Por Rafael Duarte, do Novo Jornal
Moro em Natal há 14 anos. Cheguei em 1998, de Brasília, num ônibus da Eucatur. Longe de ser um pau de arara, o baú fez o percurso inverso dos candangos. Baixei por aqui depois de 2.507 quilômetros. A BR-101 era o que minha primeira professora de português chamaria de ‘coletivo de buracos’. Na chegada, 28 de julho, caiu uma chuva monstruosa. O ônibus quase não chega na rodoviária. Natal parecia uma ilha. A ideia aqui era estudar e passar no vestibular de Medicina. Não deu. Foram cinco tentativas, contando as de Brasília, Belo Horizonte, João Pessoa e Aracaju.
Mas tudo isso pouco importa hoje. Virei jornalista. Vou bem, obrigado. Fundamental mesmo me dei conta esta semana: foi em Natal, aos 17 anos, que recebi meu primeiro auxílio-moradia. Como vim sem grana, meus pais pagaram o aluguel do primeiro contrato. E foi só. Seis meses depois, a família veio completa. Foram seis parcelas de R$ 380,00. Acabara em pouco tempo a farra da minha Parcela Autônoma de Equivalência. Explico.
Por decisão irrevogável do meu pai, presidente do Supremo Tribunal da Família Duarte (STFD), a PAE era a gratificação que eu tinha direito pelo princípio da isonomia. Era, portanto, constitucional. Como a PAE não era um pagamento eterno, na folha lá de casa a verba entrou como vantagem eventual. Entrei na Justiça por necessidade. E por questão de justiça, of course. Fui curto e grosso na petição encaminhada ao Supremo.
Na minha defesa, cuja relatoria caiu coincidentemente para a excelentíssima senhora ministra minha mãe, argumentei que se Renata Duarte tinha o direito a um teto morando em Brasília eu também deveria ter o mesmo direito morando em Natal. ‘Direitos iguais’ era minha bandeira. Para garantir a vitória ainda apelei lembrando ser eu o filho mais velho e que no ano em que nasci o Flamengo venceu o primeiro dos três campeonatos cariocas com o time que, dois anos mais tarde, viria a ser campeão mundial em Tóquio. O presidente do STFD quase foi às lágrimas. A relatora, mais emotiva, aplaudiu e chorou. Sem falsa modéstia, a tese foi tão bem constituída que a promotoria não entrou nem com recurso. Vencida a causa da PAE, peguei o caminho de Natal.
Posso dizer, 13 anos e meio depois, que foi um tempo bom. O cartão corporativo – outro pleito atendido dentro da mesma rubrica vantagens eventuais – também ajudava nas despesas da minha sobrevivência. De vez em quando recebia uma ligação de alguém do STFD meio assustado com o extrato bancário, mas nada que abalasse as estruturas da hierarquia nem merecesse uma representação do Ministério Público. Sou da época do supermercado Sirva-se. Nome sugestivo que eu incorporei ao dia a dia sempre que entrava no estabelecimento.
Esta semana, depois de pegar a folha salarial dos Tribunais de Justiça e do Tribunal Regional do Trabalho lembrei dos bons tempos da minha PAE. Tudo legal. A diferença é que, lá em casa, o dinheiro era nosso.
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