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sexta-feira, 1 de maio de 2020

FREDERICO PERNAMBUCANO DE MELLO E "GUERREIROS DO SOL"

Frederico Pernambucano de Mello falando, Clotilde Tavares e Honório de Medeiros aprendendo

* Honório de Medeiros

"O BRIO DE CRISTAL"

Em 19 de novembro de 2010 debati, com Frederico Pernambucano de Mello, acerca de sua obra-prima Estrelas de Couro: A Estética do Cangaço, sob mediação da escritora Clotilde Tavares, na IIª Feira Literária da PIPA (FLIPIPA).

Debate não é o melhor termo para definir esse encontro. Trocamos ideias, eu como aprendiz, e Frederico Pernambucano de Mello como mestre de todos nós, estudiosos da Cultura e História Sertaneja, ambos pontuados pela inteligência brilhante de Clotilde Tavares, ante uma plateia atenta e participativa.

Eu acabara de lançar meu Massilon (Nas Veredas do Cangaço e Outros Temas Afins). 

Indo ao que importa, penso que todos os livros do mestre são importantes, entretanto dois são canônicos: Guerreiros do Sol e Estrelas de Couro: A Estética do Cangaço

O primeiro é fundamental, e não há como estudar a cultura sertaneja nordestina sem o ler. Trata-se de obra tão importante, na opinião de muitos, quanto, por exemplo, Os Sertões, de Euclides da Cunha. 

Discorrendo acerca do banditismo rural no sertão nordestino, lá para as tantas Pernambucano de Mello, em uma Nota Introdutória que compõe a introdução à 5ª edição revista e atualizada, na qual tive a honra de ser citado, observa: 

"Num e noutro dos universos rurais nordestinos o banditismo teve lugar. Na mata litorânea como no sertão profundo. É claro que com diferenças. São dois mundos, afinal. Duas culturas. Dois homens. Duas sociedades. O coletivismo da tarefa agrícola domesticou o litorâneo. Afeiçoou à hierarquia e à disciplina, muito fortes nos engenhos de açúcar. O sertanejo permaneceu puro em sua liberdade ostensiva, quase selvagem. A pecuária não veio se cristalizar ali em trabalho massificado. Não embotou o individualismo do sertanejo. O seu livre-arbítrio. Ou a sobranceria. Veio daí o orgulho pessoal exagerado que apresentava. O brio de cristal. As próprias cercas não chegam ao sertão antes do século passado. A visão do sertanejo era a caatinga indivisa. Com o homem se sentindo absoluto numa paisagem absoluta".

Talvez alguns não concordem, mas como não se render a essa tessitura finamente composta de "insights" tão precisos quanto envolventes, acerca da alma do nosso sertanejo nordestino ancestral? 

E prossegue a obra tão densa quanto formalmente atraente, a discorrer acerca da nossa história e cultura comuns, elencando hipóteses, apontando caminhos, propondo soluções, tudo em ritmo forte, que nos exige atenção redobrada e esforço investigativo incomuns para não perdermos o fio-da-meada.

Nela, por exemplo, já se menciona o impressionante tema da estética do cangaço, que viria a ser tema central da obra que pautou o debate.

Mas não somente, claro. Há a teoria do escudo ético; a tipologia dos cangaceiros; a psicologia do homem sertanejo nordestino arcaico; o arcabouço da violência que construiu o habitat próprio do cangaço; a relação seca/economia/cangaço; os fatores que influenciaram o fim desse ciclo tão próprio do nosso Sertão; a análise acerca da disseminação, nas terras sertanejas, do "ethos" da violência como apanágio da masculinidade, a partir do conflito entre famílias; o papel da nossa indiada no ensino de táticas de guerrilha que foram recebidas e aprofundadas pelos cangaceiros... 

Guerreiros do Sol recebeu elogios entusiásticos de Gilberto Freyre, em prefácio à primeira edição. De Ariano Suassuna. De Bernardo Pericás. Ouso dizer que Cascudo seria admirador da obra. De tantos outros, ao longo do tempo. Todos lhe aplaudindo sua importância singular. 

Assim como eu, anônimo, mas que também sei aplaudir. 

sábado, 23 de novembro de 2019

CANGAÇO E CORONELISMO NO RIO GRANDE DO NORTE


* Honório de Medeiros

O bando de Lampião em Limoeiro, Ceará, no dia 15 de junho de 2017, logo depois de invadir Mossoró e ser rechaçado.
O coronelismo e o cangaço, tão característicos de certo período histórico do Sertão nordestino brasileiro, mais precisamente de meados do século XIX a meados do século XX, são manifestações do Poder, de como ele é obtido, mantido e até mesmo combatido, em intrincada trama, ao longo do processo histórico. 

A forma como o Poder é instaurado diz respeito a fatores circunstanciais, tais quais o avanço tecnológico ou cataclismos ambientais, mas a essência, qual seja a presença da imposição da vontade de alguns sobre outros, permanece a mesma desde que o Homem surgiu na face da terra. 

As narrativas acerca do coronelismo e cangaço devem ser analisadas levando-se em consideração o fator de "ocultamento" próprio da atuação dos que detêm o Poder. Nesse sentido, escrever, dizer, omitir, acrescer, manipular, enfim, tudo isso e mais, cumprem o papel de narrar como os fatos ocorreram a partir da perspectiva de quem pode impor sua percepção das coisas e dos fenômenos, em detrimento da verdade. 

Sempre tratamos o coronelismo e o cangaço pelo “como” os fatos aconteceram, até mesmo de forma folclórica, no sentido negativo do termo, mas precisamos nos indagar acerca de suas causas e intenções e suas relações com o Poder. Quem critica o estudo do Cangaço, mesmo de forma oblíqua, tratando-o como algo menor dentre os epifenômenos da cultura sertaneja, hostiliza a História e não entende o que é o Poder. 

Não houve manifestações violentas do Coronelismo no Sertão nordestino sem um entrelaçamento com o banditismo rural; não houve Cangaço sem Coronelismo. Acrescentemos a esses ingredientes o fanatismo messiânico e teremos um ponto-de-partida concreto e verossímil para a real história da época dos coronéis e cangaceiros. O ponto-de-partida é o cangaceiro, começando com Jesuíno Brilhante, o primeiro dos grandes, a história dos coronéis do Cariri cearense, e a vida do mítico Padre Cícero do Juazeiro. 

No Rio Grande do Norte é difusa, porém persistente, a concepção de que seus coronéis eram homens afastados da violência, bem como é persistente a concepção de que o cangaço, excetuando a invasão de Apodi, por Massilon, e Mossoró por Lampião, tratados como “pontos fora da curva”, pouca relevância teve em nosso Estado. 

