terça-feira, 27 de junho de 2023

A SOLIDÃO QUE NOS DEFINE

 

Imagem: Honório de Medeiros
Castelo Brennand, Recife (PE), março de 2021

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)

No final das contas essa entrega às redes sociais é mais uma declaração pungente da solidão que nos define. Somos, em essência, solitários. Incapazes de estabelecermos pontes pontes entre nós, conseguimos dialogar virtualmente sem olhar nos olhos do nosso interlocutor, enquanto um biombo imaginário nos protege do olhar do outro. Assim, perdemos a possibilidade de sermos ternos, cúmplices, amorosos, partícipes de um projeto comum que resgate o imenso abismo que separa cada um de nós, desde que nascemos.

segunda-feira, 26 de junho de 2023

VERDADE OBJETIVA

 

Imagem: Honório de Medeiros


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


De qualquer forma, somos perdedores. Em um mundo no qual o princípio basilar da razão, o da verdade objetiva, desmorona lentamente, substituído pelo relativismo das narrativas subjetivas, somente o permanente confronto, até mesmo físico, nele encontra guarida. Onde tudo pode ser, nada é; onde nada é, tudo pode ser. Se fôssemos minimamente sensato, aproveitaríamos o que nos aproxima e deixaríamos de lado o que nos afasta. Este é o ponto-de-partida para evitarmos o caos, a fragmentação, a insanidade.

domingo, 25 de junho de 2023

GUSTAVO SOBRAL

Gustavo Sobral


* Honório de Medeiros 


Gustavo Sobral é surpreendente.

Enquanto escritor, e ainda bastante jovem, em pouco tempo deixou relevante marca, em áreas distintas, na escrita norte-rio-grandense.

Ensaísta, é o autor de Rodolfo Garcia; Autores Locais; Oswaldo Lamartine, a Biografia de uma Obra; Berilo Wanderley, o Cronista da Cidade. Historiador, lançou Governo do Rio Grande do Norte (1935-2018), em parceria com Honório de Medeiros e André F. P. Furtado e participação de vários escritores potiguares; História da Cidade do Natal; Memórias do Jornalismo no Rio Grande do Norte; As Memórias Alheias; Augusto Severo Neto, Obras Inéditas; e Arquitetura Moderna Potiguar. Cronista, legou-nos Cenas Natalenses; Cinco Cronistas da Cidade (publicação, preparação dos originais, seleção, organização, e posfácio); e Petrópolis. Na literatura infantil, escreveu e publicou, dentre vários outros, Luisa e a Flor em um Convite para o Chá; Naty e a Natureza; Eva e Bóris.

A par de tudo isso, editou, ilustrou, prefaciou, pesquisou e reuniu acervos históricos e literários quase desaparecidos, muito importantes. Para tanto, viajou, pesquisou e estudou. Recuperou, assim, do limbo, escritores e personagens da história submersos no pó do tempo. E, ainda, organizou revistas, catálogos e textos de ciclos de palestras. 

Alguns dos livros exclusivamente seus são obras de referência, sempre consultados, como Oswaldo Lamartine, a Biografia de uma Obra; Rodolfo Garcia; e Memórias do Jornalismo no Rio Grande do Norte. Há diversos, claro.

Um outro, o Governo do Rio Grande do Norte (1935-2018), nele participou, também, com sua apresentação:

"Em 1939, o historiador Luís da Câmara Cascudo apareceu com “Governo do Rio Grande do Norte”, reunindo a história e a trajetória dos governantes que andaram por aqui de 1597 até 1935. O tempo foi passando e ficou uma lacuna a ser preenchida com os que vieram depois.

Foi esta a deixa que levou André Felipe Pignataro, Gustavo Sobral e Honório de Medeiros, em 2018, a reunir uma plêiade de pesquisadores e escritores, dentre eles, historiadores, juristas, jornalistas, professores, e continuar até os dias de hoje.

O resultado vem a público em e-book, apresentando a trajetória dos governantes do Rio Grande do Norte de 1935 a 2018. O livro traz, a princípio, uma listagem organizada por ordem cronológica, contemplando cada um dos governos, a que se segue os perfis dos 25 governos que administraram o Estado neste período.

Autores: Adilson Gurgel de Castro; André Felipe Pignataro; Carlos Roberto de Miranda Gomes; David de Medeiros Leite; François Silvestre; Honório de Medeiros; Gustavo Sobral; Isaura Rosado; José Antônio Spinelli; Ludimilla Carvalho Serafim de Oliveira; Maria do Nascimento Bezerra; Ramon Ribeiro; Ricardo Sobral; Roberto Homem de Siqueira; Saul Estevam Fernandes; Sérgio Trindade; Tarcísio Gurgel; Thiago Freire Costa de Melo; Vicente Serejo; Walclei de Araújo Azevedo".

Como se percebe, um conjunto respeitável de escritores potiguares participou do livro.

Dono de um estilo peculiar, Sobral está em sua plenitude no Oswaldo Lamartine, um livro para quem gosta de ler, correr os olhos por um texto muito bem escrito, cuja forma é uma obra de arte e o conteúdo, muito relevante.

Logo no início do livro, dizendo a respeito da opção temática do seu biografado, observa que para a escrita do livro,

"Oswaldo Lamartine de Faria tratou de pesquisar, erigir e revelar, série de estudos cujos olhos estão voltados para, dentre os sertões que há, o Seridó, cravado no Rio Grande do Norte por fazendas de gado e algodão, serras e açudes. Oswaldo tratou de construí-lo por mais de cinquenta anos, entalhando-o em suas pesquisas publicadas em jornais, revistas, plaquetes e livros. Proposta que o filia a tradição brasileira dos que se debruçaram sobre o tema1. A opção de Oswaldo se volta para explorar caça, criação de abelhas, construção de açudes, ferros, aspectos do criatório".

