domingo, 2 de outubro de 2022

PODER POLÍTICO E DIREITO (2ª edição)

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)



MEDEIROS, Honório de. Poder Político e Direito (A Instrumentalização Política da Interpretação Jurídica Constitucional). Belo Horizonte: Editora Dialética. 2020.


INTRODUÇÃO


* Honório de Medeiros

Através deste trabalho pretende-se discutir a pouco trabalhada, conforme assim o afirma Norberto Bobbio, relação entre Poder Político e Direito. São muitas as dúvidas acerca desse tema, principalmente as que dizem respeito à ainda mal resolvida questão da legitimidade do Poder Político que termina sendo, na medida em que se aceite a teoria acerca da instauração do Direito enquanto instrumento do Poder, uma corroboração de que o próprio ordenamento jurídico é um epifenômeno.

Tais dificuldades originaram uma necessidade premente de transcrição de textos, em detrimento de paráfrases. Afinal, a teoria exposta, embora não seja inédita, requer ousadia para ser abraçada. Também se deve à tentativa de rastrear o nascedouro da vertente filosófica acerca do problema em si o uso de tal técnica.

Embora algumas alavancas intelectuais tenham sido introduzidas no texto da dissertação, o sentido no qual devem elas ser entendidas deflui do próprio texto; em outras ocasiões, quando necessário, notas de rodapé esclareceram sua utilização.

Por fim, ressalte-se que esta dissertação pretende discutir acerca da possibilidade da instrumentalização da produção, interpretação e aplicação da norma jurídica e/ou ordenamento jurídico pelo poder político. Trata-se de uma conjectura, agora submetida à refutação.

Não é novo o tema, embora a ele a doutrina somente se dedique de forma tangencial. Mas a afirmação principal, que norteia a produção do texto, é onipresente no senso comum dos operadores do Direito.

JESUÍNO BRILHANTE o primeiro dos grandes cangaceiros

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)




MEDEIROS, Honório de. Jesuíno Brilhante o primeiro dos grandes cangaceiros. Natal: Editora 8. 2020.



Prefácio

Olhos sem medo

“Há figuras de relativa nobreza, corajosos, incapazes de uma violência contra moças, crianças ou velhos, como Jesuíno Brilhante, e há os repugnantes, brutos, como Lampião” (Câmara Cascudo)


O mérito do historiador não é somente saber contar bem uma história, se tem a doma natural das palavras como ferramentas da arte de escrever. É quando tem os olhos sem medo, acesos pela dúvida. Aqueles que levam às camadas mais profundas dos fatos que desnudam mitos e sangram falsas verdades na espetada de um espinho de mandacaru.

Essa destreza de ordenar os fatos e submetê-los à riqueza do confronto das ideias, Honório de Medeiros já revelava, precocemente, na sua primeira e jovem aventura ensaística, ao ousar o olhar, inédito na bibliografia do Rio Grande do Norte, com o ensaio filosófico Investigação Parcial Acerca da Solidão (Nossa Editora, Natal, 1984).

Depois, fez incursões na filosofia do Direito com sua formação jurídica, mas nada que tivesse a força fundadora de inaugurar o que talvez represente a mais atenta percepção de uma até então inédita visão sociológica do cangaço nas relações de poder no tempo de um coronelismo de senhores e escravos, reinado mágico feito de reis e de vassalos.

No seu primeiro livro sobre o cangaço, Honório desloca a narrativa e vai erguê-la sobre as contradições do mandonismo coronelista dividido entre dominadores e dominados - heróis se aliados, bandidos se rebeldes. Parte integrante de um mundo ungido num processo de heroicização, mas ainda à espera de quem enfiasse os olhos para vê-lo perto, nas próprias entranhas, e compreendê-lo nas grandezas e misérias.

Dois ensaios são fundadores dessa literatura homérica na história intelectual que se fez nos últimos anos elevando a pesquisa histórica ao patamar sociológico e antropológico, na medida em que liberta a narrativa do crivo fácil da descrição: Massilon, nas veredas do cangaço (Sarau Literário, Mossoró, 2010), e Histórias de Cangaceiros e Coronéis (Sebo Vermelho, Natal, 2015).

Este seu novo ensaio - Jesuíno Brilhante, o primeiro dos grandes cangaceiros - não é uma aventura adjetivada. Nasce de olhos sem medo, na longa e detalhada tomada de visão que desmonta, corajosamente, uma verdade que anos perdurou livre e inquestionada, ao longo de décadas. Desde os anos cinquenta, nascida na proto-história eivada - embora sem travo de má fé - pelo processo de heroicização que modelou, numa versão claramente impressionista, a figura de Jesuíno Brilhante como um herói romântico.

Medeiros, de alpercatas maceradas no chão pedregoso do sertão mais sertão, não temeu abandonar a trilha. Não abrandou as verdades em torno do cangaceiro e sua história, nem a deixou cair na tentação cômoda de fazê-lo um herói. Bateu as esporas no vazio do cavalo e saiu rastejando a história, desde os antanhos, até encontrar o homem real.

Cuidadoso, antes mapeou a época, fixou o homem e sua história entre as invernadas e estiagens de um sertão do tamanho do mundo, no dizer de Guimarães Rosa. Até sair do outro lado, levando Jesuíno por inteiro, completo, humano e contraditório.

Para tê-lo verdadeiro, nas circunstâncias históricas e construtoras da verdade, até então diluída pela admiração, precisou jogar o jogo das razões e desrazões, e remover a pedra fundamental de uma marca romântica cavada no baixo-relevo da impressão nascida das afeições que movem as sensações da literariedade. É de Câmara Cascudo, no verbete que dedica a Jesuíno Brilhante, no Dicionário do Folclore Brasileiro (Ministério da Educação e Cultura, Rio, 1954), o timbre que Nonato vai repetir no próprio título do seu livro: Jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico (Pongetti, Rio, 1970, na edição original).

Medeiros não perdeu de vista as raízes ancestrais de Cascudo, o filho de Francisco Cascudo, coronel da Guarda Nacional, caçador de cangaceiros, e de quem herdou, por legítimo formal de partilha, a herança de olhar o cangaço como produto de um tempo sem lei a espalhar o horror no sertão do seu pai. Uma civilização trágica e monumental que Cascudo conhecia desde o aboio gregoriano dos vaqueiros à récita lírica dos cantadores, soprando nos lajedos o sentimento trágico e romântico dos homens cósmicos.

É Cascudo o primeiro grande pintor do romantismo de Jesuíno:

__ Jesuíno Alves de Melo Calado, depois chamado Jesuíno Brilhante, foi o cangaceiro gentil-homem, o bandoleiro romântico, espécie matuta de Robin Hood, adorado pela população pobre, defensor dos fracos, dos anciões oprimidos, das moças ultrajadas, das crianças agredidas.

Mas não é este o Cascudo que descreve a figura do cangaceiro no verbete do mesmo Dicionário, na generalização de acusações imperdoáveis:

__ Diz-se no Nordeste do Brasil do criminoso errante, isolado ou em grupo vivendo de assaltos e saques, perseguido e perseguindo, até a prisão ou morte numa luta com tropa da polícia ou com outro bando de cangaceiros.

