorge

 “Atingi uma idade na qual que posso mensurar a extensão do meu fracasso. Em nenhum momento da minha vida, antes de me tornar o que sou, conjecturei de abdicar do meu projeto – ou utopia, caso queira – de, através da elaboração de uma obra que me justificasse no futuro, dar o testemunho de minha existência: o breviário de uma existência dominada pelo ato de escrever. Sempre estive convicto de que nascemos para a realização de uma obra capaz de persuadir o mérito”. – Assim o escritor e jornalista Franklin Jorge se apresenta em conversa com este entrevistador, Honório de Medeiros.

[...]

Nascido no Ceará - Mirim e criado no Assu, em uma propriedade rural que explorava, quando nasceu, a cultura do algodão, a que chamavam de “ouro branco”, e foi pioneira na exploração da agricultura irrigada naquela rica e peculiar região do estado, Franklin Jorge pertence – ao seu Ceará - Mirim natal e ao Assu telúrico e primordial em sua sensibilidade; pertence, também, ao humanismo com que se nutriu o seu precoce talento.

Eis, na íntegra, a entrevista:

Honório de Medeiros: Vc saiu do NJ por quê?

Franklin Jorge: O jornal viu-se constrangido a fazer cortes, como outras empresas que estão sofrendo com os prejuízos causados à economia e aos demais setores pelo governo do ex-presidente Lula. Alguns acumularam editorias e funções. Eu continuo escrevendo meu jornal aos domingos.

Se assumisse a Fundação José Augusto [FJA] quais seriam suas primeiras medidas?

Franklin Jorge: Devolveria a instituição à Cultura, contrariando uma prática banal e corriqueira – “serviço”, como queiram - que tem prestado em quatro décadas a gestores inescrupulosos, arrogantes, cheios de si, auto-suficientes e inócuos em suas eventuais ou pontuais realizações que atendem tão somente e sempre à satisfação de uma fome indormida e contrariada de “poder” e notoriedade de egos doentes e sem pensamento; uma gente que tem mamado nas tetas da quê, aqui no Rio Grande do Norte, é velha e flácida – a cultura “pensada” pelo “oficialismo”.

Reuniria os reais talentos da nossa terra, independentemente de suas possíveis idiossincrasias e credos (estéticos, ideológicos, políticos, etc.), e transformaria suas idéias e utopias em ações plurais, concretas e interativas.

Tornaria a Fundação José Augusto instrumento da Cultura e extinguiria qualquer ranço de personalismo vigente, de homenagens auto-impostas, de cabotinismo consagrado por todas as gestões que deram o ar de sua graça e enfeitaram por um momento a comédia da cultura potiguar; masturbações, enfim, que só satisfazem o ego dos gestores nomeados por interesses partidários – ou como ocorre vulgarmente em todos os governos, por “afilhadismo”, como vimos com o chefe da Casa Civil de Micarla de Souza, empregando de uma só tacada dois filhos seus em sinecuras na Câmara Municipal de Natal.

 Escusado dizer que nunca deram expediente... Enfim, velhas práticas que meramente extorquem ou exaurem os recursos públicos sem reverter em proveito efetivo para a Cultura e os potenciais consumidores de Cultura.

Efetivaria mudanças estruturais e avançaria com uma política de cultura debatida e bem pensada por setores que produzem ou consomem cultura na brava terra de Poti, índio velho que vinha a ser um comedor de cabeças de camarão.

Programaria uma política de cultura pluralista, absolutamente não impositiva, democrática – como deve ser a cultura antenada com os cidadãos. Enfim, valorizaria o uso dos nossos impostos extorsivos e malcuidados.

Decretaria obrigatório o dinamismo, a insatisfação, o exercício experimental da liberdade, a qualidade em tudo que diz respeito à cultura sem demagogia e populismo encruados e, antes de qualquer outra deliberação, aboliria o comodismo e o não ter o que fazer na Fundação José Augusto.  Creio que todos nós já sonhamos alguma vez com o dia em que a FJA deixaria de ser o túmulo da cultura norte-rio-grandense.

Quem, no RN, escreve bem hoje?

Franklin Jorge: Em prosa, Marcelo Alves Dias que acaba de lançar em Natal com grande sucesso seus “Ensaios Ingleses” para o qual que tive o prazer de escrever as orelhas; Rodrigo Levino, o que há de novo e instigante em nossas letras; Adriano de Souza; Woden Madruga, que jamais publicou um livro na vida e tem recheio para vários; Jarbas Martins e Márcio de Lima Dantas, meus críticos prediletos; Sheyla Azevedo; Nivaldete Ferreira; Bartolomeu Correia etc. Em poesia, hoje, no Rio Grande do Norte, qualquer calhorda escreve em versos e arrota em sonetos.

 A Sociedade dos Poetas Vivos e Afins, por exemplo, tem mais de 500 associados, ou tinha, pois li isso faz alguns anos, quando ainda não se difundira os blogues. Agora talvez tenha 15 mil! Poetas, aqui, nascem e morrem como moscas.

Quando vc vai voltar a publicar? Há algum livro para sair?

