quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

CETICISMO


Ceticismo

"Não sou cético demais em relação à maioria das coisas para ser um romântico completo" (Alvin Toffler; "Previsões e Premissas").

É A CERTEZA DA PUNIÇÃO, NÃO A EDUCAÇÃO, QUE NOS CONTÉM


Punição

Por Honório de Medeiros

Somos levados a crer na capacidade redentora, quanto à moral, da educação. E isso decorre de nossa ligação histórica com o ideário iluminista, que pregava a superação dos males inerentes à condição humana através do dom que Deus supostamente havia dado aos homens – a razão.

Esses males, não há necessidade de os nominar. Lembremo-nos, apenas, da selvageria que, ao contrário do que supunha Rousseau, ao pregar a bondade inerente do ser humano, e mais em conformidade com o “homo lupus homini” de Hobbes, espreita e assume o controle todas as vezes que a camada de verniz que nos contém é rompida, e isso acontece sempre, em todos os lugares, com todos nós.

A verdade é que somos selvagens contidos pela dor que a reação ao nosso desvario pode causar. Nesse sentido, quanto mais “civilizado” um País, ou seja, quanto mais existir lei, ela for dura e, principalmente, cumprida, maior a possibilidade de haver essa contenção que nos impede de cedermos à animalidade. Não é demais recordarmos a dualidade existente no homem apontada por Robert Louis Stevenson em “O Médico e o Monstro” para percebermos o quanto temos consciência dessa bestialidade contida a dura força.

É por essa razão que campanhas educativas como as do trânsito ou do desarmamento são fadadas ao fracasso se, enquanto contrapartida, a impunidade historicamente grassa pelo território nacional. Acaso alguém supõe que aqueles contumazes desrespeitadores das leis do trânsito, que dirigem embriagados, atravessam velozmente sinais vermelhos, deixarão de faze-lo ao verem uma propaganda educativa? Acaso alguém supõe que as pessoas violentas e educadas na impunidade deixarão de agredir suas esposas, filhos, vizinhos, quem quer que seja, com barras de ferro, facas, correntes, bastões de madeira, as próprias mãos, como conseqüência de uma campanha de desarmamento ou passeata “pela paz?”.

É sob o âmbito dessa questão que deve ser analisada a monstruosidade do crime cometido por um juiz de Sobral, Ceará, contra um inofensivo e desarmado vigilante de Supermercado. O juiz, que no mesmo dia já dera demonstração de prepotência e abuso, que era conhecido na cidade por sua arrogância e despreparo, é membro da elite brasileira e, como tal, recebeu educação aprimorada, fez concurso público, e foi guindado a um cargo público respeitável, dentro da estrutura do Estado brasileiro.

Não adiantou. Irracionalmente convencido de sua impunidade, agiu como um animal ensandecido que tivesse tido seu domínio territorial ameaçado por um inimigo feroz. Assim agiam, e agem, aqueles que somente vêem o mundo através da ótica da força bruta: os líderes traficantes, mafiosos, assaltantes, terroristas, anônimos torturadores, violadores ineventuais dos direitos humanos básicos do cidadão.

Esse ato do juiz seria uma exceção? Não. Nós é que fazemos de conta que sim, por que nos acovardamos. Mas cada um de nós sabe por que viveu diretamente ou através de parentes e amigos um gesto de opressão de algum medíocre detentor de uma parcela de poder. Autoritários, prepotentes, arrogantes, desumanos, na justa medida da impunidade, nunca da falta de educação que lhes foi dada de alguma forma, ao longo de sua vida, mas insuficiente, sem o temor da revanche do Estado, para manter sob controle sua bestialidade.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

DE INOCENTES ÚTEIS


Inocente útil

Ingênuos, os miçangueiros da tecnologia que desta dispõem para projetos de poder.

Pensam que dominam homens e coisas.

São a vanguarda tecnológica da inocência útil.

Esquecem que um computador é uma idéia corporificada.

É uma idéia que move um instrumento.

Miçangueiros são instrumentos de outros.

Podem ter seus cordéis puxados quando menos esperam.

E acabar como o inventor da guilhotina: guilhotinados.

MISSA DE SÉTIMO DIA POR ANTÔNIO RODRIGUES DE CARVALHO

"Maria Augusta (esposa), Nairma e Maranto (filhos), Joana (nora), Antonio, Lucas e Samuel (netos), convidam a todos os parentes e amigos para a Missa de 7º dia, que mandarão celebrar pela alma de Antônio Rodrigues de Carvalho (Toinho), hoje, dia 09/12/2009, às 17h30min, na Capela de Santa Terezinha (Natal-RN)."

AMOR


Machado de Assis

"A isto respondeu Mendonça citando La Rochefoucauld: 'A ausência diminui as paixões medíocres e aumenta as grandes, como o vento apaga as velas e atiça as fogueiras'" ("Contos Fluminenses"; Machado de Assis).

"CONHECIMENTO OBJETIVO", DE SIR KARL RAYMUND POPPER


Karl Popper

Em “Conhecimento Objetivo” estão compiladas várias conferências realizadas por Sir Karl Raymund Popper acerca, principalmente, de sua epistemologia “evolucionária” ou teoria do conhecimento científico.

Popper foi, no conjunto da obra, provavelmente o mais completo filósofo do século XX. Sua análise de Platão, Hegel e Marx, em “A Sociedade e Seus Inimigos” é uma referência obrigatória, em filosofia política, mas foi principalmente através da “Lógica da Pesquisa Científica”, ou “Lógica da Descoberta Científica”, sua primeira obra de impacto, na qual retoma e amplia a crítica de David Hume à indução, dá nova dimensão ao critério de demarcação entre ciência e metafísica de Kant, e estabelece as bases da sua futura teoria do terceiro mundo ou mundo 3, que ele se tornou onipresente no cenário da filosofia mundial.

A “Lógica das Ciências Sociais”, pouco conhecida e estudada, principalmente no Brasil, lançando paradigmas para uma Sociologia possível, estruturante, coloca-se muito além e em contraposição à herança marxista ou a seu contraponto “natural”, a teoria social de inspiração norte-americana. Em importância, ombreia-se com a Sociologia da escola francesa.

Profundamente erudito, rigoroso, complexo, humanista, a todas essas qualidades Popper aliou uma preocupação constante e metodológica com a clareza e a simplicidade de estilo. Relê-lo, então, é sempre uma homenagem que a inteligência presta ao conhecimento.

