quinta-feira, 26 de novembro de 2009

SÃO CARLOS TIROU AS CRIANÇAS DA RUA

Deu em Nassif (www.colunistas.ig.com.br/luisnassif):

Por Gustavo Cherubine
Qual o segredo de São Carlos?
Do Estadão
Quarta-Feira, 25 de Novembro de 2009
Versão Impressa
São Carlos tirou crianças das ruas
Brás Henrique, RIBEIRÃO PRETO
Em São Carlos, cidade mais segura do País, segundo a pesquisa, crianças e adolescentes têm programas de educação complementar à escola no Salesianos – entidade mantida por religiosos. Os jovens participam de várias atividades e têm até cursos profissionalizantes. O padre Agnaldo Soares Lima, que foi secretário Especial da Infância e da Juventude na cidade, entre 2005 e 2006, lembra que São Carlos adota ações preventivas desde os anos 90, quando foi criado o Estatuto dos Direitos da Criança e do Adolescente. “Não temos mais crianças nas ruas”, diz. O Salesianos atende 480 jovens.
Segundo a Polícia Militar, antes de 2001, a média era de 15 homicídios ao ano envolvendo adolescentes. Em 2007 e 2008, houve um por ano. E neste ano ainda não há ocorrência.
Em Franca, a terceira melhor cidade segundo o levantamento, o secretário de Ação Social, Roberto Nunes Rocha, cita vários programas de ações assistenciais que trabalham com os jovens. Para ele, existe uma integração de forças na cidade que, apesar de seus 331 mil habitantes, não tem favelas.

A MORTE DE CHICO PEREIRA


Otoniel Menezes

Por Laélio Ferreira:

Sobre JOAQUIM DE MOURA, Oficial da Força Pública do RN, matador de CHICO PEREIRA, In "Othoniel Menezes - Obra Reunida", "Sertão de Espinho e de Flor - Canto 11 ("taquigrafado numa feira")", com Nota de Laélio Ferreira:
 
"
- Mermo prus perré[1],agora,

Café Fio é a lui da oróra,

Papai Noé do Brasí...

- Ante dele sê tão grande,

cafeísta era no frande[2]

na virola e no fuzí...



- Coração de mé de abêia,

o Café, ocês me creia,

imbora impate robá,

vai dá ciloura[3] e camisa

inté a Joaquim Marfisa[4],

se de tanto percisá...



- Cum tanto do “amigo novo”,

vai mái é ficá pru povo

deferente - é de amaigá!

Num adianta, esse luxo

de teimá sê péla-bucho[5]...

- camalião, vai pra lá![6]

[1] Idem.

[2] Idem, idem.

[3] Ceroula, cueca.

[4] Joaquim Teixeira de Moura - Referência velada, ferina, ao Coronel da Polícia Militar do RN. Durante o relativamente curto período do governo (1928-1930) de Juvenal Lamartine de Faria (1874-1956), esse oficial notabilizou-se pela violenta repressão aos correligionários – e à própria família - do futuro Presidente Café Filho, inimigo político do Governador. Ficou célebre, quando tenente, em 1928, pelo frio assassinato de um certo Chico Pereira, acusado de roubo no interior do Estado e constituinte de João Café – que era advogado provisionado. Itamar de Souza, in A República Velha no Rio Grande do Norte, conta, com detalhes, a terrível façanha do militar. Outro escritor, Ivanaldo Lopes – por sinal, filho de um outro coronel -, no livro Oficiais da PM (1980), retrata Joaquim de Moura como “quase perverso por obrigação do ofício”, revelando que “... às vezes, quando o sacrifício era próximo a núcleos residenciais, sepultava o bandido em cova rasa, ainda vivo, mas inerte, mantendo apenas a respiração ofegante de moribundo. Tanto assim era, que, em muitos casos testemunhados por transeuntes, as reações da vida faziam surgir do túmulo um braço ou uma perna, denunciador de alguém ali sepultado.”

[5] V. Nota de OM, adiante.

[6] OM, nesta e na sextilha anterior, critica João Café Filho – que praticamente nada fez pelos amigos da primeira hora, esquecendo-os quando assumiu o poder. Othoniel foi um dos que se desiludiram das promessas do político."


O SURTO DE GRIPE SUINA NO CARNATAL

Deu no Nominuto.com:

"Os médicos tratam o assunto como uma obviedade.
'Se a transmissão do vírus (H1N1) é feito pelas via aéreas, lógico que um evento como o Carnatal traz o risco de ocorrer um verdadeiro surto', declarou o infectologista do Hospital Giselda Trigueiro, Luiz Alberto Marinho.
Alguns profissionais da saúde acreditam até que caberia ao Ministério Público, junto à Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap), reavaliar a viabilidade da festa.
Há cerca de duas semanas, os hospitais voltaram a registrar os casos de gripe influenza A.
A Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap) já registra, pelo menos oficialmente, oito mortes e 70 casos confirmados.
A população começa a ficar apreensiva sobre como anda o controle da doença no Rio Grande do Norte e até mesmo como está sua velocidade de transmissão, a ponto de questionar a realização do Carnatal, evento tradicional na cidade, que reúne milhares de pessoas.
Segundo Luiz Alberto, o fato de as pessoas estarem muito próximas no mesmo espaço remete a transmissão mais acelerada do H1N1.
A infectologista Marise Reis, do Hospital do Coração, é mais incisiva.
Para ela, esse não é o momento ideal para realizar a micareta.
'Normalmente depois do Carnatal temos muitos casos de doença virais. Só que a diferença deste ano é que o vírus é influenza A'.
'Não sei como vai ficar este hospital depois do Carnatal', declarou a enfermeira do Hospital do Coração, Edna Aparecida.
Segundo ela, nos primeiros 18 dias de novembro a unidade registrou 14 casos suspeitos, 11 a mais que em outubro, quando foram registrados três casos.
Desde maio até novembro, 73 pessoas foram consideradas suspeitas de estarem com gripe A.
A empresa promotora do Carnatal, a Destaque, informou que não se pronunciará sobre o assunto. E o setor de Vigilância Epidemiológica da Sesap não foi encontrado."