Raimundo Nonato, clara e fortemente influenciado por Cascudo, a quem enaltece como fonte pioneira e fundamental, concorda e abriga, sem reservas, o novo herói, aquele da modelagem cascudianamente concebida no barro das afeições:

__ Com esse novo depoimento, o Brilhante afirma uma configuração de cangaceiro romântico, que ninguém até então lhe tinha emprestado.

A afirmação teria sido definitiva se Honório de Medeiros não tivesse enfiado os olhos corajosos nas fontes primárias, tão essenciais ao pesquisador na busca dos fatos perdidos na noite do tempo e tão adormecidos nos velhos jornais. Impulsionado pela força da curiosidade, parte levando no alforje a indagação clássica: Jesuíno, herói ou bandido?

É a essa pergunta que responde neste livro ao longo de mais de uma centena de páginas. Fato a fato. Nome a nome. Como um rastejador de abelhas numa demorada caminhada sobre chãos e lajedos no sertão épico e trágico do nunca mais. Até encontrar Jesuíno. Real e legítimo, forjado nas asperezas do seu tempo feito de pedras e espinhos.

Honório de Medeiros encontra o herói? Ou bate de frente com um bandido impiedoso? Eis a trilha que o leitor, a partir de agora, precisa seguir para encontrar a resposta. Sem levar de antemão, na bruaca, a sentença da condenação, nem o doce favo da lenda que há mais de um século andava vagando no sertão velho, entre crenças e abusões.

Natal, março de 2020, nos dias da peste que veio de longe.

Vicente Serejo

TENENTE-CORONEL CHILDERICO JOSÉ FERNANDES DE QUEIROZ FILHO (Artigo)

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)




MEDEIROS, Honório de. Tenente-Coronel Childerico José Fernandes de Queiroz Filho. Natal: artigo em Revista do Instituto Histórico e Geográfico do RN / Instituto Histórico e Geográfico do RN. - v. 99. 2020.

CASCUDO E O CANGAÇO (Artigo)

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)




MEDEIROS, Honório de. Cascudo e o CangaçoNatal: artigo em Revista do Instituto Histórico e Geográfico do RN / Instituto Histórico e Geográfico do RN. - v. 98. 2019.

PAU DOS FERROS ONTEM E HOJE (Artigo)

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)




MEDEIROS, Honório de. Pau dos Ferros Ontem e Hoje. Natal: artigo em Revista do Instituto Histórico e Geográfico do RN / Instituto Histórico e Geográfico do RN. - v. 97 (Ano 2018). 2018.

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

FEUDALISMO, CORONELISMO E CANGAÇO (artigo)

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)



MEDEIROS, Honório de. Feudalismo, Coronelismo e Cangaço. Natal: artigo em Revista do Instituto Histórico e Geográfico do RN / Instituto Histórico e Geográfico do RN. - v. 92 (jan./mar.). 2016.

PARABELLUM (coletânea)

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)




GASTÃO, Paulo Medeiros (organizador). Parabellum: "Tiro Certeiro". Mossoró: Coleção SBEC - Universo das Caatingas - Nº 05 - Mossoró/RN.

Do Conceito de Cangaço, Cangaceiro e Cangaceirismo (Honório de Medeiros)

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

HISTÓRIAS DE CANGACEIROS E CORONÉIS

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)



MEDEIROS, Honório de. Histórias de Cangaceiros e Coronéis. Natal: Sebo Vermelho Edições. 2015.


APRESENTAÇÃO


* Antônio Gomes


Passados dez anos do lançamento, no Cariri cearense, de “Massilon – Nas Veredas do Cangaço e Outros Temas Afins”, eis que Honório de Medeiros nos entrega “Histórias de Cangaceiros e Coronéis”, o segundo volume de sua trilogia acerca desse tema fascinante.

Desta vez o livro é dividido em três grandes eixos: no primeiro, “Jesuíno Brilhante, Herói ou Bandido”, o autor, com base em farta documentação, em primeiro lugar nos apresenta uma face mais visível do pouco conhecido, mas muito famoso em sua época, José Brilhante, o “Cabé”, tio materno do único cangaceiro potiguar conhecido, e que foi personagem do romance “Os Brilhantes”; e, em segundo lugar, mostra o quanto talvez seja equivocada a percepção romântica, calcada no mítico Robin Hood, tanto do senso comum quanto dos escritores que se dedicaram a escrever acerca do primeiro dos grandes bandidos rurais do ciclo do cangaço, Jesuíno Brilhante.

No segundo eixo trata do famoso ataque de Lampião a Mossoró analisando-o a partir de uma perspectiva inédita e com informações até então desconhecidas da literatura específica acerca do tema. Aparece, por exemplo, pela primeira vez na história do cangaço, identificado inclusive com imagem, a “oposição oficial” ao Coronel Rodolpho Fernandes e que a ele se contrapôs veementemente nos dias que antecederam a invasão da cidade.

Por fim, no terceiro eixo, constituído de crônicas acerca de temas diversos do cangaço e do coronelismo, trata, por exemplo, de uma misteriosa amante de Antônio Silvino, bem como acerca da famosa “teoria do escudo ético”, ou mesmo do “pacto dos governadores para eliminar os cangaceiros”, dentre outros, que se colocam para o leitor como textos menos densos, mas, nem por isso, menos instigantes.

Como dito outrora, na orelha do “Massilon”, e ainda válido hoje, o que o Autor pretende, e não há razão para que não ocorra da forma como ele deseja, este livro é “nada tão sério que pareça maçante, tampouco tão leve que pareça desfrute.”

Mãos à obra.

Antônio Gomes, Sertão/Natal, 2015.

CRÍTICA

* Prof. Dr. Gilson R. de M. Pereira

            É possível dizer algo novo sobre o Cangaço e sobre o Coronelismo, tão exaustivamente estudados? O que justifica debruçar-se sobre um assunto aparentemente tão esgotado? É possível acrescentar uma informação crucial, uma perspectiva diferente, fazer algum avanço nas análises até aqui feitas? Parece que, pelo menos em relação ao material empírico, não se pode esperar muita coisa, visto que, exceto por um ou outro documento, uma foto, uma carta, que ainda eventualmente possa aparecer, tudo já foi muito esmiuçado. Se isso estiver correto, então não é no âmbito do protocolo que se pode ampliar o que se conhece sobre cangaceiros e coronéis, porém nos métodos e nas análises do material disponível e esta é a contribuição de Histórias de Cangaceiros e Coronéis, Editora Sebo Vermelho, de autoria de Honório de Medeiros, recentemente lançado.

                    O que faz de Histórias de Cangaceiros e Coronéis um marco, um determinante simultaneamente teórico e prático nos estudos sobre o coronelismo e o cangaço, é a mobilização, em objetos precisos, do modo de análise estrutural. Sintetizando, e sem antecipar o conteúdo do livro, o autor, de forma novidadeira, submete o cangaço e o coronelismo a um método de análise que privilegia as relações entre os agentes e as instituições como princípio de conhecimento do real, quer dizer, como princípio de inteligibilidade da particularidade de um mundo social situado e datado. Para isto, Honório se apropria do conceito de “campo social”, formulado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, e o aciona a fim compreender e dar a compreender a teia de relações que faz de cangaceiros e coronéis opostos e complementares no proto-campo político do Nordeste brasileiro no período do final do Segundo Império à década de 1930. Digo proto-campo político, pois neste período o campo político ainda não havia se autonomizado e estava imerso numa totalidade social, difusa e parcialmente diferenciada, que anexava a política à economia, à tradição e à religião.