AQUELE BEIJO QUE TE DEI


O beijo

O beijo que eu presenciara, entre dois adolescentes, qual a Madeleine de Proust, remeteu-me para um passado distante, no qual minha memória se deleitou e se abateu com as imagens borradas de vultos que transitavam em nosso entorno, sons não identificáveis e odores misturados de perfumes e suor, enquanto sentados por sobre um batente qualquer nós, eu e ela de quem sequer lembro o nome, ou mesmo o rosto, exceto, apenas, o vulto esmaecido de um rosto claro, cabelos negros, lisos, cortados curtos à moda Príncipe Valente, e lábios cheios, trocáramos meu primeiro beijo.

Dias mágicos aos quais fui conduzido pelo trem do qual meu pai, um dia, muito antes, havia sido chefe. Somente isso já valera a pena. A sensação de liberdade que a primeira viagem sozinho fizera nascer era alimentada pelas cervejas tomadas com o amigo recém adquirido no restaurante para o qual minha curiosidade me impelira. Ali meu pai trabalhara, durante muito tempo. Na chegada, na cidadezinha onde fora para o casamento de uma prima distante, eu me misturei com uma legião de parentes desconhecidos e aos quais eu me apresentava como representante dos meus pais. Entre homem e menino, logo, logo, porém, esqueci-me da missão diplomática e me aventurei com alguns primos por uma caminhada até uma fazenda remota na esperança de, em lá chegando, saciar nossa fome com mangas saborosas que embora fartamente consumidas, não resolveram o problema que somente a bondade de um morador, ao nos oferecer farinha amassada com feijão de corda e rapadura, finalmente deixou para trás. Como esquecer o sabor e o cheiro daquele almoço inesperado?

À noite, o casamento e, em seguida, a festa no mercado. Lá, olhares e um convite para uma dança canhestra, logo esquecida, nos aproximara. Sentamo-nos em um batente qualquer. Não creio que alguém esqueça o primeiro beijo. Nunca esqueci o meu. Já na volta para Mossoró, no mesmo trem, eu me perguntava se algum dia ainda conseguiria vê-la. Dentro de mim achava que não, mas nutria alguma esperança. Não por que ansiasse por outros beijos seus, ou mesmo por que lhe tivesse algum afeto irrompido naquela noite especial. Não por que quisesse ter a saudade erótica de um corpo que a noite festiva apresentara apenas nuançado. Não se trata disso. O que eu queria era observar até mesmo distante, de longe, e gravar para todo o sempre, e assim pudesse convocar quando desejasse, a lembrança detalhada daquela bela adolescente que uma noite, na qual quase não nos falamos, fora quem me dera meu primeiro beijo.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

DE TWITTER E TUITEIROS


Twitter
(reporterdodia.files.wordpress.com)

Patético, esse tal de Twitter.

Cria a falsa sensação de "antenamento".

De estar conectado com os fatos e as pessoas que importam.

É a imanência na insignificância.

Enquanto teclam e são teclados, controlam e são controlados, os tuiteiros.

Pela mesma sutil e primitiva teia social da fofoca.

É a tecnologia a serviço do superficial.

VERDADE


Antoine de Saint-Exupèry
(anaicfer.bloguepessoal.com/)

"Uma verdade não é aquilo que se demonstra; é aquilo que simplifica o mundo" (Antoine de Saint-Exupèry; "Um Sentido para o Mundo").

UMA CRUZ NA BEIRA DA ESTRADA


Uma cruz na beira da estrada

Por Honório de Medeiros

A cruz de aroeira, carcomida pelo tempo – teria quase oitenta anos, repousa sob uma plataforma de tijolos grosseiros que alguma alma caridosa houve por bem construir à margem da muito antiga estrada do cajueiro, que liga Limoeiro a Mossoró. Originariamente, percebe-se facilmente, a cruz estava plantada diretamente no solo calcário. Hoje inclusive existe uma pequena cavidade por trás da cruz, construída com tijolos, talvez para receber velas. Um pouco à esquerda, uma oiticica centenária zomba da fragilidade humana derramando sua sombra testemunha daquele dia fatídico. Mais além, um denso mar de algarobas, marmeleiros, juremas, mufumos, todos acinzentados pelo pó que o vento quente revolve, dá uma precisa noção do tipo de homem que é capaz de enfrenta-lo: o sertanejo!

Ali estava sepultado um tipo de sertanejo que já não existia mais. Pelo menos nos moldes de antigamente. Um cangaceiro. Menino de Ouro? Alagoano? Dois de Ouro? Az de Ouro? Não é provável que sejam os dois primeiros, por que há relatos de fontes primárias quanto à presença deles em episódios posteriores envolvendo o cangaço. A dúvida é: qual dos dois? Dois de Ouro ou Az de Ouro? Se obedecermos à ciência, que nos manda respeitar o testemunho de quem presenciou os fatos, a tendência é que tenha sido Dois de Ouro.

Naquele dia fatídico, fugindo a passo acelerado de Mossoró, onde perdera Colchete e Jararaca, Lampião carregava consigo, tomado por dores cruciantes, esse cangaceiro que teria sido atingido por uma bala que lhe destruíra o nariz. Lampião já parara em uma casa humilde – esse episódio é por demais conhecido – e obtivera água e sal para lavar o ferimento. Coberto de sangue, com a cabeça envolvida por um lenço sujo, o cangaceiro, entretanto, não conseguia continuar. E, à sombra da oiticica, decidiu morrer. Pediu que lhe matassem – não queria continuar. Após muita discussão um seu companheiro o executou e sepultou em cova rasa.

No entorno da sepultura há muitas pedras – calcário. São pedras milenares. Testemunharam tudo. Pudessem relatar o que viram e ouviram contariam a nós acerca daquele momento tenebroso. Saberíamos, talvez, quem de fato teria sido o cangaceiro executado a pedidos. Diriam a nós um pouco mais acerca desses homens-feras que não temiam a morte, a sede, a fome, caminhadas sem fim por sobre um chão inóspito, debaixo do sol inclemente, fendendo a braçadas a caatinga áspera. Não temiam os inimigos naturais – as volantes, os “macacos”, a resistência, quando havia, dos habitantes do Sertão a quem atacavam. Não temiam a traição permanente dos coiteiros e coronéis com os quais constituíam essa página da história do Brasil recém saído da monarquia. Não temiam nada.

