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Ariano Suassuna
Ariano Suassuna: Madrugada alta. Casa de Eriberto Suassuna, meu compadre, em Pau dos Ferros, primo do autor de "A Pedra do Reino". Acabei de ler a apresentação que o maior escritor nordestino, uma ilha de qualidade no universo literário brasileiro, fez da obra de outro parente seu, Raimundo Suassuna, acerca da genealogia da família que lhes deu o sobrenome.
Ariano, a quem Raimundo Suassuna pedira que fizesse uma apresentação "simpática", de seu livro, praticamente escreveu um ensaio onde, entre outras coisas, abordou duas coisas que me chamaram a atenção: na primeira delas conta de seu orgulho por ser um "Suassuna"; e, na segunda, estabelece o seu conceito de "aristocracia".
É preciso que se diga que o orgulho de Ariano com o fato de pertencer a essa lendária família nordestina é decorrente da intensa, profunda, ligação que ela tem com o Sertão, naquilo que lhe é mais peculiar, e é onipresente na bela e estranha produção literária e postura existencial do mais (ou talvez único) "gauche" dos nossos escritores membros da Academia Brasileira de Letras.
Aristocracia: Ariano Suassuna entende que existe uma aristocracia pelo espírito, que é profundamente diferente daquela resultante de títulos nobiliárquicos. Ele estabelece essa diferença confrontando o "homem", na sua acepção mais densa, com o "cortesão". Neste caso, chega a manifestar, implicitamente ou não, um verdadeiro asco dos títulos comprados, recebidos por favores prestados através de subserviência, barganhados, ou oriundos de qualquer outra forma utilizada por serviçais do poder que caracterizam, em última instância, o comportamento dos alpinistas sociais.
A verdadeira aristocracia, para Ariano, é aquela adquirida pelo espírito. Essa nobiliarquia, na sua concepção, é decorrente de uma postura moral ilibada, aliada a um exponencial senso de honra e vocação pública. Aristocrata, então, seria Albert Schweitzer, Gandhi, Albert Sabin, entre outros. Nunca Churchill, Kennedy ou outros menos ilustres.
Titãs morais, verdadeiros cavaleiros da távola redonda, homens sem mácula e sem medo, sempre à disposição dos injustiçados ou a serviço de causas mais que nobres. Individualidades poderosas, que se recusaram ser conduzidas, cooptadas, amordaçadas. Não aceitam ser a folha que o rio leva para o mar; muito antes, pelo contrário, assemelham-se às represas que domam a marcha das águas.
Essa aristocracia pelo espírito de Ariano é fecundada, em termos ideológicos, por um socialismo que lembra o cristianismo primitivo em sua perspectiva ética. É como se ele cresse que a verdadeira revolução seria aquela promovida através da encampação da dignidade como único fulcro da conduta humana, legitimando-a.
É um contraponto dialético da ética burguesa que, exposta a olho nu por suas contradições básicas, mostra a conduta humana amesquinhada por obra e graça da lógica do capitalismo. Esse burguês, caricato, cortesão, jamais diria: "ao Rei tudo, menos a honra", mas, sim, "à elite tudo, até o bolso".
Trata-se de uma crítica ética ao capitalismo. A busca do lucro, revestida pelo fetiche ideológico da "competição", da "livre concorrência", amesquinha o homem que aceita participar de tal jogo. Um aristocrata pelo espírito, cuja conduta é calcada na honra, no senso de justiça pública, recusa-se a aceitar uma competição cujo resultado final seja a obtenção de um ideal tal como, por exemplo, a obtenção de lucro.
Talvez haja algo de quixotesco na dimensão humana de Ariano Suassuna. É interessante, entretanto, observar o quanto sua concepção filosófica, nesse aspecto, aproxima-se daquela professada por Saint-Exupèry, aristocrata pelo espírito e por genealogia, conde, em seus escritos de "Cidadela".
E, por outra, do "bushido", o caminho do samurai. Note-se que Yukio Mishima, em seu comentário acerca do "Hagakure", um manual escrito por um samurai, para samurais, critica asperamente os nobres por ele chamados de "aristocratas de contas de despesas". Ou seja, tanto para Ariano, quanto para Saint-Exupèry e Mishima, o homem, assim considerado, é aquele que transcendeu o apequenamento, o amesquinhamento inerente à ética do capitalismo, da qual nos fala Max Weber, e tornou-se um aristocrata pelo espírito.
Aristocrata pelo Espírito: Não considerei correto o título "aristocrata do espírito". Difícil dizer por quê. Acho que "aristocrata pelo espírito" expressa com maior clareza a idéia de uma nobreza obtida através do espírito - tudo aquilo que caracteriza o humano, como a razão, incluindo, inclusive, o seu pendor místico.
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