sábado, 17 de junho de 2023

SAIR DE CENA

 

Imagem: Honório de Medeiros
Lachine, Quebec, Canadá, 22 de outubro de 2022


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Um homem tem que saber a hora de sair. Recolher-se. Tirar as esporas, guardar os arreios, encostar a cela. Perceber que seu tempo passou. Refrear os últimos ímpetos, pendurar as armas, despir a casaca. Não mais se afadigar debaixo do sol. Beber seu café, contar casos, ver seus rebentos irem para a arena. Sair de cena: com calma, para não parecer rendição, mas com certa ligeireza, de quem sabe o que está fazendo. Dizer adeus. Afinal até a chuva não é mais como era antes.

sexta-feira, 16 de junho de 2023

BUSQUE-ME

 

Imagem: Honório de Medeiros


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)

Não me exporei, mas cá estou. Venha a mim, se puder. Busque-me. Assim farei eu, se o desejar. Pois nada tenho. Nada tenho que valha a pena dizer. Por enquanto. Nem mesmo sei se tive. Ou terei. Eu lhe digo mais, agora, com este meu silêncio de noite fechada.

quinta-feira, 15 de junho de 2023

NO TEATRO DA VIDA

 


Imagem: Honório de Medeiros (17 de abril de 2022, Piranhas, Alagoas)


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Estamos cansados. Encenamos uma peça, no teatro da vida, que não escolhemos, com parceiros que nos foram impostos ou não soubemos selecionar, cuja finalidade não é aquela que nosso coração escolheria. A razão ansiosa, pode ser; o coração, não. Lutamos pela admiração alheia deixando de lado o olhar melancólico da nossa verdadeira face, que nos olha do espelho surpresa com os nossos fracassos. Admiração não merecida, vazia, sem sentido. E, quando menos esperamos, o tempo passou, tudo aquilo pelo qual valia a pena viver se foi como uma bolha de sabão exposta ao vento, tudo desaparece como um pôr-do-sol que se despede, e, então, chega o inverno, a última das estações, e resta, apenas, um sabor amargo na boca e a sensação de adeus.  

quarta-feira, 14 de junho de 2023

FLÂNEUR

 

Imagem: Bárbara Lima


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Sair por aí, qual um "flâneur", em busca de arrebatar uma flor para colocar na lapela ou na casa do botão, beber uma xícara de café ou uma taça de vinho, quem sabe arrancar um sorriso de alguém que passa com um certo ar melancólico, mas sem recordar o passado e tudo que ele evoca e provoca, tampouco se preocupar com o futuro, livre, leve e solto, apenas vivendo o momento presente, essa doce mistura de esperança e ilusão, até que os dias se transformem em neblina, depois venha a chuva, e, por fim, o adeus, e não haja mais o agora.

terça-feira, 13 de junho de 2023

O QUE NOS RESERVAVA CADA CAMINHO QUE NÃO FOI PERCORRIDO?

 

Imagem: Honório de Medeiros


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Cada um de nós, no presente, é refém das escolhas que fez no passado. Bifurcações, encruzilhadas, caminhos com possibilidade única de retorno, veredas, portas, qualquer opção tomada nos encaminhou para um futuro e desfez, naquele preciso instante, para sempre, a possibilidade de vivermos o que foi deixado para trás. Muito embora, às vezes, pudéssemos ter uma pálida ideia do que viria quando optamos, são tantos os desdobramentos seguintes que qualquer certeza logo se desfaz, tal sua evanescência. Angustia-nos sabermos que a escolha foi um ponto-sem-volta, que nunca saberemos, concretamente, o que aconteceria se, no passado, tivéssemos seguido por caminho diferente. Aquela rua que não foi transposta, a esquina que não foi dobrada, aquele adeus, o não ou o sim que dissemos, há tanto tempo, o que nos reservava cada caminho que não foi percorrido?

segunda-feira, 12 de junho de 2023

UM HOMEM-ILHA

 

Imagem: Honório de Medeiros


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Não lhes pergunto acerca dessa melancolia, o cinza do dia-a-dia, uma espera solitária, quando cai a noite. "Siga em frente", digo para mim mesmo. "Pegue o trem". "Reaja". Descarto. Onde está o Outro? Não há. Não me aproximo: a intimidade, qualquer que seja, gera o desprezo. Então, fico parado, em meu canto, sou uma ilha. Compreendo-me, não me importo, devaneio: sou uma tarde de domingo, um adeus, uma bolha de sabão levada pelo vento, um nicho no tempo que flui, apenas uma ilusão, nada mais que palavras vazias. Na minha frente, o trem passa e o Outro se vai, um homem-ilha...

domingo, 11 de junho de 2023

QUE DESTINO TOMAR?

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


O cheiro da terra molhada pelo orvalho da manhã me acompanha enquanto caminho até a encruzilhada das quatro bocas: que destino tomar? Esvazio a mente de qualquer pensamento e deixo as pernas me levarem. Ouço o sabiá, o galo-de-campina, o bem-te-vi; um cachorro ladra ao longe; zurra um jumento; sigo em frente com o rosto banhado pelos primeiros raios de sol. Além, diviso as ruínas da casa abandonada onde morou Toinha Parteira, que tantas crianças trouxe ao mundo até que a foice de Raimundo, alucinado de ciúme, tirasse a luz dos seus olhos verdes plantados em um rosto moreno, quase negro. Reverencio as ruínas. Sigo em frente. A encruzilhada está mais próxima. Qual será o meu destino? Seu Antônio de Luzia me disse que assim como a Casa do Pai tem muitas moradas, cada passo que nós damos é um destino que escolhemos, e os outros ficam para trás. Isso foi há muito tempo, lá no Feijão, Sítio Canto, Serra da Conceição. Os pardais já se acoloiavam para dormir, fazendo um zoadeiro danado. Eu me lembro que era a hora da coalhada. Peguei o tamborete e segui seu Antônio: ia eu lá perder um quitute daquele? Agora, a história era outra. Pois bem, no final, peguei a trilha da direita que leva à morada do Urubu, cheia de pedras imensas, onde a lenda conta que, em noites, sem lua, os sacis pitam seu fumo enquanto fazem arte com os passantes. Sertão de Deus Dará, 20 de fevereiro de 2023.