São "esquecidas" as relações dos coronéis com José Brilhante, o “Cabé”; a do Coronel João Dantas com Jesuíno Brilhante; a invasão de Martins; a invasão de Apodi e sua relação com coronéis apodienses; a invasão de Mossoró e sua relação com coronéis paraibanos e cearenses; a morte de Chico Pereira e sua relação com o coronelismo paraibano e potiguar. O mesmo ocorre quanto a “hecatombe de 1918” em Pau dos Ferros, verdadeira briga entre coronéis potiguares, semelhante àquelas travadas entre seus congêneres do Cariri cearense. 

As invasões de Apodi e Mossoró são indissociáveis, e se constituem em epicentro de um processo político que durou aproximadamente dez anos, terminando tragicamente na famosa eleição de 1934-1935, na qual houve o assassinato do Coronel Chico Pinto e o de Otávio Lamartine, filho do ex-governador Juvenal Lamartine, e dizem respeito a disputas políticas entre famílias senhoriais do Sertão paraibano e potiguar. 

Todas essas atividades violentas protagonizadas por cangaceiros estão conectadas com o coronelismo. Todas elas são faces da disputa pelo Poder Político. 

O cangaço, por si somente, é a história do último suspiro dos desbravadores do Sertão nordestino, nossos ancestrais, aqueles mesmos que disputaram a terra contra índios ferozes, palmo a palmo, sangue a sangue, a ferro e fogo, numa guerra longa, cruel e esquecida por todos. A guerra dos bárbaros. 

O cangaço é a história de homens que resolveram se vingar de uma injustiça; de homens que não aceitaram ser escravos e optaram por fazer das armas meio-de-vida; de homens que optaram por sobreviver SEM LEI E SEM REI, em uma liberdade absoluta, uma liberdade de fera, aquela liberdade anterior ao surgimento do Estado, da qual nos falou Hobbes em O Leviatã. 

O cangaço é a história de rebeldes, certos ou errados. Podemos subjugar rebeldes. Podemos condenar rebeldes. Podemos matar rebeldes. Mas não podemos impedir que a memória de suas existências nos provoque. Podemos não aceitar os rebeldes, mas podemos tentar compreendê-los, tenham sido cangaceiros, coronéis, ou fanáticos, e em os compreendendo, aprendermos as lições da história.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

A DEFESA DE JARARACA

* Honório de Medeiros

“Quem tudo compreende, tudo perdoa” (Leon Tolstoi).

No dia 9 de junho de 2017, a partir das nove horas da manhã, em Mossoró, no Fórum Municipal, atuei como advogado de defesa no júri simulado, sob a presidência do juiz Breno Valério Fausto de Medeiros, que julgaria Jararaca. Era a comemoração do aniversário da defesa de Mossoró ante o ataque do bando de Lampião. A acusação ficou a cargo do advogado Diógenes da Cunha Lima. Terminados os trabalhos o Conselho de Sentença houve por bem inocentá-lo por seis votos a um (6X1). Segue, abaixo, o texto que norteou minha participação.

1. Esta é uma história de perdão, não de julgamento. “Quem tudo compreende, tudo perdoa”. 

2. Antes, entretanto, peço permissão às senhoras e senhoras para mergulhar nas águas do meu próprio passado. 

3. Pois foi aqui mesmo, nesta Mossoró libertária, que eu nasci e cresci, ao lado da Igreja de São Vicente. 

4. Ali ficava a casa de Rodolpho, depois a de Alfredo, e em frente, a dos Hollanda. Do lado, a de Joaquim Perdigão. Atrás, a de Pacífico Almeida. No final, a de Ezequiel Fernandes. Era o chamado Bairro Novo, escassamente povoado. A todas essas casas dominava a Igreja, à sombra da qual jogávamos bola e brincávamos de bandeirinha, no mesmo chão que foi pisado pelos cangaceiros, dentre eles José Leite de Santana. 

5. Por que estiveram ali? Por que atacaram Mossoró? 

6. Por que atacaram Mossoró? 

7. Compilei quatro teorias. José Leite de Santana é fundamental para que se entenda a quarta teoria. José Leite de Santana, Ferrugem e Mormaço disseram que Lampião nunca pensou em invadir Mossoró. José Leite de Santana abriu o jogo para Lauro da Escócia. José Leite de Santana quis falar com Rodolpho Fernandes e não deixaram. José Leite de Santana por isso mesmo foi morto. 

8. Mas como falar em José Leite de Santana sem falar no cangaço? Como falar no cangaço sem falar da época no qual o cangaço aconteceu? Como falar daquela época sem recordar as condições de vida do sertanejo nordestino, fonte de onde o cangaço emanou? Como falar dessa fonte sem entender a crucial diferença entre os resignados e os que não se submeteram? Como abordar essa questão sem perceber que dentre os que não se submeteram estão aqueles que tomaram o caminho do mal, enquanto outros, o do bem? Como não compreender que nem sempre a opção pelo caminho do mal foi algo ao qual se pudesse resistir, tamanha a incapacidade de se ter, nas próprias mãos, o próprio destino? 

9. Esses são os outsiders, os irridentes, os insubmissos, os irresignados, os diferentes, os revolucionários. Esses são o sal da terra, para o bem ou para o mal. Trágico quando é para o mal, como no caso de José Leite de Santana; sublime, quando o é para o bem, como no caso de tantos aos quais devemos nosso avanço enquanto espécie. 

10. O cangaço é a história de rebeldes. Podemos subjugar rebeldes. Podemos condenar rebeldes. Podemos matar rebeldes. Mas não podemos impedir que a memória de suas existências acicate o nosso repouso envergonhado. O cangaço é a história de homens que resolveram se vingar; de homens que não aceitaram serem escravos; de homens que optaram por sobreviver SEM LEI E SEM REI, nos mesmos moldes dos desbravadores dos nossos sertões, numa liberdade absoluta, uma liberdade de fera, a liberdade da qual nos falou Hobbes em O Leviatã. O cangaço foi o último suspiro dos desbravadores do Sertão, aqueles mesmos que disputaram a terra com os índios ferozes, palmo a palmo, sangue a sangue, numa guerra contínua e esquecida do resto do mundo. A guerra dos bárbaros. 

11. José Leite de Santana foi assim. Percebemos isso em seu olhar na célebre fotografia tirada na prisão em Mossoró. Passei muito tempo olhando para a fotografia. Ali não estava apenas o olhar de quem está ferido. Ali estava, muito mais que isso, o olhar de quem foi subjugado à força, mais uma vez. É o olhar de uma fera de quem tiraram sua liberdade. É o olhar de quem vai morrer. 

12. José Leite de Santana já nasceu subjugado, e contra essa subjugação lutou até o último instante: nasceu bastardo, pobre, preto e desvalido. Um infame. Infame antes mesmo de ser um homem mal. 

