sábado, 17 de junho de 2023

SAIR DE CENA

 

Imagem: Honório de Medeiros
Lachine, Quebec, Canadá, 22 de outubro de 2022


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Um homem tem que saber a hora de sair. Recolher-se. Tirar as esporas, guardar os arreios, encostar a cela. Perceber que seu tempo passou. Refrear os últimos ímpetos, pendurar as armas, despir a casaca. Não mais se afadigar debaixo do sol. Beber seu café, contar casos, ver seus rebentos irem para a arena. Sair de cena: com calma, para não parecer rendição, mas com certa ligeireza, de quem sabe o que está fazendo. Dizer adeus. Afinal até a chuva não é mais como era antes.

sexta-feira, 16 de junho de 2023

BUSQUE-ME

 

Imagem: Honório de Medeiros


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)

Não me exporei, mas cá estou. Venha a mim, se puder. Busque-me. Assim farei eu, se o desejar. Pois nada tenho. Nada tenho que valha a pena dizer. Por enquanto. Nem mesmo sei se tive. Ou terei. Eu lhe digo mais, agora, com este meu silêncio de noite fechada.

quinta-feira, 15 de junho de 2023

NO TEATRO DA VIDA

 


Imagem: Honório de Medeiros (17 de abril de 2022, Piranhas, Alagoas)


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Estamos cansados. Encenamos uma peça, no teatro da vida, que não escolhemos, com parceiros que nos foram impostos ou não soubemos selecionar, cuja finalidade não é aquela que nosso coração escolheria. A razão ansiosa, pode ser; o coração, não. Lutamos pela admiração alheia deixando de lado o olhar melancólico da nossa verdadeira face, que nos olha do espelho surpresa com os nossos fracassos. Admiração não merecida, vazia, sem sentido. E, quando menos esperamos, o tempo passou, tudo aquilo pelo qual valia a pena viver se foi como uma bolha de sabão exposta ao vento, tudo desaparece como um pôr-do-sol que se despede, e, então, chega o inverno, a última das estações, e resta, apenas, um sabor amargo na boca e a sensação de adeus.  

quarta-feira, 14 de junho de 2023

FLÂNEUR

 

Imagem: Bárbara Lima


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Sair por aí, qual um "flâneur", em busca de arrebatar uma flor para colocar na lapela ou na casa do botão, beber uma xícara de café ou uma taça de vinho, quem sabe arrancar um sorriso de alguém que passa com um certo ar melancólico, mas sem recordar o passado e tudo que ele evoca e provoca, tampouco se preocupar com o futuro, livre, leve e solto, apenas vivendo o momento presente, essa doce mistura de esperança e ilusão, até que os dias se transformem em neblina, depois venha a chuva, e, por fim, o adeus, e não haja mais o agora.

terça-feira, 13 de junho de 2023

O QUE NOS RESERVAVA CADA CAMINHO QUE NÃO FOI PERCORRIDO?

 

Imagem: Honório de Medeiros


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Cada um de nós, no presente, é refém das escolhas que fez no passado. Bifurcações, encruzilhadas, caminhos com possibilidade única de retorno, veredas, portas, qualquer opção tomada nos encaminhou para um futuro e desfez, naquele preciso instante, para sempre, a possibilidade de vivermos o que foi deixado para trás. Muito embora, às vezes, pudéssemos ter uma pálida ideia do que viria quando optamos, são tantos os desdobramentos seguintes que qualquer certeza logo se desfaz, tal sua evanescência. Angustia-nos sabermos que a escolha foi um ponto-sem-volta, que nunca saberemos, concretamente, o que aconteceria se, no passado, tivéssemos seguido por caminho diferente. Aquela rua que não foi transposta, a esquina que não foi dobrada, aquele adeus, o não ou o sim que dissemos, há tanto tempo, o que nos reservava cada caminho que não foi percorrido?

segunda-feira, 12 de junho de 2023

UM HOMEM-ILHA

 

Imagem: Honório de Medeiros


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Não lhes pergunto acerca dessa melancolia, o cinza do dia-a-dia, uma espera solitária, quando cai a noite. "Siga em frente", digo para mim mesmo. "Pegue o trem". "Reaja". Descarto. Onde está o Outro? Não há. Não me aproximo: a intimidade, qualquer que seja, gera o desprezo. Então, fico parado, em meu canto, sou uma ilha. Compreendo-me, não me importo, devaneio: sou uma tarde de domingo, um adeus, uma bolha de sabão levada pelo vento, um nicho no tempo que flui, apenas uma ilusão, nada mais que palavras vazias. Na minha frente, o trem passa e o Outro se vai, um homem-ilha...

domingo, 11 de junho de 2023

QUE DESTINO TOMAR?

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


O cheiro da terra molhada pelo orvalho da manhã me acompanha enquanto caminho até a encruzilhada das quatro bocas: que destino tomar? Esvazio a mente de qualquer pensamento e deixo as pernas me levarem. Ouço o sabiá, o galo-de-campina, o bem-te-vi; um cachorro ladra ao longe; zurra um jumento; sigo em frente com o rosto banhado pelos primeiros raios de sol. Além, diviso as ruínas da casa abandonada onde morou Toinha Parteira, que tantas crianças trouxe ao mundo até que a foice de Raimundo, alucinado de ciúme, tirasse a luz dos seus olhos verdes plantados em um rosto moreno, quase negro. Reverencio as ruínas. Sigo em frente. A encruzilhada está mais próxima. Qual será o meu destino? Seu Antônio de Luzia me disse que assim como a Casa do Pai tem muitas moradas, cada passo que nós damos é um destino que escolhemos, e os outros ficam para trás. Isso foi há muito tempo, lá no Feijão, Sítio Canto, Serra da Conceição. Os pardais já se acoloiavam para dormir, fazendo um zoadeiro danado. Eu me lembro que era a hora da coalhada. Peguei o tamborete e segui seu Antônio: ia eu lá perder um quitute daquele? Agora, a história era outra. Pois bem, no final, peguei a trilha da direita que leva à morada do Urubu, cheia de pedras imensas, onde a lenda conta que, em noites, sem lua, os sacis pitam seu fumo enquanto fazem arte com os passantes. Sertão de Deus Dará, 20 de fevereiro de 2023.

sexta-feira, 9 de junho de 2023

A GAROA BANHAVA AS PLANTAS...

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)

Acordei à meia-noite com um galo cantando desesperado em alguma quebrada próxima. Uma suindara gritou. Na mesma hora Tupã danou-se a latir. Olhei pela réstia da janela e uma claridade opaca, difusa, sobrenatural, tinha tomado conta da Serra. Deitei-me e adormeci novamente. Quando a madrugada chegou, peguei o cajado e saí para caminhar. Era o meu último dia em Vai-Não-Vem. A garoa banhava as plantas, o chão, os bichos, a mata, e as poucas pessoas que eu encontrava. Tudo jururu. Fiz meu percurso respirando água, embriagado de neblina, vendo a passarinhada passar em voo rasante. Não fui no rumo das Quatro-Bocas. Subi até a Pedra da Lua, onde, por vários minutos, me entreguei à liberdade e comunhão com tudo quanto há de mais elementar e profundo se a alma está leve e aberta: a terra, o ar, as pedras, as plantas, a água, a luz solar, os viventes...
Serra de São Bento, 22 de fevereiro de 2023.

quarta-feira, 7 de junho de 2023

SOMOS ESTILHAÇOS

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


A realidade pessoal fragmentada: somos estilhaços. Cada estilhaço tem vida própria e conduta errática. Nós somos a soma de todos esses estilhaços, um sentido que emana da ausência de sentido. Paradoxo do mentiroso. Somos a água da correnteza de um rio descendo em enxurrada, na busca do oceano. O rio é a vida, o oceano, o destino final, a integração com o Um. Somos folhas rodopiantes, alucinadas, em dias de ventos traquinas. Abismos no tempo, fendas nas essências das coisas, fluímos vertiginosos. Um grito solitário no silêncio sepulcral do universo, quase. Pontes, caminhos para um infinito desconhecido. Pó das estrelas.

Cerro Corá, fevereiro de 2023.

terça-feira, 6 de junho de 2023

ENQUANTO ME DESPEDAÇO

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Saia sem dizer até logo: é um adeus. Não olhe para trás. Não leve nada agora, tudo será seu. Pegue sua bolsa, alise as pregas do vestido, tire um ou outro fiapo imaginário do tecido, deixe as chaves na mesa, siga em frente. Raspe a parede das qual se despede com a ponta das unhas, delicadamente. Esconda as lágrimas teimosas. Não volte, por favor, não se volte. Lá fora, ainda há estrelas, mas logo chega a manhã. É madrugada alta. Tentamos, não deu. A ponte está fechada. Respire fundo enquanto caminha. Lembre-se daquela nossa velha canção. Eu, cá, digo adeus qual murmúrio, enquanto me despedaço. 

segunda-feira, 5 de junho de 2023

AS HORAS DESLIZAM MACIAS...

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Da casa onde estou, na Vila dos Pescadores, em Piranhas, Alagoas, não são mais que vinte passos até essa linda capela devotada a Santo Antônio, centro do local onde a cidade começou. São quase seis da manhã. Se olho para a frente, a partir do terraço da casa, tenho a Vila, ao longo; à minha direita, uma estreita estradinha de paralelepípedos e, depois dela, o rio São Francisco, lindo, maravilhoso; à esquerda, a capelinha. Mangueiras, no entorno, fazem a festa da passarada. Assim, as horas deslizam macias, tranquilas, como o bom dia sorridente que eu recebi da senhorinha que passava, enquanto fazia sua caminhada matinal...

domingo, 4 de junho de 2023

E A VIDA CONTINUA

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Na Vila dos Pescadores, à margem do São Francisco, entre serrotes e o rio, em Piranhas, Alagoas, todos se conhecem há muito tempo. Enquanto a vida flui caótica, lá fora, esse pequeno enclave obedece a leis imemoriais que privilegiam amparo mútuo e destino comum. Há exceções, claro, como a dos que se vão e voltam em outro patamar, seja mais baixo ou mais alto. Não importa: a Vila os recebe serena, e a vida continua. Problemas, há, como em todos os lugares; a diferença é que, aqui, a dor, e a alegria, são compartilhadas...

quinta-feira, 1 de junho de 2023

ELE NÃO SABE LIBERAR A LIBERDADE

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Um dia, não poderemos mais ir e vir sem assinar algum documento, ou fazer vênia ao burocrata responsável pelas estradas que percorremos. O maldito Estado constrictor, qual uma jiboia colossal e sem limites, segue aumentando o aperto esmagador sobre os indivíduos, enquanto cresce desmesuradamente, até que não sobreviva sequer uma migalha de liberdade para quem quer que seja. Tudo hoje é regulado em detalhes ínfimos. E, em qualquer lugar, sempre existe um burocrata à nossa espreita, sequioso para exercer seu poder medíocre. Ele, o burocrata, não sabe, mas trabalha contra si, ao longo de uma vida vazia e incolor: não sabe proibir proibições, tampouco liberar a liberdade.

quarta-feira, 31 de maio de 2023

QUE TAL BUSCAR UM ATALHO?