Para esse cangaceiro desconhecido deixamos nossa perplexidade, algumas orações, muitas perguntas não respondidas e uma vela acesa, solitária, com a chama a teimar em sobreviver lutando contra o vento quente do Sertão.

FOTOGRAFIAS DE NATAL, 1957

Gentilmente cedidas por Rossana Ferreira


Câmara Municipal




Areia Preta



Junqueira Ayres


segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

PERGUNTEI A ALUÍSIO LACERDA


Aluísio Lacerda

Perguntei a Aluísio Lacerda:

"Quais os pontos fracos do Diário de Natal, Jornal de Hoje e Novo Jornal?"

Ele respondeu:



"O noticiário político, professor Honório.

Há pelo menos uma década entramos num “oito”, e está difícil superar. Estou acompanhando as edições diárias do jornal de Cassiano Arruda, profissional que sabe fazer (editar) jornal. Confesso que não gostei (noticiário político) da primeira edição. Parecia jornal de ontem. Compreendo o sufoco para botar o primeiro número nas bancas. Mas pouco avançou até aqui.

Há novos talentos nas redações do DN, JH e NOVO JORNAL? Sim, há.

A culpa é das fontes? Pode ser, mas é bom atentar para um detalhe: são poucos os políticos nesta terra de Poti que declaram bem, que sustentam um debate equilibrado, conseqüente, proativo.

Como estou afastado das redações há 5 anos, confesso que não sei se ainda há pauta para os repórteres políticos. E acrescento: a maioria não suporta ser pautada pelo veículo, reage ao que se convencionou chamar de “ditadura da pauta”.

Se o repórter não sair desse “oito”, insistir nas mesmas perguntas (quase fofocas), vai acontecer o seguinte: o produto dessa entrevista ou vira uma grotesca manchete de capa ou a fonte, temerosa, fornece apenas algo que não passa de uma nota de coluna. A retroalimentação do mau noticiário político pode sepultar os jornais impressos. Afinal, a mídia nunca mais será a mesma diante da velocidade da internet.

Não se deve esquecer que a informatização das redações sepultou a figura do revisor. O bom revisor, que Carlos Lacerda chamava de DBS (Departamento do Bom Senso), faz uma falta medonha à produção jornalística. O revisor não deixava passar nada, inclusive os erros de informação.

Um exemplo apenas para encurtar essa prosa: no recente episódio envolvendo o governador José Roberto Arruda, o senador José Agripino ameaçou deixar o partido. Logo os apressados abriram o verbo: “Agripino pode deixar o DEM”. Ninguém teve o cuidado de olhar a legislação eleitoral. E sem partido o senador não poderia ser candidato em 2010."

POLÍTICA


Gore Vidal

"Foi assim que mais de um terço da receita federal deste país foi gasto, ao longo de mais de uma geração, para que os congressistas que dão aos generais o que eles solicitam sejam depois reeleitos com o dinheiro que eles recebem das companhias que foram contempladas com verbas federais por generais que, quando se aposentam, vão trabalhar para essas mesma companhias" ("De Fato e de Ficção"; Gore Vidal).

SONETO XV, SHAKESPEARE


Shakespeare

Na tradução de Bárbara Heliodora:

"Quando penso que tudo o quanto cresce
Só prende a perfeição por um momento,
Que neste palco é sombra o que aparece
Velado pelo olhar do firmamento;
Que os homens, como as plantas que germinam,
Do céu têm o que os freie e o que os ajude;
Crescem pujantes e, depois, declinam,
Lembrando apenas sua plenitude.
Então a idéia dessa instável sina
Mais rica ainda te faz ao meu olhar;
Vendo o tempo, em dabate com a ruína,
Teu jovem dia em noite transmutar.
Por teu amor com tempo, então, guerreio,
E o que ele toma, a ti eu presenteio."

Na tradução de Ivo Barroso:

Quando observo que tudo quanto cresce
Desfruta a perfeição de um só momento,
Que neste palco imenso se obedece
À secreta influição do firmamento;
Quando percebe que ao homem, como à planta,
Esmaga o mesmo céu que lhe deu glória,
Que se ergue em seiva e, no ápice, aquebranta
E um dia enfim se apaga da memória:
Esse conceito da inconstante sina
Mais jovem faz-te ao meu olhar agora,
Quando o Tempo se alia com a Ruína
Para tornar em noite a tua aurora.
      E crua guerra contra o Tempo enfrento,
       Pois tudo que te toma eu te acrescento."

domingo, 6 de dezembro de 2009

ENTREVISTA COM MARCEL PROUST



Proust

Leia mais em http://www.tirodeletra.com.br/

"Nos últimos anos de sua vida, Marcel Proust se isola no seu quarto de doente. É lá que ele escreve 'Em busca do tempo perdido', cujo primeiro volume é publicado em 1913. Um ano antes, no mesmo recinto, ele concede a entre¬vista abaixo (extraída da revista Globe, nº 59, julho/agosto 1991):
 
No seu quarto, com as venezianas quase sempre fechadas, Marcel Proust está deitado. A luz elétrica acentua-lhe a palidez do rosto, mas dois olhos admiravelmente vivos e febrís reluzem sob a cabeleira desfeita, encobrindo a testa. Proust continua escravo da doença, mas já não o parece. Quando indagado sobre sua obra, se anima e fala:
 
