sábado, 18 de junho de 2011

AILTON MEDEIROS, O "OUTSIDER"

Ailton Medeiros

Ailton Medeiros tem um olhar crítico acerca das coisas e dos fatos, para os quais se debruça com as lentes privilegiadas que sua cultura "underground" construiu ao longo de uma vida de muitas leituras, muitos filmes e muitas conversas. Abaixo, um pouco do seu pensamento.


Blog: Ailton Medeiros é um "outsider", "um maldito"?

Quem sou eu para dizer quem sou eu? Na verdade, não sei quantas almas tenho, cada momento mudei. Mas gosto de uma frase de François Silvestre: "Se tivesse que me esculpir, era assim que me talhava: língua de bêbado e olhar de criança".

Blog: Qual a diferença entre Ailton Medeiros e os outros blogueiros do Rn?

Digo o que penso. Meu tom às vezes é sarcástico. Pode ser desagradável, mas é uma crítica. Trato as pessoas como adultos. É tão incomum isso na nossa sociedade que as pessoas acham que é ofensa.

Blog: Ailton Medeiros tem algum "rabo-de-palha"?

Não, porque faço tudo às claras. Jamais deixaria de escrever o que penso sobre isso ou aquilo na suposição de que meus amigos (ou mesmo meus patrões) não concordariam comigo. Tenho opinião, não vendo opinião. E o segredo de aborrecer é dizer tudo. E eu digo o que acho que tem de ser dito.

Blog: Um livro, uma música, um filme.

Livro: "Deserto dos tártaros" (Dino Buzzati);

Filme: "Nós que nos amávamos tanto" (Ettore Scola);

Música: My Generation (The Who).

Blog: Quem, no Rn, pensa que escreve bem, mas não escreve nada?

Diógenes da Cunha Lima.

Blog: Quem, no Rn, politicamente, merece respeito?

Aluzio Alves pelo conjunto da obra. Alves foi um homem de ação e de ideias, o que é quase raro entre políticos. E foi um homem do seu tempo com todas as qualidades e defeitos. Pena que não tenha deixado substituto.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

GOVERNO VERSUS SERVIDOR PÚBLICO

maryderosso.blogspot.com


Honório de Medeiros


                            O que se percebe hoje, no Rio Grande do Norte, no que diz respeito ao embate entre categorias de servidores públicos e Governo, não é uma crise no Estado, entendido este, na percepção do senso comum, como “lugar” no qual ocorrem acontecimentos sócio-políticos.

                            O Estado, na verdade, é uma cristalização, uma “formalização” de como a Sociedade se auto-organiza e, nesse aspecto, continua incólume: funciona o Poder Legislativo; funciona o Poder Judiciário; até mesmo funciona o Poder Executivo; e a vida real, concreta, o dia-a-dia no campo social, as relações de produção fluem normalmente.

                            Mas há uma crise no Governo, e esta é grave.

                            As raízes do embate entre o atual Governo e algumas categorias de servidores públicos são antigas e profundas. Aqui não é o local apropriado para esmiuçar todas elas, muito embora seja possível detectar, como nexo a lhes dar unidade, a contínua e ancestral espoliação dos servidores públicos, via apropriação de sua força de trabalho.

                            Um exemplo situa o abstrato no concreto: os tributos que sobem indiscriminadamente enquanto o poder de compra dos servidores públicos cai. No que diz respeito ao servidor público há, inclusive, um epifenômeno específico: enquanto outros segmentos da classe média têm como limite para seu crescimento econômico-financeiro as leis do mercado, o barnabé, ao longo dos anos, sente na pele os efeitos do congelamento artificial de sua remuneração, ao travar a luta diária contra as gôndolas dos supermercados, os preços da educação particular, os custos da medicina privada.

                            Entretanto é necessário analisar uma dessas raízes exposta pela circunstância político-institucional vivida em nosso Estado pelos servidores públicos, expondo suas causas e suas conseqüências.

                            E qual é ela?

                            Quanto a este Governo, embora pudéssemos abarcar os anteriores, a histórica postura da elite dirigente que o compõe em estimular as negociações com os servidores públicos por categorias. O objetivo da estratégia ancestral é maquiavélico: dividir para reinar. E o que era para ser uma vitória estratégica, se revelou um erro histórico.

