Espanhóis se
unem em legenda de atuação anônima pela Internet*
- Grupo criou partido político que quer
construir democraria sem intermediários, pela própria rede.
- Priscila Guilayn
Madri - Do outro
lado da linha, uma pessoa sem nome, que trabalha em um grupo heterogêneo de 90
voluntários de 19 a 86 anos. Todos anônimos. Criaram um partido político, o
Partido X (Partido do Futuro), sem sede física, que pretende construir uma
democracia direta, sem intermediários, através da internet. Chegou com força e
seu servidor entrou em pane, pois recebia 600 mensagens por segundo. No
primeiro dia, atraiu 13 mil seguidores no Twitter, 7 mil no Facebook e 100 mil
visitas no YouTube. Querem ganhar, dizem, tudo — referendos vinculantes,
iniciativas legislativas populares etc —, com um wikigoverno, e colocar em
xeque-mate todos os mandatários que conduzem a Espanha de costas para a
sociedade.
— Existe uma crise
que não foi criada pela cidadania. A sociedade está pagando por ela, e o que
queremos é que os especuladores e políticos que a causaram paguem pelo que
fizeram — conta, por telefone, a anônima porta-voz.
Suas metas imediatas
são duas: soberania cidadã, para influenciar as ações do governo e a saída
urgente da crise econômica, que assola o país com um índice de 26% de
desemprego. Não são de esquerda, de direita, nem de centro, diz a porta-voz.
Tampouco se definem como republicanos ou monarquistas, parlamentaristas ou
presidencialistas.
— Não nos
perguntamos sobre nossas ideologias. Este não é um espaço de discussão. É uma
ferramenta de trabalho para a sociedade civil mudar o sistema político.
Queremos fazer a máquina funcionar e não discutir constantemente sobre ela. A
discussão deve existir, mas em outros âmbitos. Queremos ser o catalisador desta
energia de mudança, que já existe, e ajudar para que tudo mude o mais rápido
possível.
O Partido X começou
a ser gerado há um ano e meio, em plena efervescência do Movimento 15-M, que
surgiu com acampamentos, nas principais praças do país, e passeatas como mostra
de indignação contra o atual sistema político-econômico. O 15-M continuou vivo
em assembleias de bairros, tomando um papel ativo, por exemplo, contra os
despejos e a atual lei hipotecária.
FUNDADORA
APOSENTADA
Os indignados foram
acolhidos pela sociedade espanhola — cerca de 70% os apoiavam —, mas
despertaram críticas praticamente unânimes: abordavam uma infinidade de questões
de maneira prolixa e difusa. O Partido X é o oposto: pretende enfrentar um
problema de cada vez e só passará ao segundo, quando o primeiro for
solucionado. E deixa claro: nasceu do 15-M, mas não é o partido do 15-M.
— O Movimento 15-M
é um momento histórico na Espanha. Deve ser identificado como uma época. É como
dizer Revolução Francesa ou Revolução Industrial. A ideia surgiu neste período
histórico, mas não como extensão dele. Alguns de nós do Partido X participaram
do 15-M desde o princípio, outros nunca foram sequer a uma manifestação. O 15-M
não quer ser representado, não quer um partido politico. Quem disser que
representa o 15-M é um usurpador — afirma.
A falta de
hierarquia do 15-M, que também evitava nomes e líderes, se repete neste
inovador experimento político, que se registrou como partido em dezembro. A
legislação espanhola não exige um número mínimo de afiliados, mas o partido
deve ser registrado por um cidadão espanhol. Aí entra Greer Margaret Thurlow
Sanders, a “presidente honorária aposentada”, que não participa do partido, e
sobre a qual, afirma a porta-voz, não podem dar nenhuma informação, sequer
sobre sua procedência, já que seu nome deixa claro que não é de origem
espanhola. A ausência de nomes ou de informação não deve ser interpretada como
falta de transparência, afirma a porta-voz.
— Não pedimos nem
voto nem confiança. A desconfiança neste momento é positiva porque queremos
despertar a consciência cidadã e romper com a mentalidade do abandono da
atividade política nas mãos de pessoas determinadas. Queremos os cidadãos
vigilantes, atentos, colaborando com um trabalho que deve ser de toda a
sociedade.
O grupo anônimo de
cientistas, professores, artistas, advogados, especialistas em novas tecnologia
e em diversas áreas, avós, donas de casa, estudantes e desempregados que formam
o Partido X, não pretende concorrer por enquanto, nas eleições. Não querem
tentar obter uma pequena representação parlamentar e ir, pouco a pouco,
conquistando mais votos. Vão esperar um “clamor grande”. Quando chegar o
momento de organizar listas eleitorais, haverá rostos, nomes e sobrenomes. Por
ora, o grupo de 90 integrantes é fechado. Não querem afiliados. Militantes, de
fato, em um ciberpartido não têm sentido. O que precisam é de seguidores, com
alto grau de compromisso e poder de mobilização nas redes sociais.
— O Partido X é uma
das primeiras manifestações, no mundo, de ciberpolítica. Nossas instituições
são do século XIX e têm que mudar. O Partido X é uma manifestação prática
disso. Não há como saber se terão sucesso ou não. O sistema político espanhol
está corrompido até a raiz, e o sentimento de impotência da cidadania é muito
forte. Mas o que se pode fazer? Na política tradicional, calar-se ou
manifestar-se pela rua, esperando que cheguem as próximas eleições. Mas em um
novo contexto, como o da ciberpolítica, pode haver outras saídas — diz o
analista político da Universidade Nacional a Distância Ramón Cotarelo.
PROGRAMA DE GOVERNO
Por enquanto, o
Partido X trabalha na elaboração do seu programa intitulado “Democracia e
ponto”, que ficará pronto em março. Usam o método de participação sequenciada,
ou seja, um problema de cada vez, para o qual especialistas em diferentes
matérias apresentarão soluções, enquanto os demais membros do partido que não
conhecem profundamente o assunto, observarão, aprenderão e fiscalizarão para
que o objetivo não seja desvirtuado.
— Imaginamos um
governo assim: com pessoas especialistas nas diferentes matérias e com a
vigilância dos cidadãos, para que não se distanciem dos objetivos por
interesses pessoais — explica a anônima porta-voz.
* http://oglobo.globo.com/mundo/espanhois-se-unem-em-legenda-de-atuacao-anonima-pela-internet
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