A COLEÇÃO MOSSOROENSE EM FEIRA DE SANTANA


Jornalista Jânio Rêgo

Paço Municipal lotado para a entrega dos livros em Feira de Santana:

Aconteceu no Paço Municipal Maria Quitéria, ontem, a entrega de 500 livros da Coleção Mossoroense pelo Blog da Feira e Fundação Vingt-Un Rosado, através do jornalista Jânio Rêgo (foto), à Prefeitura Municipal de Feira de Santana. Na composição da mesa estiveram, além de Jânio, o prefeito Tarcízio Pimenta, Milton Brito, chefe de Gabinete, Selma Soares, diretora do CUCA, Newton Belas Vieira, assessor de gabinete e Raymundo Luiz, representando a Universidade Estadual de Feira de Santana (Orisa Gomes).

Jânio Rego é parabenizado pela ação:

O chefe de gabinete da Prefeituna de Feira de Santana, Milton Brito, parabenizou Jânio pela ação. “Aprendi com o poeta Castro Alves, que bendito aquele que semeia livro. Tomara que muitas pessoas tenham atitudes como essa de doar cultura e literatura para nossa Biblioteca e engrandecer o nosso povo”, afirmou. Newton Belas Vieira completou dizendo que se todos os brasileiros estudassem a história do Brasil, através do conhecimento da história do seu estado, poderiam dizer que realmente conhecem a história do país. "Como um modesto historiador e modesto estudante de história, eu afirmo que não conheço a história de Mossoró e vou poder fazer isso através desses livros”, destacou (Orisa Gomes).


Coleção Mossoroense em Feira:


O Prefeito Tarcízio Pimenta finalisou o momento de entrega dos livros dizendo que eles vão fazer parte do projeto que a prefeitura está implementando para o próximo, de modernização da Biblioteca Municipal. "Como estudante tive o acesso aos livros da Biblioteca, que mesmo com sua precariedade,nos serviu. É muito importante que a gente esteja assistindo a essas mudanças. Em 2010 vamos levar para a Biblioteca o que existe de mais moderno, onde as pessoas possam ter acesso a livros, boletins a qualquer momento. Estamos satisfeitos e agradecidos. Este material vai ser documentalizado e encaminhado para a Biblioteca Municipal Arnold Silva", disse (Orisa Gomes).

O PODER


O poder

O Poder é o parâmetro fundamental para o estudo da tragicomédia sócio-humana. Ele está por trás de tudo: engendra as soluções para transpor os obstáculos que possam surgir. Constrói estratégias adaptativas. Não há vazio no espaço social, por que o Poder está sempre presente. Mudam seus titulares por que o Poder muda de dono de acordo com fatores tais como competência, circunstância... Tudo é prolongamento ou instrumento do Poder. O que há para além dele? Ernst Becker diria: o medo da morte. Darwin diria: a necessidade de sobreviver. Isto é, queremos o Poder por que queremos deixar nossa marca na história. Ou queremos o Poder por que somente assim asseguramos a sobrevivência dos nossos gens através dos descendentes (Honório de Medeiros).

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

CONHECER



Árvore do conhecimento

Conhecer é apreender. A idéia de apreender, “intelegere”, deve-se a Platão, no Teeteto. Apreender é tomar consciência de algo. Esse apreender é conjuntural. Trata-se de um ensaio, uma hipótese-rede, uma estratégia de desvendamento da realidade. O apreender revela-se como “insight” e é, sempre, conjuntural. Nunca, portanto, verdade acabada. Trata-se de um ensaio, uma teoria, uma hipótese, uma estratégia instantânea de desvendamento da realidade (Honório de Medeiros).

MEDO, COVARDIA E NEGLIGÊNCIA

Deu no Blog de Ricardo Rosado (www.fatorrrh.com.br):

"Ok, finalmente as entidades responsáveis pela saúde do Estado vieram a público, através de nota distribuída ontem para a imprensa, publicada na íntegra no post anterior, alertar a população dos riscos de contrair o vírus H1N1 da gripe suína,

Mas limita-se tão somente a falar de "registro de novos casos" e às orientações profiláticas para evitar o contágio.

Isso tem em qualquer bula para fugir de uma gripe besta.

Na nota não há um só fato concreto que possa ser levado a sério.

Poderia ser distribuída em qualquer época do ano, dizendo as mesmas coisas.

Toda a manifestação das entidades médicas e órgãos públicos escrita na nota é superficial, teórica, fugidia, frouxa, inconsequente, boba, infantil, singela, escorregadia, disfarçada, pueril, negligente, incompleta, imprecisa, atemporal e sem nenhuma objetividade.

Sem falar em informações inúteis para a população, como saber pra onde seguem os resultados das coletas, se pra Belém ou Quixeramobim.

E ainda alertam que ninguém deve tomar remédio sem indicação e orientação médicas.

