domingo, 20 de dezembro de 2009

ALGUMAS IDÉIAS ACERCA DE JUSTIÇA E DIREITO



A Justiça

Por Honório de Medeiros

A primeira conclusão possível, em relação aos estudos dos denominados “direitos arcaicos” os quais, segundo GILISSEN, podem ser estudados através de dois métodos, quais sejam 1) o estudo dos estudos dos antigos acerca dos ainda mais antigos (como, por exemplo, o estudo acerca dos estudos dos juristas da época clássica de Roma em relação a produções jurídicas que lhes antecederam e, ainda, o diário de Júlio César de sua campanha na Gália, quando analisou os costumes, o Direito e outras manifestações culturais do povo invadido); 2) ou, ainda, o denominado etnológico, que consiste na investigação do jurídico em civilizações que embora contemporâneas , existem como se na aurora da história da humanidade e, obviamente, não têm escrita (aborígenes australianos, da Papua - Nova Guiné, índios peruanos, a nação ianomâmi na Amazônia brasileira), é que eles, se assim podem ser chamados, vez que a norma jurídica, entendida enquanto diferente da norma de conduta, “sociológica” (“mores”, etc.), ou de poder (comando), por que, além de conter, em sua estrutura, o preceito e a sanção, características contidas nessas outras, possui como intrinsecamente sua aquela de ser decorrente de outra que a antecede e da qual é logicamente decorrente, como o demonstrou Kelsen, antecedido, em sua tese de que somente há de se falar em Direito quando da presença do Estado por, entre outros, Marx, Engels e Hegel, são instrumentos de “coesão social”.
 
Essa busca de “coesão social” objetiva, nada mais, nada menos, que a manutenção do “status quo” por parte da classe dominante a que, obviamente, não interessa a dispersão daqueles sobre os quais exercem seu poder . Existe uma causa ainda mais remota a determinar a conduta da classe dirigente em sua busca de “coesão social” - que também é obtida não somente através do Direito, melhor, de “regras de conduta”, mas, também, da Religião e da ênfase nos Costumes do Clã. Ela pode ser conjecturada e, aliás, é a única macroteoria – daquelas que alicerçaram o conhecimento científico do século XX - que sobrevive ao controle que a crítica possa fazer: trata-se da teoria da evolução. Implica em supor que os mais aptos constituem a classe dirigente e empreendem um processo de sobrevivência de seus privilégios quem ampliem esse espaço obtido. Curioso perceber que existe uma possibilidade de se estabelecer uma ponte entre esse “instinto de sobrevivência” e o, por ENST BECKER assim denominado “medo da morte”.
 
Outra conclusão possível é a de que a idéia de Justiça (THEMIS) é anterior à de Direito (DIKE) escrito. a Justiça, como nos faz crer o texto homérico, é “o cetro e a lei”, ou seja, os instrumentos entregues pelos deuses aos reis para que estes engendrem a coesão social, façam, concedam Justiça. Hesíodo nos mostra, principalmente em seu épico pessoal ERGA, que a peculiar estrutura política grega, onde o povo (aqueles que não pertencem à nobreza) dispunha de uma rara independência de espírito, permitiu sua luta para a concretização de um ideal de classe: o Direito escrito, que a todos submete reis, nobres, povo, realizando a Justiça, fundamentalmente alicerçado na idéia de isonomia. Até então, o desejável, mas não somente na cultura grega, quanto na egípcia, hebraica ou nas civilizações de escrita cuneiforme era a “satisfação das partes”, a reforçar a premissa do desejo, implícito, da classe dirigente de promover a “coesão social” : A Justiça dada, concedida pela elite sendo substituída por aquela buscada, almejada, pelo povo. Uma ruptura, uma revolução.
 
Como surgiu essa idéia de isonomia? WERNER JAEGGER menciona que seria possível acreditar na possibilidade do surgimento da idéia de isonomia decorrer, por um processo oriundo da associação de idéias, da compensação satisfatória em mecanismos de troca, seja de mercadoria, seja para satisfazer uma perda decorrente de um atentado ao equilíbrio entre as partes.
 
Essa instrumentalização jurídica da isonomia foi resultante da compreensão, por parte daqueles que não eram nobres, e ela é intrinsecamente política, de que era necessário colocar esta classe também sobre o jugo da lei, ou seja, tornar todos iguais debaixo de um só manto, para assegurar sua própria sobrevivência. Ressalte-se que, muitos séculos depois, essa foi a cruzada empreendida pelo jusnaturalismo racionalista, enquanto ideário burguês – tendo como fio condutor a subjacente idéia de “Razão” (logos) - para quebrar os privilégios da nobreza e implantar a hegemonia da nova classe ascendente durante a Revolução Francesa: igualdade! A “Razão”, essa reinvenção do iluminismo, criação grega permitia a construção do discurso da isonomia, da igualdade, ele mesmo usado séculos antes, pelo “demos” grego para criar a democracia, ou seja, o governo da maioria sob o manto da lei.
 
Assim, é fácil concluir que a idéia de Direito escrito enquanto instrumento para a obtenção da Justiça, é criação política grega.












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