13. Não se trata de dizer que o meio fez a escolha dele. Não podemos cair nessa armadilha. Ele escolheu seu caminho. Outros fizeram opções diferentes. O comum dos mortais escolheu vergar sob o peso da escravidão diária. Pagou por isso. Mas antes mesmo da escolha, o destino já o tinha jogado na lata de lixo dos dejetos humanos. 

14. Como julgar José Leite de Santana com os nossos olhos? Um homem que não tinha o que comer, se não chovesse, e não chovia; não tinha médico; não tinha dentista; não tinha transporte; não tinha estudo; não tinha dinheiro; não tinha passado, não tinha presente, não tinha futuro, não tinha nada. 

15. Pois foi este homem, refugo da vida, que nos permitiu levantar um pouco a cortina, o véu que esconde a verdade dos fatos, morreu violentamente e o povo o transformou em herói e o santificou. 

16. Herói por que ousou a coragem da loucura ou a loucura da coragem de viver sem lei e sem rei, os últimos deles. 

17. Santo por que intercede, lá entre os acolhidos pela infinita bondade de Deus, pelos que sofrem, para assim purgar as dores que causou neste mundo de miséria e sofrimento. 

18. Não é possível ver-se nas intercessões dessa alma torturada a quem o julga lá no Alto, em defesa dos que ficaram para lhes minorar a dor, um pedido de perdão por todo o sofrimento que causou quando vivo? 

19. Não é ele um dos cainitas, dos quais nos falou Herman Hesse, um dos escolhidos por Deus para ser as trevas que valorizarão a luz? 

20. Por que não podemos perdoá-lo, se perdoamos São Paulo; Pe. Cícero; Santo Agostinho; Maria Madalena; São Longino, o chefe dos soldados romanos que, no caminho para a crucificação de Jesus, perfurou o peito dele com uma lança? 

21. Somente a Santa Igreja pode, pelo Princípio Petríneo das Chaves, dizê-lo oficialmente santo. Mas assim como Padre Cícero, para o povo, ele já o é. 

22. Se o condenamos hoje, condenamo-lo novamente; se o absolvemos estamos a ele ofertando o nosso perdão. 

23. Reconstituamos os últimos dias de José Leite de Santana: 13 de junho, final da tarde: é ferido; 14 de junho, pela manhã: é traído por Pedro Tomé; à tarde: concede a célebre entrevista a Lauro da Escócia; o ordenança do sargento Kelé tenta lhe arrancar o dedo, para ficar com um anel; 15 de junho: identifica os cangaceiros na foto de José Octávio; 16 de junho: o Tenente Laurentino de Moraes viaja para Natal; 17 de junho: o Tenente Laurentino volta de Natal; 18 de junho: o laudo cadavérico é assinado pelo Juiz Eufrásio Mário, pelo Tenente Laurentino de Moraes e por Dr. João Marcelino; 19 de junho: manda pedir para falar em particular com Rodolpho Fernandes; 20 de junho, naquela noite tenebrosa, às 23 horas, mais ou menos, é assassinado sob a vista dos Tenentes Laurentino de Moraes, Abdon Nunes e João Antunes; Sargentos Pedro Sylvio, João Laurentino Soares, Eugênio Rodrigues; Cabos José Trajano e Manoel; soldados Militão Paulo e João Arcanjo; motorista Homero Couto. 

24. Coube aos soldados o trabalho sujo, como coube quando mataram Lampião, na degolação de Maria Bonita ainda viva. As volantes eram semelhantes ou piores que os cangaceiros. 

25. Dirá depois Luiz da Câmara Cascudo: “Ferido de morte, acuado como uma fera entre caçadores, impassível no sofrimento, imperturbável na humilhação como fora em sua existência aventurosa e abjeta, herói-bandido, toda a valentia física e a resistência nervosa da raça de índios e dominadores dos sertões, reviviam nele, empoçado no sangue, vencido e semimorto. Aquela força maravilhosa, orientada para o crime, dispersava-se lentamente..." 

26. Absolvamos o cangaço e perdoemos José Leite de Santana. Ou, melhor, perdoando José Leite de Santana, absolvamos o cangaço.


Jararaca, preso e ferido, na Cadeia Pública de Mossoró, algum tempo antes de ser morto pela polícia, no cemitério de Mossoró, na noite de 20 de junho de 1927.


terça-feira, 27 de agosto de 2019

WE FOUND BILLY JAYNES CHANDLER!

* Honório de Medeiros


 Em uma quinta-feira do mês de setembro de 2015, publiquei um artigo em meu blog, cujo título é o seguinte: "WHERE IS BILLY JAYNES CHANDLER?"

Nele, eu e minha filha, Bárbara de Medeiros, contávamos o resultado de uma procura intensa por notícias acerca do grande escritor americano que viveu no Brasil e nele escreveu alguns dos clássicos da literatura sertaneja nordestina.

Billy Jaynes Chandler é um dos mais importantes escritores acerca do cangaço e coronelismo, fenômenos ligados entre si e característicos de uma certa época da história recente do Brasil. Suas obras Lampião, o Rei dos Cangaceiros, e Os Feitosas e o Sertão dos Inhamuns, são canônicas, seminais, inigualáveis. Recentemente meu filho, que mora no Canadá, por lá adquiriu o Lampião traduzido para o inglês.

Passaram-se os anos, e nada. Nenhuma notícia...

No início deste agosto, quase três anos depois, mais precisamente dia 8, postaram o seguinte texto no espaço reservado aos comentários ao blog (as traduções a seguir são de Bárbara de Medeiros):

 “Ginny disse...
I was googling my uncle and found this blog from back in 2015. I am Billy Jaynes Chandler's niece”.
 “Estava pesquisando o meu tio no Google e encontrei esse blog de 2015. Eu sou a sobrinha de Billy Jaynes Chandler”.

Eu não li essa postagem. Ocupado com outros interesses, havia deixado o blog um pouco de lado.

Por sorte nossa, Ginny também escrevera para meu email:
“I read uncle bill your blog, translated in English, and it put a smile on his face. He is now 87 and has lost his Portuguese language and has some memory issues. He told me it was ok to reach out to you.
Ginny Petersen”.
“Eu li o seu blog para o tio Bill, traduzido para o inglês, e isso colocou um sorriso em sua face. Ele tem agora 87 anos e perdeu seu conhecimento da língua portuguesa e tem alguns problemas de memória. Ele me disse que era ok eu entrar em contato com você.”