Ora, tudo pra fugir, escamotear, esconder o principal motivo de preocupação iminente.

O que é importante saber não são somente explicações genéricas a respeito da gripe suína e do vírus circulando na cidade.

Sim, mas em que nível vem se dando este aumento, " especialmente em Natal e em municípios do interior do estado, o que é uma evidência de que o vírus está circulando no nosso estado", conforme reconhece a nota?

Quantas pessoas estão infectadas em Natal e no Estado?

Quantas já moreram ou estão internadas?

O que quer dizer " em casos de doença respiratória aguda grave e em surtos de síndrome gripal em comunidades fechadas", escrito na nota?

Que tipo de perigo corre a população frequentando (ou não) o carnaval fora de época previsto para primeira semana de dezembro?

O que as entidades médicas e órgãos públicos tem a dizer para os milhares de jovens que vão participar do evento movidos a hormônios, bebidas, drogas e música?

O evento pode provocar uma epidemia na cidade?

Por que a nota da saúde e das entidades médicas e órgãos públicos não toca neste assunto?

Por que fugiu do tema, quando médicos e médicas infectologistas denunciaram publicamente o perigo que corre a população?

Somente no último parágrafo, escondido e quando ninguém normal aguentaria chegar ao fim do texto depois de ler tanta cultura inútil, a nota dos setores da saúde diz que "é recomendado, ainda, buscar manter-se em ambientes ventilados, procurando não circular em aglomerações e locais fechados".

Que tipo de aglomerações e locais fechados não são recomendáveis pelas entidades médicas eórgãos publicos da saúde?

A aglomeração de milhares de pessoas nos próximos dias em Natal, de gente de todo o país, não se enquadra nestas preocupações e recomendações?

Missa, procissão, comício, inauguração, jantar de fim de ano, ceia de natal em restaurante lotado, dentro de um shopping center, distribuição de bicicleta, show artístico, vaquejada, jogo no Machadão ou no Frasqueirão são aglomerações não recomendáveis pelas entidades médicas e os órgãos públicos da saúde?

De que tipo de ameaça sofrem os médicos, os órgãos públicos da saúde e as entidades médicas do Estado se falarem com franqueza e seriedade profissionais?

O medo, a covardia, a negligência e o desrespeito à população, explícitos na nota que as entidades de saúde e órgãos públicos do Estado distribuíram, não deixam mais dúvidas: em caso de uma epidemia nos próximos meses a população já tem a quem acusar criminalmente."
























"ANTÔNIO SILVINO" por SÉRGIO DANTAS



Antônio Silvino no centro, agachado

Em narrativa linear, atenta à lógica dos fatos históricos, Sérgio Augusto de Souza Dantas nos reapresenta a um Antônio Silvino cru, recortado do contexto mítico e inserido em sua dimensão humana, sem que restasse perdido tudo quanto o tornou um dos mais interessantes personagens da trindade básica que forjou a alma sertaneja – o cangaço, o misticismo, o coronelismo.

Louve-se a felicidade na escolha do “nome” de cada capítulo bem como o excerto que o acompanha, próprio para chamar a atenção do comprador desatento, em uma homenagem ao estilo jornalístico de outrora, e a indicar um texto enxuto, leve, de parágrafos curtos e bem encadeados. Chamam a atenção episódios trazidos a lume que por si só têm dimensão histórica, como a convivência entre Antônio Silvino e Gregório Bezerra, lendário líder comunista pernambucano, sua entrevista com Graciliano Ramos, e o assalto à Usina Santa Filonila na qual morreu Feliciana na flor da idade – crime do qual o cangaceiro jamais deixou de se arrepender. Aliás, qual teria sido o desfecho do embate entre Antônio dos Santos Dias e José Tavares de Melo, este, genro, aquele, pai de Teresa Tavares de Melo, pivô da questão? Qual teria sido o fim de cada um deles?

O Antônio Silvino que emerge do ótimo texto de Sérgio Dantas é um personagem emblemático: é o retrato nítido de uma saga que nos permite identificar e compreender os nexos causais que originam certa circunstância histórica – o período do cangaço – e até mesmo ir além, na medida em que também permite identificar o viés comum a entrelaçá-los, ou seja, a questão do Poder. Basta colocar esses retratos sobre a mesa e examiná-los com olhar crítico: Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Lampião; Coronel Zé Pereira, Coronel Isaías Arruda, Coronel Floro Bartolomeu; Pe. Cícero, Beato Zé Lourenço, Antônio Conselheiro... Tomando distância de qualquer tentativa de apreender o fenômeno a partir de uma explicação oriunda exclusivamente de fatos alusivos à posse da terra.

É possível conjecturar se Sérgio Dantas vai aventurar-se em novos resgates ou cuidará de desbravar outras fronteiras. Sua obra tem sido, até agora, a fronteira entre um ciclo e outro no que diz respeito à literatura do cangaço. Esse ciclo por ele estudado até o momento está chegando ao fim. Já não é mais possível, até onde sabemos, ressalvada a possibilidade de documentos desconhecidos surgirem inesperadamente, prosseguir com a literatura elaborada a partir de relatos, fotos, testemunhos ou escritos, ou seja, fontes primárias. São poucos os sobreviventes e deles já se extraiu mais do que tudo. Os papéis estão virando pó, vítimas da ação inclemente do tempo e da incúria das nossas elites. Um outro ciclo está surgindo: a interpretação de todos esses dados, ou seja, uma literatura de tese, algo timidamente iniciado por Frederico Pernambucano de Mello com “Guerreiros do Sol”, através da criação do conceito de “escudo ético”.

