sábado, 14 de novembro de 2009

A LUZ E AS TREVAS



A Luz e as Trevas

Aqueles que são de minha geração e gostam de ler conhecem a obra de Herman Hesse, principalmente um livro cujo título é “Sidarta” no qual ele romanceia a vida de Buda. Quem, no entanto, deixou-se fascinar pelo escritor, e foram muitos na década de 60/70 aqui no Brasil, leu praticamente tudo seu que foi traduzido para o português: “O Lobo da Estepe”; “O Jogo das Contas de Vidro”; “Demian”; “Gertrud”; “Pequenas Histórias”; “Narciso e Goldmund”...
 
Dentre essas obras é possível que “Demian” seja considerada menor. Na verdade, a crítica faz loas a “O Jogo das Contas de Vidro” e, em menor escala, a “O Lobo da Estepe”, embora a obra mais conhecido seja, sem qualquer dúvida, “Sidarta”. Em “Demian”, Hesse nos apresenta um adolescente cuja existência fascina um seu colega de escola – o relator da história – principalmente por conta de sua mãe, mulher bela e misteriosa, e de sua relação com uma seita religiosa praticamente desconhecida denominada “Cainismo”.

O que seria esse “Cainismo”? Quando essa questão aparece na convivência entre “Demian” e seu interlocutor, aquele lhe apresenta uma longa relação de personagens históricos condenados por algum deslize, algum erro fundamental. É o caso de Caim, o irmão de Abel, cujo nome batiza a seita; é o caso de Eva; é o caso de Judas Iscariotes. Vale ressaltar que o cainismo foi resgatado do obscurantismo, no século XIX, pelo poeta Lorde Byron, e hoje somente existe enquanto referência histórica em obras emboloradas de historiadores praticamente desconhecidos.

A pergunta que Demian faz a seu interlocutor, Emil Sinclair, um atormentado com sua impossibilidade de compreender o que lhe cerca, durante todo o transcorrer da trama é se haveria Abel sem Caim; o Homem, sem Eva; Jesus, sem Judas. Evidentemente, a tese implícita por trás de sua argumentação é se haveria Luz caso não houvesse Trevas; se haveria o Ser, se não houvesse o Nada, remetendo-o a uma perspectiva dualística da realidade, cujas raízes talvez pudessem ser rastreadas, no Ocidente, até Heráclito de Éfeso, cognominado “O Obscuro”.

Romance nitidamente iniciático, “Demian” alegoricamente parece nos apresentar a um processo de inserção de um jovem sensível e inteligente na realidade das coisas, ou seja, a um processo de maturidade que o arranca do ideal no qual vive e se constrange por não compreender, e o joga na vida como ela de fato é, no real, através de ações transgressoras e piedosas que lhe revelam a dupla face da vida, algo possível de ser percebido.

Questões como essa originaram ecos sólidos durante os famosos anos 60/70, quando se questionava o modelo de vida que a sociedade materialista ocidental impunha a seus integrantes. Havia o fascínio do Oriente e seu estilo de vida, quase como contraponto para quem não comungava com o capitalismo ou o marxismo. Dela somos todos herdeiros de uma forma ou de outra, principalmente naquilo que seus maiores representantes, os “hippies”, nos deixaram de legado, e não foi somente música e drogas.

Ainda hoje há, em alguns espaços diminutos, uma preocupação esotérica com aspectos da realidade que parecem estar muito distante do feijão-com-arroz cotidiano que é a luta pela sobrevivência: discutem-se óvnis, vida após a morte, holística, e assim por diante. Mas também há espaços diminutos que resultam de preocupações que têm raízes solidamente firmadas no concreto, e que são voltadas para a compreensão, por exemplo, da existência ou não da antimatéria. Esta questão poderia ser, numa perspectiva a ser referendada por Hesse, nada mais, nada menos, que o dualístico embate entre Luz e Trevas.






Nenhum comentário: