quarta-feira, 28 de novembro de 2012

OS MISTÉRIOS DO ATAQUE DE LAMPIÃO A MOSSORÓ, QUARTA E ÚLTIMA TEORIA, SÉTIMA PARTE


Honório de Medeiros
 

Quarta teoria: o ataque a Mossoró resultou de um plano político (sétima parte)
 

A oposição chegara ao cúmulo de tentar levar o Coronel Rodolpho Fernandes, um homem sério, respeitado, ao ridículo, como nos lembra Paulo Fernandes na mesma carta: 

As advertências à população e providências tomadas por meu pai eram exploradas pela oposição até com o ridículo. Chamavam-no, por exemplo, de velho medroso, por se preocupar com um possível ataque de Lampião à cidade (...). 

Raul Fernandes confirma: 

 Adversários políticos e maledicentes desfrutavam, com vantagem, o receio do Prefeito. 

Apesar dessa situação política tensa na qual vivia naquele momento, em 1927, o Prefeito, o futuro parecia promissor: sua liderança em Mossoró era inconteste, a cidade crescia a olhos vistos sob sua administração, dois dos seus três filhos homens faziam medicina fora e voltariam, brevemente, para dar continuidade a seu legado político, e sua família era, naquele período, uma das mais ricas do Estado. 

Mesmo assim o Coronel Rodolpho Fernandes não descuidava de tudo quanto lhe dizia respeito. Conhecia bem os meandros da política interiorana. Não saía de sua lembrança a forma violenta através da qual seus parentes de Pau dos Ferros tomaram o poder naquela cidade[1], mandando embora, definitivamente, seu maior líder político, à época, o Coronel Joaquim Correia.
 
Coronel Joaquim Correia 

As histórias acerca de feitos do cangaço corriam de boca-em-boca pelas feiras, praças e ruas de Mossoró, sempre envolvendo coronéis e tendo disputas políticas como pano-de-fundo, principalmente aquelas oriundas do Cariri cearense no qual, não fazia muito tempo, Pe. Cícero e Floro Bartolomeu tinham liderado a deposição do Governador do Estado do Ceará, pela força das armas. 

Notícias vindas do Acre, por sua vez, davam conta das aventuras de seu parente, o Coronel Childerico Fernandes, o Guerreiro do Yaco, irmão do Coronel Adolpho Fernandes, nessa mesma época Prefeito de Pau dos Ferros, repletas de violência, como a batalha da qual participara, enquanto um dos líderes, em Sena Madureira, à frente de trezentos homens fortemente armados[2].
 
Coronel Childerico Fernandes, o "Guerreiro do Yaco" 

O Coronel Chico Pinto também lhe punha a par dos desmandos de seus adversários que iriam redundar na invasão da cidade por Massilon e em seu assassinato, alguns anos depois, na campanha do Partido Popular contra o Interventor Mário Câmara. 

As estripulias de Massilon em Brejo do Cruz e região, agindo a mando de pessoas que também tinham interesses políticos em Apodi[3] e região; as histórias oriundas do Cariri cearense, de deposição de Coronéis por outros Coronéis através das armas; as desavenças com José Augusto Bezerra de Medeiros; os embates com a dura oposição que lhe era feita em Mossoró, tudo isso lhe trazia profunda preocupação. 

Assim lhe pareceram particularmente preocupantes as informações que pessoas a si ligadas por laços comerciais e afetivos lhe fizeram chegar por aqueles dias do começo do ano de 1927. É como nos conta seu filho Raul Fernandes, em trecho já citado: 

Na última quinzena de abril, de 27, a notícia veio à luz de modo concreto. Argemiro Liberato, de Pombal[4], escreveu ao compadre Rodolpho Fernandes sobre a pretensão dos chefes de bandidos. Dos remotos sertões de Pernambuco, da Paraíba e do Ceará surgiam indícios dos agenciadores da vergonhosa empreitada. 

Raul Fernandes diz mais a frente, em nota ao texto: 

Ouvi de meu pai referências à missiva. 

Raimundo Nonato, na introdução à primeira edição de seu celebrado “LAMPIÃO EM MOSSORÓ[5]”, recorda: 

Desde alguns meses, é certo, soprava dos sertões um vento de intranquilidade, de sobressalto e permanente insegurança.
 
Escritor Raimundo Nonato, festejado autor de "Lampião em Mossoró" e "Jesuíno Brilhante" 

Quem agenciava essa empreitada? A mando de quem? Com qual objetivo oculto? 