Publico apenas o primeiro volume, Du côté de chez Swann, de um romance que terá o título geral de Em busca do tempo perdido. Eu preferiria tê-lo publicado todo de uma vez, mas já não se editam obras em vários volumes. Eu sou como alguém que tem uma tapeçaria grande demais para os aposentos atuais, sendo obrigado a cortá-la. Alguns jovens escritores que contam com a minha simpatia preconizam, ao contrário, um enredo breve e com poucos personagens. Esta não foi a minha concepção de romance. Como posso dizê-lo? Você sabe que existe uma geometria plana no espaço (tridimensional). Pois bem, para mim o romance não é somente a psicologia plana, mas a psicologia no tempo. Essa substância invisível do tempo, eu tratei de isolá-la, mas para isso era preciso que a experiência pudesse durar. Eu espero que no final do meu livro, tal fato social sem importância indique que o tempo passou e se obteve esta beleza de certos chumbos envelhecidos de Versalhes, que o tempo enriqueceu de uma textura esmerada... É como uma cidade que, durante as voltas do trem em que a atravessamos, nos aparece ora à esquerda, ora à direita, os diversos aspectos que um mesmo personagem terá assumido aos olhos de outro, a ponto de parecer uma sucessão de personagens distintos, darão (mas não apenas isso) a sensação do tempo transcorrido. Tais personagens se revelarão mais tarde bem diferentes do que eles eram no volume atual; diferentes do que se acreditará que eles iriam ser, como acontece aliás, frequentemente na vida. Não são apenas os mesmos personagens que reaparecerão ao longo dessa obra sob aspectos diversos, como em certos ciclos de Balzac, mas, num mesmo personagem, certas impres-sões profundas, quase inconscientes. Desse ponto de vista, meu livro talvez seria uma série de "romances do inconsciente": eu não teria a menor vergonha de chamá-los de "bergsonianos" se eu acreditasse nisso, pois em toda época a literatura procura ligar-se naturalmente a reboque - à filosofia reinante. Mas eu não estaria sendo preciso, pois minha obra é rasgada pela distinção entre a memória involuntária e a memória voluntária, distinção que apenas inexiste na filosofia de Bergson, como é contradita por ela.

- Como é que esta distinção se estabelece para você?

Para mim, a memória volun¬tária, que é sobretudo uma memória da inteligência e dos olhos, só nos oferece do passado momentos sem verdade; mas um odor, um sabor, reencontrados em circunstâncias dife¬rentes, revelam em nós, a despeito de nós mesmos, o passado; nós sentimos o quanto esse passado era diferente daquilo que acreditávamos nos recordar, e que nossa memória voluntária pintava, como os maus pintores, com cores sem verdade. Já nesse volume você verá o personagem que narra, que diz "eu" (e que não é quem sou), reencontrar subitamente os anos. os jardins, os entes esquecidos, no gosto de um gole de chá em que achou um pedaço de madeleine. Sem dúvida, ele se lembrava de todas essas coisas e pessoas, mas sem a cor e o charme delas: eu pude fazer-lhe dizer que, como naquele pequeno jogo japonês em que ao se mergulharem pedacinhos de papel numa vasilha, e esticá-los depois de embeti¬dos, eles se tornam flores, personagens, todas as flores de seu jardim e as ninféas de Yvone, e a boa gente do vilarejo, com suas casinhas e a igreja, e toda Combray e seus arredores, tudo que toma forma e solidez saíra, cidade e jardins, de sua xícara de chá. Veja bem, eu creio que é quase somente nas recordações involuntárias que o artista deverá buscar a matéria-prima de sua obra. Primeiro, precisamente, porque elas são involuntária, porque elas se formam de si mesmas, atraídos pela semelhança de um minuto idêntico: só elas possuem uma marca de autenticidade. Depois, elas nos relembram as coisas numa dosagem exata entre a memória e esquecimento. E, enfim, como elas nos fazem provar uma mesma sensação numa circunstância intei¬ramente outra, elas liberam-na de toda contingência, dando-nos a sua essência extratemporal aquela que é justamente o conteúdo do estilo belo, a verdade geral e necessária que somente a beleza do estilo pode traduzir. Se eu me permito raciocinar sobre meu livro, é porque ele não é em nenhum grau uma obra de raciocínio; é porque seus mínimos elementos me foram fornecidos por minha sensibilidade; porque eu os percebi inicialmente no fundo de mim mesmo, sem compreendê-los, tendo tanta dificuldade em convertê-los em alguma coisa inteligível como se eles fossem algo tão estrangeiro ao mundo da inteligência quanto, como dizer?, um motivo musical. Parece-me que você pensa tratar-se de sutilezas. Oh! não, eu lhe asseguro: são, ao contrário, realidades. Aquilo que nós não podemos esclarecer por nós mesmos, que era claro antes de nós (por exemplo, as idéias lógicas), isto não é propria-mente nosso, nós não sabemos nem mesmo se isso é real. É o "possível" que nós elegemos arbitraríamente. Aliás, você sabe, isto se vê logo de inicio no estilo. O estilo não é nunca um mero embelezamento como crêem certas pessoas, não é mesmo uma questão de técnica, é - como a cor em certos pintores - uma qualidade de visão; a revelação do universo particular que cada um de nós vê, e que os outros não vêem. O prazer que nos dá um artista é de nos fazer conhecer um universo a mais.

- Como podem, certos escritores, em tais condições, confessar que buscam não ter estilo algum?

Eles só podem fazê-lo renunciando a aprofundar suas impressões!

- Na primeira página de Du cóté de chez Swann, você escreveu a seguinte dedicatória: 'A Gaston Calmette, como testemunho de profundo e afetuoso reconhecimento'.

Eu talvez tenha dívidas mais antigas em relação a mestres a quem, aliás, eu dediquei obras escritas antes desta, mas que deverão ser editadas depois dela; antes de todos. Anatole France, que me tratou outrora quase como um filho. A Calmette eu devo a alegria que conhece o jovem que vê impresso o seu primeiro artigo. Além disso, permito-me visitar. através de meus artigos, pessoas que eu não podia então evitar, o diretor do jornal me ajudou a passar da vida de sociedade à vida de solidão...

E o gesto do doente indica o quarto sombrio, de venezianas fechadas, onde nunca entra o sol. Mas não há tristeza em seu olhar. Se para o doente há motivos para se lamentar, o escritor tem razões de sobra para orgulhar-se. O último consolou o primeiro."











SENTIMENTO


Resistência, perseverança, paciência...
hitsujikarate.wordpress.com

"-'MA', chamavam os japoneses. A capacidade de desfrutar da companhia de amigos e amados em silêncio. O talento para dominar as pausas e os períodos de silêncio que ocorrem em uma conversa, quando não se ousa dizer o que se sente verdadeiramente. Às vêzes 'MA' é mera educação. Ou uma proteção, uma fachada de calma externa e auto-controle. Pode ser chamado de ritmo, um domínio de ritmos não-expressos" ("Giri", Marc Olden).

