sábado, 9 de janeiro de 2021

CRÔNICA: O FIM DO MUNDO ESTÁ PRÓXIMO

 

Crédito: Getty Images/iStockphoto - Direitos autorais: Steven Wynn

*Honório de Medeiros (honoriodemedeiro@gmail.com)

Seu Geraldo, ontem, me vaticinou que o fim do mundo está próximo. 

Bebíamos uma água de coco, eu e a comadre, depois da caminhada, quando puxei assunto. Eu queria uma informação, mas achei melhor não ir direto ao ponto. 

Perguntei-lhe como estavam as vendas, e ele me garantiu que estavam boas. 

"É melhor coco do que pipoca?". 

"Aqui". "Lá no colégio, não". "Vender pipoca é muito melhor". "Botei meu menino lá". 

Baixo, cabelos finos ralos e desgrenhados, rosto marcado por queimaduras de pele, nem gordo, nem magro, um certo olhar de fanático, intenso, mas às vezes ausente, como se estivesse falando para si mesmo, me garantiu que tinha criado seus cinco filhos vendendo pipoca. 

"Comprei até um sítiozinho." 

"Tem gado?" 

"Não, só uma garrota, mas lá tem água de um olheiro, tem água salgada, e água da Caern." 

"Muito bom." "E casa, tem?" 

"É, eu fiz uma casinha lá, às vezes vou dormir depois do almoço e tenho que vestir uma camisa. Faz frio." "Terra boa, dá macaxeira, mandioca, fruta muita!" 

Enquanto ele falava, observei que fizera o transporte de seus apetrechos de venda, que incluíam dois caixotes grandes de isopor postados em cima de tamboretes, duas cadeiras de plástico para os fregueses, e uma espécie de caixa alta, de compensado, vazada para o lado, no qual ficavam, em tabiques divisórios internos, moedas, panos, facas para descascar ou rachar os cocos, e outras trapizongas, de um lado da calçada para o outro. 

Por que fizera isso? Não quis lhe perguntar, mas creio que estacionando seu velho jipe, que ficava parado bem para dentro da rua mesmo em frente ao ponto onde antes comerciava, enquanto ocupava o outro lado com sua venda, impedia que surgisse algum concorrente. Com essa manobra, tornara-se dono único dos espaços disponíveis. 

Inteligente, Seu Geraldo. 

"Mas você não tem medo da insegurança?" 

O olhar de fanático se acentuou. E se desviou de mim, fixando-se em algum ponto invisível além do meu lado direito. 

"Deus é por mim". "É só não mostrar que você tem as coisas." "Tá vendo esse carro velho? Já andei com bastante dinheiro nele, para cima e para baixo, em tudo que é canto, e nunca ninguém nem olhou". 

"Lá no sítio, é do mesmo jeito". "Daqui a uns seis meses eu vou de vez pra lá." "Aproveitar o que me resta da vida". 

"Você ainda está novo, vai viver muito". 

"O senhor não entendeu. Tudo isso está muito perto de acabar." 

"O mundo?" 

"É". "Só não vê, quem não quer." 

Não ousei lhe perguntar como isso ia acontecer. E ele se calou, o olhar fixo no nada... 

Eu até me esqueci de colher a informação que me interessava: tinha olhado para cima e para baixo e não conseguia atinar onde ele fazia xixi, quando a vontade apertava. Os hotéis ficavam longe, a praia também, não havia mato por perto, o posto policial estava permanentemente fechado, e, ainda por cima, ele não tinha com quem deixar seus apetrechos enquanto satisfazia suas necessidades. 

A não ser que.

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