O Coronel Rodolpho Fernandes sabia mais do que deixava transparecer, naquele momento, aos que lhe eram próximos. 

Não falou a seus filhos acerca de tudo quanto estava por trás desse agenciamento que acontecia no Sertão paraibano e cearense; tampouco disse qualquer coisa a esse respeito, que tenha sido registrado para a história, a seus interlocutores nas reuniões onde expôs a possibilidade de invasão da cidade por Lampião e os convocou para sua defesa. 

Pressentia, entretanto, o Coronel, que o ataque à cidade, se viesse a acontecer, ocultava outro plano, um plano dentro do plano, cujo objetivo era ele. 

Que outra explicação podia ser dada, se não essa, analisando-se os fatos depois de acontecidos, para a excessiva concentração de forças defensoras no entorno de sua residência, quando era sabido que ele, individualmente, jamais teria, consigo, dinheiro suficiente para qualquer resgate que valesse a empreitada do ataque a Mossoró? 

Enquanto isso os planos dos seus inimigos iam, aos poucos, tomando corpo. 

Não seria possível a eliminação pura e simples de Rodolpho Fernandes, com base na jagunçada. Seria um escândalo de proporções nacionais, e, na medida em que centrado exclusivamente na sua pessoa, alvo de uma forte e exaustiva investigação. 

Mossoró, como visto, rivalizava com Natal em tamanho e importância. Era o escoadouro natural para onde desaguavam comerciantes do sertão paraibano, do Ceará[6], e de outras cidades do Rio Grande do Norte. Além disso, ficava a meio caminho entre Natal e Fortaleza e era quase litorânea, com porto importante para o recebimento e escoamento de pessoas e mercadorias. Uma cidade rica e próspera. 

A não ser que fosse possível embutir o projeto de eliminação de Rodolpho Fernandes em outro projeto maior, que funcionaria como cortina de fumaça: invadia-se Apodi[7], para caracterizar a presença do cangaço no Rio Grande do Norte, e, a seguir, invadia-se Mossoró, saqueava-se o que se pudesse saquear e, enquanto o ataque acontecia, um grupo especialmente escolhido atacava a casa do Prefeito de Mossoró e o assassinava, conduzindo a opinião pública à ideia de que tudo quanto acontecera fora consequência da existência do cangaço. 

Para executar essa estratégia, entretanto, era necessária a presença de muitos cangaceiros na invasão. E para ser possível a teoria de que a invasão de Mossoró por Lampião ocultava o projeto de matar o Coronel Rodolpho Fernandes, era preciso que essa trama tivesse sido anterior à entrada, nela, do Rei do Cangaço, do Coronel Isaías Arruda, mas não, obviamente, de Massilon Leite[8].

Em entrevista ao Autor[9], datada de 12 de maio de 2011, o pesquisador Marcos Pinto informa o seguinte:

Cresci ouvindo  meu  avô  paterno  ARISTIDES  FERREIRA  PINTO (18.04.1907 / 19.09.1975)  narrar, de forma  minuciosa, no  alpendre  de  sua  fazenda, a  saga do seu  irmão  Cel. FRANCISCO  FERREIRA  PINTO (17.04.1895 / 02.05.1934), sempre  relatando  trechos da  carta  escrita  pelo  mesmo, e  enviada  para o  seu  parente  RODOLFO  FERNANDES, por  emissário  especial, após o  célebre  ataque à  Apodi, por  uma  parte  do bando  do  famigerado  Lampião, comandados  pelo  célebre  cangaceiro  Massilon  Benevides, fato ocorrido  à  10 de Maio  de  1927. 

Lembro-me que o meu avô fez o relato sempre observando ter ouvido inúmeras vezes do seu perseguido irmão, em que dentre o intrincado de particularidades da missiva informando o Rodolfo, destacava:                           

Que fora informado por pessoa de acentuada estima e confiança, de que fora armado um complô com fito único de exterminá-los fisicamente, engendrado pelo quarteto sinistro composto por Jerônimo Rosado, Felipe Guerra, seu cunhado Tilon Gurgel, que por sua vez arregimentou a participação do seu genro Décio Holanda; 

O alerta a Rodolfo para a necessidade e cuidados de chefe de estado maior em só arregimentar pessoas de sua mais íntima amizade e confiança, de preferência parentes; 

