Eletricista investigou por conta própria execução de rapaz
pela polícia: ‘Ele nunca fez nada de errado, sempre evitou a violência’
01 de agosto de 2012, O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - Na segunda-feira, cinco policiais militares do
14.º Batalhão (Osasco) tiveram prisão temporária decretada por suspeita de
executar César Dias de Oliveira e Ricardo Tavares da Silva, ambos de 20 anos,
na madrugada de 1.º de julho na zona oeste de São Paulo. O pai de César, Daniel
Eustáquio de Oliveira, de 50, não acreditou na versão de "resistência
seguida de morte". Pediu licença no trabalho e passou a investigar o caso,
dando subsídios para que o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa
(DHPP) pedisse a prisão dos PMs. Oliveira contou sua história ao Estado.
"Trabalhei (na noite do crime) até a 1 hora. Sou
eletricista da prefeitura de Vargem Grande Paulista. Havia uma festa junina.
Pedi para ir embora porque estava com mau pressentimento. Cheguei em casa à
1h30. Naquele sábado, o César e o Ricardo tinham sessões de tatuagem na casa do
primo dele. Precisava ser à noite, porque os dois trabalhavam. O César operava
tear em uma indústria têxtil; o Ricardo era repositor em supermercado.
Chegariam depois das 3h. Fui dormir.
Às 8h30, o vizinho chega desesperado. ‘Ligaram do Hospital
Regional de Osasco, o César sofreu um acidente.’ Chego no hospital e me
apresento. O atendente fala: ‘A notícia é a pior possível’. Eu falei: ‘Meu
filho morreu’. E comecei a chorar. Perguntei como. ‘Com cinco tiros.’ Além de
tentarem roubar meu filho, deram cinco tiros neles. O atendente fala: ‘Peraí,
não foi um bandido que matou seu filho, foi a polícia’. Olhei para ele, parei
de chorar na hora. ‘Como assim a polícia matou?’ Ele disse: ‘Houve uma
perseguição, ele resistiu à prisão, houve troca de tiro e seu filho morreu,
chegou morto e o rapazinho está em coma’. Eu falei: ‘Não, houve um engano muito
feio e grave. Vou provar que meu filho não fez isso’.
Confio no César. Tinha o coração bom, nunca gostou de
violência. Saí do hospital indignado e fui para a cena do crime, analisando
tudo. Como eu trabalhava com informática, tenho a mente muito analítica. Vi
erros grotescos logo de cara. Cheguei perto do policial, na calma, sem acusar
ninguém.
Perguntei: ‘O que houve aqui? Sou pai do dono da moto’. O PM
responde: ‘Segundo os policiais, os dois meliantes viram a viatura e
empreenderam fuga. O garoto pegou a arma e atirou. Seu filho caiu da moto e
levantou atirando’. Eu olhei para o rapaz e para a cena e falei: ‘Não sou
perito. Mas você não acha que tem coisa errada aqui?’
Indícios. Segundo os PMs, meu filho empreendeu fuga.
Estranho: se ele estivesse fugido, numa CB 300, você acha que a viatura o
alcançaria? Segundo: de acordo com a PM, meu filho estava fugindo com o garupa
atirando na viatura. A viatura estaria atrás e a moto na frente. Por que meu
filho está com dois tiros no peito, um na lateral do tórax, um na virilha e
outro na perna esquerda? E por que o Ricardo estava com três tiros na perna
pela lateral e não por trás?
Terceiro erro: se eles fugiam, estavam velozes ao perder o
controle quando caíram da moto. Me mostra um arranhão nessa moto. Ela está
intacta.
Quarto: se meu filho estava fugindo, para ele perder o
controle, tem de ter marca da frenagem da moto e da polícia. Não tem.
Quinto: Se os meninos tivessem caído com a moto, eles
estariam machucados. Os meninos não tinham hematomas.
Sexto: os meninos foram supostamente socorridos na hora. Não
foram. Pela quantidade de sangue, eles ficaram muito tempo no chão.
Sétimo: se ele estivesse fugindo, as marcas de tiros na moto
seriam em paralelo ou diagonal. Foram transversais. O PM começou a analisar a
cena. Olhou para mim e falou: ‘Os policiais fizeram m...’.
Chegando ao DHPP, peguei o BO, com várias divergências. A
cena do crime era incompatível. Os policiais foram burros, nem montar uma cena
eles conseguiram. Eu fui mostrando as divergências. Um investigador veio gritar
comigo. ‘P..., você está tirando a polícia? Tem uma testemunha. Um rapaz que
mora em Carapicuíba, na Cohab I’. Eu questionei. O que esse morador de
Carapicuíba estava fazendo às 3h no Rio Pequeno?
Nos dias seguintes, fui ao DHPP prestar depoimento. Falei
que meu filho é inocente e os policiais me olharam daquele jeito, pensando
‘todos falam a mesma coisa’. Fui mostrando para eles, na calma, na paciência.
Passei cinco dias indo todo dia no DHPP, levando testemunhas. Uma assistiu a
cena do começo ao fim. Com 12 anos, a moça havia perdido um irmão assassinado
por um policial. Por isso me ajudou.
Descobri mais quatro testemunhas, mas elas não foram de
jeito nenhum. No quinto dia, um investigador falou: ‘Pelo seu depoimento, a
gente passou a olhar a perícia e informações com outros olhos’. Na
segunda-feira, meu advogado me telefona: ‘Foram executadas cinco ordens de
prisão dos policiais que mataram seu filho’.
Sigo com medo de retaliações. Ouço uma moto, já me preparo.
Sei que corro risco. Tatuei o rosto do meu filho no braço. Embaixo, escrevi
‘herói’. Aos 20 anos, ele já era homem. Nunca fez nada de errado, sempre evitou
a violência. Quero olhar para o rosto dele todo dia, até o fim da minha
vida."
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