                            Na medida em que a discussão é encetada por categorias, separadamente, e especificamente com aquelas que têm poder de barganha, como os auditores fiscais, a polícia militar, ou os médicos, todo o restante dos servidores públicos – e é uma imensa maioria – é deixada de lado e condenada à submissão: aqui convém lembrar os ASGs, os Técnicos de Nível Superior e Médio, e assim por diante.

                            Perdem, assim, ambos: Governo e categorias. O Governo, governabilidade; as categorias, legitimidade.

                            Até recentemente essa estratégia surtiu aparentes efeitos favoráveis e, mesmo equivocada, garantiu sobrevida. Todos os governos, desde as capitanias hereditárias em sua essência conservadores, até mesmo reacionários, constituídos que foram pela mesma elite que há séculos se apropriou dos aparelhos do Estado - embora às vezes aparentemente dividida por cores, bandeiras e músicas -, têm como seus uma “memória” no trato com a “coisa pública” que induz a mesma conduta, a mesma ação, o mesmo procedimento, ano após ano, em relação aos servidores públicos.

                            Mas um dia a casa – mal construída - cai, e a causa é claramente perceptível: as contradições inerentes à postura conservadora de governar, que se materializa por intermédio do exacerbamento radical da tentativa de implantar um modelo financista de gestão, ou seja, fazer caixa para obras (a face perversa da “Teoria do Bolo Econômico”), e a conseqüente necessidade de “enquadrar” as categorias de servidores públicos que ameaçam tal modelo gerencial via crescimento da folha de pagamento do Estado.

                            E como “fazer caixa” equivocadamente, sem atacar os chamados “nós estruturais” como, por exemplo, o número de Secretarias, de cargos em comissão, o déficit previdenciário, o repasse para os outros Poderes, a gestão do patrimônio do Estado, origina, em curto prazo, um déficit de legitimidade, eis a conseqüência: o Governo não conta com as categorias com as quais litiga porque não conseguiu atraí-las para seu plano de gestão; e não conta com a maioria submissa do restante dos servidores públicos por que sequer percebe sua existência; não conta com a Sociedade por que seu discurso, contraditório, conseqüência de sua percepção autoritária de gestão, confunde e suscita antipatia.

                            Esse modelo conservador de gestão e suas conseqüências, radicalizado ao extremo em sua face mais perversa, a de confrontar as categorias “fortes”, e relevar a massa “fraca”, de servidores públicos, e suas entranhas ocultas, secundado por uma mídia obsequiosa e/ou incapaz de perceber o pano-de-fundo dos acontecimentos, parte dela a esgrimir com o olho no descalabro dos governos anteriores, alheia ao fato de que as elites governantes historicamente são as mesmas, e parte a exibir seu desnorteio ante o que realmente está acontecendo, conseguiu reunir, como adversários internos, embora ainda separados entre si, as categorias enganadas pelos artifícios eleitoreiros dos personagens políticos locais que se revezam no Poder desde sempre.

                            E em que erraram as categorias ao longo do tempo?

                            Erraram por caírem no canto de sereia das elites governantes aceitando discussões remuneratórias unilaterais, confiando em seu poder individual de pressão. Agora, quando precisam da maioria dos servidores públicos para dar legitimidade às suas pretensões, não são capazes de mobilizá-la, e como não o são, não se legitimam ante a Sociedade. Sociedade cansada da mesma prática encampada tantas e tantas e que somente lhe trás prejuízos.

                            Pagam o preço de seu erro histórico: ao encontrarem um Governo disposto a radicalizar sua opção ideológica cuja face exposta é o modelo de gestão “fazer caixa para tocar obra”, e disposto a destruir, ainda mais, a imagem do servidor público ante a Sociedade, apresentando-o como ganancioso, estão passíveis de saírem derrotados nesse enfrentamento, “perdendo a parada”.

                            Agora, a conseqüência para a Sociedade.

                            Suponhamos que o Governo consiga dobrar as categorias. Qual o resultado concreto dessa vitória de Pirro?