O ATIVISMO JUDICIAL




Por Honório de Medeiros

Um dos mitos fundantes da nossa concepção de Estado é a do contrato social. Por este, nós cedemos nossa liberdade para que o Estado nos impeça de nos destruirmos uns aos outros. Tal noção, até onde sabemos, foi pela primeira vez exposta por Licofronte, discípulo de Górgias, como podemos ler na “Política”, de Aristóteles (cap. III):

De outro modo, a sociedade-Estado torna-se mera aliança, diferindo apenas na localização, e na extensão, da aliança no sentido habitual; e sob tais condições a Lei se torna um simples contrato ou, como Licofronte, o Sofista, colocou, “uma garantia mútua de direitos”, incapaz de tornar os cidadãos virtuosos e justos, algo que o Estado deve fazer.
 
E muito embora um estudioso outsider do legado grego tal qual I. F. Stone defenda que a primeira aparição da teoria do contrato social está na conversa imaginária de Sócrates com as Leis de Atenas relatada no “Críton”, de Platão, há quase um consenso acadêmico quanto à hipótese Licofronte estar correta. É o que se depreende da leitura de “Os Sofistas”, de W. K. C. Guthrie, ou da caudalosa obra de Ernest Barker.
 
Bellum omnium contra omnes, guerra de todos contra todos até a auto-aniquilação no Estado de Natureza, é o que ocorre se impera a liberdade absoluta, diz-nos Hobbes no final do Século XVI, início do Século XVII - recuperando a noção de contrato social - e não houver a criação de um artefato – o Estado –, assegurando-se, assim, a sobrevivência dos homens quando estiverem em contato uns com os outros, pois haverá a submissão da vontade de todos à vontade de um só ou de um grupo, e esta atuará em tudo quanto for necessário para a manutenção da paz comum.
 
Entretanto é com Jean Jacques Rousseau, após John Locke, que se firma o mito fundante do contrato social, influenciando diretamente a Revolução Americana e Francesa, bem como a idéia de Estado conforme a concebemos ainda hoje. Em “O Contrato Social”, Rousseau põe na vontade dos homens, da qual surge o Estado, a origem absoluta de toda a lei e todo o direito, fonte de toda a justiça. O corpo político, assim formado, tem um interesse e uma vontade comuns, a vontade geral de homens livres.
 
Quanto a esse corpo político, José López Hernández em “Historia de La Filosofía Del Derecho Clásica y Moderna”, observa que Rousseau atribui o poder legislativo ao povo, já que esse mesmo povo, existente enquanto tal por intermédio do contrato social detém a soberania e, portanto, todo o poder do Estado. As leis, inclusive a do contrato social, que emanam do povo, assim as vê Rousseau: “são atos da vontade geral, exclusivamente”; “é unicamente à lei que todos os homens devem a justiça e a liberdade”; “todos, inclusive o Estado, estão sujeitos a elas”.
 
O ideário acima exposto, no qual a lei a todos submete por que decorrente da vontade geral do povo – este, frise-se mais uma vez, surgido graças ao contrato social e detentor da soberania - pode ser encontrado em obras muito recentes, como o “Curso de Direito Constitucional”, primeira edição de 2007, do Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil Gilmar Ferreira Mendes e outros. Às páginas 37, lê-se:

Por isso, quando hoje em dia se fala em Estado de Direito, o que se está a indicar, com essa expressão, não é qualquer Estado ou qualquer ordem jurídica em que se viva sob o primado do Direito, entendido este como um sistema de normas democraticamente estabelecidas e que atendam, pelo menos, as seguintes exigências fundamentais: a) império da lei, lei como expressão da vontade geral; (...)
 
Assim como é encontrado, expressamente, enquanto cláusula pétrea, imodificável, na Constituição da República Federativa do Brasil, no parágrafo único do seu artigo 1º:

Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
 
Há algo de estranho, portanto, nessa doutrina do “ativismo judicial” que viceja célere nos tribunais do Brasil, principalmente no nosso Supremo Tribunal Federal. Entenda-se, aqui, como “ativismo judicial”, o “suposto” papel constituinte do Supremo, na sua função de reelaborar e reinterpretar continuamente a Constituição, conforme pregação sutil do Ministro Celso de Mello em entrevista ao “Estado de São Paulo”, e a atividade judicante de meramente preencher uma “possível” lacuna legal ou mudar o sentido de uma norma infraconstitucional já existente por meio de uma sentença, baseando-se em princípios difusos e indeterminados da Constituição Federal, estratégia empregada na Itália, Alemanha e pelo próprio STF. “Não é por razões ideológicas ou pressão popular. É porque a Constituição exige. Nós estamos traduzindo, até tardiamente, o espírito da Carta de 88, que deu à corte poderes mais amplos”, diz, arrogantemente, o presidente do STF Gilmar Mendes.
 
Pergunta-se: teria o judiciário legitimidade, levando-se em consideração a doutrina exposta acima, para avançar na seara do legislativo, passando por cima da soberania do povo em produzir leis através de seus representantes, seja preenchendo lacunas (criando leis), seja alterando o sentido de normas jurídicas, seja modificando, via sentença, a legislação infraconstitucional? Ainda: teria amparo legal o STF para tanto?
 
Em que se basearia, qual seria o fulcro dessa atividade de invasão da competência do legislativo ao se criar normas jurídicas através de sentenças, ou modificar o sentido de outras por meio de interpretações? Seria, como deixa transparecer o presidente do STF em suas entrevistas, por que a Constituição Federal tem um “espírito” e somente os integrantes daquela Casa, em última instância, conseguem enxergá-lo em sua essência última? Que espírito é esse? O mesmo ao qual se refere São Paulo: “a letra mata, o espírito vivifica”?
 
Autoritário, tal argumento. Sob o véu de fumaça que é a noção de que haja um “espírito constitucional” a ser apreendido (interpretado segundo técnicas hermenêuticas somente acessíveis a iniciados – os guardiões do verdadeiro e definitivo saber) está o retorno do mito platônico das formas e idéias cuja contemplação é privilégio dos Reis-Filósofos enquanto. É a astúcia da razão a serviço do Poder. Platão, esse gênio atemporal, legou aos espertos, com sua gnosiologia a serviço de uma estratégia de Poder, a eterna possibilidade de enganar os incautos lhes dizendo, das mais variadas e sofisticadas formas, ao longo da história, que somente “alguns”, os que estão no comando, podem encontrar e dizer “o espírito” da Lei, o certo e o errado, o bom e o mal, o justo e o injusto.
 
