Algum tempo atrás o Centro Mossoroense promoveu, em Natal, uma exposição com pequena parte do acervo fotográfico de Manoelito. Ao mesmo tempo, prestou-lhe uma homenagem através de seus descendentes. E os mossoroenses, além de outros interessados, puderam constatar seu talento através das fotografias expostas na Capitania das Artes.
Vivo fosse talvez Manoelito tivesse encarado com ressalvas as fotografias escolhidas para a exposição. Faltaram aquelas que melhor diziam de sua arte: os tipos populares, os nus artísticos, a própria cidade.
Sim, porque já naquela época, ou por isso mesmo, ele construiu um legado contemporâneo do futuro - em termos de arte os conteúdos como o querem os filósofos ditam a forma - jamais vice-versa.
Embora seja compreensivo a causa do Centro Mossoroense ter escolhido as fotografias de membros das antigas famílias da cidade para o vernissage, não seria demais a lembrança do caráter paroquiano dessa escolha. No final das contas a exposição, que pretendia homenagear Manoelito, transformou-se numa homenagem de mossoroenses a mossoroenses através das fotografias que ele compôs.
Assim é que não se via outra coisa, na Capitania das Artes, senão mossoroenses procurando a si mesmo e a seus ancestrais nas fotos expostas. Um fato no mínimo curioso para um evento aberto ao público para homenagear a arte - não a memória por ele construída - de um artista finalmente justamente lembrado.
Não importa. De qualquer maneira a homenagem, merecida, foi feita.
E o melhor do acontecimento foi ter sido chamado a atenção dos próprios mossoroenses para o valor incalculável do acervo doado pela família de Manoelito ao município de Mossoró. Não é à-toa a importância que estudiosos das grandes universidades do sul lhe dão. Tornado público, talvez seja mais difícil sua destruição, embora não haja mais como recuperar o muito que já se perdeu em decorrência da incúria dos órgãos públicos.
Saliente-se que o valor da obra de Manoelito não reside apenas no aspecto histórico. Se, através das lentes de suas máquinas fotográficas, captou e registrou quase cinqüenta anos da vida de Mossoró, muito mais se torna fundamental seu trabalho quando o observamos a partir de uma perspectiva científica e, com os olhos de estudiosos, agradecemos sua contribuição para entendermos a evolução de uma cidade com as características de Mossoró.
Ou seja, o instante que Manoelito aprisionou é, aos olhos do cientista, um imenso objeto de estudo a ser desvendado e compreendido. Lá estão, à sua espera, congeladas no espaço e no tempo, com arte, imagens que revelam fenômenos históricos, sociológicos, econômicos. Debruçados sobre eles, assim como se debruçaram sobre as pinturas, as estátuas, a arte, enfim, dos antigos, os estudiosos construíram a história da humanidade.
Entretanto, mais que alguém desejando fazer o registro de várias épocas, Manoelito construiu arte. Neste aspecto, não se sabe se sua vida imitou a arte, ou o contrário.
Como todo artista, estava à frente de seu tempo não só no que diz respeito à arte em si, mas também ao seu estilo de vida. E parecia compreender essa perspectiva, quando transcendia a diuturnidade das exigências comerciais que lhe eram impostas pela necessidade de sobrevivência compondo fragmentos-imagens de uma beleza sem par, mesmo se somente lhe era exigido o aprisionamento daquele instante específico através de uma fotografia.
Mas ele não fotografava, compunha. Transformava o árido em fértil, o cinzento em festa para os olhos, o jogo de sombras em delírios de arte. Repousa sobre o meu birô de trabalho uma foto de minha mãe, feita por ele, onde nela está estampado, com rara felicidade, o melhor de seu talento. Não podia ser diferente: virou lenda a exigência e rispidez com a qual, mesmo no tumulto de casamentos ou outras festas, produzia as fotografias a ele encomendadas.
E, compondo, reafirmou a crença - pelo menos para uns poucos - na qual somente os artistas como ele, antenas da raça, ungido dos deuses, conseguem tornar-se eternos.
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