                    O credo metodológico de Histórias de Cangaceiros e Coronéis não é formalizado no livro, e nem seria preciso, mas é esboçado às páginas 225-226. Assim, o vetor epistemológico adotado é claro: vai do racional ao real, de acordo com a máxima sociológica segundo a qual é o mundo social – cientificamente construído – que explica os indivíduos e não o contrário. E para lançar luz nas práticas e representações de cangaceiros e coronéis, Honório recorre não a um vago “contexto social”, nem aos imprecisos “determinantes em última instância da economia”, mas ao campo, ainda não inteiramente estruturado, é bem verdade, no qual se disputavam os móveis e interesses políticos da época.

                    Assim sendo, esse poderoso recurso analítico permite a Honório de Medeiros ver mais longe e dizer coisas não sabidas sobre fatos já conhecidos. As práticas de cangaceiros e coronéis, desse modo, saem do arbitrário, do acaso, do irracional e se encaixam, ainda que na forma de conjecturas, como reconhece o autor, num cenário interpretativo que tem a força da razoabilidade. Na construção deste cenário explicativo, é particularmente interessante o uso das genealogias, recurso fartamente utilizado pelo autor. A garimpagem das relações familiares, dos compadrios e das linhagens não é no texto um mero exercício de erudição e virtuose investigativa, mas um modo de reconstruir a trama das interdependências capazes de conferir sentido aos atos aparentemente mais díspares. Embora pareça extenuante ao leitor desatento, as genealogias auxiliam na construção da economia das trocas materiais e simbólicas entre as famílias, os clãs, os grupos e as facções em disputa pelo poder, em luta pela honra e pela posse de recursos escassos. Assim, é lícito afirmar que em Histórias de Cangaceiros e Coronéis o autor não é tão somente um genealogista inspirado, mas um topógrafo empenhado em descrever a topologia do já mencionado proto-campo político. Ao fazê-lo, ao minuciar a teia de relações familiares, de compadrio e de amizade (e de inimizade), o autor repõe ao mesmo tempo as posições relativas ocupadas pelos diversos agentes no estado do proto-campo político à época. Neste caso, o desafio enfrentado pelo autor foi o de mostrar o funcionamento da lógica prática – esta lógica sem lógicos – capaz de fazer compreender o que os agentes fazem e como e porque o fazem.

                Em Histórias de Cangaceiros e Coronéis, coronéis e cangaceiros partilham do mesmo ethos e do mesmo pathos, pois possuem os mesmos esquemas de pensamento e ação. Isso não significa juntá-los indistintamente num único cesto informe: a análise estrutural separa o que o vulgo junta e junta o que o vulgo separa. O que Honório junta (e o vulgo separa): cangaceiros e coronéis na mesma trama do poder; o que Honório separa (e o vulgo junta): os cangaceiros dos marginais de feira (vide as referências quer à situação econômica de relativa folga das famílias de alguns cangaceiros ou mesmo à estirpe nobre de outros).

                Mas unir coronéis a cangaceiros não seria muito expressivo do ponto de vista analítico, pois ainda seria preciso identificar as distinções nas semelhanças. E, mais uma vez de forma adequada, Honório procura o princípio explicativo das distinções na hierarquia do proto-campo político de então, ou seja, na legitimidade que coronéis possuíam e cangaceiros, não. As alianças conjunturais – de interesses, de ódios, de intrigas, inimizades e amizades – unem o cangaço a frações do coronelismo, mas a legitimidade deste último o demarca do primeiro. É bom lembrar que os cangaceiros não foram indiferentes à legitimidade, a exemplo da “patente” de capitão de Virgulino Ferreira, sempre anunciada com orgulho.

                O capital de legitimidade dos coronéis e o déficit de legitimidade dos cangaceiros pesarão na reprodução posterior dessas duas experiências políticas típicas do Nordeste brasileiro no já mencionado período do final do Segundo Império à década de 1930. O coronelismo, em razão dos trunfos materiais e simbólicos que dispunha e da legitimidade amparada nos poderes do Estado, encontrará, como o autor menciona, formas de sobrevivência, ou seja, de reprodução ampliada quando da modernização do País. As modernas oligarquias e as linhagens familiares que, atualmente, dominam a política no Nordeste descendem do coronelismo. Os cangaceiros, por sua vez, justamente em razão da posição subalterna que ocupavam no proto-campo político durante o mesmo período e da ausência de legitimidade, sucumbiram e foram extintos. Assim, é apenas por um abuso terminológico que hoje se fala em “novo cangaço” ao mencionar os bandos de facínoras que roubam bancos e aterrorizam as pequenas cidades do interior. Não há nenhuma semelhança tanto na forma como no conteúdo.

               Cangaceiros e coronéis não emergem das 285 páginas de Histórias de Cangaceiros e Coronéis inteiriços como se saídos dos mitos e dos contos de fadas, porém contraditórios, dilacerados, ora heroicos, ora pusilânimes, quase sempre horríveis e sombrios. São os vitoriosos e os vencidos de um mundo caracterizado, para usar a expressão de Johan Huizinga a propósito do declínio da idade média, pelo “teor violento da vida”. Afinal, Histórias de Cangaceiros e Coronéis é um livro cheio de atrocidades (“matou, emboscou, decapitou, deflorou, ultrajou, espancou cruelmente” são palavras amiúde encontradas). Contudo, restituí-los – os ofendidos e os ofensores – em sua humanidade, sem preconceitos, eis um inegável mérito da análise estrutural empreendia por Honório de Medeiros.

                Em razão do alcance analítico dos resultados e do manejo modelar do método, penso que, doravante, qualquer ensaio que pretenda fazer avançar o conhecimento sobre o coronelismo e o cangaço deverá, necessariamente, interpelar Histórias de Cangaceiros e Coronéis.

* Gilson Ricardo de Medeiros Pereira possui graduação em Licenciatura em Física pela Universidade de São Paulo (1987), graduação em Bacharelado em Física pela Universidade de São Paulo (1983), mestrado em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (1992) e doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (2001). Trabalhou como professor efetivo na Universidade Regional de Blumenau, SC, e, atualmente, é professor do quadro da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, atuando no Programa de Pós-Graduação, mestrado em educação. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Sociologia da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, políticas públicas, administração da educação, periódico especializado e disciplina acadêmica.

MASSILON (Nas Veredas do Cangaço e Outros Temas Afins)

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)




MEDEIROS, Honório de. Massilon (Nas Veredas do Cangaço e Outros Temas Afins). Natal: Sarau das Letras. 2010.


APRESENTAÇÃO


* Honório de Medeiros


Este livro não é uma obra científica, muito embora eu tenha tido a cautela de utilizar a metodologia apropriada quando possível, e parte do que possa ser lido tenha o rigor de pequenos ensaios. Também não é literatura, apesar das crônicas nele contidas. A bem da verdade é um livro, apenas. Sem adjetivos.