                            O “caixa” melhora, substancialmente. O Governo vai “tocar obras”, repetindo a mesma toada de sempre, desde as Capitanias Hereditárias e a construção do Forte dos Reis Magos.

                            E dificilmente avançaremos quanto às políticas publicas.

                            Políticas públicas, para se concretizarem, necessitam de servidores públicos treinados, bem remunerados, e, principalmente, fundamentalmente, persuadidos a darem o melhor de si.

Políticas públicas não se concretizam com servidores ressentidos.

                            E existe um ressentimento histórico nos servidores públicos do RN, em sua imensa maioria, com exceção de algumas castas privilegiadas, que já construíram, para si, um ambiente “legal” apropriado no qual se mantêm, distantes das agruras pelas quais passam os professores, os médicos, os policiais, os técnicos de nível médio, os ASGs...

                            Com servidores ressentidos, nada funciona no serviço público. O exemplo nem sempre lembrado é o Governo Geraldo Melo.

Nada funciona em decorrência da “greve branca” que, insidiosa, não declarada, se instala. É um desânimo geral: os processos administrativos não andam, ou passam a andar em círculos. Ações não se concretizam; programas definham; políticas públicas passam a ser pura retórica governamental. Tudo isso, como se sabe, gera conseqüências eleitorais.

                            E a grande vítima, claro, é a Sociedade, que paga o preço por estar entre o touro enfurecido e o abismo.

                            Por fim: o que faltou ao atual Governo em sua relação com os servidores públicos?

Uma percepção não autoritária de gestão pública, com o desdobramento óbvio: respeito no trato com quem está do outro lado da mesa de negociação e compõe essencialmente a Administração Pública. Compreender a premência de uma Reforma do Estado, sempre postergada, legitimada pela Sociedade, da qual participem os outros Poderes e os Servidores Públicos. Ações que sinalizem claramente uma firmeza de propósitos, como a extinção de Secretarias, cargos em comissão, revisão dos repasses financeiros aos outros Poderes, déficit previdenciário, e assim por diante.

O servidor público, que juntamente com os fornecedores do Estado, foram as primeiras vítimas desse modelo financista de gestão implantado pelos atuais governantes, como não estão sujeitos ativos de sua história, a esta altura dos acontecimentos, salvo uma mudança de mentalidade quase impossível de acontecer, já consolidou a percepção de que a Governadora é seu inimigo. Isso é terrível.

 Assim ocorre, também, com a linha de frente do Governo e sua ingênua tática de “morde e assopra”. Está ela sendo moída, lentamente, no “moinho ideológico” do qual fazem parte enquanto inocentes úteis, no capital simbólico que é sua imagem pública.

A se manter este estado de coisas, outras moendas virão. A roda do moinho continua girando, e como o tempo passa muito rápido, e o senso comum muda lentamente de opinião depois que consolida sua imagem das coisas e dos fenômenos, talvez, em breve, não haja mais condições de lidar com o futuro sem concebê-lo a partir do passado e presente. Ou seja: o amanhã somente será percebido a partir do ruim que nossa memória evoca.

E o Estado, essa excrescência que a Sociedade vê, perplexa, trabalhar contra si, na medida em que nada funciona no que diz respeito ao essencial, passa a ser sinônimo de algoz, e seus protagonistas, supondo deterem as rédeas dos acontecimentos, responsabilizados, muito embora, pelo seu lado, sejam também meras vítimas das próprias armadilhas que ajudaram a construir.              

quinta-feira, 16 de junho de 2011

AILTON MEDEIROS É O ENTREVISTADO DE SÁBADO

Ailton Medeiros

O blog perguntou a Ailton Medeiros quem, no Rn, pensa que escreve bem. Veja sábado a resposta!

"REMANSO DA PIRACEMA", POR FRANÇOIS SILVESTRE

François Silvestre


Honório de Medeiros


                   Frederico de Deus Perdoe está incorporado, definitivamente, ao acervo que obras literárias marcantes constroem lentamente, ao sabor do tempo, dos lugares, e das circunstâncias, no imaginário das pessoas, por que é ele um observador engajado de si, dos outros, e das coisas, que vão ressurgindo – seja no viés alegre que a primeira leitura dos seus relatos exponha; seja no viés melancólico que surge quando mergulhamos em uma releitura – via articulados engastes frasísticos, esteticamente surpreendentes, expressos em sínteses vestidas de paradoxos estilísticos.