Em “Nota de Rodapé”, acrescenta:

"Do primeiro romance temático escrito por José Alencar aos sertões de Euclides da Cunha, José Américo de Almeida, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Guimarães Rosa, Ariano Suassuna e tantos outros. Na literatura do Rio Grande do Norte, abarca o contista Afonso Bezerra, o poeta Othoniel Menezes e o romancista José Bezerra Gomes. A opção de Oswaldo filia-se a uma tradição de estudos sertanejos no Rio Grande do Norte aos escritos de Manoel Dantas, Eloy de Souza, Felipe Guerra, Juvenal Lamartine e José Augusto Bezerra de Medeiros, todos eles em que o embate é não ficcional, e sim revelado nas suas riquezas e agruras, denunciado como fez Euclides da Cunha. 12 Oswaldo assim se firma no papel de etnógrafo e pesquisador do que ele chamaria depois de “o sertão de nunca-mais”.

Outro exemplo notável, é a qualidade do Memórias do Jornalismo no Rio Grande do Norte, assim como do pequeno ensaio Rodolfo Garcia, sem desdouro dos demais.

Não menos interessante, muito antes pelo contrário, é sua larga contribuição na literatura infantil, que vai além dos títulos citados neste texto.

Tudo isso, sem que se mencionasse, com detalhes, sua contribuição intelectual não somente em jornais, mas também em revistas como a Galo, assim como as da Academia Norte-rio-grandense de Letras, e a do Instituto Histórico do Rio Grande do Norte, dentre várias.

Não por outra razão, aos poucos, mas com consistência de sua parte e respeito dos que o leem, seja como escritor, jornalista, historiador, ou editor, sem esquecer a qualidade dos desenhos de sua autoria com os quais ilustra seus textos, Gustavo Sobral firma seu nome dentre aqueles cuja produção intelectual, no Rio Grande do Norte, adquire significativa relevância.

sexta-feira, 23 de junho de 2023

CREDO POLÍTICO

 

Imagem: Bárbara Lima

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)

Não tenho ideologia. Não ter uma ideologia não significa ter uma ideologia. Isso é lenda. Na verdade, é uma balela. Nem tenho credo político. Tampouco simpatia partidária ostensiva. Sigo, entretanto, firmemente, um princípio: sou contra o Poder Político, do qual emana o Estado, essa besta-fera. Há Poder Político? Sou contra. Melhor: sou contra quem detenha qualquer Poder Político, assim não fico no abstrato. Quem tem qualquer Poder Político precisa ser vigiado, controlado, pois é sempre uma ameaça. Claro que é impossível vivermos sem qualquer Poder Político. Claro que é impossível viver sem fazermos alianças para que seu principal adversário, a liberdade, avance. Faço-as, constrangido, mas faço. E, nesse percurso, nessa luta, analiso ponto-a-ponto cada questão que me é colocado pelas circunstâncias, inclusive o caráter daqueles que almejam o Poder Político: mentem?, têm caráter? seguem princípios claros e não se vendem? são corruptos? Se sim, estou fora. Antes de ser política, a questão, ela é moral. Feito isso, decido. E ajo. Não tenho líderes, tampouco gurus, muito menos simpatias. A ninguém dou o direito de dizer que fala em meu nome. Falo por mim. Os homens, eu sei desde há muito, têm pés-de-barro e a mente suja. Sigo, portanto, propostas práticas alicerçadas em densas defesas científicas. Certo ou errado, esse é meu caminho. E será minha anônima história.

quinta-feira, 22 de junho de 2023

ENQUANTO A VIDA PASSA COMO EM UM SONHO

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Quero sentar na calçada nos finais de tarde, xícara de café à mão, o chiste, o causo, o juízo-temerário, a anedota, a estória e a história na ponta da língua e na raiz do ouvido, o pensar leve, o dizer ameno, o lamento - se houver necessidade - sentido, enquanto a vida passa como em um sonho, suave e derruidora, o tempo, evanescente, se esgota, até que não haja mais o momento seguinte e eu, sábio posto que velho - assim espero - possa ter a certeza de que tudo pelo qual se ensanguenta o homem, a não ser quando em defesa de si mesmo e dos seus, não vale a pena, e que acertei quando despi a mente, até o nada, do supérfluo, e compreendi o tamanho da minha ignorância.

quarta-feira, 21 de junho de 2023

ESTADO E INDIVÍDUO

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


O duplo (1) de Enrique Vila-Matas, narrando seu périplo em Bordeaux, (no livro Perder Teorias), onde proferiria uma palestra que não houve, lembrou, enquanto vagava ao léu, a "literatura da percepção", citando Franz Kafka, que percebera "para onde iria evoluir a distância entre Estado e Indivíduo, Singularidade e Coletividade, Massa e Cidadão".

Não aceitou, o duplo, na continuação do seu raciocínio, que a "literatura da percepção" fosse o mesmo que "literatura profética"(2), a qual denominou de "nada interessante". Lembra, também, o duplo, o hoje pouco conhecido Julien Gracq, escritor para escritores, autor de O Mar das Sirtes, que segundo seu pensamento, faria parte da corrente que têm a capacidade de antevisão, ou seja, daqueles que conheceriam o grande problema dos dias atuais, qual seja "a situação de absoluta impossibilidade, de impotência do indivíduo frente à máquina devastadora do Poder, do sistema político".