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Eu ficava vezes sem conta vendo a água da chuva cair da goteira, alcançar o chão e começar a escorrer, descendo, em busca do seu destino. Quando algo se interpunha em seu caminho e não podia ser levado pela correnteza, tal qual uma touceira de capim, a água o contornava e seguia, lépida e faceira, em frente: descobrira um atalho. Assim também faz o luar... Tiro meu chapéu imaginário para o atalho que nos ensina, sempre que pode, uma lição de como viver. Está tudo escrito no livro da vida. Ao invés de enfrentar os osbstáculos diários arremetendo contra eles, que tal buscar um atalho?

segunda-feira, 29 de maio de 2023

NO OUTONO DA VIDA

 

Imagem: Honório de Medeiros

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


No outono da vida, véspera do inverno, o cansaço se avoluma. As sementes, se houve, espalharam-se: estamos sozinhos. Uma certa lassidão, entre outras sensações, vai tomando conta dos nossos dias. O tempo parece fluir lentamente. Tudo parece repetir-se. Há lampejos, quais relâmpagos, que tão logo aparecem, iluminam a noite e repentinamente somem. É o ciclo da vida: "Pois és pó, e ao pó retornarás" (Gen 3:19), bem como "O que foi, isso é o que há de ser, e o que se fez, isto se fará, de modo que nada há de novo sob o sol" (Eclesiastes, 1:9).

domingo, 28 de maio de 2023

NADA ESPERE DE MIM

 

Imagem: Honório de Medeiros


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Nada espere de mim: sou todos, sou ninguém. De mim colherá um instante, apenas um instante. Nele, o que há? O negro da noite; a gota de chuva na tempestade, a cinza, do fogo-vento. Frases pinçadas ao léu; se abismo, a queda; na pequena-morte, a evanescência. Não esqueça jamais: todos homens são Um, Um homem é todos. Tudo espere de mim.

sábado, 27 de maio de 2023

AGORA SOMOS SILÊNCIO, QUASE

 


Imagem: Honório de Medeiros


Honório de Medeiro (honoriodemedeiros@gmail.com)


Dia desses olhei para você e me vi. Éramos reflexos um do outro, recortados contra o claro-escuro. Cores que esmaeceram, tingidas de prata. Sépia. Como passaram vertiginosamente os dias e as horas! O tempo é um abismo: vidas que fluíram, esvaneceram-se. Agora, somos silêncio, quase. Dizemos mudos. Construímos pontes para um infinito desconhecido. 

sexta-feira, 26 de maio de 2023

A BALADA DO RETORNO


 Imagem: Honório de Medeiros


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com).


Agora, retorno. Recolho as velas da minha nau imaginária. Solto a âncora. Desço ao cais. Respiro fundo a solidão da noite. Olho as luzes, as construções. Sigo. Caminho lentamente. A neblina molha as pedras, me molha. Chego à minha porta. Entro. Enxugo o rosto molhado com o braço. Tomo um grogue. Eis que chega seu sorriso luminoso. Seu colo perfumado. Seu olhar de madrugadas. Nossa história comum. Então, há o silêncio. Depois, vinho, cantigas e risos. Dança-se. Estou em casa.

quinta-feira, 25 de maio de 2023

A BELA ENTRE AS BELAS: ANGLES SUR L'ANGLIN

 


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros.blogspot.com)


Atribuíram-lhe o título de "uma das mais belas vilas da França". Nada mais justo. É difícil crer que haja outra tão linda. Supera Sarlat La Canéda. Um pedaço do meu coração ficou aqui, entre esses bosques, no rio L'Angles, nas suas águas verdes escuras profundas, e nas suas ruas tortuosas com casas antigas cujas paredes são tomadas por flores. 

terça-feira, 23 de maio de 2023

UM ACORDEONISTA EM BORDEAUX

 


Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com).


SOU fascinado por artistas de rua. Quando os vejo, paro um pouco distanciado e tento absorver tudo quanto posso deles e de sua arte, na medida em que os encontro em minhas andanças.

Na Europa, eles são muitos. Há desde o acordeonista cuja execução de "La Violetera", uma "habanera" de 1915, tantas vezes escutada na voz de minha mãe, até a quase adolescente que canta, à capela, uma doce canção de sua terra natal, a Itália.

Estou escrevendo acerca das ruas centrais de Bordeaux ou da famosa Place de La Bourse, o palco de encontro de todos, viajantes ou não, que por aqui moram ou andam.

Aproximei-me do acordeonista lamentando não dispor do poder do personagem de uma história em quadrinhos de minha adolescência, que podia ler a vida de qualquer pessoa bastando, para tanto, mergulhar em seus olhos, se o desejasse.

Como não podia nada pessoal lhe perguntar, aqui é ofensivo, tampouco possuía qualquer poder, depositei algumas moedas em sua caneca estendida sobre um pano vermelho que já vira muitas estações, olhei seu rosto cansado, mal cuidado, atribui-lhe uns bons setenta e poucos, e lhe perguntei se por um acaso do destino não saberia tocar "La Violetera".

Ele parou, pareceu buscar alguma lembrança obscura em suas memórias, deu-me um pequeno sorriso e titubeando, no início, mas com desenvoltura, a seguir, inclusive fazendo floreios, digamos assim, jazzísticos, tocou a música que eu lhe pedira como se estivesse no palco do Grande Teatro de Bordeaux, sendo ouvido por todos quanto, ao longo de sua longa vida, em algum momento pararam para ouvi-lo e aplaudi-lo.

NO SERTÃO DA FRANÇA: SARLAT-LA-CANÉDA

 


Honório de Medeiros

honoriodemedeiros@gmail. com


Sarlat-la-Canéda é uma comuna francesa localizada na região administrativa da Nova Aquitânia, no departamento Dordonha, Périgord-Noir.

Aguardo a partida do trem e escuto "As Quatro Estações", Vivaldi.

E escrevo, claro.

No caminho, Bergerac. Lembro-me imediatamente de Anatole France: "Monsieur Bergerac em Paris".

Um dia, vou lê-lo novamente. 

A região é a rural francesa. 

Seus rios aquosos, plácidos, banham belas, sonolentas e ancestrais cidadezinhas perdidas no verde da França. 

O Perigord é cheio de pequenos "chateaus" repletos de beleza e história que surgem de repente e são rapidamente deixados para trás pelo trem veloz.