                   Não somente por isso; não somente pela forma. É ele, Frederico, o fio condutor enquanto narrador de uma estória na qual a humanidade se apresenta por inteiro em seus detalhes, pois em cada um deles está o todo: não importa quando, não importa como, não importa por que, se eu descrevo minha aldeia, ou minha saga, descrevo a terra inteira. Se eu disser um homem, digo toda a humanidade.

                   Frederico vive episódios que a crônica oral ou escrita do homem comum condenaria ao esquecimento. Entretanto não ocorre assim quando ele os conta. Se a morte de Dr. Antônio, vítima de ciúme atroz, se torna único pela forma como é contada, levando-nos à sofreguidão pela busca do desfecho; se não é diferente quanto à história da traição da qual é vítima o narrador quando, pela primeira vez surge, em seu bolso, muito dinheiro; se ocorre o mesmo na metamorfose de Nogueira, há muito mais além do relato que uma primeira leitura apresenta.

                  Basta que aprofundemos nossa leitura, por exemplo, nas memórias da tia do narrador. Quanta identidade entre a solidão à qual foi condenada a tia de Frederico pela época, lugar onde viveu, e a de tantos outros. Seria essa solidão algo desconhecido dos homens ao longo de suas histórias? Não. Ao contrário. A solidão de sua tia é a solidão de cada um de nós, fruto do destino comum. Somos todos, cada um e o todo, órfãos de um sentir que a razão não explica, mas o coração sente e o corpo padece. Abandonados à própria sorte, nossa vida não é saga, é fado, por mais que lutemos. Assim, a bela narração de Frederico cativa e magoa, aproxima e transtorna, alegra e entristece por que, em uma justa medida, expressa a dimensão da tragédia de um sentimento individual originado de uma herança comum. Através de Frederico somos mesquinhos e altruístas, santos e demônios, céu mirífico e lama infinda.

                  É preciso ler “No Remanso da Piracema”, a estória de Frederico de Deus Perdoe, seja para o deleite do sentir, seja para o deleite da razão. Mas é preciso ler.


quarta-feira, 15 de junho de 2011

KYDELMIR DANTAS FAZ PALESTRA SOBRE LUIZ GONZAGA

Luiz Gonzaga
mlb.com
 
 
Do Cariri Cangaço:
 
Será aberto nesta quarta-feira, 15/06 o XI Seminário de Cultura Popular, coordenado pela Secretaria Municipal da Cidadania através das Gerências de Educação e Cultura. O evento acontecerá às 19h no Teatro Municipal Dix-Huit Rosado, dentro da programação do Mossoró Cidade Junina. A cerimônia de abertura contará com a presença da Prefeita Fafá Rosado, do Secretário da Cidadania Francisco Carlos Carvalho, além das Gerentes de Educação Ieda Chaves e de Cultura Clézia Barreto.

Este ano, o Seminário de Cultura Popular terá como tema a ‘Música Nordestina’ e em função disso, a programação está totalmente voltada para o estilo musical e sua influência na cultura popular e nordestina. “A escolha do tema do seminário fluiu principalmente pelo fato das escolas da rede municipal de ensino começar esse ano a incluir obrigatoriamente a temática da música no currículo escolar, então decidimos aproveitar o momento para refletir sobre a música nordestina, a nossa cultura”, comentou a Gerente Ieda Chaves. Para este seminário estão sendo esperados cerca de 730 participantes. A orquestra Sanfônica de Mossoró recepcionará os convidados e também fará a apresentação de abertura. O evento segue até a quinta-feira (16/06) e todos os participantes receberão certificados.