Que o complô tinha como objetivo abrir lacunas nos executivos de Apodi e Mossoró, proporcionando a assunção de Tilon Gurgel em Apodi, e o retorno de Jerônimo Rosado ao comando do executivo mossoroense, em Presidência da Intendência municipal (Equivalente ao de Prefeito) já ocupara para o período 1917-1919, tendo como Vice-Presidente da Intendência (equivalente ao cargo de Vice-Prefeito) o Dr. Antônio Soares Júnior, genro de Felipe Guerra;          

Antes de adentrar na resposta, faço a observação de que o grande e profícuo historiador VINGT-UN ROSADO enfatizou, em um dos seus livros em que aborda a atuação de seu irmão Dix-Sept como governador do RN, a importância do mesmo ter ratificado o intrínseco vínculo de amizade existente entre seu pai (Jerônimo Rosado) e o Dr. Felipe Guerra, com a nomeação do Dr. OTO GUERRA para o pomposo cargo de Procurador Geral do Estado.                    

Acredito  que  o  sutil  afastamento  do  VINGT-UN  em  relação  a  minha  pessoa  dera-se  em  decorrência  de um  artigo que escrevi  em  um  jornal  de  Mossoró, com  o  sugestivo  título  "FORJARAM  FATOS  NA  HISTÓRIA DE  MOSSORÓ"  em que  desmitifiquei   fatos  supostamente históricos  elencados  por  VINGT-UN  sobre  o  "MOTIM  DAS  MULHERES"  e  sob  o  verdadeiro  motivo  que fez  com  que  o  então  governador  DIX-SEPT  ROSADO  encetasse  a  viagem  ao  Rio de Janeiro, então Capital  da  República, ou seja, que a  viagem  dera-se  em atendimento  a  um telegrama  enviado  pelo  Presidente  Getúlio  Vargas, que  pretendia  aparar  arestas existentes entre  DIX-SEPT  e  o  CAFÉ  FILHO, então  Vice-Presidente  da  república.  Ressalte-se  que  o Dr. VINGT-UN  nunca deixou  de  saudar-me  quando  nos  encontrávamos.  Em que cofre estará  escondida  a  carta  do  Cel. Francisco Pinto? Terá sido incinerada  pelo  Dr.  Aldo  Fernandes, genro  de  Jerônimo  Rosado ?  Por que  deram  sumiço  a  essa  prova, que  paira  apenas como uma  referência  metafórica  a  um segredo?

Os  interesses  políticos  e  pessoais  que  uniam  JERÔNIMO  ROSADO, FELIPE GUERRA  e  seu  cunhado  TILON GURGEL, somado  à  intrínseca  participação  do seu genro Décio  Holanda, conduz  à  certeza  de  que havia  um  consórcio em confidências  íntimas  e  profundas. Delas se poderá  até  deduzir  que, nos  episódios  dos  10 de Maio  de  1927  e  de  13 de Junho  do mesmo  ano, Jerônimo  e  Felipe  Guerra  atuaram  como  espécies  de   mentores  com  acentuadas  ascendências. As  perspectivas de  sucesso  das  nefastas  empreitadas  alegravam  perversamente  os seus  espíritos.  Em  sentido  adverso a eles, os desígnios  divinos anularam  tamanha  virulência  em  matéria de  inveja  e  cobiça. Nuances que  anularam  seus princípios de homens públicos  e  anulam  suas  individualidades.  Foram   pródigos  em protagonizarem  distorções  de  caráter. A ânsia  pelo  poder fez com que perdessem  inteiramente  o  contato  com  a  realidade. 

O PLANO DENTRO DO PLANO 

Há indícios que isso seja possível? Há. Basta que nos lembremos dos interesses políticos existentes em descartar o Coronel Rodolpho Fernandes de sua liderança no Oeste e Alto Oeste Potiguar. E basta que nos lembremos das relações de Massilon com os Coronéis Quincas e Benedito Saldanha. 

A comprovação desses interesses é o menosprezo e a agressividade com a qual o Prefeito é tratado quando expõe a possibilidade de invasão da cidade; outra é o permanente trabalho de intriga contra si realizado junto a José Augusto Bezerra de Medeiros, Governador do Estado, já relatado; outra, ainda, é o apoio político e pessoal por ele dado ao Coronel Chico Pinto, em Apodi. 

