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"Deus reconhecerá os seus"
Honório de Medeiros
"Matem todos, Deus saberá quem são os seus".
Assim falou Arnold Amaury, monge
cisterciense, quando seus guerreiros cruzados, a um passo de atacar a cidade de
Béziers, em 22 de julho de 1209, tinham se voltado em sua direção para
perguntar se deviam distinguir os fiéis ao catolicismo dos cátaros heréticos.
É o que nos conta Stephen O'Shea em seu "A Heresia Perfeita",
cujo subtítulo é "A vida e a morte revolucionária dos cátaros na idade
média".
A "Cruzada Albigense" se estendeu de 1209 a 1229 e foi deflagrada
por Inocêncio III, sob a alegação de erradicar a heresia popular que grassava
no Languedoc, região francesa que se estendia dos Pirineus à Provence e que
incluia cidades como Toulouse, Albi, Carcassone, Narbonne, Béziers e
Montpellier.
Na verdade os barões feudais do
Norte da França - dentre eles o Rei - cobiçavam as terras e as riquezas dos
seus pares do Sul, principalmente o condado de Toulouse, que era suserania de
Pedro de Aragão.
As duas décadas de sangue deram lugar a quinze anos de revolta e
repressão até o cerco de Montségur, em 1244.
No final, mais de duzentos de
seus defensores, os líderes cátaros, foram arrebanhados e tangidos até uma
clareira na neve para serem queimados vivos. Resultado do guerra de extermínio
foi o surgimento da Inquisição e suas técnicas que atormentariam a Europa e a
América Latina durante séculos, sob o comando dos Dominicanos. Técnicas essas
que estabeleceram o modelo para o controle totalitário da consciência
individual em nossos dias, diz-nos O’Shea.
Autos-de-fé, enceguecimentos, enforcamentos em massa, catapultamentos de
corpos por sobre as paredes dos castelos, pilhagens, saques, julgamentos
secretos, exumação de cadáveres, estupros, sevícias, tudo em nome da fé!
Em 27 de agosto de 1689, em correspondência dirigida a Domingos Jorge
Velho, Frei Manuel da Ressurreição, Arcebispo e Governador do Rio Grande o parabeniza:
"E dou a Vossa Mercê o parabem de um avizo que do Recife me fez o Provedor
da Fazenda estando para dar á vela a embarcação que o trouxe de haver Vossa
Mercê degollado 260 Tapuyas".
De 26 a 30 de outubro de 1689 Domingos Jorge Velho mata 1.500 tapuias e
aprisiona 300. Em 12 de janeiro de 1690 Frei Manuel da Ressurreição manda que
se busque "trilhas de Bárbaros, como Vossa Mercê me diz se acham, os não
faça o nosso descuido ousados".
Em 4 de março do mesmo ano o Governador Geral determina aos três cabos
de guerra que exterminam os tapuias: "Se não devem esperar nos Arraiais,
em que se acham as mesmas armas; senão seguindo-os até lhes queimarem, e
destruirem as Aldeias, e elles ficarem totalmente debelados, e resultar da sua
extincção, não só a memória, e temor do seu castigo, mas a tranquilidade, e
segurança com que sua Magestade quer que vivam, e se conservem vassallos, como
por tão duplicadas ordens tem recommendado a este Governo".
Está em "Cronologia Seridoense", do grande Olavo Medeiros
Filho.
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