Franklin Jorge: Só Deus sabe... Não faço parte de panelinhas e cheiro mau para o “oficialismo”... Tenho, a despeito dessa contingência, 44 títulos inéditos, além dos dois últimos volumes do “Spleen de Natal”. Tenho, programado pela Editora Flor de Sal, “O escrivão de Chatam”, uma seleção do que escrevi sobre livros e autores estrangeiros (Proust, Shakespeare, Balzac, Osamu Dazai, Mishima, Marguerite Yourcenar, Wilde, George Orwell, Thomas Mann, Luisa Mercedes Levinson, Borges, Elias Canetti, Ernesto Sábato, Montaigne, Maquiavel, José Saramago, Eça de Queiroz, Baudelaire, etc.). Porém não tenho mais ânimo para rever textos, cortar, emendar, e, assim, vou sempre protelando a publicação...

 Ah, o livro tem um prefacio magnífico de Anderson Braga Horta, da Academia Brasiliense de Letras. É meu livro preferido, ao lado de “Fantasmas Cotidianos”, que espero reeditar; já está revisto e aumentado e continua sendo, em minha opinião, o melhor de meus livros.

 O jornal impresso e o livro tradicional estão condenados?

Franklin Jorge: O jornalismo está sendo reinventado na blogosfera e é muito mais dinâmico e pode ser, ainda, mais profundo, abrangente, interativo, pois é a comunicabilidade mais completa e capaz de se irradiar instantaneamente numa mídia planetária livre, que acolhe a participação universal. A edição impressa ainda não avançou nesse processo e corre sério risco, mas creio que, afinal, se casando com as novas mídias e tecnologias da comunicação, há de sobreviver para um público que cada vez mais se faz critico da informação. Quanto ao livro – como o conhecemos -, creio que caminha para ser um objeto de culto ou de fetichismo para alguns grupos de intelectuais e fetichistas que se deliciam com um belo artefato gráfico ou com o que transmite e contém o livro cultuado por uma confraria de leitores obsessivos. Nós leitores seremos perseguidos e caçados pela policia de governos totalitários que se foram gestando por socialistas e comunistas de plantão, ou seja, de partidários e adeptos dos regimes de mão única, totalitários e tirânicos, como vemos pipocar em toda a parte graças ao silêncio dos bons. Eu, pessoalmente, sempre pensei que chegaremos a viver nesse tempo de exclusões e tortura. E, como os antigos cristãos que se reuniam nas catacumbas de Roma para ouvirem a Palavra, também seremos perseguidos e nos esconderemos para discutir e desfrutar da suprema criação da inteligência humana – o Livro. A obra-prima do homem.

De todas as polêmicas nas quais se envolveu, qual a que vc considera mais interessante?

Franklin Jorge: Sem dúvida a que surgiu em Mossoró, há uns vinte anos, quando fui perseguido pelo filho de Dix-huit Rosado, prefeito já muito velho e sem o tino certo que se deixou tiranizar por um filho pobre de espírito e descompensado.

Creio que fui a primeira pessoa, nessa época, a enfrentar de fato a oligarquia que sustenta os interesses da família Rosado, em mais de sessenta anos de exploração de uma indústria florescente – a política, patrimônio e usufruto de algumas famílias que se especializaram na exploração do Rio Grande do Norte. Ele moveu mais de vinte processos contra mim e foi perdedor em todos. Antes, quis me calar usando a força bruta.

sábado, 21 de maio de 2011

MARCOS PINTO: JERÔNIMO ROSADO E FELIPE GUERRA PARTICIPARAM DO COMPLÔ PARA O ATAQUE DE LAMPIÃO A MOSSORÓ!

Historiador Marcos Pinto

O historiador Marcos Pinto, autor do respeitado "Datas e Notas para a Historia de Apody", concedeu esta entrevista ao www.honoriodemedeiros.blogspot.com Confiram abaixo:

Honório: vc é defensor da teoria da participação direta, embora oculta, de Jerônimo Rosado nas articulações para o ataque de Lampião à Mossoró. Como isso aconteceu?

Marcos: Cresci ouvindo  meu  avô  paterno  ARISTIDES  FERREIRA  PINTO (18.04.1907 / 19.09.1975)  narrar, de forma  minuciosa, no  alpendre  de  sua  fazenda, a  saga do seu  irmão  Cel. FRANCISCO  FERREIRA  PINTO (17.04.1895 / 02.05.1934), sempre  relatando  trechos da  carta  escrita  pelo  mesmo, e  enviada  para o  seu  parente  RODOLFO  FERNANDES, por  emissário  especial, após o  célebre  ataque à  Apodi por  uma  parte  do bando  do  famigerado  Lampião, comandados  pelo  célebre  cangaceiro  Massilon  Benevides, fato ocorrido  à  10 de Maio  de  1927.

Honório: em que vc se fundamenta para defender essa teoria? 