Apesar de seu tema central ser Massilon, não houve uma preocupação minha em me limitar. Ao contrário. Deliberadamente extrapolei. E não há razão objetiva para tal. Apenas senti o impulso de fazê-lo: somente assim posso explicar a presença de algumas divagações acerca do conceito de cangaço e outras quaisquer. Também foi opção pessoal transcrever, ao invés de interpretar, muitos dos textos que serão encontrados no livro, embora todos estejam conectados entre si. Preferi, ao fazer essa opção, que o leitor pudesse tirar suas próprias conclusões a partir da transcrição do texto.

A prova inconteste da minha despreocupação com os limites do tema é o “Diário de Viagem”, constituído de crônicas escritas nos locais por onde andei em busca do rastro de Massilon. Nessas viagens tudo foi gratificante: as pessoas, os lugares, os fatos. Aprendi muito, ensinei alguma coisa, aproximei-me de pessoas e me afastei de outras. Revi conceitos e posturas. Construí perspectivas inesperadas. Vivi.

Nesse processo todo, que durou quase sete anos, tive a oportunidade de adquirir respeito e gratidão por muitas pessoas. Sou grato a Michaella e a Bárbara, pela paciência e incentivo; a Jânio Rego e Franklin Jorge, amigos irmãos, pelo companheirismo; a Kydelmir Dantas e Paulo Gastão, porque sem os quais não haveria este livro; a Walter Sandi; Dna. Maria do Céu Leite; Valdecir Pereira Leite e Carolina Gonçalves Pereira; o grande pesquisador José Tavares de Araújo, de Pombal, PB; o Tenente Raimundo Nonato de Lima; o escritor Sérgio Dantas – autor de obras de referência acerca do cangaço, fonte principal deste livro, ao lado de Raul Fernandes e Raimundo Nonato; Socorro Figueiredo; Francisco Dantas Rocha; Gérson Carlos de Morais; Esly Almeida Melo e a professora Célia Magalhães; José de Ribamar Diógenes e José Ubirajara de Morais; Dr. Paulo Germano da Silveira; meu compadre Eriberto Suassuna Barreto, já falecido, mas sempre presente; o professor Pereira, de Cajazeiras, PB; o ex-prefeito de Apodi, Dr. José Pinto; o pesquisador Marcos Pinto; Luciano Pinheiro, de Luis Gomes, RN; o Capitão Francisco Viana; a professora Ida Marcelino; Dna. Raimunda Paiva Fernandes; Carlos Duarte e Cleilma Fernandes; Inácio Magalhães de Sena, Ernane Lima, o grande Aurílio Santos, a quem agradeço de coração, por toda ajuda; Vicente Serejo, a quem devo o subtítulo deste livro; e a tantos outros que hão de me desculpar se não os nominei, refém de uma memória falha.

domingo, 25 de setembro de 2022

JUSTIÇA versus SEGURANÇA JURÍDICA e outros fragmentos (ensaios)

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)



MEDEIROS, Honório de. JUSTIÇA versus SEGURANÇA JURÍDICA (e outros fragmentos). Natal: Infinita Imagem. 2009.


PREFÁCIO


O DILEMA ENTRE SER FILÓSOFO OU SONÂMBULO

 

Ivan Maciel de Andrade

 

Ao nos ocuparmos de temas jurídicos, sempre e inevitavelmente nos situamos diante do dilema proposto por Ortega y Gasset: ou nos tornamos filósofos ou sonâmbulos. Filósofos – se nos questionamos sobre aspectos ontológicos, axiológicos e epistemológicos do Direito. Sonâmbulos – se nos conformamos com o mero conhecimento, interpretação e aplicação das normas (genéricas e abstratas ou individualizadas) que compõem o Direito Positivo. Não há outra opção. E sabemos que, habitual e frequentemente, os profissionais do Direito – por falta de preparo teórico, resistências ideológicas e outros fatores extrajurídicos – se limitam ao exercício de atividades superficiais e mecânicas, alheios a qualquer preocupação crítica, o que os caracteriza inelutavelmente como verdadeiros sonâmbulos. Muitas vezes conseguem armazenar bom número de informações sobre leis, decretos, resoluções, jurisprudência, e se utilizam desse material, criteriosamente organizado e atualizado, para o desempenho das mais diferentes funções jurídicas. Mas esse é o seu horizonte – a dogmática jurídica, na sua expressão mais restrita, mais limitada, mais operacional.

Isso é o que distingue Honório de Medeiros de outros muitos que escrevem sobre temas jurídicos. Honório tem uma preocupação filosófica, mesmo abordando questões que têm acentuado interesse para a própria dogmática jurídica. A ótica filosófica está muitas vezes simplesmente subjacente, implícita, pressuposta no tratamento atribuído ao estudo e à análise de uma vasta gama de enunciados (alguns deles controversos) pertencentes a diferentes ramos do Direito.

Aspecto importante a ressaltar é que os textos de Honório de Medeiros utilizam uma linguagem acessível, direta, despojada de tecnicismos. Essa peculiaridade torna o seu livro de leitura não somente útil como agradável. É algo que valoriza sobremodo a substância, o conteúdo das concepções expostas e constitui notável exceção à forma – geralmente inóspita – escolhida pelos autores de obras jurídicas para expressarem suas ideias, cuja inconsistência, muitas vezes, fica disfarçada atrás de palavras e construções de insuportável pedantismo.

Vale observar que poucos, raros, no Brasil, se interessaram ou se interessam pela vertente filosófica do Direito. Os exemplos de A. L. Machado Neto e de Tércio Sampaio Ferraz ainda permanecem isolados e inigualáveis. Talvez não tenha surgido ninguém depois deles com o mesmo grau e densidade de conhecimentos jusfilosóficos e com uma contribuição tão original, profunda, complexa e, ao mesmo tempo, fortemente didática à abordagem dos grandes problemas teóricos suscitados pelo fenômeno jurídico.

Sempre me dediquei ao estudo desses aspectos teóricos, sem prejuízo de minhas atividades no Ministério Público Estadual e, depois, na advocacia. Na condição de professor de Introdução ao Estudo do Direito da UFRN, habituei-me a questionar a respeito da natureza do Direito, da necessidade de sua existência dentro da sociedade, dos princípios que regem a criação, interpretação e aplicação das normas jurídicas. Através desses estudos, creio ter construído uma modesta visão crítica e analítica do Direito.

Lembrando-se, certamente, da orientação filosófica que eu imprimia às minhas aulas no curso de Direito da UFRN, Honório de Medeiros, meu brilhante ex-aluno, resolveu convidar-me para estas palavras iniciais. Sinto-me homenageado e, ao mesmo tempo, feliz em constatar o quanto Honório de Medeiros foi bem-sucedido nas investigações teóricas que realizou, augurando que elas sejam acompanhadas de novas produções de igual nível de qualificação – tanto no âmbito formal, como na abrangência e proficiência dos temas abordados.