A não ser que – e talento não lhe falta – resolva mergulhar com sua característica obstinação no jornalismo literário brindando-nos com alguma pesquisa onde sobrem indícios, mas, faltem provas – como de fato acontece nessa espécie literária - e, no entanto, seja possível povoar um texto com interrogações perturbadoras tais quais, por exemplo, as razões do estranho silêncio do Juiz e do Promotor de Mossoró em relação aos fatos que lá aconteceram em junho de 1927.

A PEQUENINA FLOR LILÁS


Criança e flor

Por Honório de Medeiros

Havia uma pequenina flor lilás no nicho de cimento onde algumas plantas resistiam bravamente. Era um restaurante em um terraço, ao cair da noite cálida de Natal. Bárbara desceu da cadeira na qual a tínhamos colocado e enquanto se preparava para se aventurar pediu nossa aprovação com o olhar com o silêncio próprio dos seus dois anos e pouco. Em passos ainda trôpegos se dirigiu para o canteiro. Parou. Fixou sua atenção na pequena flor solitária e, em seguida, estendeu até ela sua mãozinha gorducha. Não a pegou com a mão como deveria fazer na sua idade. Com o polegar e o indicador, cuidadosamente, pegou no talo que sustentava a flor e o puxou decidida. Arrancou a flor na primeira tentativa. Com a flor na mão a contemplou durante algum tempo, como se resolvesse o que fazer. Virou-se para nossa mesa. Olhou para mim e, atenta ao meu olhar, veio em minha procura bamboleando com a flor estendida numa oferta silenciosa enquanto meu coração derretia lentamente antegozando o instante em que a receberia.



Essa flor, a pequenina flor lilás, eu, quanto a ela não tive dúvida: em frente ao local onde trabalhava havia um mercado aberto de camelôs e, dentre estes, alguém operava uma máquina de plastificação de documentos. Procurei-o e lhe expus meu projeto: aprisionar aquele instante através do enclausuramento da flor entre duas páginas de plástico. Ele entendeu – eu poderia jurar que um ligeiro brilho clandestino formado por um misto de lembrança e saudade surgiu no canto dos seus olhos – e a flor foi depositada em cima de uma folha de plástico, recebeu outra por cobertura e a máquina, previamente aquecida, as comprimiu unindo-as para sempre. Depois, foi só recortar e depositá-la, para que ficasse guardada, qual talismã, na minha carteira de documentos onde jaz, ela, a primeira flor, lilás, que minha filha me deu de presente quando tinha dois anos e pouco de idade.



De lá para hoje, várias vezes me pego pensando acerca daquele momento mágico, o da oferta da flor. Tento reproduzir em detalhes toda a cena, desde o início até o final, quando suspendi minha filha e a cobri de beijos. Os detalhes vão ficando esmaecidos ao longo do tempo, os contornos dos objetos – a mesa, as cadeiras, o terraço, minha esposa, a imagem de Bárbara – desaparecendo lentamente, e todo o processo de recordar vai sendo substituído, aos poucos, pelo desejo de compreender algo impossível: o quê se passava na cabecinha dela quando olhou para a flor, resolveu colhe-la e, em seguida, entregá-la a mim. Em que momento decidiu dar esse último passo? Por quê? Como uma criança de dois anos e pouco poderia ter em seu ainda pouco povoado universo simbólico, a noção de que a oferta da flor é um gesto através do qual se externa um afeto?



Claro que dirão que estou sonhando. Nada houve ali de especial. É tudo muito simples e fácil de explicar: trata-se de um gesto surgido de uma associação de idéias. Ela viu alguém fazendo isso e lembrou-se de fazer o mesmo. Ora, meu Deus. Essas pessoas não crêem. Não conseguem extrapolar seu materialismo árido. Percebem o mundo apenas através dos seus nexos lógicos. São os homens-ocos, dos quais fala o poeta T. S. Elliot em “A Terra Desolada”. Por causa delas eu mesmo não acredito, hoje, em fadas, mas sei que elas existem, existem sim, sou capaz de jurar...

terça-feira, 24 de novembro de 2009

APENAS ENGROSSAR AS FILEIRAS DA PM MELHORARÁ A SEGURANÇA?

Bilhete eletrônico do Professor Rinaldo Barros, comentando a postagem "APENAS ENGROSSAR AS FILEIRAS DA PM MELHORARÁ A SEGURANÇA?":

"Honório,


Em entrevista recente, o chefe de organização criminosa - Marcola - afirmou que já leu cerca de 2 mil livros na cadeia. Cita Dante em suas respostas.

Veja como as forças de segurança estão em desvantangem."

"COLEÇÃO MOSSOROENSE" EM FEIRA DE SANTANA

A doação de livros da Coleção Mossoroense em Feira de Santana, uma ação cultural do jornalista mossoroense radicado em Feira de Santana, Bahia, Jânio Rêgo (www.blogdafeira.com.br) repercute no Rio Grande do Norte. O jornalista Carlos Santos (www.blogdocarlossantos.com.br) registra o evento que vai acontecer no Paço Maria Quitéria**. E Gilberto de Souza enviou o link do seu blog com um especial artigo, bem humorado e leve como ele próprio, falando sobre o fundador da Coleção Mossoroense, Vingt-Un Rosado. Leia o artigo completo do jornalista mossoroense no blog Caderno Mil.