VEJA A PROGRAMAÇÃO DO SEMINÁRIO

· DIA 15/06- 19h
Palestra- A Relevância da Obra de Luiz Gonzaga como composição do Cancioneiro Popular Nordestino
Palestrante- Cláudio Henrique Pereira de Araújo- Maestro da Orquestra Sanfônica
Apresentação artística- Orquestra Sanfônica de Mossoró
· DIA 16/06- 19h
Palestra- A Influência de Luiz Gonzaga para a Consolidação do Forró enquanto Gênero - do Forró Pe-de-Serra ao Forró Eletrônico
Palestrante- Escritor Antônio Kydelmir Dantas de Oliveira
Apresentação Artística- Caçula Benevides e o Forró Pé-de-Serra
 

UM HERÓI MOSSOROENSE

Manoel Duarte

Honório de Medeiros

Um preciso tiro de fuzil ecoou no final de tarde nublado do dia 13 de junho de 1927 e, aproximadamente cem metros além, a bala atingiu o meio-da-testa de um caboclo puxado para o negro aparamentado com a indumentária típica do cangaceiro, prostando-o na terra nua, de barriga para cima, a olhos fixos e vazios voltados para o céu acima, bem ali onde a Avenida Rio Branco cruza a Rua Alfredo Fernandes, onde, na esquina, fica a famosa Igreja de São Vicente cuja imagem, do seu nicho decenal, tudo contemplava.

 Era o começo do fim. No alto da casa do Prefeito Municipal - o líder que começara a epopéia -, no telhado, o atirador viu quando outro cangaceiro, de um trigueiro carregado se aproximou, rastejando e disparando, da vítima, e começou a rapiná-lo, retirando freneticamente, de seus bolsos, munição, dinheiro e jóias. Calmamente, mirou e aguardou. Pressentindo o perigo iminente o bandido ergueu o tronco elevando os olhos até o telhado da casa cuja frente fora tomada por fardos de algodão prensados para servirem de barreira. Foi apenas um momento, mas foi fatal. Outro tiro de fuzil ecoou e, no mesmo local onde seu companheiro jazia sem vida o cangaceiro foi atingido. O violento impacto da bala derrubara-o momentaneamente e desenhara, em seu tórax, uma rosa de sangue. Seus parceiros, paralisados, perplexos, observavam incrédulos. Começou a debandada.

Enquanto os resistentes percebiam que a ameaça fora sustada e o recuo dos cangaceiros era generalizado, o atirador recolhia o fuzil e fitava a cidade no prumo que tinha a Igreja de Nossa Senhora da Conceição como limite. Olhava e pensava. Ele tinha morto um cangaceiro e ferido mortalmente outro. Não havia dúvida quanto à importância desse fato para a vitória. Mas cangaceiros são vingativos, cangaceiros são ferozes, cangaceiros são cruéis. Cangaceiros são dissimulados e não esquecem nunca, matutava ele com seus botões. Se ele aceitasse passivamente as homenagens que lhe seriam tributadas a partir daquele momento tudo poderia, no futuro, desandar no gosto amargo causado pela retaliação de algum anônimo, talvez até mesmo em algum parente, como era prática comum na vida cangaceira. Não que fosse medroso. Ao contrário. Todos quantos lhe conheciam podiam atestar sua coragem e perícia com as armas, que já ficavam lendárias. Mas era melhor se precaver. Era melhor silenciar. Não seria o caso de negar veementemente, por que não era homem para esse tipo de extroversão mentirosa. Mas ia silenciar. Não ia comentar nada. O que estava feito, estava feito, e era de acordo com seu temperamento reservado. Se lhe perguntassem, mudaria de assunto. Se comentassem em alguma roda da qual estivesse fazendo parte, sairia de mansinho. Guardaria a verdade consigo, por muito e muito tempo, e a contaria apenas para alguns escolhidos.

Naquele dia banal, muito tempo depois, sozinho com seu neto de dez anos de idade, sentiu vontade de contar aquilo que nunca contara a ninguém. Era uma necessidade da alma, um anseio de perpetuar um feito honroso, um gesto de heroísmo que o mostrava tão diferente dos que tinham fugido em direção ao mar quando os cangaceiros ciscavam nas portas de Mossoró, um gesto que lhe orgulhava por que defendera sua família e sua cidade a um custo alto, que era o de tirar a vida de alguém. Olhou para o neto e compreendeu que ali estava o interlocutor perfeito. Não questionaria, não interromperia, não esqueceria. Guardaria a lembrança do dia e do relato. Assim sendo começou a lhe contar todo o episódio, detalhe por detalhe. O neto apenas olhava intensamente e sentia que estava sendo transmitido, para ele, algo muito importante e que somente no futuro seria plenamente entendido. Acalmou sua inquietude de menino. Não desgrudou o olho do seu avô, aquele homem reservado e pouco propenso a confidências. No final, quando toda a história havia sido contada, compreendeu que devia guardá-la consigo, até mesmo esquecida, por algum tempo.