Eu e Bárbara não conseguíamos acreditar. Ficamos muito felizes. Bárbara ficara contagiada com minha admiração por Chandler. No domingo, dia 11, mesmo mês, tratamos de responder:
“I am very happy to know that he’s alive! I hope he is well, despite the memory problems. He is a true icon for us Brazilians, who study cangaço and the local culture. Do you know if he has written anything else? I’m sending you a picture of myself with my copy of his book, now a rarety over here. If possible (and I completely understand if any of you don’t feel comfortable) could you send me a picture of him? My daughter helped me a lot in my researches and would love to see it. Thank you for reaching out!”
“Eu estou muito feliz em saber que ele está vivo! Eu espero que ele esteja bem, apesar dos problemas de memória. Ele é um verdadeiro ícone para nós brasileiros que estudamos cangaço e a cultura local. Você sabe se ele escreveu mais alguma coisa? Estou enviando uma foto minha com a minha cópia de um de seus livros, que se tornou uma raridade por aqui. Se possível (e eu entendo completamente se vocês não se sentirem confortáveis) você poderia enviar uma foto dele? Minha filha me ajudou muito nas pesquisas e adoraria vê-lo. Obrigada por nos contactar!”

Ginny voltou a fazer contato:
“He did not write any more books, 4 books altogether. I recall while I was growing up, his visits to Brazil. Here is a picture of him last year just after his 86 birthday”.
“Ele não escreveu mais livros, foram quatro ao todo. Eu lembro quando estava crescendo, das suas visitas ao Brasil. Aqui está uma foto dele do ano passado, logo após seu 86º aniversário.” 

Nós:
“Thank you so much! He looks great! Do you think I could write a follow-up to my article, now that you have given me the great news that he’s alive? I’d simply mention you have reached out! Maybe I could use the picture? Only if you allow me, of course. Once again, thank you so much for this exchange of messages, you have no idea how much it meant to me and my daughter”.
“Muito obrigada! Ele parece ótimo! Você acha que eu poderia escrever uma continuação do meu artigo, agora que você me deu a ótima notícia que ele está vivo? Apenas se você me permitir, claro. Mais uma vez, muito obrigada por essas mensagens, você não tem ideia do quanto significa para mim e para minha filha!”

Ginny:
“You are more than welcome to do a follow-up. Your question to “where is Billy Jaynes Chandler” has been answered. He lives in Miami, Florida with his sister. :) I wish you could talk with him, he just doesn’t remember much, but has strong memories, although unclear, of his time in Brazil. 
Take care to you and your daughter”.
“Sinta-se à vontade para fazer uma continuação! Sua pergunta ‘Onde está Billy Jaynes Chandler’ foi respondida. Ele mora em Miami, Flórida, com sua irmã. :) Eu gostaria que você pudesse falar com ele, ele apenas não se lembra de muita coisa, mas tem fortes memórias, apesar de incertas, do seu tempo no Brasil. Lembranças a você e sua filha!”.

Muito obrigada Ginny. Estamos enviando esse artigo para você e fazendo a postagem no blog, para que quem puder tenha conhecimento dessa notícia.

Ficamos maravilhados em saber que Chandler está vivo. Torcemos por ele, desejamos que fique muito bem, e lhe enviamos um grande abraço aqui do Nordeste do Brasil, do Sertão que ele conheceu. 

Chandler. Hoje, com mais de 86 anos. Imagem gentilmente cedida por Ginny Petersen, sobrinha sua.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

CANGAÇO E CORONELISMO NO RIO GRANDE DO NORTE: MEADOS DO SÉCULO XIX AO FIM DA REPÚBLICA VELHA (REVOLUÇÃO DE 30)


* Honório de Medeiros

José Augusto Bezerra de Medeiros

Quem critica o Cangaço hostiliza a História e não entende o que é o Poder. 


O Cangaço lança luz sobre a História e o Poder, em intrincada trama com o Coronelismo e o Fanatismo (Misticismo);

São os seguintes os principais cangaceiros que escreveram parte de sua história no Estado do Rio Grande do Norte: José Brilhante de Alencar Souza (o “Cabé”), nascido em Pombal, na Paraíba, em 1824, e morto em Pão de Açúcar, Alagoas, em 1873; Jesuíno Alves de Mello Calado (o “Jesuíno Brilhante”), nascido em Martins, RN, em 1844, e morto em Belém de Brejo do Cruz, novembro/dezembro de 1879; Macilon Leite de Oliveira (o “Massilon”), nascido em Timbaúba dos Mocós, 1897, e morto em Caxias, Maranhão, em 1928; e Virgolino Ferreira da Silva (o “Lampião”), nascido em 4 de junho de 1898, em Serra Talhada, Pernambuco, e morto em 28 de julho de 1938, em Poço Redondo, Sergipe.

O único norte-rio-grandense era Jesuíno Brilhante, o primeiro dos cinco grandes da história do cangaço: Jesuíno, Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Lampião e Corisco, eis a ordem cronológica. 

Existe a suspeita de que Virgínio Fortunato da Silva (o “Moderno”), viúvo de uma irmã de Lampião, Angélica Ferreira da Silva, era dos Fortunado de Alexandria, no Rio Grande do Norte, mas isso nunca foi comprovado. 

E são os seguintes os fatos na História do Rio Grande do Norte nos quais Coronelismo e Cangaço estão fortemente entrelaçados: a invasão de Martins por Jesuíno em 1876; a invasão de Apodi por Massilon em 1927; a invasão de Mossoró por Lampião e Massilon em 1927. 

Todos essas atividades cangaceiras estão conectadas com o coronelismo. 

Não houve Coronelismo no Sertão nordestino sem entrelaçamento com o Cangaço; não houve Cangaço sem Coronelismo. Acrescente-se a esses ingredientes o Fanatismo (Messianismo) e teremos um ponto-de-partida para a real história da época dos coronéis e cangaceiros.

Sempre tratamos esses fatos pelo COMO aconteceu, de forma folclórica, no sentido negativo do termo, mas precisamos nos indagar o PORQUÊ factual que os originou.

Tanto o coronelismo quanto o cangaço são expressões particulares do momento histórico específico que caracteriza o fim da República Velha no Sertão nordestino, muito embora seu padrão, enquanto disputa pelo Poder, seja recorrente na história das civilizações, sob outras formas, haja vista, por exemplo, o feudalismo europeu e japonês, e sua semelhança com esse objeto de estudo. 

As invasões de Apodi e Mossoró são indissociáveis, e se constituem em epicentro de um processo político que durou aproximadamente dez anos e dizem respeito a disputas políticas entre famílias senhoriais do Sertão paraibano e potiguar, tendo como fio-condutor, protagonista, o cangaceiro Massilon. 



 Rafael Fernandes Gurjão

Em 1924 José Augusto Bezerra de Medeiros, legítimo representante da fina flor da aristocracia rural algodoeira do Rio Grande do Norte, chegou ao poder. Seu intento, segundo cronistas da época, era construir uma oligarquia semelhante a dos Maranhão.


Em 1927 o Rio Grande do Norte, cujas principais regiões eram Natal, o Oeste e o Seridó, pareciam sob seu controle político, excetuando-se o crescimento político e econômico dos Fernandes cujas raízes estavam fincadas na Região que começava em Mossoró, passava por Pau dos Ferros, e terminava em Luis Gomes, fronteira com a Paraíva. 

Em 1928 Zé Augusto elegeu seu sucessor, o sobrinho-afim Juvenal Lamartine.

Mas em 1930 veio a Revolução que culminou com o golpe político que elevou Getúlio Vargas ao Poder. 

E Getúlio entregou o poder, após uma série de interventores, a Mário Câmara, aliado de Café Filho e dos adversários de Zé Augusto no Estado. 

Zé Augusto reagiu. Driblou as pendengas com os Fernandes, afinal faziam parte da mesma base econômico-política, a aristocracia rural algodoeira que dominava o Seridó e o Oeste, e juntos criaram o Partido Popular para lutar contra a candidatura de Mário Câmara em 1934.

E assim, na mais cruenta eleição que jamais houve no Rio Grande do Norte, o Partido Popular saiu vitorioso, e Rafael Fernandes, o líder da família Fernandes, foi eleito Governador do Estado.

Zé Augusto elegeu-se Deputado Federal.

Durante a campanha foram assassinados o Coronel Chico Pinto, em Apodi, e Otávio Lamartine, filho de Juvenal Lamartine. Espancamentos, ameaças, humilhações, depredações, foram incontáveis.

O Coronel Chico Pinto era ligado aos Fernandes; Otávio Lamartine a Zé Augusto.

À sombra de ambos, tramando contra, outros coronéis; à sombra desses coronéis, os cangaceiros...

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

FREDERICO PERNAMBUCANO DE MELLO E "GUERREIROS DO SOL"


* Honório de Medeiros

"O BRIO DE CRISTAL"

Em 19 de novembro de 2010 debati, com Frederico Pernambucano de Mello, acerca de sua obra-prima “Estrelas de Couro: A Estética do Cangaço”, sob mediação da escritora Clotilde Tavares, na IIª Feira Literária da PIPA (FLIPIPA).

Debate não é o melhor termo para definir esse encontro. Trocamos ideias, eu como aprendiz, e Frederico Pernambucano de Mello como mestre de todos nós, estudiosos da Cultura e História Sertaneja, ambos pontuados pela inteligência brilhante de Clotilde Tavares, ante uma plateia atenta e participativa.

Eu acabara de lançar meu "Massilon" (Nas Veredas do Cangaço e Outros Temas Afins).

Mas indo ao que importa, penso que todos os livros do mestre são importantes, entretanto dois são canônicos: "Guerreiros do Sol" e "Estrelas de Couro: A Estética do Cangaço". 

O primeiro é fundamental, e não há como estudar a cultura sertaneja nordestina sem o ler. Trata-se de obra tão importante quanto, por exemplo, "Os Sertões", de Euclides da Cunha, na opinião de muitos.

Discorrendo acerca do banditismo rural no sertão nordestino, lá para as tantas Pernambucano de Mello, em uma Nota Introdutória que compõe a introdução à 5ª edição revista e atualizada, na qual tive a honra de ser citado, observa:

"Num e noutro dos universos rurais nordestinos o banditismo teve lugar. Na mata litorânea como no sertão profundo. É claro que com diferenças. São dois mundos, afinal. Duas culturas. Dois homens. Duas sociedades. O coletivismo da tarefa agrícola domesticou o litorâneo. Afeiçoou à hierarquia e à disciplina, muito fortes nos engenhos de açúcar. O sertanejo permaneceu puro em sua liberdade ostensiva, quase selvagem. A pecuária não veio se cristalizar ali em trabalho massificado. Não embotou o individualismo do sertanejo. O seu livre-arbítrio. Ou a sobranceria. Veio daí o orgulho pessoal exagerado que apresentava. O brio de cristal. As próprias cercas não  chegam ao sertão antes do século passado. A visão do sertanejo era a caatinga indivisa. Com o homem se sentindo absoluto numa paisagem absoluta".

Talvez alguns não concordem, mas como não se render a essa tessitura finamente composta de "insights" tão precisos quanto envolventes acerca da alma do nosso sertanejo nordestino ancestral?

E prossegue a obra tão densa quanto formalmente atraente, a discorrer acerca da nossa história e cultura comuns, elencando hipóteses, apontando caminhos, propondo soluções, tudo em ritmo forte, que nos exige atenção redobrada e esforço investigativo incomuns para não perdermos o fio-da-meada.

Nela, por exemplo, já se menciona o impressionante tema da estética do cangaço, que viria a ser tema central da obra que pautou o debate.

Mas não somente, claro. Há a teoria do escudo ético; a tipologia dos cangaceiros; a psicologia do homem sertanejo nordestino arcaico; o arcabouço da violência que construiu o habitat próprio do cangaço; a relação seca/economia/cangaço; os fatores que influenciaram o fim desse ciclo tão próprio do nosso Sertão; a análise acerca da disseminação, nas terras sertanejas, do "ethos" da violência como apanágio da masculinidade, a partir do conflito entre famílias; o papel da nossa indiada no ensino de táticas de guerrilha que foram recebidas e aprofundadas pelos cangaceiros... 

"Guerreiros do Sol" recebeu elogios entusiásticos de Gilberto Freyre, em prefácio à primeira edição. De Ariano Suassuna. De Bernardo Pericás. Ouso dizer que Cascudo seria admirador da obra. De tantos outros, ao longo do tempo. Todos lhe aplaudindo sua importância singular.

Assim como eu, anônimo, mas que também sei aplaudir.

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

NO TEMPO DOS CANGACEIROS E DOS CORONÉIS

NO TEMPO DOS CANGACEIROS E DOS CORONÉIS: CANGACEIRO MOITA BRAVA DELATA O ENVOLVIMENTO DE IMPORTANTES CORONÉIS PARAIBANOS EM ASSALTOS NA REGIÃO DE POMBAL


* José Tavares de Araújo Neto

O Dr. José Ferreira de Queiroga, deputado estadual, chefe político que comandava Pombal desde 1915, mantinha estreitas ligações com o coronel José Pereira, líder da cidade de Princesa, também com assento na Assembleia Legislativa da Paraíba. José Pereira e José Queiroga integravam, na condição de primeiro e segundo vice-presidentes, a “Chapa dos Três Jotas”, encabeçada por Júlio Lyra, e que apresentada em 1928 pelo Presidente do Estado Joao Suassuna para sua sucessão, mas que foi vetada pelo todo poderoso ex-presidente da República Epitácio Pessoa.

Inimigo declarado do coronel José Pereira, o Presidente João Pessoa se incomodava com essa relação de compadrio entre os dois coronéis, não dispensando o menor sentimento de confiança ao pombalense. Em 1929, na tentativa de indicar o prefeito de Pombal, Dr. José Queiroga teve três nomes rejeitados pelo Presidente João Pessoa, que nomeou para o cargo Elias Camilo de Sousa, sugerido por seu cunhado, o Procurador Geral do Estado Dr. Mauricio de Medeiros Furtado, pai do economista Celso Furtado.