O mesmo estratagema a Igreja de Santo Agostinho, esse platônico empedernido, por séculos usou para administrar seu Poder: unicamente a ela cabia ligar a terra ao céu, e o céu à terra, por que unicamente seus príncipes sabiam e podiam interpretar corretamente o pensamento de Deus gravado na Bíblia.
 
E, assim, como no Brasil a última palavra acerca da “correta” interpretação de uma norma jurídica é do STF, e somente este pode “contemplar” e “dizer” o verdadeiro “espírito das leis”, aos moldes dos profetas bíblicos, em sua essência última, mesmo que circunstancial, estamos nós agora, além de submetidos ao autoritarismo dos pouco preparados representantes do povo, ao autoritarismo dos ativistas judiciais.












sábado, 5 de dezembro de 2009

ALUÍSIO LACERDA AVALIA OS JORNAIS DE NATAL



Aluisio Lacerda

Na "Seção Pergunta e Resposta", segunda-feira próxima, Aluisio Lacerda, jornalista e advogado, avalia os jornais da capital "Novo Jornal", "Tribuna do Norte" e "Diário de Natal".

Leia aqui.

BILHETE DE LAURENCE NÓBREGA

Meu caro mestre e amigo:




Li com atenção e interesse o seu ensaio sobre “o teatro subversivo”.



No instante em que se discute a instituição de mais uma esmola oficial, intitulada “Bolsa-cultura”, faz-se oportuna a sua observação sobre a interferência do estado na divulgação da cultura, repetindo suas palavras (....) disfarça e oculta o real e ressalta, para os incautos, uma suposta preocupação do Poder em apresentar, para o povo, uma preocupação com a cultura”. Qual tipo de cultura será vendida aos incautos? Quem lucrará com a idéia? Será que vão criar o vale-abadá, para estimular o Carnatal?



Melhor seria aplicar esses recursos na educação para que, mais instruídos, os jovens pudessem escolher o tipo de literatura e de manifestações artísticas que mais lhes aprouvessem.



Lembro-lhe alfim, que na Paris pré-revolucionária, uma das peças que mais faziam sucesso no teatro popular era “As bodas de Fígaro”, inicialmente apresentada em teatro de marionetes e, posteriormente transformada em obra suprema da ópera universal, pelo magistral Wolfgang Gottlieb Mozart, cuja morte prematura ocorreu em 05 de dezembro de 1791, há exatos 218 anos.



No mais sentimos, Kydelmir e eu, a sua ausência na noite de quarta-feira.



Um grande abraço do seu humilde discípulo.



Laurence

MISSA DE SÉTIMO DIA POR ANTÔNIO RODRIGUES DE CARVALHO

A pedido da família de Antônio Rodrigues de Carvalho a quem apresento, em meu nome, e de minha família, nossos pêsames:

"Maria Augusta (esposa), Nairma e Maranto (filhos), Joana (nora), Antonio, Lucas e Samuel (netos), convidam a todos os parentes e amigos para a Missa de 7º dia, que mandarão celebrar pela alma de Antônio Rodrigues de Carvalho (Toinho), na próxima quarta-feira, dia 09/12/2009, às 17h30min, na Capela de Santa Terezinha (Natal-RN)."

HOMEM LIVRE


Homem livre

“O ascetismo socrático não é virtude monacal, mas sim a virtude do homem destinado a mandar. Naturalmente, não tem validade para Aristipo, que não quer ser senhor nem escravo, mas simplesmente um homem livre, um homem que só deseja uma coisa: levar uma vida o mais livre e o mais agradável possível. E não acredita que esta liberdade se possa alcançar dentro de nenhuma forma de Estado, mas só a margem de toda a existência política, na vida de estrangeiro e meteco permanente, que a nada obriga" (Paidéia; Werner Jaeger).

O TEATRO SUBVERSIVO


Teatro

Por Honório de Medeiros

Fica patente que o Teatro é subversivo, o mais das vezes, é bem verdade, só e somente só quando surge das ruas e não tem qualquer ligação com o Estado. É quando ele retoma sua ligação histórica com uma tradição que talvez venha desde os gregos e seus dramas e comédias nas quais todos os aspectos da vida podiam ser abordados livremente – e era exatamente isso que o povo esperava: Aristófanes ridicularizando Sócrates em “As Nuvens”; Sófocles contrapondo, ao Estado, a insurgência contra leis injustas em “Antígona”.
Tradição que atravessa o medievo com a “Comédia da Arte”, ou seja, o teatro mambembe que a tudo e a todos ridiculariza, através da caricatura ligeira, ferina, e chega a Shakespeare, a quem Harold Bloom atribui a condição de esteio da cultura ocidental. E prossegue até hoje irrompendo marginalmente nas “performances” inesperadas de grupos quase anônimos que aparecem e desaparecem com a mesma rapidez de seus textos cáusticos e ligeiros acerca do homem e de suas idiossincrasias – o poder, o amor, a guerra...
O outro Teatro, mesmo quando de rua, é oficialesco por que patrocinado pelo Estado. E, como tal, no mínimo deve omitir-se de críticas. No máximo deve ser laudatório em uma escala sub-reptícia. Não por outra razão, o mero fato de ser uma superprodução, com a forma preponderando sobre o conteúdo, disfarça e oculta o real e ressalta, para os incautos, uma suposta preocupação do Poder em apresentar, para o povo, uma preocupação com a cultura. Então temos luzes, fogos, brilho, cores, música, tudo em escala colossal, para distrair e ocultar, divertir e esconder. “Panis et Circus”.
O outro Teatro, o subversivo, está próximo do mambembe, da revista, da arena, da cultura popular não estilizada como as cantorias, a poesia de cordel, os pastoris e a dança. Esse Teatro percorria os arrabaldes e bairros proletários da Paris pré-revolucionária, como nos conta Restif de La Bretonne em “Noites Revolucionárias” debochando, juntamente com os jornais de tiragens mínimas, feitos em gráficas clandestinas, do Poder, do Rei e, principalmente da Rainha, e promovendo, inconscientemente, a revolta popular por que mostrando, de forma insidiosa, ao que conduzia – a fome, a miséria – os excessos dos que tinham tudo em detrimento dos que nada tinham.
O Poder, que é fértil em estratagemas, de há muito compreende o potencial subversivo da cultura popular. E a encampou eviscerando-a. No mundo “fashion” do Estado espetáculo Lampião e Maria Bonita desaparecem enquanto símbolos de uma época e circunstância histórica e ressurgem como pálidos personagens de uma historiografia oficial construída para valorizar o investimento que as elites fazem para divertir a massa, atrair turistas, e movimentar recursos que hão de retornar, de uma forma ou de outra, para quem os destinou.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