(1) Duplo: personagem que, calcado no autor, adquire qualidade de projeção e posteriormente se transforma em uma entidade autónoma que sobrevive ao seu criador, partilhando com ele uma certa identificação.

(2) Literatura profética: ironia a partir dos textos, tal e qual o Apocalipse, atribuído a São João, que dizem como será o futuro.

terça-feira, 20 de junho de 2023

HÁ UM INFINITO DENTRO DO HOMEM

 

Imagem: Honório de Medeiros
Rio São Francisco, Piranhas, Alagoas, 2 de maio de 2022


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Penso no que nos cerca e envolve, dou razão à minha amada e me conformo, mas não perco a esperança. Enquanto espero que mudem as coisas, e os dias rolam na minha vida como as contas de um terço rolam nas mãos daqueles que rezam, escapo para o último andar do prédio onde moro, prédio entre prédios, subo a escada que conduz ao topo e, lá, derramo meu olhar descontente por sobre a cidade febril. Gulosamente sinto, sobre mim, o infinito do céu no qual os limites existentes são o voo dos pássaros e de um ou outro avião. Há um infinito dentro do Homem, e outro, além, e ele não percebe...

segunda-feira, 19 de junho de 2023

QUANDO SE AMA O ABISMO

 

Imagem: Honório de Medeiros


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


A minha alma é uma  chama
insaciável de infinitos.
Flameja para o desconhecido sua ânsia,
mas é preciso asas quando se ama o abismo.

domingo, 18 de junho de 2023

LUIZ FERNANDO PEREIRA DE MELO



Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)

 

Luiz Fernando Pereira de Melo é, em essência, um genealogista. Dos melhores.

 Também é um historiador, na justa medida em que suas pesquisas o levaram a encontrar, nas sombras e desvãos do passado, personagens da nossa história, a bem dizer esquecidos, que ele trouxe para nosso conhecimento, com dedicação e esmero.

                   Aos poucos, dessa forma, Luiz Fernando segue construindo, por vias quase oblíquas, um painel do passado do Rio Grande do Norte valioso e imprescindível, calcado em muito trabalho de campo, na consulta a velhos e carcomidos inventários, livros esquecidos e embolorados, registros arcaicos feitos pela Igreja, anotações antigas de próprio punho que chegam às suas mãos como que atraídas pela competência e talento de quem sabe lidar com essas preciosidades.

                   Cuida da pesquisa que é própria do genealogista e historiador que se debruça sobre esses registros, chamemo-los assim, e, também, da árdua e complexa tarefa de traduzir os textos estudados, vez que vazados em incompreensível escrita para nós, os comuns dos mortais. Missão para paleógrafos.

Além disso, vai tecendo a teia que extrai da nossa esquecida história, na medida em que interpreta esses dados todos conectando-os uns com os outros, dando-lhes o sentido e a compreensão necessárias.

                   O resultado não poderia ser diferente: famílias inteiras que povoaram o Rio Grande do Norte, o Nordeste, mesmo o Brasil, surgem com seus laços entre si revelados, ao mesmo tempo em que alguns dos seus integrantes, significativos e importantes para nossa história, obtêm o justo realce.

                   Tudo começou com Um Ramo Judaico dos Medeiros do Seridó, seguido por Os Fernandes Pimenta: Notas para o Conhecimento Familiar. Depois, veio Crônica do Sertão de Apodi: História do Período Colonial, de 1710 a 1817; Genealogia e Fatos do Sertão do Norte de Baixo; Melos de Campo Grande – Genealogia: Raízes Antigas e Ramos Familiares que delas Derivam; Prelúdio do Cangaço no Sertão do Assu: A Saga do Coronel Antônio da Rocha Bezerra; e Manuel Raposo da Câmara, Morgado Português: História Familiar, Processos da Inquisição, Raízes Judaicas e Ligações à Genealogia Paulistana.

                   Exemplo de tudo quanto dito acima, transcrevo, a seguir, trecho do prefácio que tive a alegria de escrever para Prelúdio do Cangaço no Sertão do Assu: A Saga do Coronel Antônio da Rocha Bezerra:

                   “Foi nessas eras que existiu o Coronel de Cavalaria Antônio da Rocha Bezerra, descendente, dentre outros ilustres, de Arnáu de Hollanda, filho de Henrique de Holanda Baravito de Renoburg, natural de Utrecht, casado com Margarida de Florença, irmã do Papa Adriano VI”.

“Arnáu era, por sua vez, casado com Brites Mendes de Vasconcelos, filha de Bartolomeu Rodrigues, camareiro-mor do Infante D. Luiz, filho do Rei D. Manoel, de Portugal. Sua esposa, natural de Lisboa, veio para o Brasil com os pais, acompanhando o primeiro Donatário de Pernambuco, Duarte Coelho”.

“O Coronel de Cavalaria, a julgar pelos registros a seu respeito tanto dos representantes do Governo Colonial, quanto por aqueles que usavam batina, era homem “facinoroso e perturbador do povo”, “petulante e inquietador da coisa pública”, “desobediente aos Ministros” do Rei de Portugal, “incorrigível”, entre outros apodos que lhe foram assacados pelos homens de batina”.

“Pintaram e bordaram, como se diz popularmente, na Ribeira do Sertão do Assú, sob a liderança do Coronel, dois filhos seus e um aliado, meio jagunço, meio cangaceiro, chamado Felipe Silva, principalmente por conta de uma briga feroz contra o Tenente José dos Anjos, na qual houve de tudo um pouco, desde homicídios a cárcere privado, passando por roubo de gado, em uma longa série de desrespeitos à letra da lei”.