Marcos: Lembro-me que o meu  avô  fez  o  relato sempre  observando    ter  ouvido  inúmeras  vezes  do seu  perseguido  irmão, que  dentre  o intrincado  de  particularidades  da  missiva  informando  o  Rodolfo, destacava:

            -    Que fora informado por pessoa  de  acentuada  estima  e  confiança, de que fora  armado  um  complô  com fito  único  de  exterminá-los  fisicamente, engendrado  pelo  quarteto   sinistro  composta  por  Jerônimo  Rosado, Felipe  Guerra,  seu  cunhado Tilon Gurgel, que   por sua  vez  arregimentou  a  participação  do  seu genro  Décio  Holanda; 

            -     O alerta a    Rodolfo  para  a  necessidade  e    cuidados  de  chefe  de  estado em    arregimentar  pessoas de  sua mais  íntima  amizade  e  confiança, de  preferência  parentes;

            -     Que o complô  tinha  como  objetivo  abrir  lacunas  nos  executivos de  Apodi  e  Mossoró, proporcionando  a  assunção de Tilon  Gurgel  em  Apodi, e  o  retorno  de  Jerônimo  Rosado ao  comando  do  executivo  mossoroense, na  Presidência da Intendência  municipal (Equivalente ao de Prefeito) que    ocupara  no  período  1917-1919, tendo  como  Vice-Presidente da  Intendência (equivalente ao cargo de Vice-Prefeito) o  Dr. Antonio  Soares  Júnior, genro  de  Felipe  Guerra;


Honório: é sabido de sua anterior e forte ligação com Vingt-Un Rosado. Seu afastamento dele se deveu à sua teoria acerca da participação de Jerônimo Rosado no ataque de Lampião a Mossoró?

Marcos: Antes de adentrar na resposta, faço a  observação  de  que  o  grande  e  profícuo  historiador VINGT-UN  ROSADO  enfatizou, em um dos  seus  livros  em  que  aborda  a  atuação  de  seu  irmão  Dix-Sept  como  governador  do  RN, a  importância  do mesmo ter  ratificado  o  intrínseco  vínculo  de  amizade  existente  entre  seu  pai (Jerônimo  Rosado) e  o  Dr. Felipe  Guerra,com a  nomeação  do  Dr.  OTO  GUERRA  para  o  pomposo  cargo  de  Procurador  Geral  do  Estado.

                Acredito que o  sutil  afastamento  do  VINGT-UN  em  relação  a  minha  pessoa  dera-se  em  decorrência  de um  artigo que escrevi  em  um  jornal  de  Mossoró, com  o  sugestivo  título  "FORJARAM  FATOS  NA  HISTÓRIA DE  MOSSORÓ"  em que  desmitifiquei   fatos  supostamente históricos  elencados  por  VINGT-UN  sobre  o  "MOTIM  DAS  MULHERES"  e  sob  o  verdadeiro  motivo  que fez  com  que  o  então  governador  DIX-SEPT  ROSADO  encetasse  a  viagem  ao  Rio de Janeiro, então Capital  da  República, ou seja, que a  viagem  dera-se  em atendimento  a  um telegrama  enviado  pelo  Presidente  Getúlio  Vargas, que  pretendia  aparar  arestas existentes entre  DIX-SEPT  e  o  CAFÉ  FILHO, então  Vice-Presidente  da  república.  Ressalte-se que o Dr. VINGT-UN nunca deixou de  saudar-me  quando  nos  encontrávamos.  Em que cofre estará escondida a carta do Cel. Francisco Pinto? Terá sido incinerada pelo Dr. Aldo  Fernandes, genro  de  Jerônimo  Rosado ?  Por que deram  sumiço  a  essa  prova, que  paira  apenas como uma  referência  metafórica  a  um segredo ?

Honório: há, em sua opinião, alguma relação entre o ataque a Apodi, feito por Massilon, e o ataque a Mossoró, no qual esse cangaceiro chefiava um dos subgrupos de Lampião?

Os interesses políticos e  pessoais  que  uniam  JERÔNIMO  ROSADO, FELIPE GUERRA  e  seu  cunhado  TILON GURGEL, somado  à  intrínseca  participação  do seu genro Décio  Holanda, conduz  à  certeza  de  que havia  um  consórcio em confidências  íntimas  e  profundas. Delas se poderá até deduzir  que, nos  episódios  do  10 de Maio  de  1927  e  de  13 de Junho  do mesmo  ano, Jerônimo  e  Felipe  Guerra  atuaram  como  espécies  de   mentores  com  acentuadas  ascendências. As perspectivas de sucesso das nefastas empreitadas alegravam perversamente os seus espíritos.  Em sentido adverso a eles, os desígnios divinos anularam tamanha virulência em matéria de inveja  e  cobiça. Nuances que anularam seus princípios de homens públicos e anulam suas individualidades.  Foram pródigos em protagonizarem distorções de caráter. A ânsia pelo poder fez com que perdessem inteiramente o contato  com  a  realidade.

Honório vc está escrevendo algum livro, atualmente? 

Marcos:      Sim, estou em fase de conclusão  trabalho  de  cunho  histórico/genealógico  com  o  título  "SUBSÍDIOS  PARA  A  HISTÓRIA           FAMÍLIAS  APODIENSES".

domingo, 20 de dezembro de 2009

ENTREVISTA COM O MAIS JOVEM NÚMERO UM DO XADREZ EM TODOS OS TEMPOS



Magnus Carlsen

Entrevista concedida à Revista Época.

"Ainda podemos derrotar as máquinas"


Na semana passada (final de novembro), ao derrotar o húngaro Peter Leko em um torneio em Moscou, o norueguês Magnus Carlsen se tornou o mais jovem número 1 do xadrez desde a criação do ranking mundial, em 1970. Ele atingiu 2.806 pontos, um a mais que o búlgaro Veselin Topalov. Ironicamente, ele superou o recorde de seu atual mentor – o ex-campeão mundial (1985-2000) Garry Kasparov, que chegou ao topo aos 20 anos, em 1984. O bizantino sistema do xadrez faz com que Carlsen não seja o campeão mundial – o título pertence ao atual número 3, o indiano Viswanathan Anand. A julgar pela evolução de Carlsen, essa distorção é uma questão de tempo.

ÉPOCA – Você esperava ser o mais jovem número um da história?

Magnus Carlsen - Honestamente não. E é por isso que tem sido tão divertido. Sei que há muitas outras metas a cumprir. A mais imediata é conservar ao máximo este ranking.

ÉPOCA – Sua próxima ambição é ser o mais jovem campeão mundial?

Carlsen - Meu objetivo é ser campeão, não importa quando. Não tenho pensado muito no Mundial ou no ciclo para chegar até lá. Uma coisa é ser um simples candidato ao título, outra bem diferente é estar preparado para a disputa. Minha meta é melhorar meu jogo. O título mundial será uma extensão.

ÉPOCA – O atual campeão do mundo é o indiano Viswanathan Anand, o terceiro do ranking, e não você, o número um. Tal disparidade não confunde o público?

Carlsen - Não penso nisso. Deixo esta resposta para a Fide (a Federação Internacional de Xadrez).

ÉPOCA – Ser treinado pelo Kasparov foi iniciativa sua?

Carlsen - A ideia inicial foi dele. Quando soube por um amigo em comum que Garry gostaria de colaborar, imediatamente aceitei. Logo acreditei que seria bom para o meu desenvolvimento. Começamos em janeiro, e nosso acordo vale até o final do ano que vem. Passamos alguns dias juntos na Croácia, em Moscou e na Noruega. Não vou entrar em detalhes sobre nossa rotina, mas temos dado ênfase às aberturas (lances iniciais das partidas). Mantemos contato mesmo à distância. Ele segue meus torneios pela internet, em tempo real.

ÉPOCA – E por que ele te procurou? Pelo dinheiro?

Carlsen - Ele sempre fala em oferecer um legado, em dar algo ao xadrez. Campeões do passado ajudaram na formação do seu jogo, e ele agora quer fazer algo parecido no papel de treinador. Eu não poderia querer um técnico melhor. A contribuição dele é ótima tanto na técnica quanto na psicologia do jogo. Sua energia é impressionante. Sempre fico cansado quando termino um dia ao seu lado. Mas é bom.

ÉPOCA – Nos jogos entre vocês, quem ganha?

Carlsen - Há muito equilíbrio, são bons jogos. Nenhum de nós quer perder.

ÉPOCA – Teme decepcioná-lo?

Carlsen - Nunca se tem certeza de nada. Confio no meu potencial, e meu papel agora é buscar minhas metas e jamais desistir.

ÉPOCA – O que conversaram depois que assumiu o topo do ranking?

Carlsen - Nada diferente do que vínhamos falando antes, que o importante é seguir focado no desenvolvimento do jogo e não desistir nunca.

ÉPOCA – Como os programas e sites de xadrez melhoraram seu nível de jogo?

Carlsen - Hoje é possível jogar e reproduzir online as partidas dos grandes torneios. Como a Noruega não tem tradição no xadrez, a internet foi uma grande ferramenta durante meus primeiros anos no tabuleiro. Só depois é que passei a treinar na academia de Simen Agdestein (seu primeiro treinador). No passado, nascer em país de forte tradição, como a União Soviética, representava uma importante vantagem, mas o xadrez moderno é mais democrático. A internet e os softwares nivelaram o jogo.

ÉPOCA – O domínio da máquina sobre o homem não torna o xadrez monótono e menos criativo?

Carlsen - A capacidade de cálculo dos computadores é claramente maior, mas isso não diminui o xadrez como esporte mental praticado entre pessoas, por mais que elas tentem decorar aquilo que o computador sugere. Humanos sofrem pressão e estafa, o que interfere muito no resultado final. Acho benéfica a interferência das máquinas no xadrez. Ela facilita muito a compreensão do público nas partidas disputadas entre os jogadores de elite. Isso tem sido importante para o aumento do número de praticantes.

ÉPOCA – Os computadores hoje são imbatíveis?

Carlsen - Não afirmaria isso. Os humanos seguem com chances na metade do jogo (fase em que, segundo os enxadristas, a intuição é tão importante quanto o cálculo).

ÉPOCA – Você pensa em desafiar um programa de ponta, como o Deep Fritz?
 
Carlsen - Por enquanto não. Se houvesse um match assim, não entraria esperando ganhar.













domingo, 6 de dezembro de 2009

ENTREVISTA COM MARCEL PROUST



Proust

Leia mais em http://www.tirodeletra.com.br/

"Nos últimos anos de sua vida, Marcel Proust se isola no seu quarto de doente. É lá que ele escreve 'Em busca do tempo perdido', cujo primeiro volume é publicado em 1913. Um ano antes, no mesmo recinto, ele concede a entre¬vista abaixo (extraída da revista Globe, nº 59, julho/agosto 1991):
 
No seu quarto, com as venezianas quase sempre fechadas, Marcel Proust está deitado. A luz elétrica acentua-lhe a palidez do rosto, mas dois olhos admiravelmente vivos e febrís reluzem sob a cabeleira desfeita, encobrindo a testa. Proust continua escravo da doença, mas já não o parece. Quando indagado sobre sua obra, se anima e fala:
 
Publico apenas o primeiro volume, Du côté de chez Swann, de um romance que terá o título geral de Em busca do tempo perdido. Eu preferiria tê-lo publicado todo de uma vez, mas já não se editam obras em vários volumes. Eu sou como alguém que tem uma tapeçaria grande demais para os aposentos atuais, sendo obrigado a cortá-la. Alguns jovens escritores que contam com a minha simpatia preconizam, ao contrário, um enredo breve e com poucos personagens. Esta não foi a minha concepção de romance. Como posso dizê-lo? Você sabe que existe uma geometria plana no espaço (tridimensional). Pois bem, para mim o romance não é somente a psicologia plana, mas a psicologia no tempo. Essa substância invisível do tempo, eu tratei de isolá-la, mas para isso era preciso que a experiência pudesse durar. Eu espero que no final do meu livro, tal fato social sem importância indique que o tempo passou e se obteve esta beleza de certos chumbos envelhecidos de Versalhes, que o tempo enriqueceu de uma textura esmerada... É como uma cidade que, durante as voltas do trem em que a atravessamos, nos aparece ora à esquerda, ora à direita, os diversos aspectos que um mesmo personagem terá assumido aos olhos de outro, a ponto de parecer uma sucessão de personagens distintos, darão (mas não apenas isso) a sensação do tempo transcorrido. Tais personagens se revelarão mais tarde bem diferentes do que eles eram no volume atual; diferentes do que se acreditará que eles iriam ser, como acontece aliás, frequentemente na vida. Não são apenas os mesmos personagens que reaparecerão ao longo dessa obra sob aspectos diversos, como em certos ciclos de Balzac, mas, num mesmo personagem, certas impres-sões profundas, quase inconscientes. Desse ponto de vista, meu livro talvez seria uma série de "romances do inconsciente": eu não teria a menor vergonha de chamá-los de "bergsonianos" se eu acreditasse nisso, pois em toda época a literatura procura ligar-se naturalmente a reboque - à filosofia reinante. Mas eu não estaria sendo preciso, pois minha obra é rasgada pela distinção entre a memória involuntária e a memória voluntária, distinção que apenas inexiste na filosofia de Bergson, como é contradita por ela.

- Como é que esta distinção se estabelece para você?

Para mim, a memória volun¬tária, que é sobretudo uma memória da inteligência e dos olhos, só nos oferece do passado momentos sem verdade; mas um odor, um sabor, reencontrados em circunstâncias dife¬rentes, revelam em nós, a despeito de nós mesmos, o passado; nós sentimos o quanto esse passado era diferente daquilo que acreditávamos nos recordar, e que nossa memória voluntária pintava, como os maus pintores, com cores sem verdade. Já nesse volume você verá o personagem que narra, que diz "eu" (e que não é quem sou), reencontrar subitamente os anos. os jardins, os entes esquecidos, no gosto de um gole de chá em que achou um pedaço de madeleine. Sem dúvida, ele se lembrava de todas essas coisas e pessoas, mas sem a cor e o charme delas: eu pude fazer-lhe dizer que, como naquele pequeno jogo japonês em que ao se mergulharem pedacinhos de papel numa vasilha, e esticá-los depois de embeti¬dos, eles se tornam flores, personagens, todas as flores de seu jardim e as ninféas de Yvone, e a boa gente do vilarejo, com suas casinhas e a igreja, e toda Combray e seus arredores, tudo que toma forma e solidez saíra, cidade e jardins, de sua xícara de chá. Veja bem, eu creio que é quase somente nas recordações involuntárias que o artista deverá buscar a matéria-prima de sua obra. Primeiro, precisamente, porque elas são involuntária, porque elas se formam de si mesmas, atraídos pela semelhança de um minuto idêntico: só elas possuem uma marca de autenticidade. Depois, elas nos relembram as coisas numa dosagem exata entre a memória e esquecimento. E, enfim, como elas nos fazem provar uma mesma sensação numa circunstância intei¬ramente outra, elas liberam-na de toda contingência, dando-nos a sua essência extratemporal aquela que é justamente o conteúdo do estilo belo, a verdade geral e necessária que somente a beleza do estilo pode traduzir. Se eu me permito raciocinar sobre meu livro, é porque ele não é em nenhum grau uma obra de raciocínio; é porque seus mínimos elementos me foram fornecidos por minha sensibilidade; porque eu os percebi inicialmente no fundo de mim mesmo, sem compreendê-los, tendo tanta dificuldade em convertê-los em alguma coisa inteligível como se eles fossem algo tão estrangeiro ao mundo da inteligência quanto, como dizer?, um motivo musical. Parece-me que você pensa tratar-se de sutilezas. Oh! não, eu lhe asseguro: são, ao contrário, realidades. Aquilo que nós não podemos esclarecer por nós mesmos, que era claro antes de nós (por exemplo, as idéias lógicas), isto não é propria-mente nosso, nós não sabemos nem mesmo se isso é real. É o "possível" que nós elegemos arbitraríamente. Aliás, você sabe, isto se vê logo de inicio no estilo. O estilo não é nunca um mero embelezamento como crêem certas pessoas, não é mesmo uma questão de técnica, é - como a cor em certos pintores - uma qualidade de visão; a revelação do universo particular que cada um de nós vê, e que os outros não vêem. O prazer que nos dá um artista é de nos fazer conhecer um universo a mais.