MINHA SOLIDARIEDADE A CARLOS SANTOS

Lê-se hoje, em Carlos Santos (http://www.blogdocarlossantos.com.br/):

"Sexta - 04/12/2009 - 08h40
A quem se foi, ao que ficou
Dona Maura, minha mãe, morreu à madrugada de hoje.
Uma parte considerável de mim, também.
Não há muito a ser dito, nem eu teria como fazê-lo.
Passa um filme, em instantâneo, do que ficou. E ficou muito.
O que resta? Não há sobras, é o que sei.
É-me inteiro o bem-querer e um impagável débito.
Sou feliz devedor de um sentimento maior, feito de renúncia: amor.
Daqui por diante, no tempo que me for possível cumprir, a vida ganha outro contorno. Mesmo assim não estarei só, como nunca estive.
Obrigado por tudo.
Descanse em paz!"

Agora, digo eu: se minha mãe tivesse noção do que lhe cerca, se há muito não tivesse mergulhada no alheamento do Alzheimer, estaria agora misturando lágrimas e orações por sua amiga de tantos anos quanto é a idade do seu filho.






ARTE


Padre José (hábito pardo) ao fundo. Em primeiro plano, Richelieu

"Um artista nasce com certos talentos especificamente seus - mas deles faz uso dentro da tradição artística corrente. O mesmo acontece ao místico, cuja vida religiosa é constituída pela interação entre as suas aptidões espirituais inatas e a tradição dentro da qual ele pensa e trabalha" (Aldous Huxley, "A Eminência Parda").

Observação: o secretário de Richelieu era um capuchinho, Pére Joseph (Francisco Le Clerc du Tremblay) cujo hábito era pardo. Daí a expressão, que fica na história para designar alguém poderoso e que prefere as sombras!

"A SONATA A KREUTZER", TOLSTOI


Tolstoi

"Não concorda comigo? Permita-me demonstrar-lhe o que digo - começou, interrompendo-me. - O senhor me diz que as mulheres da nossa sociedade vivem com interesses diferentes daqueles das mulheres nas casas de tolerância, mas eu lhe digo que não é assim, e vou demonstrá-lo. Se as pessoas diferem quanto aos objetivos da existência, quanto ao conteúdo interior da vida, esta diferença tem que se refletir sem falta na aparência exterior também. Mas olhe para aquelas, para as infelizes e desprezadas e, depois, para as senhoras da mais alta sociedade: os mesmos trajes vistosos, os mesmos modelos, os mesmos perfumes, o mesmo desnudamentos dos braços, dos ombros, dos seios, o mesmo traseiro apertado e em posição saliente, a mesma paixão por pedrinhas, por objetos caros e brilhantes, os mesmos divertimentos, danças, músicas e canções. Assim como aquelas aplicam todos os seus recursos para atrair os homens, fazem estas também. Nenhuma diferença. Numa distinção rigorosa, deve-se apenas dizer que as prostitutas a curto prazo são geralmente desprezadas, e as prostitutas a prazo longo, respeitadas."

RAFAEL NEGREIROS, OU DE UM POEMA QUE SE PENSOU QUE FOSSE DE BORGES


Rafael Negreiros e Ivonete Paula

Por Honório de Medeiros

Alguns anos atrás eu e Franklin Jorge resolvemos lançar um jornal em Pau dos Ferros que cobrisse, para o Estado, todo o Alto Oeste. Seria ele semanal e iria para as bancas aos sábados.
Foi algo insano, mas naquela época não tínhamos noção acerca da aventura na qual nos meteríamos, e a história da “Folha do Alto Oeste” será contada, um dia, através de “perfis”, “sueltos” e “bicos-de-pena” como somente Franklin sabe fazer.
O que importa é ter sido Rafael Negreiros nosso primeiro e mais importante colaborador e, já no terceiro ou quarto número ter criado, com a iconoclastia que o caracterizava, a figura do “ombudsman” jornalístico – isso mesmo que a Folha de São Paulo viria fazer anos depois se arrogando pioneira sem saber que no Sertão do Rio Grande do Norte essa experiência já existira.
Naquele artigo Rafael desancou o jornal com tiradas tipicamente suas: ironias cortantes entremeadas por observações pertinentes e oportunas acerca do exercício do jornalismo. Artigo que ele enviou para publicação e divertiu-se com nosso possível constrangimento. Publicamos, claro, e graças a ele fizemos história.
Essa talvez tenha sido a única vez que mantive um contato mais estreito com ele, apesar de sempre tê-lo conhecido. O final da minha infância e início da adolescência – os últimos anos nos quais morei em Mossoró – foi cheio daquilo que chamávamos de “as histórias de Rafael”, casos que eram contados em todas as esquinas da província e maravilhavam a nós pela rebeldia, sem que disso tivéssemos noção.
Víamos Rafael – pelo menos eu via – como alguém que tinha coragem de tomar posições. Para mim não importava que posições fossem essas, mas, sim, o destemor com que elas eram assumidas e defendidas, além do torrencial volume de erudição que envolvia cada escrito seu.
Anos depois acompanhei, via Fernando Negreiros, seu filho caçula e amigo meu de infância, seu distanciamento da turbulência que o caracterizava. O tempo, esse domador de homens, cumprira seu papel como sempre deslealmente, por que escolhera para cúmplice anões morais com os quais Rafael se recusava a compartilhar a experiência de sorver a vida daquela forma tão sua e tão peculiar.
Era o fim de uma era de titãs. Homens símbolos. Os contemporâneos dos seus últimos dias – imberbes arrogantes e pragmáticos, desletrados e vazios – sequer sabiam, quando o conheciam, ou dele ouviam falar, com que graça esdrúxula, humor derruidor, Rafael desmontava as armadilhas da mediocridade cotidiana. E hoje, com raras e honrosas exceções, lembram-no eles por seu talento menor – o humor, a excentricidade – desconhecendo, lamentavelmente, que se a coragem de firmar opinião usando, como veículo, a iconoclastia, tivesse nome ele seria, com certeza, Rafael Negreiros.
Mas existe ainda uma outra faceta de Rafael que eu considero ímpar. É ela que me lembra um poema atribuído a Borges. Nele, em tom confessional, o autor ou a autora lamenta-se, olhando para o próprio passado e adivinhando a morte, não ter desperdiçado a vida com coisas pueris. Algo como um banho de chuva, um banho de mar, gargalhadas... Não importa caro autor ou autora, Rafael Negreiros fez isso por você.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

MORRE TOINHO DO "CAPIM", EX-PREFEITO DE MOSSORÓ



Antônio Rodrigues de Carvalho, de bigode e sem óculos

Deu em Carlos Santos (http://www.blogdocarlossantos.com.br/):

"Morre "Toinho do Capim", ex-prefeito de Mossoró.