Quero parar em cada um deles, conversar com seus castelões, desvendar seus segredos e os de seus antepassados, mas o trem não para. 

Vivaldi continua.

A cerração matinal nos acompanha, o sol se esconde.

O orvalho molha a janela do trem e o mundo fica cinza...

Sarlat é linda, indescritível. 

Andando pelo centro histórico, medieval, fico imaginando o dia-a-dia dos seus habitantes de então: suas relações, os amores, a comida, o sexo, a música, as intrigas políticas, os donos do poder, a escuridão e o silêncio da noite profunda.

Será que um dia volto e refaço todo esse percurso?

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

ESTUDO DE CASO: O CANGACEIRISMO

 






Um estudo de Caso: o cangaceirismo

* Honório de Medeiros 

A hipótese do “Outsider” que diz “Não!”, aplicada ao estudo da história. Um método. 

Lampião, porém, era um rude guerrilheiro, um gênio em estratégia, inteligência e astúcia (...) um homem do seu tipo surge de cem em cem anos (Lampião Cangaço e Nordeste, Aglae Lima de Oliveira)[1].

Nesse sentido, a mesma revisão feita sobre tantas das revoltas políticas, sociais e religiosas brasileiras cabe no que toca ao chamado banditismo rural nordestino, de cuja realidade ontológica também se pode dizer gilbertianamente tratar-se de agressão à cultura primitiva, recalcada, porém não destruída (Estrelas de Couro: A Estética do Cangaço, Frederico Pernambucano de Mello)[2].

Na terra seca, o homem é castigado pela inclemência climatérica, mas tem a compensação da liberdade individual imensa, formando-se uma humanidade altiva, de uma independência quase selvagem, indisciplinada, sem submissões ao trabalho, sem vida sistematizada. Cada homem é dono de suas ventas e, acostumado aos horizontes largos, para ele o mundo é grande e Deus é maior. E Deus é a aventura. É a possibilidade de fazer de suas apragatas verdadeiras botas de sete léguas, que poderão ser utilizadas deserto adentro para os lados em que o sol se põe, sem nunca chegar à serra por detrás da qual ele se deita. Nessa direção, o sertanejo pode vagabundar num verdadeiro caminho para o infinito, fugindo da coerção que lhe venha da polícia ou do trabalho organizado (Brejos e Carracais do Nordeste, Limeira Tejo, citado em Guerreiros do Sol: Violência e Banditismo no Nordeste do Brasil, por Frederico Pernambucano de Mello)[3]. 

Introdução 

                   É sob esse prisma, o dos inconformados (irresignados) que se revoltam e dizem “Não!”, transgridem e, a partir de então, são considerados “Outsiders”, que poderia ser estudado, por exemplo, o cangaceirismo...

CONTINUA...


[2] PERNAMBUCANO DE MELLO, Frederico. Estrelas de Couro. A Estética do Cangaço. São Paulo: Escrituras, 2010.

[3] PERNAMBUCANO DE MELLO, Frederico. Guerreiros do Sol. São Paulo: A Girafa, 2004.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

GOVERNO DO RIO GRANDE DO NORTE (1935-2018)





 Governo do Rio Grande do Norte (1935-2018)


Em 1939, o historiador Luís da Câmara Cascudo apareceu com “Governo do Rio Grande do Norte”, reunindo a história e a trajetória dos governantes que andaram por aqui de 1597 até 1935. O tempo foi passando e ficou uma lacuna a ser preenchida com os que vieram depois.

Foi esta a deixa que levou André Felipe Pignataro, Gustavo Sobral e Honório de Medeiros, em 2018, a reunir uma plêiade de pesquisadores e escritores, dentre eles, historiadores, juristas, jornalistas, professores e continuar até os dias de hoje.

O resultado vem a público em e-book (Biblioteca do Ocidente, 2022, 125p), apresentando a trajetória dos governantes do Rio Grande do Norte de 1935 a 2018. O livro traz, a princípio, uma listagem organizada por ordem cronológica, contemplando cada um dos governos, a que se segue os perfis dos 25 governos que administraram o Estado neste período.

Governo do Rio Grande do Norte (1935-2018), Biblioteca do Ocidente, 2022, 125p.

Organizadores: André Felipe Pignataro, Gustavo Sobral e Honório de Medeiros.
Autores: Adilson Gurgel de Castro; André Felipe Pignataro; Carlos Roberto de Miranda Gomes; David de Medeiros Leite; François Silvestre; Honório de Medeiros; Gustavo Sobral; Isaura Rosado; José Antônio Spinelli; Ludimilla Carvalho Serafim de Oliveira; Maria do Nascimento Bezerra; Ramon Ribeiro; Ricardo Sobral; Roberto Homem de Siqueira; Saul Estevam Fernandes; Sérgio Trindade; Tarcísio Gurgel; Thiago Freire Costa de Melo; Vicente Serejo; Walclei de Araújo Azevedo.

Para adquirir o livro, acesse:
https://revistagalo.com.br/selo-bo/

sábado, 21 de janeiro de 2023

DE UMA LONGA E ÁSPERA CAMINHADA

 


O FIO QUE CONECTA A TRAMA

* Gustavo Sobral

Faltava à vertente escrita de Honório de Medeiros, jurista, filósofo, ensaísta e biógrafo, escritor, o livro pessoal. Aquele em que o escritor reúne fragmentos de sua pensata, impressões, expressões, leituras, ficções e que revela um mundo de uma viagem pelo pensamento.

De uma longa e áspera caminhada (Viseu, 2022, 148p), de Honório de Medeiros, é um tanto isso e muito mais. É aquele livro que a gente vai e volta, para, pensa, grifa, relê, anota. É aquele livro que nos faz sair do mesmo e nos faz dialogar com o autor.