**O Blog da Feira e a Fundação Vingt-Un Rosado reiteram o convite a todos os leitores, feirenses, mossoroenses, nordestinos e sulistas a comparecer na Prefeitura Municipal de Feira de Santana, nesta quarta-feira, dia 25, às 17 horas.



ESTADO


Bartolo de Sassoferrato

(...) “com Bartolo de Sassoferrato (1315-1317) nasce a escola que lança as bases da teoria do Estado moderno. É nas obras deste período que se encontra o germe dos actuais direitos constitucionais, administrativo e fiscal” (“Os Grandes Sistemas Jurídicos”; LOSANO, Mário G.; Editorial Presença/Martins Fontes; pág. 54).


(...)


“Na realidade, o Estado nada mais é que o aspecto jurídico da sociedade política. É burguês numa sociedade burguesa. É proletário numa sociedade em que a classe burguesa foi suprimida” (Sociologia do Direito; LÉVY-BRUHL, Henri; Martins Fontes; São Paulo; 1997; p. 19).

A MORTE DE CHICO PEREIRA


Chico Pereira
Especial obséquio de Ivanildo Silveira

ADAUTO GUERRA FILHO, em “O SERIDÓ NA MEMÓRIA DE SEU POVO”; Julho de 2001; Editora: Departamento Estadual de Imprensa; Natal, Rn; P. 107:

“Apesar de ser uma história longa e complexa, não é difícil entender a razão de tanta contradição. Em primeiro lugar, levemos em consideração uma informação do livro ‘Vingança, Não’ de F. Pereira Nóbrega, o qual diz que os dois Presidentes de Província, Dr. Juvenal Lamartine, então Presidente do Rio Grande do Norte, e João Suassuna, Presidente da Paraíba, fizeram um pacto de morte no dia 18.08.1928. Isto assim se explica: O Presidente da Paraíba não queria entrar em choque com o recém-eleito Cel. João Pessoa, que dera a Chico garantia de liberdade. Então idealizou uma forma de condená-lo fora do Estado. Ele bem sabia que cangaceiro no Rio Grande do Norte tinha vida curta e, por isso, oportunamente se aproveitou do assalto à casa do Cel. Quincó para idealizar uma forma de incriminar Chico Pereira . Isto aconteceria ao induzir o bandido principal, Antônio Jerônimo, conhecido por Antônio Chofer, a dizer que Chico estava entre eles. Pessoas maliciosas vão mais além, afirmando que o assalto fora programado, tanto é que, logo após a ida de Chico para a detenção, em Natal, Antônio Chofer caiu no desinteresse da Justiça, inclusive sendo solto e ficando no anonimato.

Outro fato curioso que nos induz a pensar que o assalto foi programado é o excessivo interesse de Antônio Suassuna – o Tonho, sobrinho do Presidente da Paraíba, pela ‘liberdade’ de Chico Pereira. Ele próprio hospedou Chico em sua casa, na Fazenda Cajueiro, no município de Catolé do Rocha. Ali chegando, Chico foi alvo de sua atenção, havendo Tonho servido de mediador entre ele e João Pessoa, ao levá-lo à presença do Presidente eleito. Naquela ocasião, Tonho convenceu Chico de que, após o júri em Princesa, nada mais lhe aconteceria. Este fato, aliás, o demoveu da idéias de se retirara para Goiás.

Em Acari, Chico Pereira, sentindo o acre da traição, escreveu a Tonho, fazendo paralelos entre a cadeira e a Fazenda Cajueiro e, na doce ilusão de que um dia seria solto, dizia ao traidor que após ficar livre, não hesitaria em matá-lo.

Ainda com referência ao fato, o Sr. Abdias Pereira Dantas, numa conversa com o autor em Nazarezinho, no dia 04.01.1985, assim falou:

‘Só me queixo da morte do finado Chico, de João Suassuna. Depois que Chico morreu, ele mandou me chamar para conversar. Respondi que, com um bandido da qualidade dele, não queria conversa. Quem fez o assalto à casa do Cel. Quincó foi o sobrinho dele.’

Ainda par tornar mais clara a contradição da Justiça, o Pe. Francisco Pereira Nóbrega falou ao autor em João Pessoa, em 10.01.1985, que, no momento do assalto, seu pai se encontrava no município de Pombal. Ele é também dos que acreditam na hipótese do assalto ter sido programado naquele lugar.

Pelo menos uma coisa não se põe em dúvida: a morte de Chico estava programada. Isto está confirmado no depoimento de um soldado sobrevivente que reproduziu um diálogo entre Juvenal Lamartine e o Tem. Joaquim de Moura. O Presidente solicitou a presença do Tenente em seu gabinete e a ele assim se dirigiu:

- É verdade que aquele cangaceiro da Paraíba vai voltar para Acari?

- É, sim.

- Olhe! Não quero esse homem vivo.

Essa determinação, a priori, até dispensa pesquisadores de fazer exames mais apurados sobre notas de jornais diversos, tais como:

Correio de Campina – 17.12.1928. ‘Teria sido Chico Pereira vitimado mesmo de um desastre de carro? Pessoas residentes no interior do Estado (Rio Grande do Norte) põem dúvida à afirmação. O Presidente potiguar é acusado de mandar fuzilar sumariamente os sertanejos acusados.’ (Livro Vingança, Não, pág. 254).

Diário da Manhã, de Recife (PE) – 02.11.1928. ‘Chico Pereira, preso há pouco, ao ser transportado para a cidade de Acari, onde devia ser julgado, foi morto de ordem superior pelos policiais que o conduziam. Alegou-se que o carro que o conduzia capotou, verificando-se terrível desastre.’ (Livro ‘Vingança, Não’, pág. 254).”