Cabe lembrar, também, que o Prefeito de Pau dos Ferros, em 1927, o Coronel Adolpho Fernandes, pai de Alfredo Fernandes, primo e dono do palacete vizinho ao do Coronel Rodolpho Fernandes, e um dos seus principais suportes financeiros na compra das armas para a resistência mossoroense, era adversário político ferrenho de José Augusto Bezerra de Medeiros.
 
Alfredo Fernandes, muito rico, parente próximo de Rodolpho Fernandes, contribuiu financeiramente para a aquisição de armas para a resistência a Lampião em Fortaleza, onde morava 

José Augusto Bezerra de Medeiros depusera os Maranhão do poder e, assim, lançaram na oposição, em Pau dos Ferros, seus aliados (dos Maranhão) naquela Região. Aliados que tinham recebido todo o apoio de Ferreira Chaves, o último da oligarquia Maranhão a governar o Estado, para promover a tomada, em anos passados, pela força das armas, do poder do qual dispunha seu adversário, o Coronel Joaquim Correia. 

Mágoas antigas, mal curadas, essas e muitas outras, redundaram no descaso proposital, QUIÇÁ COSTURADO POLITICAMENTE PELOS QUE TINHAM INTERESSE no fim do poder político dos Fernandes, com que José Augusto Bezerra de Medeiros recebeu o pedido de socorro que o Coronel Rodolpho Fernandes lhe enviou, como nos conta Raul Fernandes[10]: 

Apelaram ao Governador do Estado. (...) ‘Desiludidos de qualquer providência do Governo Estadual’, os mossoroenses compreenderam que teriam de contar com os próprios recursos. 

Se houve, portanto, um plano dentro do plano, então a estratégia foi a seguinte: as verdadeiras causas do assassinato do Coronel Rodolpho Fernandes ficariam ocultas sob o pó que o ataque cangaceiro a Mossoró levantaria; e a estranheza de um ataque de cangaceiros diretamente a Mossoró não seria percebida, pois, antes, fora banalizada por outro ataque, este a Apodi, claro que em menores proporções, para não chamar muita atenção.

Ora, com o ataque a Apodi matavam-se dois coelhos com uma cajadada só: introduzia-se o cangaço no Rio Grande do Norte, criando-se a necessária “cortina de fumaça”, desmoralizava-se o Coronel Chico Pinto e sua liderança, bem como se eliminava a estranheza de um ataque cangaceiro direto a Mossoró, uma cidade grande e quase litorânea de um Estado até então livre da praga do cangaço. 

CONTINUA... 

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[1] Ver “O Fogo de Pau dos Ferros” em “MASSILON”, do Autor.
 
[2] Ver “DICIONÁRIO DAS BATALHAS BRASILEIRAS”; DONATO, Hernâni; verbete “SENA MADUREIRA”, bem como “O GUERREIRO DO YACO”, FERNANDES, Calazans.
 
[3] Os Saldanhas.
 
[4] Cidade paraibana onde nasceu Jerônimo Rosado. Pertence à mesma área de Brejo do Cruz, PB, cidade na qual eram influentes as famílias Maia e Saldanha.
 
[5] Sexta edição; Coleção Mossoroense; 2005; Mossoró.
 
[6] Limoeiro do Norte, Aracati e adjacências.
 
[7] O maquiavelismo, aqui, do qual Massilon seria o executor, teria sido no sentido de que ele sabia que o Coronel Chico Pinto não seria morto, porque sua morte teria tal repercussão que inviabilizaria o “plano dentro do plano”, mas, disso, não sabiam as lideranças menores apodienses envolvidas, caso contrário haveria perda de prestígio político por parte de quem estava manipulando as ações por trás dos cordéis e precisava continuar dominando o cenário político em Apodi e Região.
 
[8] Como explicado acima, a chegada inesperada de Lampião em Aurora, CE, pode ter precipitado a execução da estratégia cujos desdobramentos foram anunciados ao Coronel Rodolpho Fernandes pela carta de Argemiro Liberato. Existem, também, relatos de uma famosa carta enviada pelo Coronel Chico Pinto ao Coronel Rodolpho Fernandes informando-lhe acerca do próximo ataque a Mossoró. Dá notícia desta carta o jornal “CORREIO DO POVO” (NONATO, Raimundo; “LAMPIÃO EM MOSSORÓ”; Sexta edição; Coleção Mossoroense; 2005; Mossoró).
 
[10] “A MARCHA DE LAMPIÃO”; Editora universitária; Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 1981; 2ª edição; Natal, RN. 

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