Recém-lançado e disponível para compra no site das livrarias e magazines, no Brasil, Portugal e Estados Unidos, em versões impressa e digital, o livro é um navego de um leitor vocacionado pela literatura universal e que revela o escritor cuja vida foi traçada pela leitura e pelos livros, desenhando o seu olhar sobre o mundo.

O leitor há de se aventurar palmo a palmo, a cada página de um pouso no inesperado, o que faz do livro um caminho de surpresas e que faz da leitura um caminho que pode ser próprio além do preposto pelo sumário. É um livro de ir e vir, é um livro para navegar.

O áspero do título pode até ir de encontro a um certa incredulidade e ceticismo que se contrapõe ao leitor do mundo abismado, surpreso, encantado, que toma água de coco na praia e conversa, anda pelo cemitério de Paris e tece uma perfeita crônica em ode ao ipê amarelo, uma beleza à Rubem Braga.

Honório de Medeiros é também aqui filósofo, lógico, matemático, político, cidadão, literato; é também o colecionador de paisagens, sensações, surpresas.  É Rousseau acima de Voltaire e Voltaire acima de Rousseau, com Platão, Popper e outros mais caros ao seu pensamento.

Este é o livro que faltava na biblioteca potiguar pela solidez do conteúdo, forma e o jeito de sabor de conversa que nos conduz. Vale ter na cabeceira como companhia.

A pré-venda é no site da editora Viseu e o livro físico está nos sites da Amazon, Americanas, Magazine Luiza, Shoptime, Submarino. E o e-book nestas e Apple, Barnes & Noble, Google, Kobo, Livraria Cultura e Wook.

Para ler esse e outros escritos acesse

* Gustavo Sobral é escritor, ensaísta e jornalista.

Elogio da dúvida

Vicente Serejo
serejo@terra.com.br

Camarim

 

BRANDE - Para seus amigos não é surpresa, mas será para seus novos leitores: a revelação do grande leitor que é o advogado Honório Medeiros, visto e lido, praticamente, como o pesquisador do cangaceirismo e do coronelismo no RN, com os seus três títulos que são grandes referências.

LEITOR - Depois de Américo de Oliveira Costa - ‘A Biblioteca e Seus Habitantes’ e os quatro volumes de “O Comércio das Palavras’ - Honório mantém a tradição dos grandes anotadores de leituras com seu novo livro - “De uma longa e áspera caminhada”. Edição da Viseu, Paraná, 2022.  

domingo, 2 de outubro de 2022

PODER POLÍTICO E DIREITO (2ª edição)

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)



MEDEIROS, Honório de. Poder Político e Direito (A Instrumentalização Política da Interpretação Jurídica Constitucional). Belo Horizonte: Editora Dialética. 2020.


INTRODUÇÃO


* Honório de Medeiros

Através deste trabalho pretende-se discutir a pouco trabalhada, conforme assim o afirma Norberto Bobbio, relação entre Poder Político e Direito. São muitas as dúvidas acerca desse tema, principalmente as que dizem respeito à ainda mal resolvida questão da legitimidade do Poder Político que termina sendo, na medida em que se aceite a teoria acerca da instauração do Direito enquanto instrumento do Poder, uma corroboração de que o próprio ordenamento jurídico é um epifenômeno.

Tais dificuldades originaram uma necessidade premente de transcrição de textos, em detrimento de paráfrases. Afinal, a teoria exposta, embora não seja inédita, requer ousadia para ser abraçada. Também se deve à tentativa de rastrear o nascedouro da vertente filosófica acerca do problema em si o uso de tal técnica.

Embora algumas alavancas intelectuais tenham sido introduzidas no texto da dissertação, o sentido no qual devem elas ser entendidas deflui do próprio texto; em outras ocasiões, quando necessário, notas de rodapé esclareceram sua utilização.

Por fim, ressalte-se que esta dissertação pretende discutir acerca da possibilidade da instrumentalização da produção, interpretação e aplicação da norma jurídica e/ou ordenamento jurídico pelo poder político. Trata-se de uma conjectura, agora submetida à refutação.

Não é novo o tema, embora a ele a doutrina somente se dedique de forma tangencial. Mas a afirmação principal, que norteia a produção do texto, é onipresente no senso comum dos operadores do Direito.

JESUÍNO BRILHANTE o primeiro dos grandes cangaceiros

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)




MEDEIROS, Honório de. Jesuíno Brilhante o primeiro dos grandes cangaceiros. Natal: Editora 8. 2020.



Prefácio

Olhos sem medo

“Há figuras de relativa nobreza, corajosos, incapazes de uma violência contra moças, crianças ou velhos, como Jesuíno Brilhante, e há os repugnantes, brutos, como Lampião” (Câmara Cascudo)


O mérito do historiador não é somente saber contar bem uma história, se tem a doma natural das palavras como ferramentas da arte de escrever. É quando tem os olhos sem medo, acesos pela dúvida. Aqueles que levam às camadas mais profundas dos fatos que desnudam mitos e sangram falsas verdades na espetada de um espinho de mandacaru.

Essa destreza de ordenar os fatos e submetê-los à riqueza do confronto das ideias, Honório de Medeiros já revelava, precocemente, na sua primeira e jovem aventura ensaística, ao ousar o olhar, inédito na bibliografia do Rio Grande do Norte, com o ensaio filosófico Investigação Parcial Acerca da Solidão (Nossa Editora, Natal, 1984).

Depois, fez incursões na filosofia do Direito com sua formação jurídica, mas nada que tivesse a força fundadora de inaugurar o que talvez represente a mais atenta percepção de uma até então inédita visão sociológica do cangaço nas relações de poder no tempo de um coronelismo de senhores e escravos, reinado mágico feito de reis e de vassalos.