Em um final de tarde tipicamente mossoroense, de muito calor, em um café, o neto se aproximou de uma roda de estudiosos do cangaço e percebeu que discutiam a participação do seu avô na invasão da cidade pelo bando de Lampião. Uns diziam que havia sido ele o autor dos disparos. Outros negavam e apontavam nomes. Quase oitenta anos haviam se passado do episódio. O neto, agora, era cinqüentão. Sentiu que ali estava o momento certo para contar a história, a sua história, a história do seu avô. Aquela platéia saberia ouvi-lo e entenderia plenamente as razões do silêncio da família. Contou tudo. Fechou-se o ciclo. Dezenas de anos depois já não há mais dúvidas. O atirador postado no alto da casa de Rodolpho Fernandes, o homem que praticamente abortara a invasão lampiônica, o herói entre heróis fora Manoel Duarte. Esta é a verdade, como o sabe sua família e a contou seu neto, Carlos Duarte, jornalista, muitos anos depois, a mim, que registro, aqui, a história, e a Kydelmir Dantas e Paulo de Medeiros Gastão, estes últimos dirigentes da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço – SBEC.

terça-feira, 14 de junho de 2011

segunda-feira, 13 de junho de 2011

NOTIFICADO POR UM FISCAL, O POETA CONSULTA UM CONTADOR

"Seu" Chico Honório e a neta, Bárbara

NOTIFICADO POR UM FISCAL DE IPTU, “SEU CHICO HONÓRIO” CONSULTA O AMIGO E CONTADOR “ZEZITO” A RESPEITO DA NOTIFICAÇÃO (27.07.1982): 

Caro Zezito: eu não sei
Serviço de Contador;
Apenas sou Cantador,
Por isso é que ignorei
Quando recebi, pasmei,
Esta Notificação.
Pus a mão no coração,
Me senti baratinado,
Como quem está agarrado,
Nas munhecas de um ladrão.

Quem fez foi um camarada
Que ao fazer ficou gozando.
Por isso é que estou pensando
Que essa “Bicha” está errada;
Olhe, não é caçuada,
Desse jeito não se agüenta,
Com mais uma me arrebenta,
Me joga contra o Brasil,
Se eu pagar dezoito mil
Setecentos e sessenta.

O assunto eu já lhe expus,
Dê um jeito nesse troço.
Pagar tudo isso, não posso.
Pelo amor de Jesus,
Tire de mim essa cruz,
Haverá compensação.
Você que é um bom cristão,
Não pense em muito ganhar:
É só prá verificar
A “Bicha” tá certa ou não?

VEJAM AS ESTRATÉGIAS USADAS PARA MANIPULAR A SUA OPINIÃO

Noam Chomsky
tabacco.blog-city.com


De Pedro Simões recebi o texto abaixo:

"Recebi da amiga Monara Bittencourt, uma postagem que explica, de modo racional e convincente, de que modo somos manipulados pelos veículos de formação de opinião, em favor de interesses contrários à sociedade. O texto é baseado em Chomsky, ninguém menos que Avram Noam Chomsky, lingüista, filósofo e ativista político americano, que se define como “socialista libertário”.

A matéria é devastadora, não apenas porque expõe as estratégias utilizadas para manipulação da opinião pública, mas porque é incontroversa, já que é baseada em fatos e no raciocínio lógico, e não em especulações e factóides, como agora é moda.

Já me posicionei algumas vezes contra o chamado “jornalismo opinativo”, que nos retira a capacidade de formar a nossa própria crítica a respeito dos fatos. E agora, como os meus amigos e as minhas amigas do Fb vão comprovar, constata-se que esse viés serve a interesses espúrios, contrários aos da sociedade.

