sábado, 30 de setembro de 2017

O RN NÃO PAGA EM DIA POR CONTA DO "DÉFICIT PREVIDENCIÁRIO"?

* Honório de Medeiros

Li atentamente o que a mídia publicou das declarações do Secretário de Estado de Planejamento e Finanças, Gustavo Nogueira, em entrevista coletiva nessa sexta-feira próxima passada, dia 29, quando afirmou que o principal motivo da dificuldade em fechar a folha de pagamento dos servidores do poder Executivo é o "déficit da previdência".

Esse discurso de culpar a previdência é relativamente novo: basta acompanhar o histórico de declarações do Secretário desde que começou o atraso no pagamento dos servidores do executivo potiguar.

Logo que dados reiteradamente publicados por entidades de classe, dentre elas o Sindicato dos Auditores Fiscais do Estado, começaram a apontar um crescimento na Receita do Estado, o discurso do Secretário mudou para culpar o aquilo que ele nominou de “déficit da previdência”.

O que nos leva a supor que a estratégia governamental é encontrar meios de tentar inibir a pressão por aumentos salariais ou pagamentos de atrasados. Funciona assim: antes o culpado era a queda na arrecadação; agora é “como posso atender sua reivindicação, se os salários estão atrasados, e estão atrasados em decorrência do déficit da previdência”?

Vamos aos fatos, pois.

Para questionar esse discurso do Secretário, basta comparar alguns dados do vizinho Estado da Paraíba com outros nossos. Saliente-se que a Paraíba está absolutamente em dia com o pagamento dos seus servidores do Poder Executivo.

A Paraíba tem 118.230 servidores no Poder Executivo; o Rio Grande do Norte, 102.000; a PB tem 72.267 ativos; o RN, 54.000; a PB, 33.954 inativos; o RN, 38.000; a PB, 12.009 pensionistas; o RN, 10.000.

Os dados da Paraíba foram coletados no https://portal.tce.pb.gov.br/aplicativos/sagres/. Os do Rio Grande do Norte foram fornecidos pelo próprio Secretário de Planejamento do Estado do Rn.

Embora a PB tenha menos inativos que o RN, tem mais pensionistas. E a PB tem muito mais servidores na ativa que o RN.

Podemos ver que, no geral, é semelhante a situação da Paraíba e Rio Grande do Norte quanto ao número de servidores do Poder Executivo e relação entre ativos/inativos nos dois Estados.

Entretanto o “déficit da previdência” de lá não impede o pagamento em dia dos seus servidores.

Observo que está sendo analisada a causa apontada pelo Secretário do Rio Grande do Norte para o não pagamento em dia dos salários (remuneração) dos nossos servidores públicos. Como a causa anterior por ele apontada, que era a queda na arrecadação, não se sustenta mais, fico esperando discursos novos.

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

ARTE? QUE ARTE?

* Honório de Medeiros

Em 2015, causou celeuma uma "performance", denominada "Macaquinhos", em que os atores exploravam os ânus uns dos outros, apresentada em uma unidade do Sesc em Juazeiro do Norte, no Ceará.

Veja aqui: http://odia.ig.com.br/diversao/2015-11-23/grupo-de-teatro-faz-exploracao-anal-em-performance-e-gera-polemica.html

"A performance mostrava um grupo composto por homens e mulheres totalmente nus, em círculo, explorando com as mãos o ânus do companheiro a frente. De acordo com os artistas Caio, Mavi Veloso e Yang Dallas, idealizadores do projeto, a apresentação tem o intuito de 'ensinar que existe ânus, ensinar a ir para o ânus e ensinar a partir do ânus e com o ânus'."

Este ano, em agosto, o Santander Cultural abriu suas portas para a primeira exposição queer realizada no Brasil. De origem inglesa, o termo é utilizado para designar pessoas que não seguem o padrão da heterossexualidade ou de gênero definido - notadamente gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros.

Choveram denúncias nas redes sociais de pedofilia e zoofilia, principalmente para duas obras em especial: “Cenas do Interior II” (1994), de Adriana Varejão, que teve uma cena em que um homem penetra uma cabra, e “Travesti da Lambada e Deusa das Águas” (2013), de Bia Leite, que faz referência ao meme da internet “criança viada”. Também há menção a um vídeo que mostrava um homem recebendo um jato de sêmen no rosto. A obra é intitulada “Come/Cry” e é assinada pelo “artista” Maurício Ianes. O nome do artista consta na lista entregue ao Ministério da Cultura como um dos autores das obras expostas no Queermuseu. 