Pág. 102:

“O Sr. José Pereira da Costa, cidadão de Ouro Branco, tabelião da cidade e curioso das histórias da região, assim detalhou o fato, em 09.07.1984:

‘Chico Pereira chegou preso a Santa Luzia na companhia do Ten. Manoel Arruda e alguns soldados. O Ten. Francisco Honorato, de Serra Negra do Norte, foi indicado para recebê-lo. Chico vinha de paletó e gravata e isso provocou censura da parte do Tenente:

- Como se conduz um bandido de paletó e gravata? Isso é um cachorro de fila.

Em seguida, com arrebates, tirou o paletó e a gravata de Chico e autorizou os soldados a lhe colocarem as algemas. O Ten. Francisco Honorato esperava que o matador de Chico fosse ele. Porém a ordem do governo veio para o Ten. Joaquim de Moura. Ele ficou revoltado.’”

FOTOGRAFIAS DE NATAL, 1957

Gentilmente cedidas por Marília Bulhões


Praia de Areia Preta, Natal, 1957



Aeroporto de Natal, 1957


Avenida Rio Branco, 1957

"INCERTO CAMINHAR"


David Leite e família em Salamanca

O atual Chefe de Gabinete da Universidade Regional do Rio Grande do Norte, advogado e escritor David de Medeiros Leite, recém chegado de um doutorado em Salamanca, terras de Espanha, lança, nos jardins da TV Cabo Mossoró, dia 27 de novembro, às 20:00 hras, em Mossoró, seu livro "Incerto Caminhar", premiado no II Concurso de Poesia em Língua Portuguesa promovido pela USAL - Universidade de Salamanca e Escola Oficial de Idiomas de Salamanca em 2008.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

APENAS ENGROSSAR AS FILEIRAS DA PM MELHORARÁ A SEGURANÇA?

Leio na mídia que o Governo convocará mais 650 suplentes do último concurso para a Polícia Militar.

O objetivo é engrossar as fileiras da "briosa".

Nada contra, muito antes pelo contrário.

Quanto mais PM na rua - e não em desvio de função - melhor.

Ocorre que a história nos ensina que não é volume que ganha guerra. Nesse caso, guerra contra a violência.

Se volume ganhasse guerra, a França não teria saido vergonhosamente da Indochina. Nem os EUA do Vietnã. Nem o Rio estaria perdendo a guerra do tráfico.

De que adianta colocar mais 650 PMs na rua se eles não têm veículos específicos para seu serviço? E quando têm, a gasolina é racionada?

Se suas armas não são apropriadas? 

Se eles não têm uma base, um suporte de Inteligência que lhes coordene a ação? Uma Inteligência com recursos humanos e materiais que norteie as estratégias e táticas no combate ao crime?

Se não há rigor na punição aos excessos de alguns PMs fora-da-lei, o que contamina a ação dos outros?

Se a politicagem impede o desenvolvimento de políticas de segurança que sejam do Estado, ultrapassando os governos e se confundindo com o futuro?

A luta contra o crime, dizem os especialistas, é uma luta de inteligência. O mais é consequência.

E, por fim, que fique claro: se o problema da segurança, assim como o da educação e o da saúde não é somente do Rn, isso apenas significa que em todos os lugares - do Brasil - há um deserto de idéias. E de outra coisas.

TÉCNICA DE ESCREVER


Jorge Luis Borges

"Desvario laborioso e empobrecedor o de compor vastos livros; o de explanar em quinhentas páginas uma idéia cuja exposição oral cabe em poucos minutos. Melhor procedimento é simular que estes livros já existem e apresentar um resumo, um comentário. Assim procedeu Carlyle em 'Sartor Resatus' (...) Mais razoável, inepto, ocioso, preferi a escrita de notas sobre livros imaginários" ("FICÇÕES", Jorge Luis Borges, 5a. edição, Globo, Prólogo).

PERGUNTEI A FRANÇOIS SILVESTRE


François Silvestre

Perguntei a François Silvestre:

"Em quem você NÃO vota para Senador e Governador nas próximas eleições?"

Ele respondeu:

"Para senador eu voto nulo. Nem o senado nem os nossos candidatos merecem o voto. Para governador ainda não fiz a lista negativa. Tô no limbo."

SONETO IMAGINÁRIO PARA NOVEMBRO


Jarbas Martins

Por Jarbas Martins, em "Contracanto" (Prêmio Fundação José Augusto de Poesia - 1978):

"Agora que novembro libertou os
enigmas que habitam o calendário
e - gaivota imatura - fez-se em vôos
ao Atlântico azul e legendário;
agora que novembro - operário
do mar - alicerçou a estação
e levantou os muros de verão
para prender-te o corpo imaginário,
seremos livres pássaros. Então -
além do bem e do mal, nas nossas bocas -
beijos e gritos inverntar-se-ão
e lúcidas canções de frases loucas.

Agora, que é novembro e me descubro,
desfaço-me das vestes de outubro."

domingo, 22 de novembro de 2009

LA BOÉTIE E O FIM DE TUDO


La Boétie

Por Honório de Medeiros

Leiam isso: “Aqueles a quem o povo deu o poder deveriam ser mais suportáveis; e sê-lo-iam, a meu ver, se, desde o momento em se vêem colocados em altos postos e tomando o gosto à chamada grandeza, não decidissem ocupa-lo para todo o sempre. O que geralmente acontece é tudo fazerem para transmitirem aos filhos o poder que o povo lhes concedeu. Ora, tão depressa tomam essa decisão, por estranho que pareçam, ultrapassam em vício e até em crueldade os outros tiranos; para conservarem a nova tirania, não acham melhor meio que aumentar a servidão, afastando tanto dos súditos a idéia de liberdade que estes, tendo embora a memória fresca, começam a esquecer-se dela”.



