Assim, a interpretação jurídica, sobremodo a constitucional, pode ser, de fato é instrumento de e do Poder Político (2000:220).
Pois esse aparato teórico proteiforme, de contornos indefinidos e conteúdo ambíguo no espaço e no tempo, essa massa moldada pela estrutura de Poder Político atuante em cada momento histórico específico sempre existiu, antes mesmo do surgimento do Estado, como o demonstra o que há de mais recente no estudo da instauração do princípio da hierarquia, a partir da Psicologia Evolutiva.
Então a interpretação jurídica, em última instância, pode e deve ser entendida enquanto Vontade Política: os que detêm o Poder Político optam por esse ou aquele, um ou outro caminho, a partir de interesses políticos remotos ou imediatos.
Por fim, não é verdadeiro que a lei em si diga o que é certo ou errado – esta é uma armadilha que resulta do emprego político de aparatos teóricos frágeis: ela é instrumento dos seus intérpretes[2].
Tampouco a realidade o permite, como a ciência demonstra: ela não nos diz, nós é que lhe atribuímos a nossa Moral.
Pode-se comprovar logicamente (trata-se de uma hipótese resistente à ação do tempo) que a Vontade Política permeia o discurso interpretativo – isso é um fato de natureza sócio-política habilmente dissimulado pelos detentores do Poder Político.
É nesse sentido que é útil perceber o caráter instrumental do Direito: para, entre outras coisas, não ser refém das armadilhas retóricas produzidas a partir de aparatos teóricos frágeis rompendo, assim, com uma conquista que remonta à Grécia – o respeito à lei – e aceitando um modelo de produção, interpretação e aplicação do ordenamento jurídico por meio do qual os detentores do Poder Político tentam impor seus interesses pessoais ou de grupo.
Esse respeito à lei pode e deve ter uma conotação moderna, do ponto de vista lógico: trata-se de não aceitar a possibilidade de raciocínios jurídicos fundados em fontes outras que não a própria Norma Jurídica, bem como não aceitar interpretações calcadas em delírios argumentativos, o mais das vezes agasalhados em normas de conteúdo difuso que, por sua amplitude de incidência, se presta a qualquer papel.
Não é possível aceitarmos teorias que defendam a possibilidade da Norma Jurídica ser extraída do meio ambiente social; tampouco podemos aceitar teorias fulcradas nos pseudoditames da Razão enquanto verdade auto-evidente.
Devemos acatar, isso sim, o primado da Norma Jurídica enquanto premissa inicial do raciocínio jurídico, entre outros motivos, se não o for pela argumentação acima desenvolvida, pelo respeito à vontade do povo que, para construir o ordenamento jurídico que a contém, se expressou através dos seus representantes legítimos e legais.
Possibilidade de ir além dos limites estabelecidos pela Norma infra positivada os há, contanto que se permaneça dentro das fronteiras do ordenamento jurídico estabelecidas legalmente – como, aliás, tão elegantemente propôs Hans Kelsen.
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[1]
“A magistratura constitui-se numa verdadeira elite, participando decisivamente
do comando político nacional e exercitando um forte poder no contexto social”
(SARAIVA, Paulo Lopo; “Influência da Ciência Jurídica na Decisão Judicial”;
separata da Revista Vox Legis; Sugestões Literárias; Vox Legis; Vol. 139; Julho
de 1980; p. 46
[2]
Na Folha de São Paulo de 4 de Janeiro de 2002, Mouna Naim, articulista do “Le
Monde”, conta-nos que três sauditas acusados de homossexualismo foram
decapitados e o Ministério da Informação “disse que o País considerava a penal
capital o meio mais eficaz de salvaguardar o direito humano mais elementar: o
direito à vida”.
Texto constante do livro "Poder Político e Direito (A Instrumentalização Política da Interpretação Jurídica Constitucional)"; MEDEIROS, Honório de. Belo Horizonte: Dialética Editora. 2020. À venda na Amazon e estantevirtual.com.br