- Como podem, certos escritores, em tais condições, confessar que buscam não ter estilo algum?

Eles só podem fazê-lo renunciando a aprofundar suas impressões!

- Na primeira página de Du cóté de chez Swann, você escreveu a seguinte dedicatória: 'A Gaston Calmette, como testemunho de profundo e afetuoso reconhecimento'.

Eu talvez tenha dívidas mais antigas em relação a mestres a quem, aliás, eu dediquei obras escritas antes desta, mas que deverão ser editadas depois dela; antes de todos. Anatole France, que me tratou outrora quase como um filho. A Calmette eu devo a alegria que conhece o jovem que vê impresso o seu primeiro artigo. Além disso, permito-me visitar. através de meus artigos, pessoas que eu não podia então evitar, o diretor do jornal me ajudou a passar da vida de sociedade à vida de solidão...

E o gesto do doente indica o quarto sombrio, de venezianas fechadas, onde nunca entra o sol. Mas não há tristeza em seu olhar. Se para o doente há motivos para se lamentar, o escritor tem razões de sobra para orgulhar-se. O último consolou o primeiro."











terça-feira, 1 de dezembro de 2009

ANTÔNIO AMAURY, REFERÊNCIA EM ESTUDO ACERCA DO CANGAÇO




Antônio Amaury

Antonio Amaury por Kiko Monteiro


A seguir postamos espetacular entrevista concedida pelo mestre Antonio Amaury Corrêa de Araújo, o paulista mais nordestino de todos os paulistas, um dos ícones do estudo e pesquisa da temática cangaço no Brasil, uma das presenças mais honrosas no Cariri Cangaço; a entrevista foi feita ao amigo Kiko Monteiro por ocasião do Cariri Cangaço e transcrita no prestigiado blog "Lampião Aceso" do querido confrade, a qual trasncrevemos para os leitores do blog Cariri Cangaço.

P. Qual é o filho preferido do acervo (sobre o conjunto de sua obra...)?

R. "Assim morreu Lampião". E de outro autor?"Lampião" de Ranulfo Prata.

P.Qual é literatura recomendada para um calouro?

R.Vai soar com autopromoção, mas entre os mais de 200 títulos existentes eu indico que comecem pelo meu acervo que foi fruto de uma pesquisa séria além de muita intuição para repassar depoimentos e narrativas de quem viveu o cangaço.

P. Atualizando números: Com o aparecimento de Durvinha, Moreno e Aristéia quantos personagens desta história foram entrevistados por Antonio Amaury?

R. Moreno e Durvinha não acrescentaram nada, entenda, para o que já sabíamos. Aristéia tem menor importância ainda, pois só viveu seis meses num subgrupo, nunca participou de um combate e nem sequer conheceu Lampião, Maria Bonita etc. Possuo precisamente sete mil entrevistas a maioria em arquivo de áudio. As mais importantes seriam: Sinhô Pereira, João Ferreira e Mané Veio foram peças de grande valia para a construção da história.

P. Quem foi o primeiro?

R. Foi uma figura apagada, filho de um coiteiro que tinha 15 anos quando conheceu Lampião na ocasião de uma visita a fazenda do pai. Mas no ano de 67 eu tive um contato coletivo... um acúmulo de conhecimentos com vários envolvidos conheci: Dadá, João Bezerra, Mocinha (irmã de Lampião ainda viva).

P. Quais destes contatos foram os mais difíceis?

R. Quase sempre com soldados houve certa resistência para dar depoimentos.

P. Amaury teve que pagar para obter entrevista?

R. Sim, várias vezes.

P. Qual o contato que não foi possível e lhe deixou de certo modo frustrado?

R. Aconteceu mais de uma vez, mas lamento mesmo não ter tido um encontro com o jornalista Melchiades da Rocha ele era do jornal "A noite ilustrada" do Rio de Janeiro e estava em Angico três dias após o Massacre, ele viveu aquele momento conversamos por telefone eu insisti para um encontro, mas ele não cedeu, não quis aproximação.

P. Um cangaceiro?

R. Balão.

P. Um volante?

R. Manoel Neto.

P. Um coadjuvante?

R. Tenente João Maria, de Serra Negra. (Hoje Pedro Alexandre-BA).

P. Uma personagem secundária?

R. Jogo para esta posição na pirâmide o cabo Antonio Honorato, dá impressão que teve grande importância, ele se rogava "o homem que atingiu Lampião", mas nunca foi provada a sua ação.

P. O que pretende fazer com as centenas de horas em entrevistas colhidas em vídeo?

R. Estamos com a proposta de um estúdio e possivelmente vamos criar uma coletânea de vídeos afinal são mais de 250 horas de imagens.

P. E quanto às peças e relíquias é real o desejo de montar um museu particular?

R. Sim, mas já existe uma exposição itinerante com parte de meu acervo que atualmente circula pelo nordeste sob os cuidados de Ricardo Albuquerque neto de Adhemar Albuquerque da ABA films.