E isso: “Os teatros, os jogos, as farsas, os espetáculos, (...) as medalhas, os quadros e outras bugigangas eram para os povos antigos engodos da servidão, o preço da liberdade que perdiam, as ferramentas da tirania”.



Parece recente? Não o é. Trata-se, tanto um quanto o outro, de excertos da excepcional obra “Discurso Sobre a Servidão Voluntária”, de La Boétie, escrita entre 1546-1548. Esse francês, nascido em 1º de novembro de 1530, no condado de Périgord, França, e morto em 1563, perto de Bordéus, aos trinta e três anos, foi o maior dos amigos de Montaigne, que lhe era mais novo dois anos. Dessa amizade o próprio Montaigne deixou registro emocionante: “Vindo a durar tão pouco e tendo começado tão tarde, pois éramos ambos homens feitos e ele mais velho do que eu alguns anos, não tínhamos tempo a perder, nem tivemos de nos ater aos modelos de amizade moles e regulares que necessitam de precauções e conversações prévias”.



Quanto à genialidade de La Boétie é bastante o depoimento do seu tradutor, o português Manuel João Gomes na edição Antígona, de Lisboa, Portugal, 1997: “Para La Boétie é ilegítimo o poder que um só homem exerce sobre os outros; (...) O Discurso afirma a liberdade e a igualdade absolutas de todos os homens; Indo mais longe do que Maquiavel (o primeiro que reconheceu o poder efetivo das massas), La Boétie incita os povos a desobedecerem aos príncipes (governantes) e, com uma clareza até então nunca vista, põe em evidência a força da opinião pública”. Tudo isso aos dezoito anos de idade!



Ler La Boétie é, principalmente, perceber quão antiga permanece a luta do homem para não ser completamente subjugado pelo Estado. Ela começou na longínqua Idade Antiga, quando os maravilhosos gregos inventaram a Democracia. Prossegue até hoje, apesar dos percalços. Mas está cada dia mais difícil: no Oriente Médio disputa-se o poder à custa do sangue de inocentes. Israel, secundado pelos Estados Unidos e sua doutrina da “guerra preventiva”, mata, como os nazistas faziam aos serem atacados pela resistência, a dez por um. E assim vamos marchando rumo à barbárie, inexoravelmente, e à tirania, sob o pretexto de combater o terrorismo, como quem está com um encontro marcado com o final de tudo.

O CANGAÇO EM NOVA ONDA



Cangaço

Mestre em filosofia do Direito afirma que a fase da coleta de dados está esgotada e defende a necessidade de estudos multidisciplinares para a correta interpretação do fenômeno.

Professor de Filosofia do Direito, advogado, Honório de Medeiros tem exercido importantes cargos públicos, entre os quais, o de procurador chefe da Procuradoria da Prefeitura de Natal, Secretário de Administração e Finanças do mesmo município e Secretário da Administração do Estado, na primeira gestão da governadora Wilma de Faria. Líder estudantil, ao tempo do seu curso de Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, confessa-se um leitor vocacionado para o ensino universitário, atividade que lhe tem granjeado o respeito e a admiração de centenas de alunos que tiveram o privilégio de desfrutar das suas lições. Escritor e pensador das Ciências Jurídicas, tem livros publicados e se mantém como colaborador regular deste semanário. E, quando não está na sala de aula ou estudando, dedica seus ócios a pesquisa do fenômeno do cangaceirismo, tendo como foco a vida de Massilon Leite, cuja vida em parte transcorreu em terras do Oeste norte-rio-grandense.
 
Por Franklin Jorge
 
A coleta de informações sobre o cangaço está esgotada?

Honório de Medeiros -- No plano das fontes primárias, aparentemente, sim. São poucos os sobreviventes daquela época e, deles, já se extraiu o impossível. Quanto aos documentos, ressalvo a possibilidade de surgimento de alguma documentação desconhecida, como foi o caso recente de papéis relativos a Plácido de Castro, guardados por um lugar tenente seu, encontrados, por acaso, pelo Ministério Público, no interior do Rio Grande do Sul. Saliento que a produção do resultado dessa coleta, embora feita de forma amadorística, é o material que nós temos para trabalhar. É uma produção profusa.
 
Qual seria a seu ver o próximo passo a ser dado pelos estudiosos do cangaço?

- Uma mistura de jornalismo investigativo e processos interpretativos científicos em relação ao que nós possuímos. É o que eu chamo de terceira onda. A primeira foi a produção dos fatos, a segunda sua colheita, e a terceira é a elaboração das conjecturas, teorias. Temos que trabalhar com teorias, investigações, correlação de dados, testes dessas hipóteses e sujeição das conclusões á comunidade cultural. É preciso desfazer o mito de que Lampião era um estrategista militar. Na verdade, o sucesso de sua longa trajetória decorre antes de uma mistura de incompetência e corrupção, por parte dos governos, e instinto de sobrevivência da parte dele, Lampião.
 
Essa segunda onda, no plano dos estudos do cangaço, já é perceptível?