                   “Dele, cuidou Luiz Fernando de Melo, seu descendente direto, um dos nossos maiores genealogistas e pesquisadores, autor de livros que já se tornaram referências não somente no que diz respeito à genealogia das famílias nordestinas, que se enroscam entre si desde o solo lusitano, mas, também, pelo cuidado documental com o qual fundamenta suas descobertas, e, porque não deixar claro, também pelo aprofundamento nos fatos históricos que sempre envolvem o entorno dos personagens acerca dos quais trata”.

                   “Chama a atenção, a partir da leitura de tudo quanto aconteceu com o Coronel e está comprovado pela farta documentação que compõe o livro, o retrato indireto de uma época, o Setecentos, ainda tão pouco conhecida, que se expõe como pano de fundo e nos mostra o Brasil em plena ebulição de um processo de transformação que deixaria para trás seus primeiros duzentos e cinquenta anos de infância, e entrava lentamente na adolescência que antecedia a mocidade do Império”.

                   “Como se não bastasse a história desse antepassado, importante por si somente, no resgate feito por Luiz Fernando fica demonstrada a marcante presença de sua descendência em momentos cruciais no tempo e espaço nordestinos, qual seja a Revolução de 1817; a participação na Guerra do Paraguai; bem como, até mesmo, a resistência heroica oferecida naquela que foi a mais violenta eleição política no Rio Grande do Norte, a de 1934/1935, aos desatinos do Interventor Mário Câmara e ao Governo de Getúlio Vargas”.

                   Eis, pois, o resultado: uma malha histórica profunda, solidamente alicerçada em pesquisas da melhor qualidade, revelando um Rio Grande do Norte arcaico, conhecido apenas em alguns recortes específicos, e suas relações com o Nordeste e o Brasil, através das grandes famílias que o povoaram.

                   E a redenção, digamo-lo assim, de personagens e episódios que jaziam esquecidos nas sombras do nosso passado.

                   Trabalho meticuloso, necessário e definitivo.

                   Vem mais por aí. Muito mais.

DE ENCONTROS

 

Imagem: Honório de Medeiros


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)



Não gosto de marcar encontros.

Deixo ao sabor do acaso, vê-la.

Assim, saio quando quiser,

Ou fico, caso queira.

E não lhe magoo.

sábado, 17 de junho de 2023

SAIR DE CENA

 

Imagem: Honório de Medeiros
Lachine, Quebec, Canadá, 22 de outubro de 2022


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Um homem tem que saber a hora de sair. Recolher-se. Tirar as esporas, guardar os arreios, encostar a cela. Perceber que seu tempo passou. Refrear os últimos ímpetos, pendurar as armas, despir a casaca. Não mais se afadigar debaixo do sol. Beber seu café, contar casos, ver seus rebentos irem para a arena. Sair de cena: com calma, para não parecer rendição, mas com certa ligeireza, de quem sabe o que está fazendo. Dizer adeus. Afinal até a chuva não é mais como era antes.

sexta-feira, 16 de junho de 2023

BUSQUE-ME

 

Imagem: Honório de Medeiros


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)

Não me exporei, mas cá estou. Venha a mim, se puder. Busque-me. Assim farei eu, se o desejar. Pois nada tenho. Nada tenho que valha a pena dizer. Por enquanto. Nem mesmo sei se tive. Ou terei. Eu lhe digo mais, agora, com este meu silêncio de noite fechada.

quinta-feira, 15 de junho de 2023

NO TEATRO DA VIDA

 


Imagem: Honório de Medeiros (17 de abril de 2022, Piranhas, Alagoas)


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Estamos cansados. Encenamos uma peça, no teatro da vida, que não escolhemos, com parceiros que nos foram impostos ou não soubemos selecionar, cuja finalidade não é aquela que nosso coração escolheria. A razão ansiosa, pode ser; o coração, não. Lutamos pela admiração alheia deixando de lado o olhar melancólico da nossa verdadeira face, que nos olha do espelho surpresa com os nossos fracassos. Admiração não merecida, vazia, sem sentido. E, quando menos esperamos, o tempo passou, tudo aquilo pelo qual valia a pena viver se foi como uma bolha de sabão exposta ao vento, tudo desaparece como um pôr-do-sol que se despede, e, então, chega o inverno, a última das estações, e resta, apenas, um sabor amargo na boca e a sensação de adeus.  

quarta-feira, 14 de junho de 2023

FLÂNEUR

 

Imagem: Bárbara Lima


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Sair por aí, qual um "flâneur", em busca de arrebatar uma flor para colocar na lapela ou na casa do botão, beber uma xícara de café ou uma taça de vinho, quem sabe arrancar um sorriso de alguém que passa com um certo ar melancólico, mas sem recordar o passado e tudo que ele evoca e provoca, tampouco se preocupar com o futuro, livre, leve e solto, apenas vivendo o momento presente, essa doce mistura de esperança e ilusão, até que os dias se transformem em neblina, depois venha a chuva, e, por fim, o adeus, e não haja mais o agora.

terça-feira, 13 de junho de 2023

O QUE NOS RESERVAVA CADA CAMINHO QUE NÃO FOI PERCORRIDO?