P. Nós que gostariamos de ver um filme que retratasse um cangaço autêntico, fiel aos fatos, sem licença poética, sem erro primário enfim sem exagero da ficção lamentamos a eterna necessidade de se ter finalmente uma produção digna da saga, de preferência um épico ou uma trilogia, enquanto isto não foi possível qual a película mais lhe agradou?

R. O mais próximo com a verdade Corisco o diabo loiro, com Leila Diniz e Mauricio do Vale.

P. Eleja a pérola mais absurda que já leu sobre Lampião?

R. Ultimamente tenho ouvido cada balela que é difícil destacar a pior, mas "Alguém" disse... pessoas descompromissadas afirmaram para um jornal: Lampião tinha pretensões de ser governador.

P. Além da nova edição ampliada da obra "Assim morreu Lampião" qual a próxima novidade que teremos em nossas estantes?

R. "Assim morreu Lampião" ainda está encaminhada, "Cidades invadidas ou visitadas" também, estou preparando um livro sobre "Maria Bonita", mas meu próximo livro mesmo, o qual esperava ter lançado aqui no Cariri Cangaço é "Lampião, herói ou bandido?", mas a editora não entregou a tempo.

P. Qual é o capitulo preferido do mestre Amaury?

R. A história do cangaço é um tema tão controverso tem capítulos extraordinários e chocantes. Elejo três: Lampião em Juazeiro, Mossoró, e a batalha de Serra Grande.

P. Diante de tantas polêmicas surgidas posteriormente a tragédia em Angico alguma chegou a fazer sentido, levando-o a dar atenção especial ex.: Ezequiel reaparece anos mais tarde, João Peitudo filho de Lampião, O Lampião de Buritis e esta, mais recente sobre a paternidade de Ananias?

R. Sim, o caso Ananias, pois acompanhei de perto. Foi interessante até determinado ponto, depois achei por bem recuar.

P. Qual foi o melhor momento deste Cariri Cangaço?

R. Gostei de todas as palestras, mas as mais interessantes foram a do Promotor Ivanildo Silveira e a de Honório de Medeiros.

Entrevista concedida a www.bloglampiaoaceso.com


domingo, 22 de novembro de 2009

O CANGAÇO EM NOVA ONDA



Cangaço

Mestre em filosofia do Direito afirma que a fase da coleta de dados está esgotada e defende a necessidade de estudos multidisciplinares para a correta interpretação do fenômeno.

Professor de Filosofia do Direito, advogado, Honório de Medeiros tem exercido importantes cargos públicos, entre os quais, o de procurador chefe da Procuradoria da Prefeitura de Natal, Secretário de Administração e Finanças do mesmo município e Secretário da Administração do Estado, na primeira gestão da governadora Wilma de Faria. Líder estudantil, ao tempo do seu curso de Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, confessa-se um leitor vocacionado para o ensino universitário, atividade que lhe tem granjeado o respeito e a admiração de centenas de alunos que tiveram o privilégio de desfrutar das suas lições. Escritor e pensador das Ciências Jurídicas, tem livros publicados e se mantém como colaborador regular deste semanário. E, quando não está na sala de aula ou estudando, dedica seus ócios a pesquisa do fenômeno do cangaceirismo, tendo como foco a vida de Massilon Leite, cuja vida em parte transcorreu em terras do Oeste norte-rio-grandense.
 
Por Franklin Jorge
 
A coleta de informações sobre o cangaço está esgotada?

Honório de Medeiros -- No plano das fontes primárias, aparentemente, sim. São poucos os sobreviventes daquela época e, deles, já se extraiu o impossível. Quanto aos documentos, ressalvo a possibilidade de surgimento de alguma documentação desconhecida, como foi o caso recente de papéis relativos a Plácido de Castro, guardados por um lugar tenente seu, encontrados, por acaso, pelo Ministério Público, no interior do Rio Grande do Sul. Saliento que a produção do resultado dessa coleta, embora feita de forma amadorística, é o material que nós temos para trabalhar. É uma produção profusa.
 
Qual seria a seu ver o próximo passo a ser dado pelos estudiosos do cangaço?

- Uma mistura de jornalismo investigativo e processos interpretativos científicos em relação ao que nós possuímos. É o que eu chamo de terceira onda. A primeira foi a produção dos fatos, a segunda sua colheita, e a terceira é a elaboração das conjecturas, teorias. Temos que trabalhar com teorias, investigações, correlação de dados, testes dessas hipóteses e sujeição das conclusões á comunidade cultural. É preciso desfazer o mito de que Lampião era um estrategista militar. Na verdade, o sucesso de sua longa trajetória decorre antes de uma mistura de incompetência e corrupção, por parte dos governos, e instinto de sobrevivência da parte dele, Lampião.
 
Essa segunda onda, no plano dos estudos do cangaço, já é perceptível?