Morreu à manhã de hoje, em Natal, o ex-prefeito (duas vezes) de Mossoró Antônio Rodrigues de Carvalho.

Teve complicações cardíacas e renais, vindo a óbito.

A notícia, inicialmente, passei logo cedinho em meu Twitter (www.twitter.com/bcarlossantos).

Adiante darei mais detalhes sobre velório, sepultamento, além de dados biográficos de "Toinho do Capim".

Ele eternizou-se no imaginário político de Mossoró, em memorável campanha municipal, quando venceu Vingt-un Rosado por apenas 98 votos em 1968.
Aguarde.

CLAUDER ARCANJO NO ICOP E LANÇANDO "LÁPIS NA VEIA"

O Instituto Cultural do Oeste Potiguar (ICOP) e a editora Sarau das Letras têm dupla atividade à próxima sexta (4).
A programação acontecerá a partir das 19h, no Sesi (Mossoró).
Haverá a posse da nova diretoria do Icop, presidida pelo escritor Clauder Arcanjo, além de lançamento do livro ‘Lápis nas veias’, do próprio dirigente.

CÂMARA FEDERAL APROVA CONGRATULAÇÕES PELA DOAÇÃO DE LIVROS DA COLEÇÃO MOSSOROENSE

Blog da Feira (www.blogdafeira.com.br):

"Iniciativa do deputado Colbert Martins


Câmara Federal aprova congratulações pela doação de livros

A Câmara dos Deputados, por iniciativa do deputado federal Colbert Martins Filho, registrou nos anais do Parlamento brasileiro uma moção de congratulações ao Blog da Feira, Fundação Vingt-Un Rosado e Prefeitura Municipal de Feira de Santana em virtude da doação de livros feita pelas duas primeiras instituições à Prefeitura feirense. “O gesto do Blog da Feira e da Fundação além de enriquecer o acervo da Biblioteca Arnold Silva serviu para estreitar os laços entre mossoroense e feirenses e de resto atestar a intensa e imensa presença da colônia potiguar em Feira de Santana”, disse o deputado ao apresentar a moção aprovada pelos deputados. A doação dos livros da Coleção Mossoroense foi feita através do jornalista Jânio Rêgo, no último dia 25 em solenidade no Salão Nobre da Prefeitura de Feira."

INSTINTOS


Instintos

"Ao longo dos anos Yoel se convenceu de que os instintos da vergonha e do orgulho eram na maioria das vezes mais fortes que outros instintos famosos dos quais os romances costumam tratar. As pessoas estão ansiosas por fascinar e encantar o próximo afim de preencher uma falha em si próprias" (Amos Oz, "Conhecer uma Mulher").

OS OUTSIDERS



Outsider

Por Honório de Medeiros

Poderíamos denominá-los outsiders lembrando-nos da tipologia criada por Norbert Elias. Talvez o conceito do sociólogo judeu-alemão não abarque os que irei estudar, mesmo tangencialmente. Não importa. Vou me apropriar do nome e utilizá-lo para o fim visado. Lógico que poderíamos denominá-los gauches, lembrando-nos de Carlos Drummond de Andrade. Aplica-se, aqui, o mesmo raciocínio anterior. Prefiro outsiders pelo significado etimológico que o Dicionário estudantil, o Michaelis, mostra: s. estranho, intruso.

Estranhos a quê? À privacidade do detentor do Poder – e de sua entourage - para quem, eventualmente trabalhe, por não confundir relação de trabalho com relação pessoal; à idéia de franquear sua intimidade ao detentor do Poder – e à sua entourage; à bajulação; à omissão no que diz respeito à discordância, se preciso for, no que diz respeito às idéias e/ou ações do detentor do Poder; à conformação própria de uma oposição branda para demarcar posições; ao jogo do Poder e ao Poder do jogo do Poder; à atitude de marcar presença física para ser visto e lembrado como alguém da corte; à subserviência; à aniquilação do respeito por si mesmo, na medida em que corpo e mente passa a ser instrumentos daqueles que os mantém.

Intrusos para o círculo íntimo do Poder embora perifericamente dele fazendo parte, momentaneamente, em virtude de sua competência técnica. Quem é intruso não tem acesso às idéias que realmente estão impulsionando o Poder. Não compreende as ações que delas decorrem, por mais inteligente que seja. Não consegue entender – às vezes até mesmo perceber – a linguagem cifrada através da qual os integrantes do círculo íntimo se manifestam. Com sua chegada se estabelece o silêncio ou o barulho dirigido. O intruso incomoda, é um obstáculo tanto mais difícil por que ele faz parte da engrenagem embora atrapalhe na medida em que não possa ser envolvido – usado - sem que perceba aquilo que realmente está por trás do processo no qual está mergulhado.

Os outsiders – todos eles – em algum momento de sua vida foram moídos por aqueles no meio dos quais conviviam. Foram mastigados, deglutidos e vomitados. Suas essências não podiam ser assimiladas pelo sistema. Não se tratou de oposição externa ao Poder. Não é irridência, sublevação, contestação explícita, revolução. Não. É incompatibilidade com o estamento ao qual até então o outsider pertencia apesar de ser outsider. Ser outsider foi sua glória e sua tragédia. Fez com que fosse trazido e depois expelido. Trazido graças a seu talento, sua competência individual – nada que se assemelhe à conseqüência de um compadrio, de um afilhadismo, de um parentesco qualquer. E expelido por que impossibilitado, graças a sua excentricidade moral, ou psicológica, ou filosófica, ou todas juntas, de acompanhar-se da carneirada e sua vocação para serem usadas pelos lobos ao custo de balangandãs, bijuterias, penduricalhos materiais ou emocionais.