Em 1930, a Paraíba se encontrava no estágio máximo de sua efervescência política. Sob o pretexto de manter a ordem e garantir lisura na eleição presidencial, marcada para dia 1º de março, o Presidente do Estado João Pessoa, candidato a vice-presidente da República na chapa encabeçada por Getúlio Vargas, enviou à cidade de Teixeira um forte efetivo da polícia militar, comandado pelo tenente Ascendino Feitosa, que determinou a prisão de importantes figuras da oligarquia Dantas, aliada do Coronel José Pereira Lima, e este, por sua vez, em face dos acontecimentos, tinha se feito inimigo político e pessoal do Presidente do Estado.

Sabedor da prisão dos seus correligionários, o coronel José Pereira mandou um recado para o tenente Ascendino Feitosa: Se não soltasse os presos, ele mesmo iria libertá-los e não sobraria um só soldado para contar a história. A princípio o tenente resistiu, porém cedeu quando soube que as tropas do coronel, em grande quantidade e bem municiada já se dirigia a Teixeira. Percebendo a grande desvantagem numérica, o tenente não viu outra saída a não ser ordenar aos seus comandados a imediata retirada. Este evento marcou o início do sangrento conflito que ficou conhecido como “A Guerra de Princesa”.

Para enfrentar os sediciosos de Princesa, o Presidente João Pessoa havia disposto o efetivo policial da Paraíba sob três comandos: um com o Coronel Comandante da Polícia Militar da Paraíba, Elísio Sobreira; outro com o Delegado Geral do Estado, Severino Procópio; e, o terceiro, com o Secretário de Interior e Justiça, José Américo de Almeida. Enquanto os combates com as forças paraibanas centralizavam-se na região de polarizada por Princesa, o coronel José Pereira formou grupos armados destinados a buscar meios para financiar a guerra nas regiões de Coremas, Malta, Pombal, Catolé do Rocha, Brejo do Cruz e São Bento. Os locais de apoio se concentravam no município de Pombal, nas Fazendas Oriente e Olhos D’água, propriedades dos irmãos Dr. José Queiroga e Coronel Manuel Queiroga, ambos filho do Coronel Benedito Queiroga, conhecido coiteiro do cangaceiro Antonio Silvino, falecido em 1921. Os jagunços do coronel José Pereira haviam recebido ordem expressa para atacarem a fazenda Conceição, do Coronel José Avelino de Queiroga, abastado fazendeiro, principal adversário político de Dr. José Queiroga. A rota de fuga seria na direção de cidade de Serra Negra, no vizinho Estado do Rio Grande Norte.

O Grupo, comandado pelo ex-cabo João Paulino, desertor da Polícia Militar do Estado da Paraíba que se aliou ao Coronel José Pereira, tinha como pontos de apoio as Fazendas Oriente e Olhos D’água, propriedades dos irmãos Dr. José Queiroga e Coronel Manuel Queiroga, ambos filho do Coronel Benedito Queiroga, conhecido coiteiro do cangaceiro Antonio Silvino; falecido em 1921. O grupo havia recebido ordem expressa para atacar a fazenda Conceição, do Coronel José Avelino de Queiroga, que apesar de primo, era o principal adversário político de Dr. José Queiroga. Avisado que a força volante se dirigia a Fazenda Aliança, onde o bando se encontrava acoitado, João Paulino juntou seus homens, montaram em seus cavalos e partiram em desenfreada disparada na direção fa Fazenda Olho D’água. Ele, como uma pessoa bastante experiente, sabia que era preciso esquivar-se de embates com a polícia a fim de evitar perdas desnecessárias de homens e, principalmente, economizar munição. Além desses motivos, havia a recomendação de fazer o máximo possível para não comprometer a respeitável figura do deputado Dr. José Queiroga. Na pressa, o cangaceiro Moita Brava sofre uma queda do cavalo, não suportando as dores, sendo deixado aos cuidados de um sertanejo amigo de Dr. Queiroga, enquanto o bando se divide em três subgrupos, que tomam diferentes direções.

Sob a coordenação do Secretário José Américo, a tropa governista impõe uma intensa perseguição. Em 08 de julho, localiza e prende Moita Brava. No dia 10, cerca e mata Candido Honorato, no sitio Pau Ferrado. No dia seguinte, a volante comandada pelo tenente José Guedes ataca o grupo no Sitio Almas, matando uma pessoa, e fazendo apreensão de dois fuzis e recuperação de vários objetos roubados. No dia seguinte, o bando com invade a fazenda Ipueiras, de propriedade de Pedro Marques de Medeiros, roubando dinheiro, objeto e incendeia a fazenda, logo após fugindo na direção vizinha cidade de Serra Negra, no Rio Grande do Norte.

Preso, o cangaceiro Moita Brava é levado para à cadeia da cidade de Brejo do Cruz, onde no dia 10 de julho presta um bombástico depoimento (v. anexo), no qual delata o envolvimento do coronel José Pereira e do Dr. José Queiroga nos fatos acontecidos em Pombal. Quatro dias depois, ou seja, no dia 14 de julho, Moita Brava falece na prisão, acometido por uma pneumonia dupla, cujo diagnostico foi assinado pelo médico Dr. Américo Maia, primo e cunhado dos futuros governadores João Agripino (PB) e Tarcísio Maia (RN).