PODER POLÍTICO E DIREITO (ensaio, 1a. edição)

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)




MEDEIROS FILHO, Francisco Honório. Poder Político e Direito: A Instrumentalização Política da Interpretação Jurídica Constitucional. Natal: A.S. Editores. 2003.


INTRODUÇÃO  



Através deste trabalho pretende-se discutir a pouco trabalhada, conforme assim o afirma Norberto Bobbio, relação entre Poder Político e Direito. São muitas as dúvidas acerca desse tema, principalmente as que dizem respeito à ainda mal resolvida questão da legitimidade do Poder Político que termina sendo, na medida em que se aceite a teoria acerca da instauração do Direito enquanto instrumento do Poder, uma corroboração de que o próprio ordenamento jurídico é um epifenômeno.

Tais dificuldades originaram uma necessidade premente de transcrição de textos, em detrimento de paráfrases. Afinal, a teoria exposta, embora não seja inédita, requer ousadia para ser abraçada. Também se deve à tentativa de rastrear o nascedouro da vertente filosófica acerca do problema em si o uso de tal técnica.

Embora algumas alavancas intelectuais tenham sido introduzidas no texto da dissertação, o sentido no qual devem elas ser entendidas deflui do próprio texto; em outras ocasiões, quando necessário, notas de rodapé esclareceram sua utilização.

Por fim, ressalte-se que esta dissertação pretende discutir acerca da possibilidade da instrumentalização da produção, interpretação e aplicação da norma jurídica e/ou ordenamento jurídico pelo poder político. Trata-se de uma conjectura, agora submetida à refutação.

Não é novo o tema, embora a ele a doutrina somente se dedique de forma tangencial. Mas a afirmação principal, que norteia a produção do texto, é onipresente no senso comum dos operadores do Direito.

sábado, 24 de setembro de 2022

INVESTIGAÇÃO PARCIAL ACERCA DA SOLIDÃO (ensaio)

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)




MEDEIROS, Honório de. Investigação Parcial Acerca da Solidão. Natal: Nossa Editora. 1984.


PREFÁCIO


INVESTIGAÇÃO PARCIAL ACERCA DA SOLIDÃO

determinação ou circunstância?

 

* Pedro Simões Neto

 

O livro começou a me interessar a partir do título. A solidão sempre merece uma investigação – mesmo parcial (no duplo sentido).

No Rio Grande do Norte, pelo que sei, é o primeiro trabalho no gênero. E dos raríssimos escritos sobre metafísica. Embora os inéditos repousem, impunes, nas gavetas dos estudiosos.

Sem me decidir se o tema foi determinado, como matéria opcional de investigação, ou circunstancial, produto da análise intro ou extrospectiva, intrigo-me com a revelação da juventude de Honório de Medeiros. Conhecida, evidentemente, nunca intuída ou deduzida, a se julgar pela gravidade do autor/personagem(?).

Surpreende, ainda, o campo de estudos metafísicos empreendido por Honório. O SER, sua existência e sua essência, eis a proposta de experimentações do jovem (?) escritor. Na mesma linha de Liebniz, Bergson, Heidegger, Kierkegaard, Wittgenstein e Sartre – só para alinhar referências.

Mas, ao contrário dos ilustrados companheiros, Honório inaugura (sua ou dos outros?) solidão, partindo de uma escritura intrigante. Hermética, a princípio, talvez em razão do método de investigação, do enunciado metafísico. Aos poucos, no entanto, vai tecendo a (sua ou dos outros?) solidão, com extrema desenvoltura dialética, com liberdade poética. A partir daí o tema perde densidade metodológica e conquista, com bastante vantagem, a condição de mesa de bar, de cotovelos na janela e olhares presos no vazio. Ganha intensidade humana.

Talvez porque se possa definir a obra como construção pessoal do autor, enquanto singular, interessa menos o tecido de sua composição (a despeito de bem elaborado e original) que o artesão que a tece.

O que levaria um jovem em plena conquista de “status” sócio-cultural e econômico – segundo a cartilha civilizatória ocidental – a manter tal base de estudos?

É bem verdade que as referências históricas (contemporâneas ou não), como que balizam a desesperada busca da juventude, por coisa alguma indexada nos valores ditos culturais da civilização. A procura é introspectiva, não pode ser mensurada por qualquer ordem de grandeza materialista.

O “spleen”, o “Weltmerschz”, os “rebeldes sem causa”, a “geração perdida” ... Aconteceu o Movimento Hippie. O ’68 na França. Schumacher fala do ideal de um homem ajustado a uma sociedade perfeita. Fala com ironia. Como se o ideal humano fosse realmente uma sociedade dadivosa, sacietária ...

Talvez Honório esteja certo. Primeiro é preciso conquistar a essência para delinear a existência. Porque é na essência que ele penetra, afastado o “seu” solitário dos problemas da existência, concedendo-lhe o arbítrio do seu próprio projeto de solidão. Cada qual tece e urde o seu próprio arquétipo solitário, que aos poucos deixa de ter uma causa circunstancial e se afirma como opção existencial.

Um projeto ontogenético? Talvez. Talvez algo mais: uma estação poética obsessiva. Que nos afasta de Orwell, de Toffler, de Berdiaev e de quantos concedem à sociedade, à organização social e política, o projeto existencial do Homem.

Determinação ou circunstância, o “projeto” de solidão de Honório de Medeiros é fascinante. Sobretudo porque nos remete à preocupação com o SER, com o existir.

CANTO DE RUA (contos)

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com).




RÊGO, Janio Costa. Canto de Rua. Mossoró: Gráfica Tércio Rosado (ESAM). 1977. 

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

A VERDADEIRA REVOLUÇÃO

 * Honório de Medeiros

* honoriodemedeiros@gmail.com


Cobramos muito, dos outros, uma conduta que não seguimos.

Eis a verdadeira revolução: não exigir aquilo que não estamos dispostos a fazer.

Dar o exemplo, eis a questão.

terça-feira, 13 de setembro de 2022

O HOMEM E A REDE SOCIAL

 * Honório de Medeiros

* honoriodemedeiros@gmail.com


Assim é a rede social: uma praça virtual semelhante a aquelas das cidades do interior de antigamente, onde a vida de cada um era passada a limpo todos os dias. Continuo crendo que o homem não mudou nada com o tempo, apenas antes andávamos a pé ou em cima de animais, hoje viajamos de avião. O homem continua o mesmo, talvez pior: está mais fragmentado, mais cheio de rancor e ressentimento.

domingo, 7 de agosto de 2022

GOVERNO DO RIO GRANDE DO NORTE (1935-2018)

 

Governo do Rio Grande do Norte (1935-2018)


Governo do Rio Grande do Norte (1935-2018)

Em 1939, o historiador Luís da Câmara Cascudo apareceu com “Governo do Rio Grande do Norte”, reunindo a história e a trajetória dos governantes que andaram por aqui de 1597 até 1935. O tempo foi passando e ficou uma lacuna a ser preenchida com os que vieram depois.

Foi esta a deixa que levou André Felipe Pignataro, Gustavo Sobral e Honório de Medeiros, em 2018, a reunir uma plêiade de pesquisadores e escritores, dentre eles, historiadores, juristas, jornalistas, professores e continuar até os dias de hoje.