Em sucessivas análises dos meios de comunicação de massa, Chomsky elaborou, em parceria com Edward Herman, uma teoria que explica a manipulação midiática, hoje conhecida como “Teoria da Propaganda de Chomsky e Herman”. Ele é também conhecido por sua “Gramática Transformacional” que explica as propriedades matemáticas da linguagem.

Assegurada a credibilidade e desenvoltura intelectual do autor americano, vamos às suas conclusões. Segundo o analista, a manipulação da opinião pública se dá através da utilização de 10 estratégias, a saber":

1.     Estratégia da Distração – Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, atraída por temas sem importância real. Manter o público ocupado, sem nenhum tempo para pensar.

2.     Criar problemas e depois oferecer soluções - Se cria um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o suplicante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o requerente de leis de segurança e políticas, em prejuízo da liberdade.

3.     Estratégia da gradualidade - Para fazer que se aceite uma medida inadmissível, basta a aplicá-la gradualmente, a conta-gotas, num prazo ampliado. Dessa forma, as novas condições impostas, as mudanças radicais são aceitas sem provocar revoltas.

4.     Estratégia do adiamento - Outra maneira de provocar a aceitação de uma decisão impopular é a de apresentá-la como “dolorosa e necessária”, obtendo aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro que um sacrifício imediato.

5.     Dirigir-se ao público como criaturas de pouca idade - A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discursos, argumentos, personagens e entonações particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse uma criatura de pouca idade ou um deficiente mental.  Por quê? Porque dirigir-se a uma pessoa como se tivesse 12 anos ou menos, tenderá, por sugestão, a adotar respostas ou reações mais infantis e desprovidas de sentido crítico.

6.     Utilizar a emoção mais do que a reflexão - Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para provocar um curto-circuito na análise racional, e neutralizar o sentido critico dos indivíduos.  Por outro lado, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou injetar idéias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir a determinados comportamentos

7.     Manter o povo na ignorância e na mediocridade - Fazer com que o público seja incapaz de compreender a tecnologia e método sutilizados para seu controle e escravidão. A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distancia entre estas e as classes altas permaneçam inalteradas no tempo e seja impossível alcançar uma autêntica igualdade de oportunidades para todos.

8.     Estimular o público a ser complacente com a mediocridade - Fazer crer ao povo que está na moda a vulgaridade, a incultura, o ser mal falado ou admirar personagens sem talento ou mérito algum, o desprezo ao intelectual, o exagero do culto ao corpo e a desvalorização do espírito de sacrifício e do esforço pessoal.

9.     Reforçar o sentimento de culpa pessoal - Fazer crer ao individuo que ele é o único culpado de sua própria desgraça, por insuficiência de inteligência, de capacidade, de preparação ou de esforço. Assim, em lugar de rebelar-se contra o sistema econômico e social, o indivíduo se desvaloriza, se culpa, gerando em si mesmo um estado depressivo que inibe a sua capacidade de reagir.

10.  Conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem - Nos últimos 50 anos, os avanços da ciência geraram uma crescente brecha entre os conhecimentos do público e aqueles utilizados pelas elites dominantes. Graças à biologia, a neurobiologia e a psicologia aplicada, o Sistema tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicológica. O Sistema conseguiu conhecer melhor o indivíduo comum do que ele se conhece. 


domingo, 12 de junho de 2011

CARLOS SANTOS LANÇA "SÓ RINDO 2"

O VELHO TINHA RAZÃO

cantodecontarcontos.blogspot.com


Honório de Medeiros


                        Numa roda em que se discutia o pouco respeito que nós, contemporâneos, tínhamos pelos mais velhos, alguém contou uma história acontecida alguns anos atrás, para ressaltar a importância que eles têm como memória viva de uma comunidade.

 A história aconteceu em uma cidade do Sertão aqui próxima, aquela mesma que você, caro leitor, está pensando.

