quinta-feira, 2 de junho de 2011

"DEMIAN", POR HERMAN HESSE

Caim e Abel
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Honório de Medeiros


                   Aqueles que são de minha geração e gostam de ler, conhecem a obra de Herman Hesse, principalmente “Sidarta”, no qual ele romanceia a vida de Gautama Buda.

 Quem, no entanto, se deixou verdadeiramente fascinar pelos livros do escritor - e foram muitos na década de 60/70 -, leu praticamente tudo que foi traduzido para o português: “O Lobo da Estepe”; “O Jogo das Contas de Vidro”; “Demian”; “Gertrud”; “Pequenas Histórias”; “Narciso e Goldmund”...

                   Dentre eles é possível que “Demian” seja considerada um livro menor. Na verdade, a crítica faz loas a “O Jogo das Contas de Vidro” e, em menor escala, a “O Lobo da Estepe”, embora o mais conhecido seja, sem qualquer sombra de dúvida, “Sidarta”.

 Em “Demian”, Hesse nos apresenta a um adolescente que fascina um seu colega de escola – o relator da história – principalmente graças a sua mãe, mulher bela e misteriosa, e de sua iniciação em uma seita religiosa denominada “Cainismo”.

                    O que seria esse “Cainismo”? Quando essa questão aparece na convivência entre “Demian” e seu interlocutor aquele lhe apresenta, como ponto-de-partida para o conhecimento do Cainismo, uma longa relação de personagens condenados pela história oficial: é o caso de Caim, o irmão de Abel, cujo nome batiza a seita; é o caso de Eva; é o caso de Judas Iscariotes.

 Vale ressaltar que o “Cainismo” foi resgatado da total obscuridade, no século XIX, por Lord Byron, mas hoje voltou a mergulhar, até onde se sabe – é bom frisar -, nos subterrâneos profundos do Père Lachaise, e é possível que somente exista, enquanto referência histórica, em obras emboloradas de historiadores praticamente desconhecidos, a grande maioria compondo, também, o “Cemitério das Obras Esquecidas” que, até onde se sabe, fica em Barcelona.

                   A pergunta que “Demian” faz a seu interlocutor durante todo o transcorrer da trama é se haveria Abel sem Caim; o Homem, sem Eva; Jesus, sem Judas. Evidentemente, a pergunta implícita e fundamental por trás de sua doutrinação é se haveria Luz sem Trevas; se haveria o Ser, sem o Nada. O que nos remete, cada vez mais longe no tempo, até o Maniqueísmo do qual foi seguidor, por um bom tempo, ninguém mais, ninguém menos, que Santo Agostinho.

                   E que não se livrou de sua doutrinação inicial: que é a Civitas Dei senão a contraposição à Civitas Terrena, Deus versus Demônio? Luz versus Trevas?

                   Não seria essa percepção dualística da realidade o cerne do Catarismo, professado pelos Perfeitos, que a Inquisição, no Século XIII, varreu da face da França mandando matar todos naquela que seria a Primeira Cruzada e que foi liderada por ninguém menos que São Luis?

                   Questões como essa suscitaram ecos sólidos durante os famosos e psicodélicos anos 60/70, quando se questionava o modelo de vida que a sociedade materialista ocidental impunha a seus integrantes e ao resto do globo.

Havia o fascínio pelo Oriente e seu estilo de vida, enquanto contraponto ao capitalismo, mas não aceitava o marxismo. Desse fascínio e suas conseqüências somos todos herdeiros, de uma forma ou de outra, principalmente daquilo que seus maiores representantes, os “hippies”, nos deixaram de legado, e não foi somente sexo, música e drogas.

                   Ainda hoje há, em alguns espaços diminutos, uma preocupação esotérica com a vida que parece muito distante do feijão-com-arroz cotidiano da luta pela sobrevivência: discutem-se óvnis, vida após a morte, holística, e assim por diante.

Mas também há espaços diminutos que resultam de preocupações que têm raízes solidamente firmadas no concreto, no real, e que são voltadas para a compreensão, por exemplo, dos efeitos da existência da antimatéria.

Tal questão poderia ser, em uma perspectiva descrita por Hesse, nada mais, nada menos, que o dualístico embate entre Luz e Trevas, para o qual o “Cainismo” foi, antes de tudo, em linguagem cifrada, uma descrição da realidade.

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