Mais recentemente, em uma performance na abertura do 35º Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo, na última terça-feira, o artista fluminense Wagner Schwartz se apresentou nu, no centro de um tablado. Em vídeo que circula nas redes sociais, sob fortes críticas, uma menina que aparenta ter cerca de quatro anos aparece interagindo com o homem, que estava deitado de barriga para cima, com a genitália à mostra.

Basicamente discute-se o seguinte, nas redes sociais acerca dessas "manifestações": deve haver limite na liberdade de expressão, quando o tema é arte?

Permito-me ir além.
 
Em um comentário no meu blog 
https://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2015/06/a-civilizacao-do-espetaculo-mario.html, escrevi o seguinte:

"Fecho o livro de Llosa, Mário Vargas Llosa, “A Civilização do Espetáculo”, cujo título foi calcado no “A Sociedade do Espetáculo”, de Guy Debord, um dos mais originais pensadores do século, e me percebo confortável por ter encontrado um texto, da melhor qualidade, que desse corpo a essa sensação permanente de estranhamento e solidão vivenciada por mim e alguns poucos, originada pelo descompasso entre a “cultura” na qual fomos criados e a realidade que encontramos nos dias de hoje.

Não é, portanto, “saudosismo”, o que sentimos. Há, de fato, um progressivo, solerte e profundo processo de banalização dos valores fundantes da cultura, entendida esta como o pressuposto da construção do processo civilizatório. Cultura como a pensou, por exemplo, T. S. Elliot, citado por Llosa, em “Notas para uma definição de cultura”, de 1948, tão atual, posto que, por exemplo, lá para as tantas, expõe: “E não vejo razão alguma pela qual a decadência da cultura não possa continuar e não possamos prever um tempo, de alguma duração, que possa ser considerado desprovido de cultura.”

E, agora, recordo Bárbara Tuchman, em "A Prática da História":

"O maior recurso, e a realização mais duradoura da humanidade, é a arte. O domínio da linguagem demonstrado por Shakespeare e seu conhecimento da alma humana; a complicada ordem de Bach, o encantamento de Mozart".

Percebo, pois, os sintomas da decadência da cultura, e jamais levaria filhos meus a "manifestações culturais" como essas acima - eles que optem por frequenta-las ou não quando forem adultos.

Mas não concordo em impedi-las.

O decadente, na arte, o banal, o medíocre, o aviltante, exerce sua tirania destruidora tanto quanto a proibição da liberdade de expressão estética.

E ninguém tem o direito de impedir, a quem quer que seja, de se manifestar esteticamente.

Contanto que tais "manifestações" não invadam o campo próprio de outros valores absolutos previstos na nossa Constituição.

Como ninguém pode impedir, a quem quer seja, de exercer o saudável direito de criticar.

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

POR QUE NÃO TE CALAS, GILMAR?

* Honório de Medeiros

Gilmar Mendes disse, em entrevista à Folha de São Paulo, que seus colegas Ministros Luíz Fux, Rosa Weber e Luis Roberto Barroso, integrantes da Primeira Turma do STF, e que com seus votos impuseram o recolhimento noturno a Aécio Neves, tinham um "comportamento suspeito":

"Quando a turma começa a poetizar, começa a ter um tipo de comportamento, vamos dizer assim, suspeito, certamente seria bom que a matéria viesse para o plenário."


Chamou-os de "poetas".

Antes já havia dito, em sessão no TSE, que a Primeira Turma era uma "câmara de gaz".

Já não me envergonho, enquanto cidadão, pelas atitudes de Gilmar Mendes e o consequente aviltamento do STF.

Hoje eu me envergonho pelo silêncio, pela omissão dos seus pares.

Silêncio e omissão que colaboram, definitivamente, para que se instaure o "status quo" ambicionado pela escória que domina o País, qual seja a lama política atingindo tudo e todos, indiscriminadamente.

Quando tudo e todos estão no mesmo patamar, não há espaço nem condições para que se estabeleça qualquer espécie de julgamento de quem quer que seja.

É o caos, que começa no topo, e corrói sem piedade, instituições e cidadãos, até a base. Caem por terra todos os valores e a Sociedade lentamente, se desintegra.

Aliás é isso mesmo que está acontecendo. Somente não vê quem não quer, ou quem é incapaz de fazê-lo.

Gilmar Mendes vem, ao longo do tempo, reiteradamente, dando motivos mais que legais, mais que legítimos, para sofrer impeachment. Está lá, na Lei:

Diz o art. 39, da Lei 1.079/50, que são crimes de responsabilidade dos ministros do STF:

"Alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal;

Proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa;

Ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo:

Proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decoro de suas funções." 