 

Imagem: Honório de Medeiros


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Cada um de nós, no presente, é refém das escolhas que fez no passado. Bifurcações, encruzilhadas, caminhos com possibilidade única de retorno, veredas, portas, qualquer opção tomada nos encaminhou para um futuro e desfez, naquele preciso instante, para sempre, a possibilidade de vivermos o que foi deixado para trás. Muito embora, às vezes, pudéssemos ter uma pálida ideia do que viria quando optamos, são tantos os desdobramentos seguintes que qualquer certeza logo se desfaz, tal sua evanescência. Angustia-nos sabermos que a escolha foi um ponto-sem-volta, que nunca saberemos, concretamente, o que aconteceria se, no passado, tivéssemos seguido por caminho diferente. Aquela rua que não foi transposta, a esquina que não foi dobrada, aquele adeus, o não ou o sim que dissemos, há tanto tempo, o que nos reservava cada caminho que não foi percorrido?

segunda-feira, 12 de junho de 2023

UM HOMEM-ILHA

 

Imagem: Honório de Medeiros


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Não lhes pergunto acerca dessa melancolia, o cinza do dia-a-dia, uma espera solitária, quando cai a noite. "Siga em frente", digo para mim mesmo. "Pegue o trem". "Reaja". Descarto. Onde está o Outro? Não há. Não me aproximo: a intimidade, qualquer que seja, gera o desprezo. Então, fico parado, em meu canto, sou uma ilha. Compreendo-me, não me importo, devaneio: sou uma tarde de domingo, um adeus, uma bolha de sabão levada pelo vento, um nicho no tempo que flui, apenas uma ilusão, nada mais que palavras vazias. Na minha frente, o trem passa e o Outro se vai, um homem-ilha...

domingo, 11 de junho de 2023

QUE DESTINO TOMAR?

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


O cheiro da terra molhada pelo orvalho da manhã me acompanha enquanto caminho até a encruzilhada das quatro bocas: que destino tomar? Esvazio a mente de qualquer pensamento e deixo as pernas me levarem. Ouço o sabiá, o galo-de-campina, o bem-te-vi; um cachorro ladra ao longe; zurra um jumento; sigo em frente com o rosto banhado pelos primeiros raios de sol. Além, diviso as ruínas da casa abandonada onde morou Toinha Parteira, que tantas crianças trouxe ao mundo até que a foice de Raimundo, alucinado de ciúme, tirasse a luz dos seus olhos verdes plantados em um rosto moreno, quase negro. Reverencio as ruínas. Sigo em frente. A encruzilhada está mais próxima. Qual será o meu destino? Seu Antônio de Luzia me disse que assim como a Casa do Pai tem muitas moradas, cada passo que nós damos é um destino que escolhemos, e os outros ficam para trás. Isso foi há muito tempo, lá no Feijão, Sítio Canto, Serra da Conceição. Os pardais já se acoloiavam para dormir, fazendo um zoadeiro danado. Eu me lembro que era a hora da coalhada. Peguei o tamborete e segui seu Antônio: ia eu lá perder um quitute daquele? Agora, a história era outra. Pois bem, no final, peguei a trilha da direita que leva à morada do Urubu, cheia de pedras imensas, onde a lenda conta que, em noites, sem lua, os sacis pitam seu fumo enquanto fazem arte com os passantes. Sertão de Deus Dará, 20 de fevereiro de 2023.

sexta-feira, 9 de junho de 2023

A GAROA BANHAVA AS PLANTAS...

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)

Acordei à meia-noite com um galo cantando desesperado em alguma quebrada próxima. Uma suindara gritou. Na mesma hora Tupã danou-se a latir. Olhei pela réstia da janela e uma claridade opaca, difusa, sobrenatural, tinha tomado conta da Serra. Deitei-me e adormeci novamente. Quando a madrugada chegou, peguei o cajado e saí para caminhar. Era o meu último dia em Vai-Não-Vem. A garoa banhava as plantas, o chão, os bichos, a mata, e as poucas pessoas que eu encontrava. Tudo jururu. Fiz meu percurso respirando água, embriagado de neblina, vendo a passarinhada passar em voo rasante. Não fui no rumo das Quatro-Bocas. Subi até a Pedra da Lua, onde, por vários minutos, me entreguei à liberdade e comunhão com tudo quanto há de mais elementar e profundo se a alma está leve e aberta: a terra, o ar, as pedras, as plantas, a água, a luz solar, os viventes...
Serra de São Bento, 22 de fevereiro de 2023.

quarta-feira, 7 de junho de 2023

SOMOS ESTILHAÇOS

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


A realidade pessoal fragmentada: somos estilhaços. Cada estilhaço tem vida própria e conduta errática. Nós somos a soma de todos esses estilhaços, um sentido que emana da ausência de sentido. Paradoxo do mentiroso. Somos a água da correnteza de um rio descendo em enxurrada, na busca do oceano. O rio é a vida, o oceano, o destino final, a integração com o Um. Somos folhas rodopiantes, alucinadas, em dias de ventos traquinas. Abismos no tempo, fendas nas essências das coisas, fluímos vertiginosos. Um grito solitário no silêncio sepulcral do universo, quase. Pontes, caminhos para um infinito desconhecido. Pó das estrelas.

Cerro Corá, fevereiro de 2023.

terça-feira, 6 de junho de 2023

ENQUANTO ME DESPEDAÇO

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Saia sem dizer até logo: é um adeus. Não olhe para trás. Não leve nada agora, tudo será seu. Pegue sua bolsa, alise as pregas do vestido, tire um ou outro fiapo imaginário do tecido, deixe as chaves na mesa, siga em frente. Raspe a parede das qual se despede com a ponta das unhas, delicadamente. Esconda as lágrimas teimosas. Não volte, por favor, não se volte. Lá fora, ainda há estrelas, mas logo chega a manhã. É madrugada alta. Tentamos, não deu. A ponte está fechada. Respire fundo enquanto caminha. Lembre-se daquela nossa velha canção. Eu, cá, digo adeus qual murmúrio, enquanto me despedaço. 

segunda-feira, 5 de junho de 2023

AS HORAS DESLIZAM MACIAS...

