quarta-feira, 17 de maio de 2017

OS GALOS-DE-BRIGA NA/DA RINHA DO CONHECIMENTO

* Honório de Medeiros

Antigamente eu tinha a ingenuidade de supor que sabia alguma coisa além do trivial variado. 

Era novo, desprevenido contra a astúcia da vida. Coisas da juventude.

Hoje, calejado, rendido, convicto de que nada sei, fiz um pacto com a vida; digo pouco, pergunto muito e calo mais ainda. Não o suficiente para evitar escorregadas, mas o bastante para apaziguar meu senso do ridículo.

Está sendo confortável, o cumprimento desse acordo, principalmente se levarmos em consideração que é cada vez mais fácil topar com algum gênio nas esquinas da rede social.

Gênios tonitruantes, cuja inibição em pontificar desapareceu tão rápido quanto uma bolha de sabão à luz do sol, graças à invisibilidade física e o distanciamento que o anonimato proporciona.

Invisíveis, distantes, a grande maioria das vezes, mas não todas, desconhecidos, mas audaciosos, definitivos, iracundos, assertivos, são tais gênios, na defesa intransigentes de suas verdades.

Verdadeiros galos-de-briga na e da rinha do conhecimento.

Os poucos que primeiro duvidam, depois perguntam, para então formar seu juízo, esses, coitados, são atropelados e encarados com um desdém comovente.

Ó tempos. 

domingo, 14 de maio de 2017

UMA MULHER ALTIVA


* Honório de Medeiros

​​Eu pegava as mãos calosas de minha mãe e lhe perguntava: "como pode"? Ela, pela milésima vez falava: "foi algo que eu não sei explicar. Mas sua avó nada podia fazer a não ser olhar com aqueles olhos tristes de quem tudo perdoa por tudo compreender. Que posso lhe dizer? Me encantei por aqueles olhos verdes, aquele sorriso, e fui com ele. Movi céus e terras, enfrentei a família, e fui feliz. Chorei muitas lágrimas pelo que não pude lhes oferecer, mas nunca chorei qualquer lágrima pela escolha que fiz." Eu apertava sua mão e lhe fazia uma ligeira cócega na palma, que ela afastava como se tivesse vergonha da dureza de sua pele, antes tão aveludada. Meu pai tudo escutava calado. Nunca soube o que se passava no seu pensamento. Um sorriso enigmático bailava em seu rosto. Talvez estivesse pensando no contraste entre a pobreza que deixara para trás, a pé, tantos anos antes, e a lembrança da beleza daquela mulher, quando jovem, que decidira tudo largar para acompanhá-lo sem deixar a altivez de lado.