“Falta vontade política para cortar
supersalários”
Em entrevista exclusiva ao
Congresso em Foco, Marinus Marsico, o procurador que entrou com ação para
proibir os pagamentos acima do teto constitucional, diz que a Constituição é
mais do que clara e deveria ser cumprida.
por Eduardo Militão |
10/10/2011
Marinus ao Congresso em
Foco: Constituição é clara sobre a proibição de pagamento de supersalários.
O procurador do Ministério
Público no Tribunal de Contas da União (TCU) Marinus Marsico está cansado de
“conversa” e “desculpas” quando o assunto é supersalário e o pagamento ilegal
de vencimentos acima do teto do funcionalismo. Para ele, não é necessária nenhuma
lei ou qualquer tipo de novo regulamento. Também não há qualquer dúvida quanto
ao que se deve fazer. Basta apenas cumprir o que está claramente escrito na
Constituição. Ou seja: cortar todo e qualquer valor que ultrapasse os R$ 27.723
que são pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Ele é contra a ideia
da presidente Dilma Rousseff de enviar ao Congresso mais um projeto de lei para
regulamentar o teto. “Não precisa de mais lei, nem mais de conversa. O que
precisa é aplicar esse artigo da Constituição”, protesta Marinus.
Por isso mesmo, diz ele, o
Senado deveria cortar o salário de seu presidente, José Sarney (PMDB-AP), que
ganha pelo menos R$ 62 mil entre aposentadorias e subsídios, como revelou o
Congresso em Foco. “O presidente do Senado deveria, por iniciativa própria,
abrir mão uma vez que ele é chefe de Poder, abrir mão desse excesso
remuneratório”, prega ele.
Marinus é o autor da
representação que resultou em um processo que apura a existência de 1.061
servidores que, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União, receberam
mais que o teto Constitucional em 604 órgãos do Poder Executivo. A maioria
deles conseguiu isso com mais de um emprego. O caso está com o ministro Augusto
Nardes. No Poder Judiciário e no Poder Legislativo, também há centenas de
supersalários.
Para Marinus, os
responsáveis pelas folhas nos três poderes se pegam em falsas dúvidas, falsos
problemas e falsas excepcionalidades para justificar a manutenção de pagamentos
acima do teto constitucional. Uma dessas falsas premissas, segundo ele, seria a
necessidade de unificação das folhas para verificar a existência de pagamentos
vindos de diferentes fontes pagadoras. Essa é uma das situações que hoje
provocar os supersalários e, na alegação dos responsáveis pela fiscalização,
dificultaria os cortes nos valores excessivos. “Há vários casos notórios, cujos
cortes poderiam ser feitos”, rebate Marinus. “Dizer que não se pode fazer o
corte por falta da informação unificada seria o mesmo que você pedir um banco
de dados para todos os homicidas do Brasil, encontrar um assassino na rua que
não está no banco e não prendê-lo”, compara.
O procurador defende que
praticamente todas as situações que excedam o vencimento dos ministros do STF
entrem na conta do teto: salários, subsídios, aposentadorias, pensões, cargos
em comissão, rendas vindas de um segundo ou terceiro empregos públicos …
Ficariam de fora apenas 13º, férias, horas extras esporádicas e auxílios, como
tíquete-alimentação.
Marinus reconhece que o
atual salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal – que é o valor do teto
– não é ideal e está descalibrado em relação a outras carreiras, que acabam até
sendo pior remuneradas do que deveriam. O procurador acha injusto que ele
próprio ganhe 85% do subsídio dos 11 ministros da corte suprema do Brasil. Mas
enfatiza que hoje servidores ganham muito mais do que ele e que todos os
membros do STF.
Como vem mostrando o
Congresso em Foco, os supersalários são pagos em toda a administração a
políticos, magistrados, autoridades e servidores do Executivo, do Legislativo e
do Judiciário.
Congresso em Foco – A
determinação de que ninguém pode ganhar acima do teto constitucional, que é o
salário do ministro do STF, está na Constituição, que é de 1988. Vem sendo
discutido principalmente depois da reforma da previdência de 2003. Atualmente,
há discussões sobre o tema no TCU e na Justiça para que o corte nos
supersalários seja feito. E a presidente Dilma, em embate com o presidente do
Supremo, Cézar Peluso, quer uma nova lei para regulamentar o tema. Porque não
se cortam os suspersalários? É preciso uma lei nova para regulamentar o tema?
Marinus Marsincus – Não é preciso lei nenhuma.
Não falta mais nada para que se faça o corte no vencimento de quem ganha além
do teto. Falta apenas vontade política. Já temos leis de montão nesse país para
resolver isso. A Constituição é absolutamente clara em relação a esse artigo de
controle do teto constitucional, e ela é auto-aplicável. Restam agora somente
desculpas para não se implementar o teto constitucional.