No seu primeiro livro sobre o cangaço, Honório desloca a narrativa e vai erguê-la sobre as contradições do mandonismo coronelista dividido entre dominadores e dominados - heróis se aliados, bandidos se rebeldes. Parte integrante de um mundo ungido num processo de heroicização, mas ainda à espera de quem enfiasse os olhos para vê-lo perto, nas próprias entranhas, e compreendê-lo nas grandezas e misérias.

Dois ensaios são fundadores dessa literatura homérica na história intelectual que se fez nos últimos anos elevando a pesquisa histórica ao patamar sociológico e antropológico, na medida em que liberta a narrativa do crivo fácil da descrição: Massilon, nas veredas do cangaço (Sarau Literário, Mossoró, 2010), e Histórias de Cangaceiros e Coronéis (Sebo Vermelho, Natal, 2015).

Este seu novo ensaio - Jesuíno Brilhante, o primeiro dos grandes cangaceiros - não é uma aventura adjetivada. Nasce de olhos sem medo, na longa e detalhada tomada de visão que desmonta, corajosamente, uma verdade que anos perdurou livre e inquestionada, ao longo de décadas. Desde os anos cinquenta, nascida na proto-história eivada - embora sem travo de má fé - pelo processo de heroicização que modelou, numa versão claramente impressionista, a figura de Jesuíno Brilhante como um herói romântico.

Medeiros, de alpercatas maceradas no chão pedregoso do sertão mais sertão, não temeu abandonar a trilha. Não abrandou as verdades em torno do cangaceiro e sua história, nem a deixou cair na tentação cômoda de fazê-lo um herói. Bateu as esporas no vazio do cavalo e saiu rastejando a história, desde os antanhos, até encontrar o homem real.

Cuidadoso, antes mapeou a época, fixou o homem e sua história entre as invernadas e estiagens de um sertão do tamanho do mundo, no dizer de Guimarães Rosa. Até sair do outro lado, levando Jesuíno por inteiro, completo, humano e contraditório.

Para tê-lo verdadeiro, nas circunstâncias históricas e construtoras da verdade, até então diluída pela admiração, precisou jogar o jogo das razões e desrazões, e remover a pedra fundamental de uma marca romântica cavada no baixo-relevo da impressão nascida das afeições que movem as sensações da literariedade. É de Câmara Cascudo, no verbete que dedica a Jesuíno Brilhante, no Dicionário do Folclore Brasileiro (Ministério da Educação e Cultura, Rio, 1954), o timbre que Nonato vai repetir no próprio título do seu livro: Jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico (Pongetti, Rio, 1970, na edição original).

Medeiros não perdeu de vista as raízes ancestrais de Cascudo, o filho de Francisco Cascudo, coronel da Guarda Nacional, caçador de cangaceiros, e de quem herdou, por legítimo formal de partilha, a herança de olhar o cangaço como produto de um tempo sem lei a espalhar o horror no sertão do seu pai. Uma civilização trágica e monumental que Cascudo conhecia desde o aboio gregoriano dos vaqueiros à récita lírica dos cantadores, soprando nos lajedos o sentimento trágico e romântico dos homens cósmicos.

É Cascudo o primeiro grande pintor do romantismo de Jesuíno:

__ Jesuíno Alves de Melo Calado, depois chamado Jesuíno Brilhante, foi o cangaceiro gentil-homem, o bandoleiro romântico, espécie matuta de Robin Hood, adorado pela população pobre, defensor dos fracos, dos anciões oprimidos, das moças ultrajadas, das crianças agredidas.

Mas não é este o Cascudo que descreve a figura do cangaceiro no verbete do mesmo Dicionário, na generalização de acusações imperdoáveis:

__ Diz-se no Nordeste do Brasil do criminoso errante, isolado ou em grupo vivendo de assaltos e saques, perseguido e perseguindo, até a prisão ou morte numa luta com tropa da polícia ou com outro bando de cangaceiros.

Raimundo Nonato, clara e fortemente influenciado por Cascudo, a quem enaltece como fonte pioneira e fundamental, concorda e abriga, sem reservas, o novo herói, aquele da modelagem cascudianamente concebida no barro das afeições:

__ Com esse novo depoimento, o Brilhante afirma uma configuração de cangaceiro romântico, que ninguém até então lhe tinha emprestado.

A afirmação teria sido definitiva se Honório de Medeiros não tivesse enfiado os olhos corajosos nas fontes primárias, tão essenciais ao pesquisador na busca dos fatos perdidos na noite do tempo e tão adormecidos nos velhos jornais. Impulsionado pela força da curiosidade, parte levando no alforje a indagação clássica: Jesuíno, herói ou bandido?

É a essa pergunta que responde neste livro ao longo de mais de uma centena de páginas. Fato a fato. Nome a nome. Como um rastejador de abelhas numa demorada caminhada sobre chãos e lajedos no sertão épico e trágico do nunca mais. Até encontrar Jesuíno. Real e legítimo, forjado nas asperezas do seu tempo feito de pedras e espinhos.

Honório de Medeiros encontra o herói? Ou bate de frente com um bandido impiedoso? Eis a trilha que o leitor, a partir de agora, precisa seguir para encontrar a resposta. Sem levar de antemão, na bruaca, a sentença da condenação, nem o doce favo da lenda que há mais de um século andava vagando no sertão velho, entre crenças e abusões.

Natal, março de 2020, nos dias da peste que veio de longe.

Vicente Serejo

TENENTE-CORONEL CHILDERICO JOSÉ FERNANDES DE QUEIROZ FILHO (Artigo)

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)




MEDEIROS, Honório de. Tenente-Coronel Childerico José Fernandes de Queiroz Filho. Natal: artigo em Revista do Instituto Histórico e Geográfico do RN / Instituto Histórico e Geográfico do RN. - v. 99. 2020.

CASCUDO E O CANGAÇO (Artigo)

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)




MEDEIROS, Honório de. Cascudo e o CangaçoNatal: artigo em Revista do Instituto Histórico e Geográfico do RN / Instituto Histórico e Geográfico do RN. - v. 98. 2019.

