Sebastião Fernandes Gurgel
* Honório de Medeiros
O “Memórias de um Comerciante e Banqueiro (Diário)", de Sebastião Fernandes Gurgel, abrangendo o período entre 1900 a maio de 1966, abrange 6 volumes (do 1290 ao 1295), 2ª. Edição, 2002 – da Coleção Mossoroense, Série "C", esse incomparável legado que Vingt-Un Rosado deixou para o futuro.
Dos 6 volumes, vieram a público os 5 primeiros; o sexto não foi impresso ou foi retido pela família, e diz respeito ao espaço de tempo entre 8 de janeiro de 1955 e maio de de 1966.
Não há informações quanto à primeira edição.
Chegaram às nossas mãos, informa Raimundo Soares de Brito, que lhe faz o prefácio da edição, graças a Obery Rodrigues, filho, e o empresário Ronald Gurgel, neto de “Seu Tião Gurgel”.
É uma obra interessante sob muitos aspectos.
Nela encontramos desde o registro obsessivo do preço dos produtos vendidos pelo comércio, ano a ano, como a menção aos males –e o tratamento - que acometem a saúde do autor no espaço de tempo que dura o diário. Também salta à vista as anotações relativas às estiagens e invernadas, assim como acerca de fatos da vida social do Oeste potiguar.
Não contivesse outros temas esses bastariam para um estudo de caráter sociológico. Mas há mais, muito mais, tal qual o registro da vida social, econômica e política de Mossoró na primeira metade do século XX.
E, por que não dizer, um vasto e portentoso material para uma análise da época. É todo um excelente material à espera de futuros mestres e doutores.
O volume alusivo à 1927, é o III. Abrange de 01 de fevereiro de 1916 a 08 de junho de 1936.
Que nos diz Sebastião Gurgel em relação à invasão de Mossoró pelo bando de Lampião?
Infelizmente “Seu Tião” foi avaro nos comentários. Aliás, de sua lavra, não vamos encontrar textos longos alusivos a qualquer que seja o tema. Trata-se de registros secos, esboços às vezes até mesmo toscos, em relação aos fatos.
Entretanto há um comentário seu, a respeito de sua conduta durante o episódio, que vale a pena ser transcrito, pela auto-ironia nele contida: “Eu, já se sabe, nestas ocasiões, sou sempre o herói da retirada”.
Sebastião Gurgel não deixou claro para onde fugiu quando da invasão de Mossoró pelo bando de Lampião.
Deixou claro, entretanto, que como consequência da onda de boatos acerca da volta dos bandidos, pegou a família no dia 10 de julho e a levou para Natal, onde alugou casa, somente voltando para Mossoró, no dia 8 de setembro do mesmo ano.
Na mesma data – 31 de julho – na qual informou sua saída de Mossoró, comentou que no dia 24 de julho houve “um acontecimento sensacional”: o casamento do Monsenhor Almeida Barreto com Maria Nazareth de Oliveira, algo que deve ter causado bastante impacto na cidade, haja vista a publicação – Coleção Mossoroense, Série “B”, Número 1637, 1999 - pelo pesquisador Dr. Paulo Gastão, de plaquete na qual transcreve carta de Rodolpho Fernandes ao citado sacerdote, de quem era compadre, acusando o recebimento de correspondência sua, marcada como “confidencial”, na qual expõe as razões do seu gesto.
Comove o leitor, ao longo da leitura do seu Diário, o apreço que Sebastião Gurgel tinha por sua esposa e companheira de toda uma vida – Dna. Elisa – com quem teve oito filhos.
Suas demonstrações de apreço e os agradecimentos a Deus pela escolha que fez são notáveis, principalmente se levarmos em conta que o casamento foi, de acordo com os moldes da época, “arranjado”.
Também chama a atenção a religiosidade simples de “Seu Tião”: missa dominical, envolvimento nas ações da Igreja, uma legião de “afilhados”, uma devoção prática a um Deus provedor e justiceiro ao qual se dirige de cabeça baixa para aceitar, por exemplo, sem questionamentos, a “pena” por Ele imposta a sua família através de José, seu filho, seminarista, acometido de lepra.
Nada mais medieval.
Quanto ainda não há para se escrever acerca desse País de Mossoró e seus habitantes!
@honoriodemedeiros
honoriodemedeiros@gmail.com
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