Mas os responsáveis pelas
folhas de pagamento alegam que é preciso definir que exceções devem ou não ser
aceitas na discussão sobre o que seja o teto …
Lei não falta, não é preciso definir nada. A
Constituição, ao tratar do tema, tem um dos dispositivos mais claros e felizes
no seu corpo. Não há mais margem a qualquer tipo de interpretação, a qualquer
tipo de dúvida sobre a aplicabilidade do teto constitucional, não só a
funcionários que recebem por uma fonte, mas a funcionários que recebem por mais
de uma fonte, ou seja, mais de um emprego público. Não há mais dúvida em
relação a isso. O que agora nós estamos lidando é com desculpas para que nós
não implementemos o controle do teto constitucional. Esse controle é feito de
uma maneira bastante eficaz apenas para a raia miúda, digamos assim, para os
funcionários mais modestos, enquanto que os peixes grandes escapam
tranquilamente desse tipo de controle.
Quando a pessoa recebe de
duas fontes, como se descobre isso? Há quem alegue a necessidade de criação de
um banco de dados para saber quem está ganhando acima do teto?
É claro que não é necessário um banco de
dados. O banco de dados é apenas para ajudar o agente público a detectar casos
em que por mais de uma fonte se extrapolou o teto. Agora, você não precisa
esperar o banco de dados quando você conhece casos notórios de extrapolação de
teto para cortar esses salários. Seria o mesmo que você pedir um banco de dados
para todos os homicidas do Brasil, encontrar um assassino na rua que não está
no banco de dados e não prendê-lo. A verdade seria essa fazendo uma comparação
bastante exagerada, mas pertinente.
Falta, então, vontade
política para resolver isso?
Sempre faltou vontade política para resolver
isso, porque muitas pessoas que recebem salários altos na administração
pública, sobretudo através de mais de uma fonte, não estão interessadas em
regulamentar o teto.
O CNJ chegou a fazer uma resolução
colocando as aposentadorias e pensões na conta do teto. Depois fez outra
excluindo as pensões. Não há uma contradição?
Em primeiro lugar, esse assunto está sendo
discutido agora sobre as atribuições do CNJ. Eu entendo que quem interpreta a
Constituição não é o CNJ, é o Supremo Tribunal Federal. Esse dispositivo
constitucional é absolutamente claro. Pensões, aposentadorias e cargos da
ativa, todos eles somados, têm que ficar no teto, não pode ultrapassar o teto
constitucional. Isso não está sendo cumprido.
Então, essa iniciativa da
presidente Dilma, de pedir mais uma lei, pode ser inócua? Só precisa de
aplicação da Constituição? É isso?
Não precisa de mais lei, de mais nada, nem
mais de conversa. O que precisa é aplicar esse artigo da Constituição. Ora, a
partir do momento em que um agente público descobre que existe um servidor
público que recebe muito acima do teto, ou que recebe por mais de um emprego
público, não precisa perguntar para mais ninguém. Você tem autonomia dentro da
sua jurisdição, dentro do seu círculo federativo, ou seja, a União, você pode
retirar esse excesso do teto. Não há o mínimo impedimento em relação à
Constituição. Criar uma nova lei é totalmente desnecessário, uma vez que a
regra é muito clara. E além de tudo é uma iniciativa que vem com seis anos de
atraso, já que desde 2005 nós temos o teto constitucional e as normas
constitucionais bastante claras.
Mas o teto já não estava
definido em 1998 e em 2003, naquelas reformas da previdência?
O teto estava definido, mas não havia uma
regulamentação sobre que parcelas entrariam ou não entrariam. A partir de 2005,
não há mais desculpa nenhuma em relação a isso. Em 2005, foi criado o subsídio,
ou seja, os agentes públicos passaram a receber através de um subsídio único,
onde todas as parcelas foram incorporadas a ele e, a partir daí, não haveria
mais nenhuma discussão. Essa foi inclusive a intenção do legislador. Foi de
pacificar o tema. Em 2005, foi emenda constitucional. Não deveria haver nenhuma
discussão. A Constituição foi bastante analítica nesse aspecto. Deixou bastante
clara a intenção do legislador constitucional. E, a partir daí, o que há são
apenas discussões sem nenhum efeito prático.
Vou dar um exemplo revelado
pelo Congresso em Foco. O senador Sarney recebe R$ 26.700 do Senado e, pelo
menos, R$ 35 mil do governo e do tribunal de Justiça do Maranhão. É um fato
público, notório e não negado. Pelo que o senhor fala, o Senado deveria, só
pela ciência disso, cortar o salário dele?
Com certeza. Inclusive, acredito que o próprio
presidente do Senado deveria, por iniciativa própria, uma vez que ele é chefe
de Poder, deveria já abrir mão desse excesso remuneratório, tendo em vista a
clareza da norma constitucional. O que se discute hoje não é se a Constituição
está certa ou errada, mas apenas a maneira de regulamentar isso. Ou seja,
entramos em filigranas para evitar a que a Constituição seja aplicada. Esse
artigo é claramente auto-aplicável. Não há a mínima dúvida em relação a isso.