O resultado vem a público em e-book (Biblioteca do Ocidente, 2022, 125p), apresentando a trajetória dos governantes do Rio Grande do Norte de 1935 a 2018. O livro traz, a princípio, uma listagem organizada por ordem cronológica, contemplando cada um dos governos, a que se segue os perfis dos 25 governos que administraram o Estado neste período.

Governo do Rio Grande do Norte (1935-2018), Biblioteca do Ocidente, 2022, 125p.

Organizadores: André Felipe Pignataro, Gustavo Sobral e Honório de Medeiros.
Autores: Adilson Gurgel de Castro; André Felipe Pignataro; Carlos Roberto de Miranda Gomes; David de Medeiros Leite; François Silvestre; Honório de Medeiros; Gustavo Sobral; Isaura Rosado; José Antônio Spinelli; Ludimilla Carvalho Serafim de Oliveira; Maria do Nascimento Bezerra; Ramon Ribeiro; Ricardo Sobral; Roberto Homem de Siqueira; Saul Estevam Fernandes; Sérgio Trindade; Tarcísio Gurgel; Thiago Freire Costa de Melo; Vicente Serejo; Walclei de Araújo Azevedo.

Para adquirir o livro, acesse:
https://revistagalo.com.br/selo-bo/

domingo, 24 de julho de 2022

IRRESIGNAÇÃO PERDOADA: O JÚRI DE JARARACA

 * Pinçado do www.navegos.com.br

* honorio de medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)



IRRESIGNAÇÃO PERDOADA


Honório de Medeiros



No dia 9 de junho de 2017, a partir das nove horas da manhã, no Fórum Municipal de Mossoró, atuei como advogado de defesa no júri simulado sob a presidência do juiz Breno Valério Fausto de Medeiros, que julgaria José Leite Santana (1901-1927), o notório cangaceiro Jararaca. Era a comemoração do aniversário da resistência de Mossoró ante o ataque do bando de Virgulino Ferreira da Silva (1898-1938), o Lampião. A acusação ficou a cargo do advogado Diógenes da Cunha Lima. Terminados os trabalhos, o Conselho de Sentença houve por bem inocentá-lo por seis votos a um. Segue, abaixo, o texto que norteou minha participação.

Esta é uma história de perdão, não de julgamento. “Quem tudo compreende, tudo perdoa”, disse-nos Tolstoi, citando Spinoza. Antes, entretanto, peço permissão às senhoras e aos senhores para mergulhar nas águas do meu próprio passado, pois foi aqui mesmo, nesta Mossoró libertária, que eu nasci e cresci, ao lado da Igreja de São Vicente. Ali ficava a casa de Rodolpho Fernandes, depois a de Alfredo Fernandes e, em frente, a dos Hollanda. Do lado, a de Joaquim Perdigão. Atrás, a de Pacífico Almeida. No final, a de Ezequiel Fernandes. Era o chamado Bairro Novo, escassamente povoado. A todas essas casas dominava a Igreja, à sombra da qual jogávamos bola e brincávamos de bandeirinha, no mesmo chão que foi pisado pelos cangaceiros, dentre eles José Leite de Santana.

Por que estiveram ali? Por que atacaram Mossoró? Porque atacaram Mossoró? Compilei quatro teorias. José Leite de Santana é fundamental para que se entenda a quarta teoria. José Leite de Santana, Ferrugem e Mormaço disseram que Lampião nunca pensou em invadir Mossoró. José Leite de Santana abriu o jogo para Lauro da Escócia. José Leite de Santana quis falar com Rodolpho Fernandes e não deixaram. José Leite de Santana por isso mesmo foi morto.

Mas como falar em José Leite de Santana sem falar no cangaço? Como falar no cangaço sem falar da época na qual o cangaço aconteceu? Como falar daquela época sem recordar as condições de vida do sertanejo nordestino, fonte de onde o cangaço emanou? Como falar dessa fonte sem entender a crucial diferença entre os resignados e os que não se submeteram? Como abordar essa questão sem perceber que dentre os que não se submeteram estão aqueles que tomaram o caminho do mal, enquanto outros, o do bem? Como não compreender que nem sempre a opção pelo caminho do mal foi algo ao qual se pudesse resistir, tamanha a incapacidade de se ter, nas próprias mãos, o próprio destino?

Esses são os outsiders, os irridentes, os insubmissos, os irresignados, os diferentes, os revolucionários. Esses são o sal da terra, para o bem ou para o mal. Trágico quando é para o mal, como no caso de José Leite de Santana; sublime, quando o é para o bem, como no caso de tantos aos quais devemos nosso avanço enquanto espécie.

O cangaço é a história de rebeldes. Podemos subjugar rebeldes. Podemos condenar rebeldes. Podemos matar rebeldes. Mas não podemos impedir que a memória de suas existências acicate o nosso repouso envergonhado. O cangaço é a história de homens que resolveram se vingar; de homens que não aceitaram serem escravos; de homens que optaram por sobreviver sem lei e sem rei, nos mesmos moldes dos desbravadores dos nossos sertões, numa liberdade absoluta, uma liberdade de fera, a liberdade da qual nos falou Hobbes em “O Leviatã”. O cangaço foi o último suspiro dos desbravadores do Sertão, aqueles mesmos que disputaram a terra com os índios ferozes, palmo a palmo, sangue a sangue, numa guerra contínua e esquecida do resto do mundo. A guerra dos bárbaros.

José Leite de Santana foi assim. Percebemos isso em seu olhar na célebre fotografia tirada na prisão em Mossoró. Passei muito tempo olhando para a fotografia. Ali não estava apenas o olhar de quem está ferido. Ali estava, muito mais que isso, o olhar de quem foi subjugado à força, mais uma vez. É o olhar de uma fera de quem tiraram sua liberdade. É o olhar de quem vai morrer.

José Leite de Santana já nasceu subjugado, e contra essa subjugação lutou até o último instante: nasceu bastardo, pobre, preto e desvalido. Um infame. Infame antes mesmo de ser um homem mal. Não se trata de dizer que o meio fez a escolha dele. Não podemos cair nessa armadilha. Ele escolheu seu caminho. Outros fizeram opções diferentes. O comum dos mortais escolheu vergar sob o peso da escravidão diária. Pagou por isso. Mas antes mesmo da escolha, o destino já o tinha jogado na lata de lixo dos dejetos humanos.

Como julgar José Leite de Santana com os nossos olhos? Um homem que não tinha o que comer, se não chovesse, e não chovia; não tinha médico; não tinha dentista; não tinha transporte; não tinha estudo; não tinha dinheiro; não tinha passado, não tinha presente, não tinha futuro, não tinha nada.

Pois foi este homem, refugo da vida, que nos permitiu levantar um pouco a cortina, o véu que esconde a verdade dos fatos, morreu violentamente e o povo o transformou em herói e o santificou. Herói porque ousou a coragem da loucura ou a loucura da coragem de viver sem lei e sem rei, os últimos deles. Santo porque intercede, lá entre os acolhidos pela infinita bondade de Deus, pelos que sofrem, para assim purgar as dores que causou neste mundo de miséria e sofrimento. Não é possível ver-se nas intercessões dessa alma torturada a quem o julga lá no Alto, em defesa dos que ficaram para lhes minorar a dor, um pedido de perdão por todo o sofrimento que causou quando vivo?

