Honorio de Medeiros
Divirti-me muito lendo “A
Elegância do Ouriço”, um romance de Muriel Barbery.
Recomendo.
Vou, aqui,
editar um trecho do livro que fala acerca da fenomenologia de Husserl. “O quê”,
vocês devem ter se perguntado. "Fenomenologia? Em um romance?”
É. Em um romance. E esse trecho
prova, para mim, por a + b, que somente a literatura salva a filosofia da
chatice dos filósofos.
Leiam:
“Então,
a segunda pergunta: que conhecemos do mundo?
A
essa pergunta os idealistas como Kant respondem.
Que
respondem?
Respondem:
pouca coisa.
(...)
Conhecemos
do mundo o que nossa consciência pode dizer dele porque isso aparece assim – e não
mais.
Vejamos
um exemplo, ao acaso, um simpático gato chamado Leon. (...) E pergunto a vocês:
como podem ter certeza de que se trata de verdade de um gato, e até mesmo saber
que é um gato? (...) Mas a resposta idealista consiste em demonstrar a
impossibilidade de saber se o que percebemos e concebemos do gato, se o que
aparece como gato na nossa consciência é de fato conforme ao que é o gato em sua
intimidade profunda.
(...)
Eis
o idealismo kantiano. Só conhecemos do mundo a IDEIA que dele forma a nossa consciência.”
Agora vem a parte que eu
considero hilariante:
“Mas
existe uma teoria mais deprimente que essa (...)
Existe
o idealismo de Edmund Husserl (...)
Nessa
última teoria só existe a apreensão do gato. E o gato? Pois é, o dispensamos.
Nenhuma necessidade do gato. Para fazer o quê, com ele? Que gato? (...) O mundo
é uma realidade inacessível que seria inútil tentar conhecer. Que conhecemos do
mundo? Nada. Como todo conhecimento é apenas a autoexploração da consciência
reflexiva por si mesma, pode-se, portanto, mandar o mundo para os quintos dos
infernos.
É
isso a fenomenologia: a CIÊNCIA DO QUE APARECE À CONSCIÊNCIA. Como se passa o
dia de um fenomenologista? Ele se levanta, tem consciência de ensaboar no
chuveiro um corpo cuja existência é sem fundamento, de engolir o pão com
manteiga inexistente, de enfiar roupas que são como parênteses vazios, ir para
o escritório e pegar um gato.
Pouco
se lhe dá que esse gato exista ou não exista, e o que ele seja na própria
essência. O que é indecidível não lhe interessa. Em compensação, é inegável que
na sua consciência aparece um gato, e é esse aparecer que preocupa o nosso
homem.”
Aí está. Por isso digo para
meus alunos que o idealismo radical é a loucura da razão. Fica mais fácil para
eles entenderem o grande mistificador que foi Platão. Entender que não existe
algo Justo-Em-Si-Mesmo. Entender o uso manipulativo, retórico, das teorias
filosóficas. E entender por qual razão os professores de Direito, com algumas
exceções, são como os gatos existencialistas...
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