PAU DOS FERROS ONTEM E HOJE (Artigo)

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)




MEDEIROS, Honório de. Pau dos Ferros Ontem e Hoje. Natal: artigo em Revista do Instituto Histórico e Geográfico do RN / Instituto Histórico e Geográfico do RN. - v. 97 (Ano 2018). 2018.

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

FEUDALISMO, CORONELISMO E CANGAÇO (artigo)

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)



MEDEIROS, Honório de. Feudalismo, Coronelismo e Cangaço. Natal: artigo em Revista do Instituto Histórico e Geográfico do RN / Instituto Histórico e Geográfico do RN. - v. 92 (jan./mar.). 2016.

PARABELLUM (coletânea)

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)




GASTÃO, Paulo Medeiros (organizador). Parabellum: "Tiro Certeiro". Mossoró: Coleção SBEC - Universo das Caatingas - Nº 05 - Mossoró/RN.

Do Conceito de Cangaço, Cangaceiro e Cangaceirismo (Honório de Medeiros)

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

HISTÓRIAS DE CANGACEIROS E CORONÉIS

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)



MEDEIROS, Honório de. Histórias de Cangaceiros e Coronéis. Natal: Sebo Vermelho Edições. 2015.


APRESENTAÇÃO


* Antônio Gomes


Passados dez anos do lançamento, no Cariri cearense, de “Massilon – Nas Veredas do Cangaço e Outros Temas Afins”, eis que Honório de Medeiros nos entrega “Histórias de Cangaceiros e Coronéis”, o segundo volume de sua trilogia acerca desse tema fascinante.

Desta vez o livro é dividido em três grandes eixos: no primeiro, “Jesuíno Brilhante, Herói ou Bandido”, o autor, com base em farta documentação, em primeiro lugar nos apresenta uma face mais visível do pouco conhecido, mas muito famoso em sua época, José Brilhante, o “Cabé”, tio materno do único cangaceiro potiguar conhecido, e que foi personagem do romance “Os Brilhantes”; e, em segundo lugar, mostra o quanto talvez seja equivocada a percepção romântica, calcada no mítico Robin Hood, tanto do senso comum quanto dos escritores que se dedicaram a escrever acerca do primeiro dos grandes bandidos rurais do ciclo do cangaço, Jesuíno Brilhante.

No segundo eixo trata do famoso ataque de Lampião a Mossoró analisando-o a partir de uma perspectiva inédita e com informações até então desconhecidas da literatura específica acerca do tema. Aparece, por exemplo, pela primeira vez na história do cangaço, identificado inclusive com imagem, a “oposição oficial” ao Coronel Rodolpho Fernandes e que a ele se contrapôs veementemente nos dias que antecederam a invasão da cidade.

Por fim, no terceiro eixo, constituído de crônicas acerca de temas diversos do cangaço e do coronelismo, trata, por exemplo, de uma misteriosa amante de Antônio Silvino, bem como acerca da famosa “teoria do escudo ético”, ou mesmo do “pacto dos governadores para eliminar os cangaceiros”, dentre outros, que se colocam para o leitor como textos menos densos, mas, nem por isso, menos instigantes.

Como dito outrora, na orelha do “Massilon”, e ainda válido hoje, o que o Autor pretende, e não há razão para que não ocorra da forma como ele deseja, este livro é “nada tão sério que pareça maçante, tampouco tão leve que pareça desfrute.”

Mãos à obra.

Antônio Gomes, Sertão/Natal, 2015.

CRÍTICA

* Prof. Dr. Gilson R. de M. Pereira

            É possível dizer algo novo sobre o Cangaço e sobre o Coronelismo, tão exaustivamente estudados? O que justifica debruçar-se sobre um assunto aparentemente tão esgotado? É possível acrescentar uma informação crucial, uma perspectiva diferente, fazer algum avanço nas análises até aqui feitas? Parece que, pelo menos em relação ao material empírico, não se pode esperar muita coisa, visto que, exceto por um ou outro documento, uma foto, uma carta, que ainda eventualmente possa aparecer, tudo já foi muito esmiuçado. Se isso estiver correto, então não é no âmbito do protocolo que se pode ampliar o que se conhece sobre cangaceiros e coronéis, porém nos métodos e nas análises do material disponível e esta é a contribuição de Histórias de Cangaceiros e Coronéis, Editora Sebo Vermelho, de autoria de Honório de Medeiros, recentemente lançado.

                    O que faz de Histórias de Cangaceiros e Coronéis um marco, um determinante simultaneamente teórico e prático nos estudos sobre o coronelismo e o cangaço, é a mobilização, em objetos precisos, do modo de análise estrutural. Sintetizando, e sem antecipar o conteúdo do livro, o autor, de forma novidadeira, submete o cangaço e o coronelismo a um método de análise que privilegia as relações entre os agentes e as instituições como princípio de conhecimento do real, quer dizer, como princípio de inteligibilidade da particularidade de um mundo social situado e datado. Para isto, Honório se apropria do conceito de “campo social”, formulado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, e o aciona a fim compreender e dar a compreender a teia de relações que faz de cangaceiros e coronéis opostos e complementares no proto-campo político do Nordeste brasileiro no período do final do Segundo Império à década de 1930. Digo proto-campo político, pois neste período o campo político ainda não havia se autonomizado e estava imerso numa totalidade social, difusa e parcialmente diferenciada, que anexava a política à economia, à tradição e à religião.

                    O credo metodológico de Histórias de Cangaceiros e Coronéis não é formalizado no livro, e nem seria preciso, mas é esboçado às páginas 225-226. Assim, o vetor epistemológico adotado é claro: vai do racional ao real, de acordo com a máxima sociológica segundo a qual é o mundo social – cientificamente construído – que explica os indivíduos e não o contrário. E para lançar luz nas práticas e representações de cangaceiros e coronéis, Honório recorre não a um vago “contexto social”, nem aos imprecisos “determinantes em última instância da economia”, mas ao campo, ainda não inteiramente estruturado, é bem verdade, no qual se disputavam os móveis e interesses políticos da época.

