Por Mário Bortolotto
A figura do outsider. Do cara que não se enquadra. Do
sujeito que não faz questão de pertencer a nenhuma turma. O cara que no colégio
sentava na última carteira, não falava com ninguém e ia embora sozinho. Havia
algo de muito maneiro em figuras desse naipe. {na foto, Bukowski}
Numa sociedade onde qualquer babaca quer virar celebridade,
a figura do “ninguém” sempre me pareceu o melhor modelo de vida. E aqui não vai
Charles Bukowskinenhuma pretensão estilosa do tipo “é legal ser diferente”.
Porra nenhuma. O que eu penso é que simplesmente “ninguém precisa ser igual”.
Cada pessoa devia andar por aí rezando pela própria Bíblia,
ou seja, fazendo suas próprias leis e fazendo uso de seu livre arbítrio. Mas
não é o que tem acontecido.
Assisto sem nenhum entusiasmo e com bastante perplexidade
aqueles filmes americanos de turmas de universidade com aquelas indefectíveis
fraternidades onde o cara passa por uma coleção inimaginável de humilhações
apenas com o inacreditável intuito de ser aceito em uma fraternidade de
babacas. Não é muito diferente das merdas dos trotes universitários
brasileiros. Babaca não respeita geografia.
Fico imaginando o que leva uma pessoa a essa necessidade
doentia de ser aceito. E com o tempo me parece que em busca de aceitação as
pessoas têm se padronizado de maneira assustadora e alarmante.
Hoje em dia a rapaziada usa piercing, tatuagem (não que eu
tenha exatamente nada contra o uso de piercings ou tatuagens, mas é que parece
que grande parte da molecada começa a usar apenas numas de copiar outra pessoa
e aí é esquisito), o mesmo corte de cabelo, gosta das mesmas músicas e das
mesmas roupas e emprega as mesmas expressões (“Galera”, “é dez”, “é show”,
“baladinha” e outras que eu não consigo sequer repetir aqui sem ter o meu
estômago revirado) e aí ele se sente parte de alguma coisa, é compreendido e
aceito e não vira motivo de zombaria entre os demais, justamente por não ser
diferente.
Então o que acontece é muito simples. Se o sujeito tá num
grupo onde o lance é odiar alguém, seja quem for, pode ser negro, viado, gordo,
mulher ou o Mico-Leão Dourado, então o cara vai passar a odiar, ele nem sabe o
motivo, é que a turma odeia e ponto. E se a turma pinta o cabelo de azul, então
o panaca pinta também. E se a turma acha que é legal praticar artes marciais
pra sair dando porrada em desavisados noturnos, então o cara automaticamente se
inscreve numa academia e sai de lá o mó Steven Seagal.
E acha legal sair de carro com uma piranha oxigenada (esses
caras sempre andam com piranhas descerebradas que são apreciadoras de bravatas
intimidatórias) e provocar o primeiro sujeito pacífico que eles cruzarem pela
frente. E vai ser providencial se eles pegarem pela frente um carinha com um
livro do Kafka no ponto de ônibus. Esses caras nutrem um profundo ódio por
qualquer sujeito que consiga articular mais que duas frases inteligíveis. E as
suas piranhas são as primeiras a aplaudir o massacre.
Não tô aqui querendo de maneira nenhuma desmerecer o
trabalho de alguns professores de artes marciais que sei o quanto são sérios e
dignos. Mas é que sem a devida orientação eles estão criando um exército de
babacas extremamente perigosos.
E é claro que a mídia e a publicidade incentivam
irresponsávelmente esse estilo de vida. Elas querem todo mundo comprando e
consumindo as mesmas coisas, coisas essas que eles fabricam em larga escala
para atender a demanda desenfreada.
Numa novelinha como Malhação, só pra citar um exemplo
bastante óbvio, a impressão que fica é que o roteirista escreveu um monólogo e
depois distribuiu as falas entre vários personagens. Não há diferenciação de
personalidade. Todos falam as mesmas coisas, do mesmo jeito e usando as mesmas expressões.
Em resumo: fique igual e permaneça legal.
Há um processo de idiotização total e irrestrita avançando a
passos largos. E essa busca pela padronização e no conseqüente status mediano
(estou sendo generoso com esse “mediano”) que as pessoas têm alcançado ganhou
por esses dias duas novas forças de responsa.
A MTV “onde é que estão os clipes, porra?” estreou dois
programas que são verdadeiras aberrações. O primeiro deles é o tal Missão MTV
onde a Modelo Fernanda Tavares totalmente destituída de qualquer coisa que
possa ser chamada de carisma, apesar de bonitinha (é o mínimo que se pode
esperar de uma modelo) é chamada para padronizar qualquer sujeito que não
esteja seguindo as regrinhas do que eles chamam de “bom gosto”. Então se uma
garota não fizer o gênero patricinha afetada, então ela automaticamente está
out e a missão da Fernanda é introduzir a “rebelde” ao mundo dos iguais.
E dá-lhe o que eles chamam de “banho de loja”. Se o cara usa
roupas largas e o cabelo sem uma preocupação fashion e ainda se diz roqueiro,
então eles transformam o coitado num metrosexual glitter afetado e por aí vai.
Parece que a mulher vai dar um jeito no quarto de um sujeito. Ela diz que tá
tudo errado no quarto do cara. Como assim? É o quarto dele, porra. Enfim, é proibido
ter estilo. Quem não se enquadra, sai de cena. Em resumo, um programa
vergonhoso.
Mas o pior ainda é o outro: O inacreditável e assustador
Famous Face. Sacaram qual é a desse? Uma maluca encasqueta que quer ficar
parecida com a Jeniffer Lopez ou com a Britney Spears e tal estultice é
incentivada. Em resumo, a transformação é filmada e testemunhamos a verdadeira
frankesteinização sofrida pela pobre iludida. Ela se submete à operação
plástica, lipoaspiração e o caralho. Chega a ser nojento. Eu não entendo qual é
a de um programa como esse. Será que a indústria da cirurgia plástica tá
precisando de uma forcinha? Eu duvido. Nunca vi se falar tanto em botox,
silicone, lipo e outras merdas. Todo mundo tentando evitar o inevitável. Todo
mundo querendo retardar o tempo incontrastável. Vivemos cada vez mais em uma
gigantesca e apavorante Ilha do Dr. Mureau. Foda-se Dorian Gray. Eu sou bem
mais as rugas de Hemingway.
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