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Da casa onde estou, na Vila dos Pescadores, em Piranhas, Alagoas, não são mais que vinte passos até essa linda capela devotada a Santo Antônio, centro do local onde a cidade começou. São quase seis da manhã. Se olho para a frente, a partir do terraço da casa, tenho a Vila, ao longo; à minha direita, uma estreita estradinha de paralelepípedos e, depois dela, o rio São Francisco, lindo, maravilhoso; à esquerda, a capelinha. Mangueiras, no entorno, fazem a festa da passarada. Assim, as horas deslizam macias, tranquilas, como o bom dia sorridente que eu recebi da senhorinha que passava, enquanto fazia sua caminhada matinal...

domingo, 4 de junho de 2023

E A VIDA CONTINUA

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Na Vila dos Pescadores, à margem do São Francisco, entre serrotes e o rio, em Piranhas, Alagoas, todos se conhecem há muito tempo. Enquanto a vida flui caótica, lá fora, esse pequeno enclave obedece a leis imemoriais que privilegiam amparo mútuo e destino comum. Há exceções, claro, como a dos que se vão e voltam em outro patamar, seja mais baixo ou mais alto. Não importa: a Vila os recebe serena, e a vida continua. Problemas, há, como em todos os lugares; a diferença é que, aqui, a dor, e a alegria, são compartilhadas...

quinta-feira, 1 de junho de 2023

ELE NÃO SABE LIBERAR A LIBERDADE

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Um dia, não poderemos mais ir e vir sem assinar algum documento, ou fazer vênia ao burocrata responsável pelas estradas que percorremos. O maldito Estado constrictor, qual uma jiboia colossal e sem limites, segue aumentando o aperto esmagador sobre os indivíduos, enquanto cresce desmesuradamente, até que não sobreviva sequer uma migalha de liberdade para quem quer que seja. Tudo hoje é regulado em detalhes ínfimos. E, em qualquer lugar, sempre existe um burocrata à nossa espreita, sequioso para exercer seu poder medíocre. Ele, o burocrata, não sabe, mas trabalha contra si, ao longo de uma vida vazia e incolor: não sabe proibir proibições, tampouco liberar a liberdade.

quarta-feira, 31 de maio de 2023

QUE TAL BUSCAR UM ATALHO?

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Eu ficava vezes sem conta vendo a água da chuva cair da goteira, alcançar o chão e começar a escorrer, descendo, em busca do seu destino. Quando algo se interpunha em seu caminho e não podia ser levado pela correnteza, tal qual uma touceira de capim, a água o contornava e seguia, lépida e faceira, em frente: descobrira um atalho. Assim também faz o luar... Tiro meu chapéu imaginário para o atalho que nos ensina, sempre que pode, uma lição de como viver. Está tudo escrito no livro da vida. Ao invés de enfrentar os osbstáculos diários arremetendo contra eles, que tal buscar um atalho?

segunda-feira, 29 de maio de 2023

NO OUTONO DA VIDA

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


No outono da vida, véspera do inverno, o cansaço se avoluma. As sementes, se houve, espalharam-se: estamos sozinhos. Uma certa lassidão, entre outras sensações, vai tomando conta dos nossos dias. O tempo parece fluir lentamente. Tudo parece repetir-se. Há lampejos, quais relâmpagos, que tão logo aparecem, iluminam a noite e repentinamente somem. É o ciclo da vida: "Pois és pó, e ao pó retornarás" (Gen 3:19), bem como "O que foi, isso é o que há de ser, e o que se fez, isto se fará, de modo que nada há de novo sob o sol" (Eclesiastes, 1:9).

domingo, 28 de maio de 2023

NADA ESPERE DE MIM

 

Imagem: Honório de Medeiros


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Nada espere de mim: sou todos, sou ninguém. De mim colherá um instante, apenas um instante. Nele, o que há? O negro da noite; a gota de chuva na tempestade, a cinza, do fogo-vento. Frases pinçadas ao léu; se abismo, a queda; na pequena-morte, a evanescência. Não esqueça jamais: todos homens são Um, Um homem é todos. Tudo espere de mim.

sábado, 27 de maio de 2023

AGORA SOMOS SILÊNCIO, QUASE

 


Imagem: Honório de Medeiros


Honório de Medeiro (honoriodemedeiros@gmail.com)


Dia desses olhei para você e me vi. Éramos reflexos um do outro, recortados contra o claro-escuro. Cores que esmaeceram, tingidas de prata. Sépia. Como passaram vertiginosamente os dias e as horas! O tempo é um abismo: vidas que fluíram, esvaneceram-se. Agora, somos silêncio, quase. Dizemos mudos. Construímos pontes para um infinito desconhecido. 

sexta-feira, 26 de maio de 2023

A BALADA DO RETORNO


 Imagem: Honório de Medeiros


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com).


Agora, retorno. Recolho as velas da minha nau imaginária. Solto a âncora. Desço ao cais. Respiro fundo a solidão da noite. Olho as luzes, as construções. Sigo. Caminho lentamente. A neblina molha as pedras, me molha. Chego à minha porta. Entro. Enxugo o rosto molhado com o braço. Tomo um grogue. Eis que chega seu sorriso luminoso. Seu colo perfumado. Seu olhar de madrugadas. Nossa história comum. Então, há o silêncio. Depois, vinho, cantigas e risos. Dança-se. Estou em casa.

quinta-feira, 25 de maio de 2023

A BELA ENTRE AS BELAS: ANGLES SUR L'ANGLIN

 


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros.blogspot.com)


Atribuíram-lhe o título de "uma das mais belas vilas da França". Nada mais justo. É difícil crer que haja outra tão linda. Supera Sarlat La Canéda. Um pedaço do meu coração ficou aqui, entre esses bosques, no rio L'Angles, nas suas águas verdes escuras profundas, e nas suas ruas tortuosas com casas antigas cujas paredes são tomadas por flores. 

terça-feira, 23 de maio de 2023

UM ACORDEONISTA EM BORDEAUX

 


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com).