Há uma hipocrisia nisso?
A palavra é um pouco forte, mas eu diria que
se faz vista grossa a essa norma constitucional. Ainda estamos na realidade de
que, no Brasil, algumas normas pegam e outras não pegam. Essa já tem no mínimo
seis anos que não pega. E nós vemos casos absurdos. Pessoas com mais de cinco
vínculos empregatícios que extrapolam de longe o teto constitucional e não se
pode cortar.
O senhor fala em subsídio.
Alguns servidores do Judiciário dizem que essa é a solução para os
supersalários, porque ele estanca essa prática. É uma solução mágica?
A intenção foi dar uma solução para isso,
colocar o subsídio. Essa solução foi dada para os agentes políticos do
Judiciário, os juízes e membros do Ministério Público. Parece hoje que só eles
que cumprem o teto. Vamos chegar a um ponto em que só os ministros do Supremo
cumprem o teto, porque os servidores públicos no Legislativo e mesmo no
Executivo, porque têm mais de uma fonte, eles estão fora do teto.
Fizemos um levantamento que
mostrou que mesmo ministros do STJ, do Supremo e do CNJ, que ganham por
subsídio, estavam estourando o teto. Eles argumentaram que era abono de
permanência, jetom e exercício da presidência do tribunal ou algum outro caso
não revelado. Isso não desbanca essa tese?
No meu entendimento, a Constituição é muito
clara, e qualquer exceção que deva ser dada a esse teto tem ser através de uma
interpretação constitucional do Supremo Tribunal Federal. É ele que diz o que
vale e o que não vale para a Constituição.
O que para o senhor é legal
e moralmente aceitável para se excluir das parcelas do teto?
As parcelas indenizatórias, que são, por
exemplo, horas extras…
Horas extras mesmo…
Horas extras mesmo, não aquelas horas extras
que são pagas em período de recesso legislativo [Em janeiro de 2009, o Senado
pagou mais de R$ 5 milhões a seus funcionários. Auditoria do TCU identificou
que R$ 19 milhões foram pagos indevidamente aos servidores da Casa, inclusive
porque o serviço “além do normal” acontecia todos os meses]. Os
auxílios-alimentação, auxílio-transporte, todas essas parcelas que possuem
caráter indenizatório.
E o abono de permanência,
bônus pago ao funcionário que preferiu não se aposentar apesar de já ter esse
direito?
O abono de permanência é uma questão mais
intrincada, uma vez você usou essa legislação, ela tem caráter excepcional para
manter servidores que já poderiam se aposentar. Nessa questão, eu preferia não
tecer nenhum comentário, uma vez que é uma questão bastante intrincada e o
impacto que ela tem sobre o teto constitucional é muito pequeno.
Férias e 13º estariam fora.
Férias, 13º obviamente.
O cidadão tem dois empregos.
Trabalha aqui e na Universidade de Brasília. Isso conta para o teto?
Os dois somados deveriam ficar dentro do teto.
Não ficam. Em qualquer verificação, não fica. Um servidor que é aposentado do
Executivo e ocupa um cargo em comissão no governo do Distrito Federal, ele está
fora do teto. Deveria estar dentro, mas está fora. Não há o mínimo controle.
E o funcionário da
administração que dá aula em uma universidade pública? Ele tem dois empregos.
Tudo deve somar para o teto?
A soma desses dois empregos deve estar no
teto. A Constituição permite apenas o acúmulo, desde que não haja interferência
na carga horária.
Cargos comissionados, que
são a briga do Senado e da Câmara na contestação judicial que fizeram do corte
nos supersalários, deveriam entram na conta?
Mas não há mínima dúvida. A Constituição é
clara. Qualquer tipo de cargo.
O senhor acredita que essa
questão do subsídio para os funcionários resolve o problema? Ajudaria ou é um
discurso paralelo?
Acho que não. Logo se encontraria um jeitinho
brasileiro de se burlar esse plano. A questão do controle do teto passa por uma
rigorosa fiscalização e por uma vontade política de se controlar e por um
sistema remuneratório realista. Eu recebo aproximadamente 15% a menos que um
ministro do Supremo. Não acredito que meu salário seja muito alto em face da
produtividade que acho que tenho. Entretanto, eu acho que é injusto que um
procurador receba 85% do salário de um ministro do Supremo. A diferença deveria
ser maior. Há servidores públicos que recebem acima ou igual ao ministro do
Supremo. Com que direito um servidor público deve receber igual ou mais que um
ministro do Supremo? Em hipótese alguma deveria. Então, cabe uma melhor
discussão em relação ao sistema remuneratório das três esferas de Poder.
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