sábado, 27 de abril de 2019

LEGALISMO, GARANTISMO, LEGITIMISMO, COISA E TAL

* Honório de Medeiros

Os juízes e promotores brasileiros são, em sua grande maioria, tendo em vista as poucas e honrosas exceções, metamorfos jurídicos(1) garantistas (2), quando julgam os outros, e legalistas (3) quando se trata de defender benefícios para eles mesmos.

(1) Metamorfoses ambulantes, à  Raul Seixas; 

(2) Garantismo: confusa teoria jurídica que entende a norma jurídica como uma casca ou invólucro cujo recheio, ao interpretá-la, será composto a partir da noção individual ou particular específica acerca do que seja "O Justo", "O Certo", "O Bem Social", etc., para cada juiz; solipsismo jurídico; crença na onisciência do juiz enquanto alguém capaz de saber, mais que a própria Sociedade, o que é bom ou ruim, justo ou injusto, certo ou errado, para cada um dos outros, ou para todos de uma só vez; desapreço ou descrença oblíqua na capacidade da Sociedade de regular seu próprio Destino.

(3) Legalista: teoria jurídica que prega a interpretação fria ("ipsis litteris") da norma jurídica positiva, ou seja, aquela constante dos códigos e legislações; para o legalista, pau é pau, e pedra é pedra, e não existe nada entre uma coisa e outra; às vezes são denominados, pelos apedeutas, de positivistas, demonstrando, assim, que a estratégia de desconstrução do óbvio, por parte de quem o deseje, não pertence apenas à Política e sua incrível capacidade de demonizar reputações; idolatram Heráclito de Éfeso, um pré-socrático, por ter afirmado que "o povo deve lutar por suas leis como pelas muralhas de sua cidade".

O "garantismo", ou seja, a "interpretação constitucional da legislação", no Brasil, que é a face exposta e retórica do ativismo judicial, nada mais é que a vitória do STF em sua queda de braço com o Poder Executivo e a Sociedade, no sentido de estabelecer quem, de fato, exerce o Poder Político no País.

Por intermédio da interpretação constitucional o STF (seus ministros), esgrimindo difusos e confusos princípios constitucionais que externam seus difusos e confusos juízos de valor (aureolados por uma retórica de "cientificidade"), e atropelando o parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal, governa, de fato, o Brasil.

A tradicional ojeriza do Homem em assumir a responsabilidade pelos seus atos o levou a construir um "escudo ético" para ocultar-se quando interpreta, constrói e/ou aplica a norma jurídica: atribui seus atos à "ciência", quando nada mais são que juízos de valor investidos de Poder.

Houve uma melhora, ao longo do tempo: antigamente atribuíam-se esses atos à vontade de Deus, dos quais alguns homens seriam seus intérpretes.

sexta-feira, 26 de abril de 2019

A RETÓRICA É UMA TÉCNICA DE PODER

* Honório de Medeiros

* Emails para honoriodemedeiros@gmail.com
* Respeitemos o direito autoral. Em conformidade com o artigo 22 dLEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências,pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.

Na verdade, a Retórica é uma técnica para a obtenção e manutenção do Poder.

Muito além de uma mera técnica de persuasão, como propõem alguns teóricos. A persuasão é, apenas, uma das faces da Retórica, tal como a manipulação ou a sedução.

A Retórica pressupõe a existência, em polos distintos, de alguém a almejar que o Outro faça ou deixe de fazer algo.

Há uma tentativa de circunscrever a Retórica ao espaço da persuasão, que ocorre quando o Outro cede, por vontade própria, posto que convencido, à vontade do persuasor.

Nada menos verdadeiro: na tentativa de persuasão do Outro, em ocorrendo, por mais ética que seja,  a vontade do persuasor se impôs à do persuadido, alterando sua percepção das coisas e dos fenômenos.

Como a ninguém é dado a primazia de saber o que é certo ou errado, se o Outro é persuadido sem que isso tenha ocorrido por si mesmo, sem interferência externa, então temos, mesmo quando inconscientemente, uma imposição de vontade.

Evidente que no mundo das verdades da ciência não se há que falar em persuasão: aqui a demonstração lógica se impõe por si mesma.

Na persuasão, a ocultação inconsciente da intenção de imposição da vontade do persuasor pressupõe, na maioria das vezes, uma crença, a fé nos próprios desígnios de quem persuade, mas nem sempre é assim.

Aquele que tenta persuadir não raro o faz deliberadamente, querendo influenciar o Outro a modificar sua vontade. Em tese, seria esse um dos alicerces da Democracia.

A manipulação, por sua vez, é "la bête noire" da Retórica. O propósito a ser obtido é escuso. Aqui não há limite ético quanto à intenção da alteração da vontade do Outro.

Assim ocorre, também, no que diz respeito à sedução.

Qual a diferença entre manipulação e sedução? Sutil. Somente pode ser percebida por intermédio da introdução da noção de “vontade”.

Essa noção, segundo Hannah Arendt[1], foi introduzida na discussão filosófica por intermédio de São Paulo, em sua famosa Carta aos Romanos. E, através dela, podemos entender por que o “eu quero” nem sempre corresponde ao “eu consigo”.

Ou seja, minha razão pode determinar claramente o rumo a ser seguido, entretanto não consigo me colocar em movimento.

Na manipulação[2], a razão e a vontade do Outro, enganado, aderem à vontade do persuasor; na sedução, a razão é contra, mas cede por não ter forças para a recusa.

Na sedução o Outro não é enganado e não muda sua percepção das coisas ou fenômenos, entretanto não consegue resistir ao sedutor.

Seja persuasão, seja manipulação, seja sedução, todas são instrumentos da Retórica, que é uma técnica de obtenção e manutenção do Poder, e têm, como objetivo, fazer com que a vontade de quem a utiliza influencie, seduza ou manipule, no sentido de alterá-la, as ações do Outro.

[1] Responsabilidade e Julgamento; ARENDT, Hanna.

[2] Justiça versus Segurança Jurídica e Outros Fragmentos; de MEDEIROS, Honório.