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quinta-feira, 6 de novembro de 2025

I. F. STONE, UM D. QUIXOTE QUE DEU CERTO

I.F.Stone


 * Honório de Medeiros


I. F. Stone, “Izzy”, tinha 45 anos quando deu o passo mais arriscado de sua vida, contou-nos Sérgio Augusto em Uma Pedra no Caminhos dos Poderosos, apresentação da obra O Julgamento de Sócrates.

Escrita aos 77 anos pelo ícone do jornalismo depois de aposentado e após uma jornada intelectual que o levou, na investigação acerca da liberdade de pensamento, a pesquisar as duas grandes revoluções inglesas do século XVII, a Reforma Protestante, os pensadores ousados da Idade Média, a redescoberta de Aristóteles, a Atenas da Antiguidade, e aprender o Grego Antigo.

Em 1952, Stone viu-se desempregado após trabalhar em vários jornais do eixo Nova Jersey – Filadélfia – Nova York, inclusive o Daily Compass e o New York Post, depois de ter granjeado fama nos Estados Unidos e Europa de "mucraking", jornalista especializado em revolver casos de corrupção e abuso de autoridade, trabalhando às margens das redações e desconfiando que qualquer governo tudo faz para esconder verdades incômodas.

Com a indenização do Daily Compass criou uma newsletter sem nada semelhante na imprensa do mundo.

Conta-nos Sérgio Augusto:

Dispondo da lista de assinantes de três publicações para as quais havia trabalhado, assegurou de saída 5.300 leitores. O primeiro número do I. F. Stone’s Weekly chegou aos seus assinantes no dia 17 de janeiro de 1953. Pouco antes de virar quinzenal, em 1968, o alternativo mais bem informado do planeta ultrapassou a barreira dos 40 mil leitores.

Qual não teria sido a influência de Izzy hoje, em tempos de aldeia global!

“Os primeiros anos foram solitários”, Stone recordaria na última edição do jornal, em dezembro de 1971. “Meus leitores me sustentaram” – dentre eles Bertrand Russel, Albert Einstein e Eleanor Roosevelt.

O I. F. Stone’s Weekly fechou porque Izzy não tinha mais forças, vitimado por uma angina de peito.

Seu artigo de despedida foi comovente:

Tenho podido viver de acordo com minhas convicções. Politicamente, acredito que não pode existir uma sociedade decente sem liberdade de crítica: a grande tarefa do nosso tempo é uma síntese de socialismo e liberdade. Filosoficamente, creio que a vida do homem se reduz, em última análise, a uma fé – cujos fundamentos estão além de qualquer prova – e que esta fé é uma questão estética, um sentimento de harmonia e beleza. Acho que todo homem é o verdadeiro Pigmalião de si próprio. E em recriando a si próprio, bem ou mal ele recria a raça humana e o futuro.

O Julgamento de Sócrates tornou-se uma obra de referência, apesar do nariz torcido de alguns membros da comunidade acadêmica.

Stone fez com Sócrates o que Karl Raymund Popper fez com Platão em A Sociedade Aberta e seus Inimigos: demoliu sua imagem oficial. 

Ao longo das páginas do seu ensaio esmaece o Sócrates “santificado” por Platão e Xenofonte a partir de um julgamento que o condenou à morte, e daquelas pinturas literárias ocultas pela poeira do tempo, surge, aos poucos, pelas suas mãos, um legado: eles tratavam a democracia com condescendência ou desprezo.

Como disse o próprio Stone:

Nas Memoráveis, Sócrates afirma que seu princípio básico de governo é que cabe ao governante dar ordens e cabe aos governados obedecer. O que exigia não era o consentimento dos governados, mas sua submissão. Trata-se, certamente, de um princípio autoritário, rejeitado pela maioria dos gregos, e em particular pelos atenienses.

Em um governo assim, não há espaço para a liberdade de expressão. Esta questão é o fio condutor da obra: Sócrates não quis calcar sua defesa no conceito de liberdade de expressão, tão caro aos gregos do seu tempo – está em Ésquilo, Sófocles, e, principalmente em Eurípedes, para não comprometer seu visceral e antigo desdém com a democracia, escolhendo conscientemente a imortalidade que seu martírio iria originar.

Stone: “Xenofonte afirma que Sócrates queria ser condenado, e fez o que pode no sentido de hostilizar o júri”.

Quando faleceu, em junho de 1989, I. F. Stone, “Izzy”, era uma lenda viva. Mesmo assim continuava sarcástico: “Não consigo me acostumar com o lado dos vencedores”.

Seu radicalismo, seu espírito "outsider" ainda inspiram muitos. Sua postura firme contra a intolerância o torna um ícone para os libertários de todos os credos. E sua história de vida o credencia a tornar-se um exemplo a ser usado pelos que ainda acreditam na espécie humana.


honoriodemedeiros@gmail.com
@honoriodemedeiros