-- Já há alguns poucos trabalhos nesse âmbito. Eu citaria a teoria do escudo ético - o mecanismo justificativo do cangaceiro para as suas ações -, de Frederico Pernambucano de Melo. Há também outras tentativas de explicação do cangaço á luz de um marxismo mecanicista que aponta o fenômeno como conseqüência da divisão desigual da terra e das mazelas que disso decorre. Esse modelo, porém, está ultrapassado. E, na verdade, enquanto não se montar o mosaico completo ou parcialmente completo – que vai ser o resultado do trabalho investigativo -, não será possível construir macroteorias. Vou dar um exemplo do que afirmo. Houve um pacto de governadores – João Suassuna, Juvenal Lamartine, José Augusto Bezerra de Medeiros e o governador de Pernambuco á época – para a supressão do cangaço através da eliminação física dos cangaceiros, cuja conseqüência foi a morte de Jararaca, Bronzeado, Mormaço, Chico Pereira? Outro exemplo. Por que o Poder Judiciário e o Ministério Público silenciaram em Mossoró quanto a morte de Colchete, Jararaca e Bronzeado? Por que o capitão Abdon Nunes, embora tendo chamado para si a responsabilidade por essas mortes, livrando assim José Augusto e Juvenal Lamartine, não foi processado e condenado, assim como o Tenente Laurentino de Morais?
 
Além de Frederico Pernambucano, que outros autores estão enveredando por esse novo caminho?
 
– Na verdade, o trabalho de Frederico é mais de caráter sociológico do que investigativo; embora seja importante, existem furos na história do cangaço que precisam ser fechados, para que nós possamos avançar na proposição de uma teoria geral.
 
Quais são esses furos?
 
– Ora, por que o Rio Grande do Norte, excetuando-se Mossoró, praticamente está distante do fenômeno do cangaço e do coronelismo? Comparemos a história do Rio Grande do Norte, do seu sertão, com a história do sertão do Cariri cearense ou do Pajeú pernambucano. Essas perguntas, inclusive, invalidam a teoria marxista que atribui à divisão da terra a questão do cangaço. Nós somente vamos avançar se relacionarmos esses fenômenos através da linha que os costura, o Poder Político.
 
Qual seria essa macroteoria ou qual o paradigma que explicaria, inclusive, essas discrepâncias?
 
– Eu, particularmente, utilizo como paradigma a contribuição teórica do darwinismo.
 
Como você chegou á aplicação desse paradigma?
 
-- Por exclusão. O paradigma darwiniano é o único que se sustenta, do ponto de vista da crítica, após a virada do século. Mesmo o marxismo pode ser – com toda a sua contribuição – agregado e transcendido por esse novo parâmetro científico voltado para as Ciências Sociais. Aqui, a categoria do poder político é o viés explicativo básico, atento às circunstancias históricas e geográficas peculiares.
 
Queira, por favor, explicar melhor.
 
-- Trata-se de entender esses fenômenos sociais a partir de uma perspectiva de poder dentro do contexto da teoria darwiniana.
 
Por que o Rio Grande do Norte se diferencia dos demais estados nordestinos quanto á eclosão do fenômeno do cangaço?
 
-- Você tocou no xis da questão. Formular essas questões e procurar respondê-las é a segunda onda. Observe que só é possível estudar o cangaço, se for possível estudar o coronelismo e o misticismo. Esse tripé básico constitui a alma sertaneja.
 
E Jesuíno Brilhante não foi um cangaceiro?
 
-- Eu, particularmente, defendo que não. Jesuíno teria sido uma espécie de justiceiro social. Assim como Cassimiro Honório. Observe que Jesuíno teve uma área restrita, não de atuação mas de fuga; não se apossava do patrimônio de ninguém; não matava nem agredia a não ser em legitima defesa ou para fazer respeitar um código de honra ancestral e, excetuando que tinha alguns companheiros, nada o diferencia de Diogo Maia, outro justiceiro social que atuou entre os estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Compare a atuação de Jesuíno com a de Lampião, Sinhô Pereira, Antonio Silvino e Corisco e perceba a diferença. Se definimos alguém como cangaceiro, o que ele é passa a ser parâmetro. Assim, compare Jesuíno com Lampião. O fato de chefiar um bando e ser perseguido não transforma ninguém em cangaceiro.
 
Há, a seu ver, alguma relação entre esses bandoleiros e os bandos que atuam hoje no Alto Oeste?
 
-- Que eu saiba, nós não podemos chamar esses de cangaceiros por conta do limite temporal que enclausura os cangaceiros, propriamente ditos. Ambos os bandos praticam formas de banditismo rural, mas o cangaço está preso ao tempo histórico compreendido entre o final do século dezenove a começos do século vinte. É preciso ter cuidado, portanto, com as definições.
 
Segundo suas concepções o Rio Grande do Norte teve algum cangaceiro?

-- Há suspeita, não comprovada, de que Virginio, cunhado de Lampião, seria de Alexandria. Um Luis Brilhante que andou com Massilon Leite, era, no entanto paraibano. Massilon, embora seus pais tenham vivido no Sítio Cava, em Luis Gomes, não era norte-rio-grandense.
 
Qual, então, o ponto de referencia entre Lampião, o coronel Floro Bartolomeu e Padre Cícero?

-- Essa é uma colocação emblemática. Temos aí, quando os três se encontraram, um momento ímpar da história social do sertão. O cangaceiro-mor, um dos mais poderosos coronéis e a lenda mística que é o Padre Cícero do Juazeiro. Nesse aspecto o caráter simbólico desse momento sem igual até hoje não foi explorado.