SOU fascinado por artistas de rua. Quando os vejo, paro um pouco distanciado e tento absorver tudo quanto posso deles e de sua arte, na medida em que os encontro em minhas andanças.

Na Europa, eles são muitos. Há desde o acordeonista cuja execução de "La Violetera", uma "habanera" de 1915, tantas vezes escutada na voz de minha mãe, até a quase adolescente que canta, à capela, uma doce canção de sua terra natal, a Itália.

Estou escrevendo acerca das ruas centrais de Bordeaux ou da famosa Place de La Bourse, o palco de encontro de todos, viajantes ou não, que por aqui moram ou andam.

Aproximei-me do acordeonista lamentando não dispor do poder do personagem de uma história em quadrinhos de minha adolescência, que podia ler a vida de qualquer pessoa bastando, para tanto, mergulhar em seus olhos, se o desejasse.

Como não podia nada pessoal lhe perguntar, aqui é ofensivo, tampouco possuía qualquer poder, depositei algumas moedas em sua caneca estendida sobre um pano vermelho que já vira muitas estações, olhei seu rosto cansado, mal cuidado, atribui-lhe uns bons setenta e poucos, e lhe perguntei se por um acaso do destino não saberia tocar "La Violetera".

Ele parou, pareceu buscar alguma lembrança obscura em suas memórias, deu-me um pequeno sorriso e titubeando, no início, mas com desenvoltura, a seguir, inclusive fazendo floreios, digamos assim, jazzísticos, tocou a música que eu lhe pedira como se estivesse no palco do Grande Teatro de Bordeaux, sendo ouvido por todos quanto, ao longo de sua longa vida, em algum momento pararam para ouvi-lo e aplaudi-lo.

NO SERTÃO DA FRANÇA: SARLAT-LA-CANÉDA

 


Honório de Medeiros

honoriodemedeiros@gmail. com


Sarlat-la-Canéda é uma comuna francesa localizada na região administrativa da Nova Aquitânia, no departamento Dordonha, Périgord-Noir.

Aguardo a partida do trem e escuto "As Quatro Estações", Vivaldi.

E escrevo, claro.

No caminho, Bergerac. Lembro-me imediatamente de Anatole France: "Monsieur Bergerac em Paris".

Um dia, vou lê-lo novamente. 

A região é a rural francesa. 

Seus rios aquosos, plácidos, banham belas, sonolentas e ancestrais cidadezinhas perdidas no verde da França. 

O Perigord é cheio de pequenos "chateaus" repletos de beleza e história que surgem de repente e são rapidamente deixados para trás pelo trem veloz.

Quero parar em cada um deles, conversar com seus castelões, desvendar seus segredos e os de seus antepassados, mas o trem não para. 

Vivaldi continua.

A cerração matinal nos acompanha, o sol se esconde.

O orvalho molha a janela do trem e o mundo fica cinza...

Sarlat é linda, indescritível. 

Andando pelo centro histórico, medieval, fico imaginando o dia-a-dia dos seus habitantes de então: suas relações, os amores, a comida, o sexo, a música, as intrigas políticas, os donos do poder, a escuridão e o silêncio da noite profunda.

Será que um dia volto e refaço todo esse percurso?

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

ESTUDO DE CASO: O CANGACEIRISMO

 






Um estudo de Caso: o cangaceirismo

* Honório de Medeiros 

A hipótese do “Outsider” que diz “Não!”, aplicada ao estudo da história. Um método. 

Lampião, porém, era um rude guerrilheiro, um gênio em estratégia, inteligência e astúcia (...) um homem do seu tipo surge de cem em cem anos (Lampião Cangaço e Nordeste, Aglae Lima de Oliveira)[1].

Nesse sentido, a mesma revisão feita sobre tantas das revoltas políticas, sociais e religiosas brasileiras cabe no que toca ao chamado banditismo rural nordestino, de cuja realidade ontológica também se pode dizer gilbertianamente tratar-se de agressão à cultura primitiva, recalcada, porém não destruída (Estrelas de Couro: A Estética do Cangaço, Frederico Pernambucano de Mello)[2].

Na terra seca, o homem é castigado pela inclemência climatérica, mas tem a compensação da liberdade individual imensa, formando-se uma humanidade altiva, de uma independência quase selvagem, indisciplinada, sem submissões ao trabalho, sem vida sistematizada. Cada homem é dono de suas ventas e, acostumado aos horizontes largos, para ele o mundo é grande e Deus é maior. E Deus é a aventura. É a possibilidade de fazer de suas apragatas verdadeiras botas de sete léguas, que poderão ser utilizadas deserto adentro para os lados em que o sol se põe, sem nunca chegar à serra por detrás da qual ele se deita. Nessa direção, o sertanejo pode vagabundar num verdadeiro caminho para o infinito, fugindo da coerção que lhe venha da polícia ou do trabalho organizado (Brejos e Carracais do Nordeste, Limeira Tejo, citado em Guerreiros do Sol: Violência e Banditismo no Nordeste do Brasil, por Frederico Pernambucano de Mello)[3]. 

