As crianças, amontoadas, olhavam-me curiosas. Vestiam roupas rotas, amassadas, sujas, mas estavam vestidas. Várias delas, a maioria, traziam as marcas da ausência de banho. Quase todas eram mirradas; seria desnutrição? Mas nos deram um bom dia alegre e uníssono a mim e meu amigo que estávamos conhecendo o trabalho voluntário que as reunia naquele local.
Ah, o local... Uma espécie de pequeno espaço vazio, ladeado por paredes de tijolos desnudos e escuros, de tão velhos, com algumas poucas, muito poucas carteiras, encantoadas em uma quina. Ali elas brincavam enquanto algumas outras, em um mezanino para o qual nos dirigimos com alguma dificuldade, tendo em vista a estreiteza da escada, estavam tomando a lição.
A idéia que agrupara aquelas crianças fora a de encontrar algum meio de ocupar o tempo vazio que lhes sobrava quando voltavam da escola municipal. Não é preciso mencionar que essa escola municipal deveria albergar essas crianças durante o dia inteiro dando-lhes três refeições, atendimento médico, dentário, psicológico. O mínimo, portanto. Nada disso acontecia. Elas, quando muito, recebiam uma merenda por turno. E, agora, por força desse trabalho voluntário do meu amigo, passaram a ter outro turno de estudo onde, sob a idéia de terem aulas de reforço, recebiam roupa, alimentação, assistência social, brincavam e, mais importante que tudo, saíam das ruas do morro de Mãe Luiza, onde a proximidade do céu e a vizinhança do mar não afastavam alcoolismo, as drogas, a pobreza, o abandono do Estado.
Esse meu amigo conseguiu, com uma filha, o dinheiro suficiente para a compra de um terreno no qual ele pretende construir um ambiente apropriado para essas crianças. Não se trata de uma escola. Ele pensa que não é correto querer substituir, em tudo e por tudo, a presença do Estado, mas, também, acredita que devemos tomar partido e fazermos algo. Nesse ambiente haverá aulas de reforço, fardas, limpeza, assistência social, médica, dentária, psicológica e lazer, muito lazer voltado para a construção da cidadania. Lazer com educação. Trata-se de um sonho, claro, mas ele está envolvido até a medula nele.
A força do seu sonho nos comove e incentiva. Até então eu e alguns amigos ajudamos algumas instituições com alguma contribuição financeira. Agora parece que algo diferente nos atrai e encanta – ver o resultado do nosso trabalho voluntário e, melhor, conviver com ele. Não se trata de ceder ao pieguismo, à nossa tendência de mexicanizar a dor. Nada disso. É algo como ver o que está errado e meter a mão na massa para corrigir o erro da melhor forma possível.
E, depois, muito depois, cansados e anônimos, sempre anônimos, sentir prazer em observar o resultado do esforço desprendido. É o voluntariado, em sua acepção mais correta, que também nos ensina e nos prepara para a cidadania.
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