(*) TERMOS DO DEPOIMENTO DO CANGACEIRO MOITA BRAVA PRESTADO AO SUBDELEGADO DE BREJO DO CRUZ

Aos dez dias do mez de julho do anno de mil novecentos e trinta, nesta Villa de Brejo do Cruz, na cadeia pública, presente o subdelegado de polícia, sargento Delmiro Pereira da Silva, foi ouvido Euclydes Bezerra, que respondeu as perguntas que foram feitas pela dita autoridade, pelo modo seguinte: Perguntado qual o seu nome, filiação, idade, profissão, estado, nacionalidade, residência e se sabia ler e escrever, respondeu chamar-se Euclydes Bezerra, vulgo “Moita Brava”, filho de José Bezerra, com vinte e cinco annos de idade, solteiro, Josécultor, brasileiro, no Espírito Santo, Estado de Pernambuco, não sabe ler nem escrever. Perguntado mais como se passado o facto de ter elle sido preso, respondeu que foi preso pelo dr. secretário de segurança, no logar cujo nome elle ignora, sabendo, entretanto, ter sido o município de Pombal, devido fazer parte do grupo que vinha de Princeza, chefiado por João Paulino, Abilio e Rogério de tal; que ficou em sua casa doente, por não poder seguir com seus companheiros; que faz uns dezoito ou vinte dias que fazia parte do grupo, tendo entrado no grupo no logar Barra, do município de Princeza; que de Barra seguiu para Olho d’Água, dahi dirigiram-se para a fazenda do coronel João Alves, onde houve um tiroteio de dez minutos mais ou menos, tendo o grupo roubado, incendiado e feito outras depredações; dahi da propriedade de João Alves foram para a propriedade do subdelegado de Malta, que reside no município de Piancó, de nome Tota Assis, onde o prenderam e o conduziram, fazendo ali pequeno roubo; que dahi seguiram para o “Oriente” do dr. José Queiroga, onde passaram três dias, onde não fizeram nenhuma depredação, por terem ordem do coronel José Pereira para ali não tocarem em nada; que sahiram do oriente, porque foi um portador de Pombal avisar que ia uma força em perseguição e levava um dinheiro que foi entregue a João Paulino, cuja quantia elle ignora; que lá no “Oriente” receberam quatro animaes de presente, mandados por um senhor por nome de Cabeçudo e mais um rapaz para fazer parte do grupo, de nome José, que foi appellidado pelo grupo pelo nome de “Norato”, cujos signaes característicos são os seguintes: alto, alvarento, secco do corpo, cabello vermelho, faltando um dedo mínimo na mão esquerda; que logo depois da chegada do aviso de Pombal com algumas horas o grupo foi atacado, pela força, havendo um pequeno tiroteio, que dahi eles correram em direcção da rodagem de Malta a Pombal, onde fizeram alguns roubos e depredações; que o grupo era composto de quarenta e seis homens chefiadas por João Paulino, Rogério e Abilio, tendo outro grupo chefiado por José Joca, com perto de trinta e cinco homens, que se separou do grupo de João Paulino no logar Olho d’Água; que o grupo trazia ordem do coronel José Pereira de só passarem três semanas, voltando novamente para Princeza, mas o chefe do grupo disse que passava até três mezes se pudesse; que o grupo tinha ordem do coronel José Pereira de saquear e fazer depredações e não atirarem para não estragar a munição, que o grupo falava em atacar Pombal, Brejo do Cruz, Curema, Catolé, Conceição do Coronel José Avelino, Catingueira, e Serra Negra, não sabendo se nesta era para atacar ou descansar; que o producto do roubo os cabras entregaram ao chefe do grupo; que elle interrogado fez parte do grupo por ter se desgostado com a família; que os nomes do pessoal do grupo e seus apellidos de guerra eram os seguintes: João Paulino, Rogério, Abillo, Adaucto, José Joca, que ficou em Olho d’Água; Adalberto, Sebastião Engraxate, Arthur, cícero Fernandes, Briba, nome de guerra que ignora o nome; Garrincha, Euclydes de Goes, Lino, Norato, José Caetano, Manoel Rocha, Felix Raymundo, Leopoldo e outros que não sabe do nome nem do apellido. E como nada mais foi perguntado, deu a autoridade o auto por findo, mandando lavrar o presente auto, que depois de lido e achado conforme, assigna com Ildefonso Chaves e Octávio Olympio Maia, por não saber o interrogado escrever, commigo Urbano Maia, escrivão que o escrevi, Delmiro Pereira da Silva, Ildefonso Chaves e Octávio Olympio Maia.


(*) Depoimento Transcrito do Diário de Pernambuco, edição de quinta-feira, 24 de julho de 1930, página 3. (edição 00168).

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

CARIRI CANGAÇO EM SÃO JOSÉ DE BELMONTE - PROGRAMAÇÃO

IMPERDÍVEL! Em um lugar mágico, no qual a literatura, o misticismo, o cangaço e o coronelismo marcaram encontro por intermédio dos seus estudiosos, o Cariri Cangaço, mais uma vez, expõe a alma sertaneja nordestina brasileira para seus admiradores pelo Brasil e o mundo, sob a batuta de seu Curador Manoel Severo Barbosa.


PROGRAMAÇÃO CARIRI CANGAÇO
SÃO JOSÉ DE BELMONTE 2018


QUINTA-FEIRA, 11 de Outubro de 2018

19h – Noite Solene de Abertura 
Castelo Armorial
São José de Belmonte

19h10min - Apresentação do Grupo de Bacamarteiros
Associação dos Bacamarteiros de São José de Belmonte

19h20min – Formação da Mesa de Autoridades
19h30min – Hino Nacional


19h30min – Apresentação do Cariri Cangaço
Por Conselheiro
HONÓRIO DE MEDEIROS 
Natal-RN

19h45min - Fala das Autoridades

20h20min - Entrega de Diplomas a homenageados
ROMONILSON MARIANO 
KAYSON DE OLIVEIRA PIRES 
ROBÉRIO CARVALHO BEZERRA
JACKSON CARVALHO 
VALDIR JOSÉ NOGUEIRA MOURA
Por Conselheiros e Pesquisadores 
JOÃO DE SOUSA LIMA
ELANE MARQUES
RODRIGO HONORATO
WILTON SILVA

20h40min - Comenda ao Mestre Ariano Suassuna
"Personalidade Eterna do Sertão"
MANUEL DANTAS SUASSUNA
Por Conselheiros
IVANILDO SILVEIRA 
JULIANA PEREIRA

20h45min - Comenda ao Castelo Armorial
"Equipamento Imprescindível à Memória e Cultura do Sertão" 
CLÉCIO NOVAES
Por Conselheiros
WESCLEY RODRIGUES
CRISTINA COUTO

20h50min - A Força e a Tradição de São José de Belmonte
VALDIR JOSÉ NOGUEIRA MOURA

21h20min - O Legado do Cariri Cangaço
MANOEL SEVERO BARBOSA

21h45min - Coquetel de Encerramento
Castelo Armorial

SEXTA-FEIRA
Dia 12 de Outubro de 2018

8h30min - Saída para Visita Técnica

9h - Fazenda Cristóvão de Ioiô Maroto
São José de Belmonte

9h30min - Descerramento da Placa Comemorativa do
Marco da Fazenda Cristóvão

10h – Conferência: “A Trama da Invasão de Belmonte e a 
Morte de Gonzaga em outubro de 1922"
VALDIR JOSÉ NOGUEIRA MOURA

12h - Almoço 

14h - Visita Guiada e Comentada:
Centro Histórico de Belmonte
Rua Cel. Luiz Gonzaga Gomes Ferraz
Rua Soldado Heleno
Antiga Casa do Coronel Gonzaga Ferraz
COMISSÃO ORGANIZADORA LOCAL

15h30min - Adro da Matriz de São José
CORTEJO DA CAVALHADA DE ZECA MIRON

16h20min -Estádio Carvalhão
Apresentação da Cavalhada de Zeca Miron 

NOITE

19h45min - Castelo Armorial
São José de Belmonte

Mestre de Cerimônia 
ROSSI MAGNE

20h - Comenda à Cavalhada Zeca Miron
MESTRE RÉGIS 
Por Conselheiro e Pesquisador:
KYDELMIR DANTAS
ROBÉRIO SANTOS

