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quarta-feira, 22 de outubro de 2025

GUERRA ENTRE CORONÉIS: A ELEIÇÃO DE 1934-1935 NO RIO GRANDE DO NORTE

 


Mário Câmara, Interventor Federal no Rio Grande do Norte de 2 de agosto de 1933 a 27 de outubro de 1935


* Honório de Medeiros


Em uma avaliação muito pessoal, penso que a década de 20, no Rio Grande do Norte, acabou quando o Partido Popular elegeu o Governador do Estado após a vitoriosa campanha de 1934 -1935 e a aristocracia rural cedeu, assim, o Poder à burguesia mercantil/industrial que se instalava em terras potiguares.

Esse novo Brasil que surgia após a Revolução de 30 – hoje tão esquecida – e se consolidou na Era Vargas, mas cujo ideário “tenentista” pode ser rastreado até o Golpe de 1964, no Rio Grande do Norte encontrou, quando da redemocratização depois aviltada por Getúlio, uma estranha situação política configurada de forma radical no embate político partidário de 34/35: de um lado, liderado por Mário Câmara, união entre cafeístas, que poderiam ser posicionados à esquerda do espectro político, e coronéis do interior do Estado, proprietários de terras e criadores de gado, acostumados ao mando mais absoluto em seus redutos eleitorais; e, do outro, a burguesia mercantil e industrial cuja base maior, surgida a partir do cultivo e beneficiamento de algodão e exploração do sal, era o Oeste e Alto Oeste do Rio Grande do Norte, com epicentro em Mossoró e liderada pela família Fernandes, e o Seridó, grande plantador e fornecedor do denominado “ouro branco”, liderado pelo ex-governador José Augusto Bezerra de Medeiros.

Não por outra razão, concluído o pleito, foi eleito Governador do Estado, pela Assembleia Legislativa, Rafael Fernandes, líder político no Oeste e Alto Oeste, em detrimento de José Augusto.

É deprimente constatar a pouca literatura acerca desse período por demais importante da história do Rio Grande do Norte. Excetuando um ou outro opúsculo, desaparecido das vistas dos pesquisadores e somente encontrados, depois de muita luta, em sebos que como é sabido, primam pela desorganização e falta de higiene, três livros, apenas, bastante antagônicos entre si, jogam alguma luz sobre o período aludido: “A HISTÓRIA DE UMA CAMPANHA”, de Edgar Barbosa; “VERTENTES”, autobiografia de João Maria Furtado; e “DO SINDICATO AO CATETE, autobiografia de Café Filho.

O primeiro, visceralmente ligado aos líderes do Partido Popular; o segundo, cafeísta histórico.

Aqui não cabe uma incursão na história dos anos vinte e trinta do Rio Grande do Norte. Não é essa a intenção. O que se pretende, é mostrar o contexto político de exacerbada violência vivida no Estado naquela época, na qual o coronelismo como conhecido, cuja erradicação era uma promessa de campanha da Revolução de 30, vivia seus últimos esgares.

Essa violência, não esqueçamos, na campanha política de 34-35, foi posterior à invasão de Mossoró por Lampião, fato ocorrido em 1927, mas com a qual guarda estranhas ligações.

Para se ter uma ideia, o livro de Edgar Barbosa começa com uma página na qual se lê seu oferecimento e indica fielmente o que há de vir pela frente:

À MEMÓRIA IMPERECÍVEL DOS SACRIFICADOS NA CAMPANHA DE CIVISMO E REDENÇÃO DO RIO GRANDE DO NORTE; A FRANCISCO PINTO, OTÁVIO LAMARTINE, MIGUEL BORGES, JOSÉ DE AQUINO, FRANCISCO BIANOR, MANOEL DOS SANTOS, LUÍS SOARES DE MACEDO E ADALBERTO RIBEIRO DE MELO; às vítimas da covardia dos cangaceiros, aos seviciados pela barbaria policial, a todos os que sofreram humilhações e injúrias, aos perseguidos, aos ameaçados, aos coagidos no seu trabalho e nos seus lares, aos que morreram com fome e sede de liberdade. Homenagem do Partido Popular.

Dentre os mencionados na homenagem chama a atenção o nome do Coronel Francisco Pinto, parente, compadre e correligionário político do Coronel Rodolpho Fernandes, a aquela altura já assassinado, e que escapara da morte – ainda hoje não se sabe como – quando da invasão de Apodi em 1927 pelo bando de Massilon([1]), assim como o de Otávio Lamartine, ninguém mais, ninguém menos que filho do ex-Governador, deposto pela Revolução de 30, Juvenal Lamartine.

Não se vai entrar nos meandros dos dois assassinatos. Entretanto é inegável que suas mortes somente aconteceram em decorrência da campanha política de 34-35.

Mesmo aqueles que se posicionaram em lados opostos ao abordar a questão se negariam a contradizer tal afirmação.

Outro fato que demonstra a exacerbada violência daqueles tempos é pungentemente narrada por Amâncio Leite em carta dirigida a Sandoval Wanderley, diretor de “O Jornal”, em Natal, aos 20 de janeiro de 1937, publicada em forma de opúsculo, depois, pela “Coleção Mossoroense”[2].

Nessa carta famosa, à época, Amâncio Leite, eleito deputado estadual pela situação([3]) na campanha de 34-35, protesta por sua prisão e a de seu colega Benedito Saldanha, acusados de “extremismo” e “comunistas”, acusação essa acatada pela Assembleia Legislativa do Estado em sessão do dia 10 de setembro de 1936 na qual todos os deputados do Partido Popular votaram a favor, tão logo chegaram ao Poder, em um claro revide aos seus adversários.

O coronel latifundiário Benedito Saldanha acusado de “comunista”. Ironia do destino...

A presença da violência, portanto, era algo comum na política daqueles anos. O homicídio em decorrência de disputas pelo Poder, também o era. Como negar esse fato se um pouco mais atrás, em 26 de julho de 1930, o assassinato de João Pessoa por João Dantas deflagara a Revolução de 30?

Muito embora João Dantas tenha morto João Pessoa em decorrência do aviltamento que sofrera com a publicação em jornal oficial de sua correspondência íntima com Anaíde Beiriz, é fato que isso somente ocorrera porque ambos eram fidagais inimigos políticos.

E da presença da violência ocasionada por disputas políticas não estava livre, naqueles anos 20, o Rio Grande do Norte.

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[1] Consta que as mesmas lideranças políticas que estavam por trás da invasão de Apodi em 1927 também o estavam em 1934, quando do assassinato do Coronel Chico Pinto.
[2] Série B, nº 768.
[3]Aliança Social, liderada por Mário Câmara.

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