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Cortez Pereira
Por Honório de Medeiros
Conheci Cortez Pereira pessoalmente quando, Presidente do Centro Acadêmico do curso de Direito, convidei-o para proferir palestra acerca das relações entre marxismo e jusfilosofia em um dos seminários que nós regularmente promovíamos. Na ocasião, dentre as críticas ao marxismo por ele esgrimidas estava a do descompasso entre as previsões de Marx quanto ao surgimento da revolução socialista na Inglaterra – único país, naquela época, que cumpria a necessária etapa do aprofundamento das contradições da classe burguesa através da revolução industrial, e o fato de o processo revolucionário ter acontecido na Rússia feudal. Perguntei-lhe se a teoria de Lênin acerca da tensão revolucionária queimar a etapa da ascensão da burguesia não seria correta, ao que ele me redargüiu que a tese carecia de comprovação histórica.
É difícil explicar nosso fascínio juvenil por Cortez Pereira, pois ele era um liberal e havia sido Governador através do Movimento de 64 enquanto nós, no verdor de nossa carreira intelectual, ávidos para salvarmos o Brasil e o mundo, pertencíamos a algum dos matizes da esquerda tupiniquim. Talvez a sombra de sua retórica envolvente, misto de conhecimento técnico e arroubo poético, o eco de sua difícil e romanesca vitória no concurso para professor de Introdução ao Estudo do Direito da Universidade Federal, suas memoráveis defesas de projetos e programas de Governo e, principalmente, sua imolação no altar da ditadura, através de uma cassação hipócrita, tivesse construído essa aura de respeito que lhe tributávamos.
Pouco depois, ainda no tempo em que todos os cursos da Universidade Federal colavam grau juntas e o orados das turmas concluintes era escolhido por concurso, nós o tivemos como paraninfo – salvo engano a primeira homenagem pública pós-cassação. Quando terminou de nos falar pediu ao cerimonial que me trouxesse a sua presença para confirmar se eu, “de fato, pelo que pude perceber do seu discurso, não era mais marxista”. Disse-lhe que estava em fase de transição, ele me abraçou dizendo baixinho: “também eu sonhei seus sonhos”.
Entretanto, o mais emocionante dos momentos que vivi através de Cortez Pereira ocorreu quando assisti seu depoimento em “Memória Viva”. Várias vezes meus olhos se encheram de lágrima – uma delas mais intensamente: ele nos contava, aos seus interlocutores e espectadores, qual o instante mais intenso que vivera no Governo, aquele no qual, no final de uma tarde, pleno pôr-do-sol, arriou a Bandeira do Brasil do seu mastro saudado por quase uma centena de cantadores de viola que tinham vindo até o Palácio Potengi prestar-lhe uma homenagem.
Agora, na maturidade, ainda permaneço fascinado pela concepção estratégica de seu plano de governo e sua capacidade de agregar valores humanos no seu entorno. Tão importante é sua contribuição, nesse aspecto, que ela permanece como referência aos políticos e administradores públicos.
Honro sua memória com essas lembranças quase esmaecidas e o respeito que alguém intelectualmente superior sempre nos suscita, quaisquer que tenham sido seus erros.
Um comentário:
Meu amigo-irmão da República da São Vicente a leitura diária de sua página é um banho, de imersão, no conhecimento multifacetado. É a permanente oportunidade à dialética, à reflexão. Exumar Cortez é provar como estamos primitivamente atrasadados, em completo retrocesso político-administrativo no RN. Ele remete-me ao escocês Andrew Carnegie, que diz ter sido uma de suas grandes virtudes, sempre se cercar dos melhores, mesmo que o próprio talvez não fosse um deles. Fez construir mais de 2.800 bibliotes, museus etc nos Estados Unidos. Faz-nos falta um Cortez, faz-nos falta um Carnegie. Saúde e paz, meu irmão bem mais velho do que eu. Carlos Santos
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