quarta-feira, 4 de novembro de 2009

SÃO PAULO, RUA SÃO JOÃO COM A IPIRANGA

“Para se conhecer uma cidade, é necessário viver nela três dias ou trinta anos. Ao final dos trinta anos, verifica-se que o julgamento apos os três dias é que é o bom” (JEAN COCTEAU, Citado em “A biblioteca e seus Habitantes, de AMÉRICO DE OLIVEIRA COSTA).

À noite, todos os nuances da escuridão são ameaças, no centro de São Paulo. Os passos de quem lá aporta, por esse ou aquele motivo, desenham incompreensíveis percursos aos olhos de quem os observa. Mas não é embriaguez (ou é); não é o resultado de alguma droga (ou é). É a distância calculada que se toma de qualquer outro transeunte - esse desconhecido, o perigo.

Os bares da São João. Pequenos. Quase todos lotados apenas de homens. O cheiro de fritura no ar.

Os habitantes: bêbados, drogados, prostitutas, traficantes, decaídos, mendigos, travestis, menores, andarilhos, e a polícia, sempre a polícia...

Os hotéis e sua aparência. Qual aparência?

No meio da rua, noite alta, o adolescente franzino, entre muitos outros, de cabelos lisos e compridos incessantemente afastados dos olhos, vestido com uma irreal calça “jeans” extremamente folgada, cujos bolsos dianteiros e traseiros batiam-lhe nos joelhos, revoluteava, borbolético, entre um bar e uma casa de diversão de jogos eletrônicos. No dia seguinte, pela manhã, e já tarde da noite, novamente, lá estava ele, ininterrupto, como se ali fosse seu mundo ou então fizesse ele parte da paisagem local. Onde moraria? Quem seriam seus pais? Teria irmãos? Ninguém sequer aprisionava-lhe o olhar...

“Recanto dos Amantes”. Um nome em contraste com a cinza selva de pedra em plena transversal da São João. Ela me disse, olhando para algum ponto indefinido, enquanto segura o copo de conhaque: “talvez não nos vejamos nunca mais”. Havia melancolia nas suas palavras. Eu me dispus a lhe contar como encarava esses desencontros da vida: um imenso pátio, vazio, folhas secas pelo chão, uma rajada de vento, a dança delas no ar, o encontro, logo desfeito, casual entre uma e outra - eis como tudo ocorria. Não o fiz. Como ela engordara muito, esse tom não combinava com sua nova estampa.

A São João, à noite, causa medo aos que não lhe são íntimos. Além de curiosidade e repulsa durante o dia. Quando o sol se põe ela vira uma selva, onde cada um com o qual se cruza pode ser um predador - aquele que o destino lhe reservou. São os freqüentadores de bares suspeitos, inferninhos, prostíbulos disfarçados, pontos de droga... É o submundo vindo a tona.

Com a luz do sol, a vida surge frenética. Há um vai-e-vem intermitente, irritante. Uma profusão de cores e barulho e os incontáveis odores de frituras e churrascos infestam cada espaço da rua. Tipos exóticos fazem “performances”. Há desde o comuníssimo tocador de viola, até o singular dançarino imensamente feio que ostenta, como insígnia de sua estranheza, duas inacreditáveis marias-chiquinhas.

Nada diferente, ao que consta da realidade de toda grande cidade, mundo afora: Nova Iorque, Tóquio, Cidade do México... Nada diferente, em menor escala, em cada pequena cidade?









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