Não é ele um dos cainitas, dos quais nos falou Herman Hesse, um dos escolhidos por Deus para ser as trevas que valorizarão a luz? Por que não podemos perdoá-lo, se perdoamos São Paulo, padre Cícero, Santo Agostinho, Maria Madalena, São Longino, o chefe dos soldados romanos que, no caminho para a crucificação de Jesus, perfurou o peito dele com uma lança? Somente a Santa Igreja pode, pelo Princípio Petríneo das Chaves, dizê-lo oficialmente santo. Mas assim como padre Cícero, para o povo, ele já o é. Se o condenamos hoje, condenamo-lo novamente; se o absolvemos estamos a ele ofertando o nosso perdão.

Reconstituamos os últimos dias de José Leite de Santana: 13 de junho, final da tarde: é ferido; 14 de junho, pela manhã: é traído por Pedro Tomé; à tarde: concede a célebre entrevista a Lauro da Escócia para o jornal “O Mossoroense”; o ordenança do sargento Kelé tenta lhe arrancar o dedo, para ficar com um anel; 15 de junho: identifica os cangaceiros na foto de José Octávio; 16 de junho: o tenente Laurentino de Moraes viaja para Natal; 17 de junho: o tenente Laurentino volta de Natal; 18 de junho: o laudo cadavérico é assinado pelo Juiz Eufrásio Mário, pelo tenente Laurentino de Moraes e por Dr. João Marcelino; 19 de junho: manda pedir para falar em particular com Rodolpho Fernandes; 20 de junho, naquela noite tenebrosa, às 23 horas, mais ou menos, é assassinado sob a vista dos tenentes Laurentino de Moraes, Abdon Nunes e João Antunes; sargentos Pedro Sylvio, João Laurentino Soares, Eugênio Rodrigues; cabos José Trajano e Manoel; soldados Militão Paulo e João Arcanjo; e pelo motorista Homero Couto.

Coube aos soldados o trabalho sujo, como coube quando mataram Lampião, na degolação de Maria Bonita ainda viva. As volantes eram semelhantes ou piores que os cangaceiros. Dirá depois Luiz da Câmara Cascudo: “Ferido de morte, acuado como uma fera entre caçadores, impassível no sofrimento, imperturbável na humilhação como fora em sua existência aventurosa e abjeta, herói-bandido, toda a valentia física e a resistência nervosa da raça de índios e dominadores dos sertões, reviviam nele, empoçado no sangue, vencido e semimorto. Aquela força maravilhosa, orientada para o crime, dispersava-se lentamente…”.

Absolvamos o cangaço e perdoemos José Leite de Santana. Ou, melhor, perdoando José Leite de Santana, absolvamos o cangaço.

LIVROS: A GAROTA ITALIANA, Lucinda Riley

* Pinçado do Instagram

* honoriodemedeiros@gmail.com

Recomendo:




segunda-feira, 11 de julho de 2022

VILLAÇA, O ESTILISTA

 

Antônio Carlos Villaça (1928-2005)

* Honório de Medeiros 

(honoriodemedeiros@gmail.com)



No cinza das horas, releio O Livro dos Fragmentos, de Antônio Carlos Villaça, soberbo estilista. Quem não lembraria de Novalis e Nietzche, ao lê-lo?

Foi muito amigo de Franklin Jorge, outro estilista, autor de O Spleen de Natal, um livro requintado, prêmio Câmara Cascudo por unanimidade, e de Gerardo Dantas Barreto, o filósofo, dono de uma “passionalidade desgrenhada”, ambos norte-rio-grandenses, e de Gilberto Amado, Augusto Frederico Schmidt, Carlos Lacerda, não o político, o homem, e tantos outros, naqueles anos que começaram com Getúlio Vargas e se encerraram com a agonia do Movimento de 64.

Villaça ficou famoso com O Nariz do Morto, de 1970, obra de um niilismo trágico, tão elogiado. Lembra, lá para as tantas, que Gilberto Amado caracterizava Vargas muito bem: “Getúlio ou a arte de enganar. Enganava não apenas os bobos, o que é fácil e todos fazem. Enganava os sabidos.”

E também lembra, nesse livro, Raul Fernandes, não o potiguar, mas, sim, o político e diplomata carioca, que lhe dizia sempre: “ a ênfase é uma improbidade intelectual”.

Em O Livro dos Fragmentos aponta o estranho fenômeno da desaparição de alguns escritores. Cita Osvaldo Alves, Carlos David, Lia Corrêa Dutra, a quem Drummond e Gilberto Amado admiravam e que sumiu da literatura.

Villaça especula: “Era uma forma de ceticismo ou de cansaço”. Recorda Maria Teresa Abreu Coutinho, “brilhantíssima. Casou-se com um operário italiano e foi morar no subúrbio. Nunca a reencontrei.”

Nada mais Enrique Vila-Matas e seu Bartleby e Companhia, no qual rastreia "a pulsão negativa ou a pulsão pelo nada que faz com que certos criadores, mesmo tendo consciência literária muito exigente (ou talvez precisamente por isso), nunca cheguem a escrever, ou então escrevem um ou dois livros, e depois renunciam à escrita".

As obras desses escritores que ele cita ocupam, penso eu, algum escaninho empoeirado do Cemitério dos Livros Esquecidos que Carlos Ruiz Zafón localiza na misteriosa Barcelona, em um beco ao qual me conduziu uma bela guia mineira que, ante o meu espanto com o que me deparei, pôs-se a rir, divertida.

O Cemitério não se deixava perceber assim tão fácil...

Antônio Carlos Villaça, bem como Gerardo Mello Mourão, reconheceu que o Brasil é barroco, uma eterna tensão entre o corpo e a alma.

Vivesse hoje, que diria ele?

Termina O livro dos Fragmentos citando Machado, Iaiá Garcia: “Alguma coisa escapa ao naufrágio das ilusões”.

Estaria se referindo ao que escrevera?

Tomara.

quinta-feira, 30 de junho de 2022

FLANAR

 

Imagem por http://lounge.obviousmag.org/pathos/2012/02/cronica-de-um-flaneur-tropical.html

* Honório de Medeiros
(honoriodemedeiros@gmail.com)

Sair por aí, qual um flâneur, em busca de arrebatar uma flor para colocar na lapela ou na casa do botão, de beber uma xícara de café ou taça de vinho, quem sabe de arrancar um sorriso de alguém que passa com um certo ar melancólico, tudo isso sem lembrar o passado e o que ele evoca e provoca, tampouco se preocupar com o futuro, embriagado de liberdade, apenas vivendo o momento presente, ou seja, uma doce mistura de esperança e ilusão, até que os dias se transformem em neblina, depois em chuva, e venha o adeus, quando não há mais o agora.

quarta-feira, 29 de junho de 2022

A SEMENTE DO MAL, UMA ALEGORIA

 


* Honório de Medeiros

(honoriodemedeiros@gmail.com) 

3,3 Mas do fruto da aárvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis, para que não morrais.

