Punição
Por Honório de Medeiros
Somos levados a crer na capacidade redentora, quanto à moral, da educação. E isso decorre de nossa ligação histórica com o ideário iluminista, que pregava a superação dos males inerentes à condição humana através do dom que Deus supostamente havia dado aos homens – a razão.
Esses males, não há necessidade de os nominar. Lembremo-nos, apenas, da selvageria que, ao contrário do que supunha Rousseau, ao pregar a bondade inerente do ser humano, e mais em conformidade com o “homo lupus homini” de Hobbes, espreita e assume o controle todas as vezes que a camada de verniz que nos contém é rompida, e isso acontece sempre, em todos os lugares, com todos nós.
A verdade é que somos selvagens contidos pela dor que a reação ao nosso desvario pode causar. Nesse sentido, quanto mais “civilizado” um País, ou seja, quanto mais existir lei, ela for dura e, principalmente, cumprida, maior a possibilidade de haver essa contenção que nos impede de cedermos à animalidade. Não é demais recordarmos a dualidade existente no homem apontada por Robert Louis Stevenson em “O Médico e o Monstro” para percebermos o quanto temos consciência dessa bestialidade contida a dura força.
É por essa razão que campanhas educativas como as do trânsito ou do desarmamento são fadadas ao fracasso se, enquanto contrapartida, a impunidade historicamente grassa pelo território nacional. Acaso alguém supõe que aqueles contumazes desrespeitadores das leis do trânsito, que dirigem embriagados, atravessam velozmente sinais vermelhos, deixarão de faze-lo ao verem uma propaganda educativa? Acaso alguém supõe que as pessoas violentas e educadas na impunidade deixarão de agredir suas esposas, filhos, vizinhos, quem quer que seja, com barras de ferro, facas, correntes, bastões de madeira, as próprias mãos, como conseqüência de uma campanha de desarmamento ou passeata “pela paz?”.
É sob o âmbito dessa questão que deve ser analisada a monstruosidade do crime cometido por um juiz de Sobral, Ceará, contra um inofensivo e desarmado vigilante de Supermercado. O juiz, que no mesmo dia já dera demonstração de prepotência e abuso, que era conhecido na cidade por sua arrogância e despreparo, é membro da elite brasileira e, como tal, recebeu educação aprimorada, fez concurso público, e foi guindado a um cargo público respeitável, dentro da estrutura do Estado brasileiro.
Não adiantou. Irracionalmente convencido de sua impunidade, agiu como um animal ensandecido que tivesse tido seu domínio territorial ameaçado por um inimigo feroz. Assim agiam, e agem, aqueles que somente vêem o mundo através da ótica da força bruta: os líderes traficantes, mafiosos, assaltantes, terroristas, anônimos torturadores, violadores ineventuais dos direitos humanos básicos do cidadão.
Esse ato do juiz seria uma exceção? Não. Nós é que fazemos de conta que sim, por que nos acovardamos. Mas cada um de nós sabe por que viveu diretamente ou através de parentes e amigos um gesto de opressão de algum medíocre detentor de uma parcela de poder. Autoritários, prepotentes, arrogantes, desumanos, na justa medida da impunidade, nunca da falta de educação que lhes foi dada de alguma forma, ao longo de sua vida, mas insuficiente, sem o temor da revanche do Estado, para manter sob controle sua bestialidade.