Mas como a competência do julgamento é do Senado...

Falta, também, alguém que tenha autoridade moral, alguém que transcenda o lamaçal no qual estamos ancorados e faça, com Gilmar, o mesmo que o Rei Juan Carlos fez com o iníquo ditador venezuelano Hugo Chavez: "Por que não te calas?", em 2007.

¿Por qué no te callas? (espanhol para "Por que não te calas?") foi uma frase dita pelo Rei Juan Carlos da Espanha ao Ditador venezuelano Hugo Chávez durante a XVII Conferência Íbero-Americana, realizada na cidade de Santiago do Chile, no final de 2007.

Por que não te calas, Gilmar
?

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

DE PALOCCI, ANTONIO GRAMSCI E OSCAR WILDE

* Honório de Medeiros


E a carta de Palocci pedindo sua desfiliação do PT, heim?


Derruidora.

Fez mais pela desconstrução da imagem de Lula e do Partido que o conjunto da obra que anda pelos atalhos da Justiça.

É bem verdade que a Deputada Maria do Rosário, em discurso na Câmara dos Deputados, afirmou que se tratava da "carta de um homem preso (...) de alguém que não fala a partir de um lugar de liberdade, mas de um lugar que busca a liberdade".

Queiram desculpar os equívocos, a Deputada estava nitidamente muito emocionada.

Ou seja, a Deputada disse que a carta não vale nada: é de um homem preso.

Escritos de homens presos, para a Deputada, de nada valem.

De nada valem o "De Profundis", a longa e emotiva carta de Oscar Wilde para seu amante, escrita na prisão de Reading, bem como os "Cadernos do Cárcere", de Antonio Gramsci, escritos em sua prisão, na Itália. Nem as "Memórias do Cárcere", de Graciliano Ramos.


Mundo estranho, este.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

FEUDALISMO, CORONELISMO E CANGAÇO

* Honório de Medeiros

Convido-lhes a empreender, comigo, uma ousadia.

Para tanto precisamos recordar o que sabemos acerca do feudalismo, esse nicho histórico que começou com a queda de Roma – gosto de imaginar a cena de Hipona, da qual Santo Agostinho era bispo, incendiada pelos bárbaros enquanto ele agonizava, como sendo o verdadeiro marco inicial – e terminou com o início da idade moderna, mais precisamente, segundo vários historiadores, com a descoberta da América por Cristóvão Colombo e o início do absolutismo, cujo primeiro momento, e ninguém há de me convencer do contrário, ocorreu quando Felipe, o Belo, criou seu próprio papa, o de Avignon, e dizimou os templários, fortalecendo a instituição do Estado.

O feudalismo – sabemos todos – calcava-se na propriedade da terra e na rígida divisão da Sociedade em nobres, clero e servos das glebas. Os nobres e o clero eram aliados, claro, para espoliar o povo.

O epicentro dessa estrutura de poder era o Barão feudal, latifundiário, em cujo entorno gravitavam seus vassalos, ou seja, proprietários de terra de menor importância, e a nobreza eclesiástica. A ele pertencia o direito de aplicar o baraço e o cutelo – ou seja, de criar, interpretar e aplicar as leis ou costumes. Sua vontade era lei. 

A igreja exercia papel fundamental nesse sistema, por vários motivos: em primeiro lugar era detentora de muitas riquezas; em segundo lugar sua nobreza era formada pelos filhos segundos dos senhores feudais – os primeiros seguiam o caminho das armas; e, em terceiro, a ela cabia a formatação ideológica que assegurava o domínio da nobreza e do clero, bem como a fiscalização de possíveis desvios – instrumentalizada por intermédio da confissão e delação – além da punição dos recalcitrantes, via inquisição. 

Brigavam muito entre si, os nobres, disputando terra e prestígio político. Quem tinha terra, tinha Poder; quem tinha Poder, tinha terra. Por exemplo: a primeira cruzada não foi à Terra Santa, como comumente se crê. Foi contra os Cátaros, uma heresia que ameaçava dominar todo o Sul da França, sob o beneplácito do Conde de Toulouse.

Contra os Cátaros levantou-se a Igreja, ameaçada em sua soberania ideológica, e os barões feudais do norte da França, liderados por São Luís, ou Luís XI, como queiram. Na verdade o pano de fundo dessa cruzada foi a disputa pelas ricas terras do sul da França. Nada mais. 