20h10min - Comenda à Associação de Bacamarteiros
ERNESTO SÁVIO CARVALHO
Por Conselheiro e Pesquisador:
EDVALDO FEITOSA
DANIEL WALKER

20h15min - Comenda ao IHGP-Instituto Histórico e Geográfico do Pajeú

AUGUSTO MARTINS
Por Conselheiro e Pesquisador:
GERALDO FERRAZ
HEITOR FEITOSA MACEDO

Noite de Conferências

20h30min -A Saga Carvalho e Pereira
HELVÉCIO NEVES FEITOSA 
DÊNIS CARVALHO
LUIZ FERRAZ FILHO

21h30min -Sinhô Pereira e Luis Padre
SOUSA NETO
JORGE REMÍGIO

Mesa:
MANOEL SEVERO
VALDIR JOSÉ NOGUEIRA

SÁBADO
Dia 13 de Outubro de 2018

8h30min - Saída para Visita Técnica

9h30min - "Casa de Pedra" - Serra do Catolé
São José de Belmonte

10h30min - Conferência:“O Fogo de 1924 e Ferimento no Pé de Lampião pela Volante de Teophanes Ferraz"
CLÊNIO NOVAES

11h - Visita ao Sítio Histórico da "Pedra do Reino"
Entrada do Rei e da Rainha da Cavalgada 2018, 
sob salva de tiros dos Bacamarteiros e Cruzamento de Lanças.

11h20min - Conferência: "A Espetacular Ilumiara Pedra do Reino"
MANUEL DANTAS SUASSUNA

12h - Conferência: “No Reino Encantado da Pedra do Reino"
ERNANDO ALVES DE CARVALHO

13h - Almoço

13h30min - Homenagem e Diploma ao "Tempero do Reino"
Por Conselheira e Pesquisadora:
LILI CONCEIÇÃO
RÚBIA LÓSSIO

NOITE

19h45min - Castelo Armorial
São José de Belmonte 

19h30min - Apresentação
RITA PINHEIRO
A Garimpeira da Cultura

20h15min – Entrega de Diplomas a Homenageados
CARLOS SANTOS 
ELIANE GIOLO 
JORGE FIGUEIREDO
CÍCERO AGUIAR
LUCIANO COSTA
Por Conselheiros e Pesquisadores:
MANOEL SERAFIM
PROFESSOR PEREIRA
LUIZ RUBEN BONFIM
CARLOS ALBERTO SILVA

Noite de Conferências

20h30min -A Pedra do Reino na Literatura Nacional e Internacional
DÉBORA CAVALCANTES DE MOURA

21h10min -Vídeo e Debate
"Mentiras e Mistérios de Angico"
ADERBAL NOGUEIRA
Laser Vídeo
Mesa:
JOÃO DE SOUSA LIMA
JULIANA PEREIRA
NARCISO DIAS

DOMINGO

Dia 14 de Outubro de 2018

9h - Visita Guiada ao Castelo Armorial

10h - Confraternização de Encerramento
Forró Pé de Serra


Realização
INSTITUTO CARIRI DO BRASIL
Co-realização
CASTELO ARMORIAL
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DE BELMONTE

Apoio
IHGP - INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO PAJEÚ
ICC - INSTITUTO CULTURAL DO CARIRI
SBEC- SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS DO CANGAÇO
GECC - GRUPO DE ESTUDOS DO CANGAÇO DO CEARÁ
GPEC-GRUPO PARAIBANO DE ESTUDOS DO CANGAÇO
LASER VÍDEO

Mídia e Redes Sociais
GRUPO LAMPIÃO CANGAÇO E NORDESTE
GRUPO OFICIO DAS ESPINGARDAS
COMUNIDADE O CANGAÇO
GRUPO HISTORIOGRAFIA DO CANGAÇO
O CANGAÇO NA LITERATURA
GRUPO SERTÃO NORDESTINO
PROGRAMA RAÍZES DO SERTÃO
ODISSÉIA DO CANGAÇO

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

CANGAÇO , CORONELISMO E FANATISMO SÃO MANIFESTAÇÕES DO PODER

Massilon: ele estava no ataque a Apodi e Mossoró em 1927

Honório de Medeiros
* Emails para honoriodemedeiros@gmail.com
* Respeitemos o direito autoral. Em conformidade com o artigo 22 dLEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências, pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.

O coronelismo e o cangaço, assim como o fanatismo (misticismo) tão característicos de certo período histórico do Sertão nordestino brasileiro, são manifestações do fenômeno do Poder, de como ele é obtido, se instaura  e é mantido em qualquer circunstância.

A forma como o Poder se instaura diz respeito a fatores circunstanciais, mas o conteúdo permanece o mesmo desde que o Homem surgiu na face da terra.

Exemplos que comprovam essa afirmação são quaisquer processos políticos que aconteceram ao longo da história, tais quais os descritos em farta literatura acerca de Atenas, Roma, a Inglaterra vitoriana, ou qualquer outro que seja.

A forma se modifica ao longo do tempo em decorrência do avanço tecnológico, por exemplo. Se antes o Homem combatia com arcos e flechas, hoje usa mísseis teleguiados.

Assim, o coronelismo, o cangaço e o fanatismo são "cases" do fenômeno do Poder próprios de uma determinada circunstância histórica. São semelhantes, em sua estrutura, ao feudalismo europeu e japonês.

As narrativas acerca do coronelismo, cangaço, e fanatismo devem ser estudadas levando-se em consideração o fator de "ocultamento" que é próprio da lógica de atuação dos que detêm o Poder.

Nesse sentido, escrever, omitir, manipular, direcionar os textos, tudo isso e mais, cumprem o papel de impor a lógica dos que podem impor sua percepção das coisas e dos fenômenos.

No Rio Grande do Norte, por exemplo, é difusa, porém persistente, a concepção de que os coronéis da política eram homens afastados da lide com o cangaço, bem como é persistente a concepção de que o cangaço, excetuando a invasão de Mossoró por Lampião, pouca relevância teve no Rio Grande do Norte.

São "esquecidos" José Brilhante, o Cabé; Jesuíno Brilhante; a invasão de Apodi por Massilon; a invasão de Mossoró por Lampião e Massilon; e a morte de Chico Pereira.

Não se estuda, como deveria ser estudado, a invasão de Apodi por Massilon e sua relação com a invasão de Mossoró por Lampião pouco mais de um mês depois. Bem como não se estuda a participação do coronelato da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte no evento.

E perdemos todos pois, na verdade, em essência, o que se deve estudar quando analisamos fatos históricos como esses, é o fenômeno do Poder, tão onipresente quanto a existência do Homem na face da terra.