3,5 Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos aolhos, e sereis como Deus, bconhecendo o bem e o mal.



No preciso momento no qual o Homem mordeu o fruto da proibido, a semente do mal tombou na terra fértil, e começou a germinar.

A semente cresceu vertiginosamente. Hoje, é uma floresta.

Houve um momento, há muito tempo, no qual Alguém veio e alertou o Homem.

O Homem não lhe deu ouvidos, assim como, no início de Tudo, também não o fizera quando fora alertado acerca do perigo de morder o fruto proibido.

Duas vezes o Homem desprezou o que lhe disseram. Haverá uma terceira oportunidade?

As folhas, os ramos, os galhos, as árvores, ou seja, os filhos da semente do mal estão em toda parte: no coração do Homem, no seio das Famílias, entre as Nações...

Desde há muito o Homem tenta entender as razões de sua presença, mas, desde a madrugada dos tempos, por mais que estude, nada conseguiu.

Sequer arranhou a superfície do Mal, pois não percebeu e aceitou que o fundamental, o primordial, o essencial, repousa naquela semente primitiva, da qual tudo é causa e consequência.

Não percebeu o Mal, como de fato ele é, pois muitas são suas faces.

quarta-feira, 15 de junho de 2022

DO QUE VOCÊ DEVE DESCONFIAR QUANTO AO DIREITO

 Do descobrimentopoetico.blogspot.com


Honório de Medeiros 
(honoriodemedeiros@gmail.com)
* Esse comentário foi anteriormente postado no dia 9 de fevereiro de 2013.
 
1) O Direito não é uma ciência.
Somente crê que o Direito é uma ciência quem não conhece filosofia da ciência ou defende sua cientificidade com propósitos indignos.
O corolário desse postulado é que cai por terra, assim, o uso do "argumento da autoridade" na defesa de interpretações cabotinas.
2) O Direito não tem qualquer relação com o Justo.
Como não se sabe o que é o Justo, ou a Justiça, não se pode afirmar, em qualquer circunstância, que o ordenamento jurídico seja um instrumento para a obtenção da justiça.
3) O ordenamento jurídico é um instrumento do Estado, não da Sociedade.
Tanto o é que pode se voltar contra a Sociedade. Quando a Sociedade dobra o Estado, como nas revoluções, cai o ordenamento jurídico.
4) O ordenamento jurídico é um instrumento de opressão.
Em todos os tempos e lugares o ordenamento jurídico é um instrumento de opressão do Estado sobre a Sociedade, entretanto vale o dito: ruim com ele, pior sem ele, havendo democracia.
5) O ordenamento jurídico reflete a estrutura de poder das elites dominantes, a correlação de forças políticas existentes em um determinado momento histórico.
Muito embora decisões esporádicas que contrariem o sistema político dominante possam surgir, elas dizem respeito a espasmos isolados que não comprometem sua lógica interna e externa de manifestação dos interesses das elites políticas dominantes.
6) A norma jurídica constitucional, ou os princípios constitucionais, por ser abstrata e difusa, quando da sua interpretação, refletirá ainda mais claramente a correlação de forças políticas existente em sua circunstância específica.
7) Não há qualquer parâmetro científico que possa nortear uma interpretação de normas ou princípios jurídicos. Os parâmetros existentes são puramente retóricos.
8) Os juízes, promotores, advogados, policias, enfim, os serventuários da Justiça são servidores do Estado, não da Sociedade e consolidam, ao agirem, enquanto correia de transmissão, sistemicamente, a repressão estatal.
9) Muito embora o Estado emerja da Sociedade, pode se voltar contra o ambiente social - e o faz - no qual foi concebido.
10) O ensino do direito positivo, com raras e honrosas exceções, ensina o manejo da norma jurídica, sem permitir o desenvolvimento das condições críticas necessárias para domina-lo, quanto aos seus fundamentos e finalidades, assegurando assim, a manutenção e reprodução do status quo 

segunda-feira, 16 de maio de 2022

A NOITE, OS MOSQUITOS E A LUA

 * Honório de Medeiros

(honoriodemedeiros@gmail.com)

(honoriodemedeiros.blogspot.com)



Imagem: Honório de Medeiros
        

Fui visitar Seu Antônio de Luzia, lá no Feijão, Sítio “Canto”, Serra da Conceição, rumo quebrado para a Serra do Camará.

João, seu filho, João de Antônio de Luzia, a quem eu encontrei, antes, na Pedra do Mercado, me preveniu: "tá falando muito pouco e escutando demais."

"Por que?"

"Sei não. Eu pergunto o que é e ele, sentado naquela cadeira de balanço, estira a mão para cima e sacode os dedos como se estivesse espantando mosca."

Seu Antônio estava lá no mesmo lugarzinho de sempre, cadeira de balanço, na calçadinha de sua casa de tijolos crus, olhando o tempo, cumprimentando os passantes com um balançar de cabeça para cima e para baixo.

"Boa tarde, Seu Antônio, como vão as cousas?".

"Boa tarde!". Mandou, com um gesto, que eu tomasse assento na outra cadeira de balanço.

Então eu me danei a falar e ele só olhando, escutando e calando.

Lá para as tantas, me fiz de atrevido e perguntei: "o Senhor perdeu o gosto de falar?"

Ele ficou calado um tempão, pigarreou e disse: "tem muita gente sabendo de tudo, falando muito; eu, quanto mais vivo, menos sei das coisas."

Parou, pigarreou de novo, tomou um gole de café, cuspiu no chão de barro, e rematou: "O pouco que sei é o que eu faço com as mãos: cortar um capim, debulhar um feijão, pegar um balde d'água no poço...".

Mais não disse. Mais não perguntei.

Ficamos os dois, cismarentos, enquanto a tarde ia e a noite chegava.

A noite e os mosquitos.

A noite, os mosquitos e a lua, que já se atrevia.

sexta-feira, 1 de abril de 2022

BORGES E DUMAS, PASSANDO POR CARLYLE

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Em Ficções, Borges pondera: 

“Desvario laborioso e empobrecedor o de compor vastos livros; o de explanar em quinhentas páginas uma idéia cuja exposição oral cabe em poucos minutos. Melhor procedimento é simular que estes livros já existem e apresentar um resumo, um comentário. Assim procedeu Carlyle em "Sartor Resatus" (...) Mais razoável, inepto, ocioso, preferi a escrita de notas sobre livros imaginários." 

Borges cita Carlyle, de quem, possivelmente absorveu a técnica. 

Entretanto Dumas pai, que foi contemporâneo do célebre ensaísta inglês, também a utilizou.

Em Os Quarenta e Cinco, lá para as tantas, ao relatar uma correspondência imaginária enviada por Chicot a Henrique III, e comentar a excentricidade do seu estilo, convida: “Quem quiser ter conhecimento dela encontra-la-á nas Memórias de l’Étoile”. 

Ou, quem sabe, terão existido mesmo essas Memórias de l’Étoile e elas ocupam algum escaninho empoeirado do “Cemitério dos Livros Esquecidos” que Carlos Ruiz Zafón localizou em Barcelona, na saborosa e definitiva  tetralogia iniciada com A Sombra do Vento?

Só o vento sabe a resposta...