                        “Disseram-me”, disse ele, “que o homicida se aproximara por trás da vítima, na esquina das “Quatro-Bocas” com o Açougue Público, no pino do meio-dia e lhe chamara pelo nome. Ao engatar seus olhos nos olhos do outro deixou cair o pano grosseiro que encobria a lambedeira de doze polegadas e lhe dera um golpe rápido e certeiro na boca do estômago, logo seguido de outro que foi meio que aparado com as mãos, e um último – esse fatal – no pescoço, mesmo na jugular, de onde o sangue jorrou aos borbotões. Tudo isso aconteceu quando o movimento era o maior possível por causa da feira do Sábado.

 Quem me contou, por exemplo, estava a poucos passos do acontecido e viu tudo, tim-tim por tim-tim. Percebeu, inclusive, que todo mundo ficou meio como que congelado no tempo e no espaço enquanto o agressor, calmamente, pegou o pano que escondera a faca-peixeira, limpou o sangue do braço, e deixou ambos largados por sobre o corpo do já defunto e se esgueirou multidão a dentro.

                        Mesmo assim, me disseram, não demorou a ser pego. Aliás, até parece que quando saiu do local do crime apenas estava querendo tomar distância. Não era uma fuga. Tanto que seus passos, ao sair, não eram rápidos, eram enérgicos. E não houve resistência à voz de prisão. Ao contrário. Parecia até que, com a polícia, tinha um encontro marcado para o qual compareceu, como esperado, embora silencioso, e assim se manteve mesmo quando lhe perguntavam com ares ameaçadores seu nome, de onde era, e o motivo daquilo tudo.

 Não houve como fazê-lo falar. Bem que o Delegado pensou em lhe dar umas bolachas destravadoras de língua, mas esbarrou na sua aversão a esses métodos e no medo ao juiz novo, que tinha fama de exigente. Sendo assim, apenas o trancafiou e determinou que começassem os procedimentos de praxe.

                        Na cidade, o zum-zum era grande. Quem seria aquele homem que surgira do nada e matara a vítima? As especulações eram de todo o tipo e as mais fantasiosas, começando com intrigas amorosas e terminando em questiúnculas políticas. A polícia não informava nada. Limitava-se a dizer que o homem tinha uns quarenta anos, vestia-se como qualquer um, sem nada que chamasse a atenção para si.

 Era, o tal, enfim, alguém inexpressivo, que passaria totalmente despercebido no local onde cometera o crime.

 Quando o falatório, qual o vento Nordeste, começou a açoitar as casas do arrebalde, trazido pelos que voltavam da feira, encontraram Mestre Zé Vidal sentado em sua cadeira de balanço, na sombra da oiticica que praticamente escondia a frente de sua casa. A cadeira ficava em um lugar estratégico: quem passava tirava dois dedos de prosa e abastecia a reserva de Mestre Zé Vidal contra o tédio de uma aposentadoria compulsória que o afastara da escrivania do Cartório Criminal da cidade.

 Ele ficava ali, gordo, uma perna sobre o braço da cadeira, sandália de rabicho, calça de mescla, camisa de manga curta de algodão fechada até o pescoço, respondendo pilhérias, tirando outras, puxando assunto com quem passava. Alguém lhe levou a notícia. Aliás, vários.

Formou-se uma roda no seu entorno. Ele escutou, escutou, até que se levantou e olhando para todos e nenhum em particular lembrou que há uns tantos anos atrás, quase quarenta, mais ou menos, a vítima tinha uma tenda na feira para vender frutas. Em um Sábado, um menino pelos seus dez anos se aproximou trazendo uma lata mais ou menos do tamanho da metade de uma de querosene e mandou encher de cajarana.

Ato feito olhou para a vítima e lhe disse, apontando para trás dele, que tinha alguém o chamando. A vítima se voltou para trás. O menino desandou a correr. Mas não teve sorte. Tropeçou e caiu. A vítima lhe agarrou pelo cabelo e pegando uma corda lhe deu uma surra tremenda. O menino não chorou nada. Cada vez que tentava se levantar, levava um empurrão. Apanhou calado. Quando a vítima cansou o menino se levantou, arrumou os farrapos de sua dignidade, olhou fixamente para a vítima e lhe disse que quando crescesse iria matá-lo. E foi embora.

                        Podem ir atrás. O homicida é o menino.”