-- Já há alguns poucos trabalhos nesse âmbito. Eu citaria a teoria do escudo ético - o mecanismo justificativo do cangaceiro para as suas ações -, de Frederico Pernambucano de Melo. Há também outras tentativas de explicação do cangaço á luz de um marxismo mecanicista que aponta o fenômeno como conseqüência da divisão desigual da terra e das mazelas que disso decorre. Esse modelo, porém, está ultrapassado. E, na verdade, enquanto não se montar o mosaico completo ou parcialmente completo – que vai ser o resultado do trabalho investigativo -, não será possível construir macroteorias. Vou dar um exemplo do que afirmo. Houve um pacto de governadores – João Suassuna, Juvenal Lamartine, José Augusto Bezerra de Medeiros e o governador de Pernambuco á época – para a supressão do cangaço através da eliminação física dos cangaceiros, cuja conseqüência foi a morte de Jararaca, Bronzeado, Mormaço, Chico Pereira? Outro exemplo. Por que o Poder Judiciário e o Ministério Público silenciaram em Mossoró quanto a morte de Colchete, Jararaca e Bronzeado? Por que o capitão Abdon Nunes, embora tendo chamado para si a responsabilidade por essas mortes, livrando assim José Augusto e Juvenal Lamartine, não foi processado e condenado, assim como o Tenente Laurentino de Morais?
 
Além de Frederico Pernambucano, que outros autores estão enveredando por esse novo caminho?
 
– Na verdade, o trabalho de Frederico é mais de caráter sociológico do que investigativo; embora seja importante, existem furos na história do cangaço que precisam ser fechados, para que nós possamos avançar na proposição de uma teoria geral.
 
Quais são esses furos?
 
– Ora, por que o Rio Grande do Norte, excetuando-se Mossoró, praticamente está distante do fenômeno do cangaço e do coronelismo? Comparemos a história do Rio Grande do Norte, do seu sertão, com a história do sertão do Cariri cearense ou do Pajeú pernambucano. Essas perguntas, inclusive, invalidam a teoria marxista que atribui à divisão da terra a questão do cangaço. Nós somente vamos avançar se relacionarmos esses fenômenos através da linha que os costura, o Poder Político.
 
Qual seria essa macroteoria ou qual o paradigma que explicaria, inclusive, essas discrepâncias?
 
– Eu, particularmente, utilizo como paradigma a contribuição teórica do darwinismo.
 
Como você chegou á aplicação desse paradigma?
 
-- Por exclusão. O paradigma darwiniano é o único que se sustenta, do ponto de vista da crítica, após a virada do século. Mesmo o marxismo pode ser – com toda a sua contribuição – agregado e transcendido por esse novo parâmetro científico voltado para as Ciências Sociais. Aqui, a categoria do poder político é o viés explicativo básico, atento às circunstancias históricas e geográficas peculiares.
 
Queira, por favor, explicar melhor.
 
-- Trata-se de entender esses fenômenos sociais a partir de uma perspectiva de poder dentro do contexto da teoria darwiniana.
 
Por que o Rio Grande do Norte se diferencia dos demais estados nordestinos quanto á eclosão do fenômeno do cangaço?
 
-- Você tocou no xis da questão. Formular essas questões e procurar respondê-las é a segunda onda. Observe que só é possível estudar o cangaço, se for possível estudar o coronelismo e o misticismo. Esse tripé básico constitui a alma sertaneja.
 
E Jesuíno Brilhante não foi um cangaceiro?
 
-- Eu, particularmente, defendo que não. Jesuíno teria sido uma espécie de justiceiro social. Assim como Cassimiro Honório. Observe que Jesuíno teve uma área restrita, não de atuação mas de fuga; não se apossava do patrimônio de ninguém; não matava nem agredia a não ser em legitima defesa ou para fazer respeitar um código de honra ancestral e, excetuando que tinha alguns companheiros, nada o diferencia de Diogo Maia, outro justiceiro social que atuou entre os estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Compare a atuação de Jesuíno com a de Lampião, Sinhô Pereira, Antonio Silvino e Corisco e perceba a diferença. Se definimos alguém como cangaceiro, o que ele é passa a ser parâmetro. Assim, compare Jesuíno com Lampião. O fato de chefiar um bando e ser perseguido não transforma ninguém em cangaceiro.
 
Há, a seu ver, alguma relação entre esses bandoleiros e os bandos que atuam hoje no Alto Oeste?
 
-- Que eu saiba, nós não podemos chamar esses de cangaceiros por conta do limite temporal que enclausura os cangaceiros, propriamente ditos. Ambos os bandos praticam formas de banditismo rural, mas o cangaço está preso ao tempo histórico compreendido entre o final do século dezenove a começos do século vinte. É preciso ter cuidado, portanto, com as definições.
 
Segundo suas concepções o Rio Grande do Norte teve algum cangaceiro?

-- Há suspeita, não comprovada, de que Virginio, cunhado de Lampião, seria de Alexandria. Um Luis Brilhante que andou com Massilon Leite, era, no entanto paraibano. Massilon, embora seus pais tenham vivido no Sítio Cava, em Luis Gomes, não era norte-rio-grandense.
 
Qual, então, o ponto de referencia entre Lampião, o coronel Floro Bartolomeu e Padre Cícero?

-- Essa é uma colocação emblemática. Temos aí, quando os três se encontraram, um momento ímpar da história social do sertão. O cangaceiro-mor, um dos mais poderosos coronéis e a lenda mística que é o Padre Cícero do Juazeiro. Nesse aspecto o caráter simbólico desse momento sem igual até hoje não foi explorado.