sábado, 23 de julho de 2011

DE FALSOS SABICHÕES



Honório de Medeiros


                                 O brasileiro é folgado, sabemos.  Põe-se a pontificar acerca de qualquer assunto que lhe caia nas mãos. Não todos brasileiros, evidentemente. Alguns ficam chocados com essa atitude “chopp-com-batata-fritas”, essa persistência na superficialidade.

 Como um conhecido meu que observava, aturdido, em uma roda de bebidas, uma discussão travada a respeito de um assunto de natureza jurídica. Questão complexa, de Direito Constitucional. O bate-boca esquentava e esfriava e ele não entendia por que não lhe perguntavam como resolvê-la. Nada mais óbvio, tratava-se de um professor da disciplina.

                             No Brasil, com as exceções de praxe, ninguém quer ser tomado por ignorante, mesmo que o seja.  Evidente que há as exceções: alguns chegam até a se orgulhar de jamais ter lido nada, mas essa é a alternativa que lhe sobra para chamar o holofote para si.

Todos sabem tudo. E falam acerca de qualquer assunto com tal ar pontifical que deixaria um transeunte menos avisado perplexo com tamanha sabedoria.

Mecânica quântica? Controle difuso de constitucionalidade? O efeito do príon na interrupção do processo sináptico no Mal de Alzheimer? Favas contadas! Cada um dos integrantes da roda é capaz de falar horas acerca do assunto.

                             É bem verdade que esse mal acomete com mais profundidade bacharéis em Direito, políticos e jornalistas. Não os publicitários – o problema deles é outro, é acreditarem que são inteligentes.

 Tanto uns quanto outros, insignes leitores de capas de livros, desenvolvem, ao longo do tempo, uma rara capacidade de discorrer tudo acerca de nada. Uma palavra aqui, outra acolá, ambíguas, de conteúdo indeterminado, engatadas vagamente através de silogismos de pé quebrado, e eis o discurso pronto. 

E não adianta a contestação. Ela não é bem vinda. Pode até levar o contestador ao isolamento sob a pecha de chatice. O máximo que se pode fazer, e o que todo mundo faz, é manter fixo o olhar sobre o pontificador enquanto a mente divaga.

                             Evidente que esse discurso é secundado por uma perfomance corporal. E por testemunhos de ausentes em espírito. Leitor de capa de livro exige platéia. Quer ser o centro das atenções. Quer o holofote totalmente voltado para si. E assume, ao falar, os trejeitos próprios, naquilo que eles têm de caricaturesco, dos grandes mestres. E tome citação.

Pegam uma frase de Shakespeare, colhida no “Dicionário de Citações”, tirada do seu contexto, e vão embora com ela enfadar os outros. Alguns não sabem, sequer, o título do drama ou comédia de onde a frase foi pinçada.

                             Assim foi que certa vez um amigo meu conhecido por seu sarcasmo se aproximou de uma roda de Bacharéis quando um pontificador desses da vida citava Lênin – ora vejam só, Lênin – e uma sua obra denominada “Teses de Abril”.

 Meu amigo interrompeu: “você leu?” “Claro!”, respondeu o sabichão. “Naquela edição volumosa, de quase quinhentas páginas, traduzida do alemão?”, tornou a perguntar. “Exatamente ela.” “Bem que eu desconfiava”, disse, e se afastou com um sorriso irônico.

Para quem percebeu o sorriso e lhe procurou depois ele explicou: “nosso colega deve ter se enganado; o livro é fino, não fica em pé, e a tradução é do francês”.

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