                    Assim sendo, esse poderoso recurso analítico permite a Honório de Medeiros ver mais longe e dizer coisas não sabidas sobre fatos já conhecidos. As práticas de cangaceiros e coronéis, desse modo, saem do arbitrário, do acaso, do irracional e se encaixam, ainda que na forma de conjecturas, como reconhece o autor, num cenário interpretativo que tem a força da razoabilidade. Na construção deste cenário explicativo, é particularmente interessante o uso das genealogias, recurso fartamente utilizado pelo autor. A garimpagem das relações familiares, dos compadrios e das linhagens não é no texto um mero exercício de erudição e virtuose investigativa, mas um modo de reconstruir a trama das interdependências capazes de conferir sentido aos atos aparentemente mais díspares. Embora pareça extenuante ao leitor desatento, as genealogias auxiliam na construção da economia das trocas materiais e simbólicas entre as famílias, os clãs, os grupos e as facções em disputa pelo poder, em luta pela honra e pela posse de recursos escassos. Assim, é lícito afirmar que em Histórias de Cangaceiros e Coronéis o autor não é tão somente um genealogista inspirado, mas um topógrafo empenhado em descrever a topologia do já mencionado proto-campo político. Ao fazê-lo, ao minuciar a teia de relações familiares, de compadrio e de amizade (e de inimizade), o autor repõe ao mesmo tempo as posições relativas ocupadas pelos diversos agentes no estado do proto-campo político à época. Neste caso, o desafio enfrentado pelo autor foi o de mostrar o funcionamento da lógica prática – esta lógica sem lógicos – capaz de fazer compreender o que os agentes fazem e como e porque o fazem.

                Em Histórias de Cangaceiros e Coronéis, coronéis e cangaceiros partilham do mesmo ethos e do mesmo pathos, pois possuem os mesmos esquemas de pensamento e ação. Isso não significa juntá-los indistintamente num único cesto informe: a análise estrutural separa o que o vulgo junta e junta o que o vulgo separa. O que Honório junta (e o vulgo separa): cangaceiros e coronéis na mesma trama do poder; o que Honório separa (e o vulgo junta): os cangaceiros dos marginais de feira (vide as referências quer à situação econômica de relativa folga das famílias de alguns cangaceiros ou mesmo à estirpe nobre de outros).

                Mas unir coronéis a cangaceiros não seria muito expressivo do ponto de vista analítico, pois ainda seria preciso identificar as distinções nas semelhanças. E, mais uma vez de forma adequada, Honório procura o princípio explicativo das distinções na hierarquia do proto-campo político de então, ou seja, na legitimidade que coronéis possuíam e cangaceiros, não. As alianças conjunturais – de interesses, de ódios, de intrigas, inimizades e amizades – unem o cangaço a frações do coronelismo, mas a legitimidade deste último o demarca do primeiro. É bom lembrar que os cangaceiros não foram indiferentes à legitimidade, a exemplo da “patente” de capitão de Virgulino Ferreira, sempre anunciada com orgulho.

                O capital de legitimidade dos coronéis e o déficit de legitimidade dos cangaceiros pesarão na reprodução posterior dessas duas experiências políticas típicas do Nordeste brasileiro no já mencionado período do final do Segundo Império à década de 1930. O coronelismo, em razão dos trunfos materiais e simbólicos que dispunha e da legitimidade amparada nos poderes do Estado, encontrará, como o autor menciona, formas de sobrevivência, ou seja, de reprodução ampliada quando da modernização do País. As modernas oligarquias e as linhagens familiares que, atualmente, dominam a política no Nordeste descendem do coronelismo. Os cangaceiros, por sua vez, justamente em razão da posição subalterna que ocupavam no proto-campo político durante o mesmo período e da ausência de legitimidade, sucumbiram e foram extintos. Assim, é apenas por um abuso terminológico que hoje se fala em “novo cangaço” ao mencionar os bandos de facínoras que roubam bancos e aterrorizam as pequenas cidades do interior. Não há nenhuma semelhança tanto na forma como no conteúdo.

               Cangaceiros e coronéis não emergem das 285 páginas de Histórias de Cangaceiros e Coronéis inteiriços como se saídos dos mitos e dos contos de fadas, porém contraditórios, dilacerados, ora heroicos, ora pusilânimes, quase sempre horríveis e sombrios. São os vitoriosos e os vencidos de um mundo caracterizado, para usar a expressão de Johan Huizinga a propósito do declínio da idade média, pelo “teor violento da vida”. Afinal, Histórias de Cangaceiros e Coronéis é um livro cheio de atrocidades (“matou, emboscou, decapitou, deflorou, ultrajou, espancou cruelmente” são palavras amiúde encontradas). Contudo, restituí-los – os ofendidos e os ofensores – em sua humanidade, sem preconceitos, eis um inegável mérito da análise estrutural empreendia por Honório de Medeiros.

                Em razão do alcance analítico dos resultados e do manejo modelar do método, penso que, doravante, qualquer ensaio que pretenda fazer avançar o conhecimento sobre o coronelismo e o cangaço deverá, necessariamente, interpelar Histórias de Cangaceiros e Coronéis.

* Gilson Ricardo de Medeiros Pereira possui graduação em Licenciatura em Física pela Universidade de São Paulo (1987), graduação em Bacharelado em Física pela Universidade de São Paulo (1983), mestrado em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (1992) e doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (2001). Trabalhou como professor efetivo na Universidade Regional de Blumenau, SC, e, atualmente, é professor do quadro da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, atuando no Programa de Pós-Graduação, mestrado em educação. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Sociologia da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, políticas públicas, administração da educação, periódico especializado e disciplina acadêmica.