Introdução 

                   É sob esse prisma, o dos inconformados (irresignados) que se revoltam e dizem “Não!”, transgridem e, a partir de então, são considerados “Outsiders”, que poderia ser estudado, por exemplo, o cangaceirismo...

CONTINUA...


[2] PERNAMBUCANO DE MELLO, Frederico. Estrelas de Couro. A Estética do Cangaço. São Paulo: Escrituras, 2010.

[3] PERNAMBUCANO DE MELLO, Frederico. Guerreiros do Sol. São Paulo: A Girafa, 2004.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

GOVERNO DO RIO GRANDE DO NORTE (1935-2018)





 Governo do Rio Grande do Norte (1935-2018)


Em 1939, o historiador Luís da Câmara Cascudo apareceu com “Governo do Rio Grande do Norte”, reunindo a história e a trajetória dos governantes que andaram por aqui de 1597 até 1935. O tempo foi passando e ficou uma lacuna a ser preenchida com os que vieram depois.

Foi esta a deixa que levou André Felipe Pignataro, Gustavo Sobral e Honório de Medeiros, em 2018, a reunir uma plêiade de pesquisadores e escritores, dentre eles, historiadores, juristas, jornalistas, professores e continuar até os dias de hoje.

O resultado vem a público em e-book (Biblioteca do Ocidente, 2022, 125p), apresentando a trajetória dos governantes do Rio Grande do Norte de 1935 a 2018. O livro traz, a princípio, uma listagem organizada por ordem cronológica, contemplando cada um dos governos, a que se segue os perfis dos 25 governos que administraram o Estado neste período.

Governo do Rio Grande do Norte (1935-2018), Biblioteca do Ocidente, 2022, 125p.

Organizadores: André Felipe Pignataro, Gustavo Sobral e Honório de Medeiros.
Autores: Adilson Gurgel de Castro; André Felipe Pignataro; Carlos Roberto de Miranda Gomes; David de Medeiros Leite; François Silvestre; Honório de Medeiros; Gustavo Sobral; Isaura Rosado; José Antônio Spinelli; Ludimilla Carvalho Serafim de Oliveira; Maria do Nascimento Bezerra; Ramon Ribeiro; Ricardo Sobral; Roberto Homem de Siqueira; Saul Estevam Fernandes; Sérgio Trindade; Tarcísio Gurgel; Thiago Freire Costa de Melo; Vicente Serejo; Walclei de Araújo Azevedo.

Para adquirir o livro, acesse:
https://revistagalo.com.br/selo-bo/

sábado, 21 de janeiro de 2023

DE UMA LONGA E ÁSPERA CAMINHADA

 


O FIO QUE CONECTA A TRAMA

* Gustavo Sobral

Faltava à vertente escrita de Honório de Medeiros, jurista, filósofo, ensaísta e biógrafo, escritor, o livro pessoal. Aquele em que o escritor reúne fragmentos de sua pensata, impressões, expressões, leituras, ficções e que revela um mundo de uma viagem pelo pensamento.

De uma longa e áspera caminhada (Viseu, 2022, 148p), de Honório de Medeiros, é um tanto isso e muito mais. É aquele livro que a gente vai e volta, para, pensa, grifa, relê, anota. É aquele livro que nos faz sair do mesmo e nos faz dialogar com o autor.

Recém-lançado e disponível para compra no site das livrarias e magazines, no Brasil, Portugal e Estados Unidos, em versões impressa e digital, o livro é um navego de um leitor vocacionado pela literatura universal e que revela o escritor cuja vida foi traçada pela leitura e pelos livros, desenhando o seu olhar sobre o mundo.

O leitor há de se aventurar palmo a palmo, a cada página de um pouso no inesperado, o que faz do livro um caminho de surpresas e que faz da leitura um caminho que pode ser próprio além do preposto pelo sumário. É um livro de ir e vir, é um livro para navegar.

O áspero do título pode até ir de encontro a um certa incredulidade e ceticismo que se contrapõe ao leitor do mundo abismado, surpreso, encantado, que toma água de coco na praia e conversa, anda pelo cemitério de Paris e tece uma perfeita crônica em ode ao ipê amarelo, uma beleza à Rubem Braga.

Honório de Medeiros é também aqui filósofo, lógico, matemático, político, cidadão, literato; é também o colecionador de paisagens, sensações, surpresas.  É Rousseau acima de Voltaire e Voltaire acima de Rousseau, com Platão, Popper e outros mais caros ao seu pensamento.

Este é o livro que faltava na biblioteca potiguar pela solidez do conteúdo, forma e o jeito de sabor de conversa que nos conduz. Vale ter na cabeceira como companhia.

A pré-venda é no site da editora Viseu e o livro físico está nos sites da Amazon, Americanas, Magazine Luiza, Shoptime, Submarino. E o e-book nestas e Apple, Barnes & Noble, Google, Kobo, Livraria Cultura e Wook.

Para ler esse e outros escritos acesse

* Gustavo Sobral é escritor, ensaísta e jornalista.

Elogio da dúvida

Vicente Serejo
serejo@terra.com.br

Camarim

 

BRANDE - Para seus amigos não é surpresa, mas será para seus novos leitores: a revelação do grande leitor que é o advogado Honório Medeiros, visto e lido, praticamente, como o pesquisador do cangaceirismo e do coronelismo no RN, com os seus três títulos que são grandes referências.

LEITOR - Depois de Américo de Oliveira Costa - ‘A Biblioteca e Seus Habitantes’ e os quatro volumes de “O Comércio das Palavras’ - Honório mantém a tradição dos grandes anotadores de leituras com seu novo livro - “De uma longa e áspera caminhada”. Edição da Viseu, Paraná, 2022.