Para essas brigas mobilizavam os nobres seus vassalos, seus servos, bem como exércitos de mercenários. Qualquer mobilização era acompanhada pela Igreja, abençoando ou punindo, conforme o caso.

Pois bem, embora ainda haja muito a se dizer acerca do feudalismo, façamos uma parada estratégica e utilizemos o “desenho” – chamemo-lo assim – de sua estrutura de poder para analisar o nicho histórico brasileiro ao qual denominamos de coronelismo. 

Há alguns autores, para não dizer vários, que dizem não ter havido feudalismo no Brasil. Eu, pelo meu lado, com fulcro em Raymundo Faoro, Gustavo Barroso e Câmara Cascudo, penso que tal não procede.

Analisemos.

O coronelismo também se calcou na posse da terra e no prestígio político. O coronel – verdadeiro senhor feudal – era o epicentro de uma estrutura de poder. Também ele tinha, enquanto senhor feudal, seus vassalos, os proprietários menores de terra, a si ligados por laços de compadrio e interesses mútuos, que lhe prestava vassalagem. 

O coronelismo dependia, ideologicamente, da igreja, que tratava de fiscalizar e punir desvios da ortodoxia, como o demonstra tudo quanto ocorreu com Padre Cícero. E dependia da confissão e delação, principal forma de obtenção de informação por parte da igreja, sempre à disposição do coronel que a mantinha.

Quem não se lembra da estreita relação do Coronel com o Padre, em "O Auto da Compadecida", de Ariano Suassuna? 

O coronel tinha os seus servos da gleba, empregados que viviam às custas dos sobejos do grão-senhor. E da mesma forma que no feudalismo, a vontade do Coronel era lei. Ele era senhor de baraço e de cutelo. 

Claro, brigavam entre si disputando terra e prestígio, briga essa que arrebanhava vassalos – os compadres; servos da gleba, os jagunços; e mercenários, os cangaceiros, como nos demonstra a rica história do Cariri cearense.

Exemplo paradigmático é o do cangaceiro Chico Pereira. 

A relação é a seguinte: Chico Pereira, assim como Jesuíno Brilhante, o mais remoto, passando por Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Lampião, Corisco, e outros menores, tal qual Cassimiro Honório, e por aí segue, não eram servos da gleba. Eram proprietários rurais em maior ou menor escala. Todos ligados a coronéis, todos ligados a alguma estrutura de Poder, dele detendo parcela própria.

Ou seja, os grandes líderes cangaceiros estão mais próximos da nobreza da terra que do proletariado. 

Em sendo assim, não faz o menor sentido a teoria do banditismo social, de Hobsbawn quanto aos cangaceiros. É como pensa, por exemplo, aproximadamente, Luiz Bernardo Pericás, autor de “Os Cangaceiros”.

Tampouco faz sentido a teoria que aponta os cangaceiros enquanto desviantes, por identificar o fenômeno, mas não apontar a causa, da qual faz uso Frederico Pernambucano de Mello, em seus celebrados estudos do cangaceirismo. Muito menos a teoria marxista da luta de classes, esteio do pensamento de Rui Facó e de alguns outros. 

O cangaço é resultante de brigas intestinas entre famílias que dispunham de terra e prestígio. A briga era no seio do coronelismo. Era o coronelismo. Tratava-se de questões do Poder Político, em sua origem. Todo líder cangaceiro, com raras e honrosas exceções – até mesmo Sabino Gore, por exemplo, está inserido nesse contexto.

Não por outra razão, o fim do coronelismo coincidiu com o fim do cangaço.

O referencial teórico aqui talvez seja Gaetano Mosca e sua teoria da classe política, enquanto situação limite em um plano teórico mais complexo, a teoria darwiniana.

Nesse sentido concluo propondo o seguinte: 1) que se faça o estudo do cangaço a partir do coronelismo, ambientando o epifenômeno no fenômeno; 2) que se estude Chico Pereira, por exemplo, a partir do panorama político de sua época, no Sertão paraibano.

Chico Pereira não era um bandido social, no sentido de Hobsbawm, e embora possamos denominá-lo de desviante, por ter se voltado contra o sistema legal de sua época, essa informação nada acrescenta quanto a entender causa e efeito de sua existência enquanto cangaceiro.

Por fim, lembro uma consequência imediata da assunção desse modelo teórico: entender que a verdeira história do ataque de Lampião a Mossoró é a história da briga entre coronéis paraibanos e coronéis norte-rio-grandenses por prestígio político no Oeste e Alto Oeste potiguar.