Teatro
Por Honório de Medeiros
Fica patente que o Teatro é subversivo, o mais das vezes, é bem verdade, só e somente só quando surge das ruas e não tem qualquer ligação com o Estado. É quando ele retoma sua ligação histórica com uma tradição que talvez venha desde os gregos e seus dramas e comédias nas quais todos os aspectos da vida podiam ser abordados livremente – e era exatamente isso que o povo esperava: Aristófanes ridicularizando Sócrates em “As Nuvens”; Sófocles contrapondo, ao Estado, a insurgência contra leis injustas em “Antígona”.
Tradição que atravessa o medievo com a “Comédia da Arte”, ou seja, o teatro mambembe que a tudo e a todos ridiculariza, através da caricatura ligeira, ferina, e chega a Shakespeare, a quem Harold Bloom atribui a condição de esteio da cultura ocidental. E prossegue até hoje irrompendo marginalmente nas “performances” inesperadas de grupos quase anônimos que aparecem e desaparecem com a mesma rapidez de seus textos cáusticos e ligeiros acerca do homem e de suas idiossincrasias – o poder, o amor, a guerra...
O outro Teatro, mesmo quando de rua, é oficialesco por que patrocinado pelo Estado. E, como tal, no mínimo deve omitir-se de críticas. No máximo deve ser laudatório em uma escala sub-reptícia. Não por outra razão, o mero fato de ser uma superprodução, com a forma preponderando sobre o conteúdo, disfarça e oculta o real e ressalta, para os incautos, uma suposta preocupação do Poder em apresentar, para o povo, uma preocupação com a cultura. Então temos luzes, fogos, brilho, cores, música, tudo em escala colossal, para distrair e ocultar, divertir e esconder. “Panis et Circus”.
O outro Teatro, o subversivo, está próximo do mambembe, da revista, da arena, da cultura popular não estilizada como as cantorias, a poesia de cordel, os pastoris e a dança. Esse Teatro percorria os arrabaldes e bairros proletários da Paris pré-revolucionária, como nos conta Restif de La Bretonne em “Noites Revolucionárias” debochando, juntamente com os jornais de tiragens mínimas, feitos em gráficas clandestinas, do Poder, do Rei e, principalmente da Rainha, e promovendo, inconscientemente, a revolta popular por que mostrando, de forma insidiosa, ao que conduzia – a fome, a miséria – os excessos dos que tinham tudo em detrimento dos que nada tinham.
O Poder, que é fértil em estratagemas, de há muito compreende o potencial subversivo da cultura popular. E a encampou eviscerando-a. No mundo “fashion” do Estado espetáculo Lampião e Maria Bonita desaparecem enquanto símbolos de uma época e circunstância histórica e ressurgem como pálidos personagens de uma historiografia oficial construída para valorizar o investimento que as elites fazem para divertir a massa, atrair turistas, e movimentar recursos que hão de retornar, de uma forma ou de outra, para quem os destinou.
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