Blog do Noblat
Logo que concedida, nestes últimos dias, a licença para a licitação da hidroelétrica de Belo Monte, Pará, alguns procuradores vieram a público. Ameaçam acionar a Justiça para impedir a construção da usina.
O novo Advogado Geral da União (AGU), Luis Inácio Lucena Adams, imediatamente demonstrou sua insatisfação com essa atitude que acredita precipitada.
Mencionou que no caso do complexo hidroelétrico do Rio Madeira a mesma tática teria sido usada por aqueles que são contra decisões legítimas de competência do Poder Executivo: a tática de ajuizamento de ações carentes de qualquer plausibilidade e fundamento.
Muitas dessas ações não chegaram, sequer, a serem admitidas na Justiça Federal. O Advogado Geral da União disse mais. Disse que não relutaria em processar esses procuradores por improbidade administrativa.
Diante da reação, o Ministério Público Federal reagiu também. Afirmou que estava apenas exercendo sua função de fiscal da atividade estatal, como lhe compete constitucionalmente. O que, de resto, inclui a competência para peticionar, ir à justiça em defesa de interesses da sociedade.
Essa eventual divergência não pode ser reduzida a mera disputa entre instituições indispensáveis à democracia. Ela extrapola a licença do Ibama para a construção da hidroeletrica.
Na verdade, a AGU traz ao debate uma questão há muito latente e importante para o estado democratico de direito, que é a seguinte: existiram limites para o direito de peticionar do Ministério Público (MP)?
Esse direito é absoluto?
Ou seja, o que está em jogo é bem mais amplo do que as circunstâncias de Belo Monte e do Rio Madeira.
Não se trata de discutir o papel e a importância do Ministério Público. Isto está determinado na Constituição. É dever constitucional do MP promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
Mais ainda. O MP é a instituição judicial com maior crescimento em seu grau de confiança popular desde l988. A questão é saber se ao exercer sua fundamental função para a democracia, deve respeitar outros padrões constitucionais também.
A AGU acredita que sim, e cita o art. 37 §4 que cuida dos atos de improbidade administrativa e de sua responsabilização, segundo ela, incluindo até mesmo o MP.
Mas além haveria outros limites? Muitos acreditam que sim.
A questão toda é identificar se em nome de proteger o patrimônio público o procurador não poderia acabar causando dano a este. Fazer, por exemplo, o patrimônio público, o Tesouro, incorrer em evitáveis desperdícios.
O Código de Processo Civil determina alguns deveres que as partes, sejam públicas ou privadas, devem obedecer. O MP também pois é parte processual. Deve, por exemplo, evitar a litigância temerária, aquela que não tem a menor plausabilidade. Aquela que não traz dados, argumentos suficientes para que o juiz considere e aceite a ação.
Não são poucos os magistrados que estão cada dia mais aplicando multas e penalidades às partes por lide temerária e litigância de má-fé. É uma espécie de auto defesa dos próprios magistrados para que não seja a justiça usada contra a justiça.
Aliás, alguns juízes já têm, diante de petições superficiais e não documentadas, quase ideológicas, intimado o Ministério Público para que adéquem os fundamentos da petição inicial. Ou dela desista. Do contrário, considera-a inepta. Para ali. Encerra-se o processo. Ou seja, o procurador tem a obrigação de não ser temerário.
Quando se inicia uma ação, seja procurador ou advogado, a máquina da justiça é acionada.
Esta máquina é um serviço público. Este serviço custa dinheiro. Custa salários, tecnologia, material, espaço físico. Quem custeia esses gastos é o patrimônio público. E quem custeia o patrimônio público é o contribuinte. Recursos de impostos.
Todo servidor tem que zelar por tal patrimônio. Evitar que corra risco. Desperdício. Daí por que não se pode ser temerário. Não se pode com a res publica, e neste caso a res publica é o direito de peticionar, ser arriscado, imprudente, perigoso.
Assim como o engenheiro público sofreria uma ação do MP se gastasse mais cimento do que o necessário em sua obra, assim também o procurador não pode gastar o seu direito de peticionar indevidamente. Pois implica em custos injustos para as partes, para a outra parte, para o Poder Judiciário, e para o próprio Ministério Público.
Não fazer juízos temerários, que impliquem em gastos públicos desnecessários, é, sem dúvida, um dos limites legais do MP enquanto parte processual.
Situações como essas, em vários países, resultam em paralização do processo e condenação da parte por sua imprevidência. Quando a parte é privada, a condenação por litigância de má-fé recai sobre o advogado ou seu representado.
No processo onde a parte é pública, a responsabilidade, isto é, a multa a ser paga, recai sobre o Estado, ou melhor, sobre o Tesouro Nacional. Somente posteriormente recairá sobre o agente responsável pela temeridade.
Essa é uma lacuna que estimula o servidor a assumir mais riscos nos ajuizamentos. Esse debate é do interesse da sociedade. É o debate do aperfeiçoamento das instituições democráticas. E por ser do interesse da sociedade, é do interesse do próprio Ministério Público.
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