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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

"O TEMPO PASSA E EU NÃO VEJO: DURMO NOVO E ACORDO VELHO"



Honório de Medeiros

Seu Antônio de Luzia, oitenta e seis anos, sentado em sua cadeira de balanço, na calçada de sua casa, no Sítio Canto, em Martins, é o próprio símbolo da passagem inalterável das manhãs, tardes, noites, madrugadas, do ritmo lento dos dias que se sucedem bucólicos, tais e quais as contas debulhadas do rosário de Sinhá, oitenta e poucos não admitidos, deslizam por entre seus dedos, à hora do ângelus, enquanto seu pensamento vagueia nos limites de sua circunstância, e nada escapa do seu olhar dardejante e de seus ouvidos “de tuberculoso”, como me confidencia ela.

Pergunto a Seu Antônio acerca das coisas que estão mudando mundo afora, em uma rapidez vertiginosa, impossível de serem acompanhadas. Lembro a ele a chegada do homem na Lua, o computador, o celular...

Ele fica calado um bocado de tempo. Quando penso que esqueceu o assunto, ergue um pouco o braço e aponta com o dedo um passante, quebra o silêncio do final-de-tarde e me diz: “desde que o mundo é mundo, podem as coisas ter mudado, mas o homem, meu filho, é o mesmo de sempre”.

“Quando eu era de menino para rapaz”, continua, “pensava que as pessoas lá fora eram diferentes. Viajei, corri légua, vi e ouvi muitas coisas que eu prefiro esquecer, e voltei. Fico comparando o homem que vive lá fora com o homem que vive aqui, e não vejo diferença. Lá se mata, como aqui; lá se bebe, como aqui; lá se trai, como aqui; lá se rouba, como aqui. Tudo que existe lá fora, maior, existe aqui, menor”.
 
Fez-se silêncio, novamente, durante algum tempo.

“Eu às vezes penso” prosseguiu, “que tanto faz como tanto fez, o homem se engana demais com as coisas, é como a roupa que a mulher veste: pode ser de qualquer tipo, mas ela é sempre a mesma”.

                            E, depois de beber um gole de café, arrematou: “lá fora o tempo passa e eu não vejo: durmo novo e acordo velho; aqui, eu vejo que o tempo não passa: faz uma eternidade que estou vivo!”.


* Imagem do vendavaldasletras.wordpress.com

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

DAMOS NOMES A PROCESSOS, NÃO DAMOS NOMES ÀS COISAS


Ockham
 
 
Honório de Medeiros
 

O nominalismo de Guilherme de Ockham questionou a possibilidade de as coisas (“a Coisa-Em-Si”, “ o Objeto”, “o Ser”, “a Realidade”) dizerem, ao Sujeito Cognoscente, aquilo que elas são (quais são suas essências).

Nós é que, enquanto demiurgos, ordenamos, organizamos, aquilo que nossos sentidos apreendem, de forma caótica, a partir do nosso conhecimento pré-adquirido (Kant, Bachelard, Popper).

Podemos rastrear tal concepção até o relativismo sofista (Protágoras de Abdera, Antístenes versus Platão), mesmo até Parmênides.

O nominalismo também impede a fenomenologia de Bérgson e Husserl e a pretensão de uma ciência cujo objetivo seja “compreender”: não é o termo “salinas” que me diz algo; eu é que digo algo dele, a partir do conhecimento que já possuo. Não há essência a ser apreendida, Platão estava errado, os sofistas estavam certos.

Thomas Nagel (“Visão a Partir de Lugar Nenhum”; Martins Fontes; SP; 2004; 1ª edição; p. 137; nota) observa que “Chomsky e Popper rechaçaram as teorias empiristas do conhecimento”.

Nominamos relações, processos, evanescências; não há coisas a serem nominadas. O Justo não está fora de mim, está em mim...

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

DA ARTE DE CITAR LIVROS IMAGINÁRIOS

Alexandre Dumas pai
 
 
Honório de Medeiros
 
                        Em “Ficções”, Borges pondera:
 
                   “Desvario laborioso e empobrecedor o de compor vastos livros; o de explanar em quinhentas páginas uma idéia cuja exposição oral cabe em poucos minutos. Melhor procedimento é simular que estes livros já existem e apresentar um resumo, um comentário. Assim procedeu Carlyle em "Sartor Resatus" (...) Mais razoável, inepto, ocioso, preferi a escrita de notas sobre livros imaginários".
 
                   Borges cita Carlyle, de quem, possivelmente absorveu a técnica.
 
                   Entretanto Dumas pai, que foi contemporâneo de Carlyle, célebre ensaísta, também a utilizou.
 
Em “Os Quarenta e Cinco”, lá para as tantas, ao relatar uma correspondência enviada por Chicot a Henrique III e comentar a excentricidade do seu estilo, convida: “Quem quiser ter conhecimento dela encontra-la-á nas Memórias de l’Étoile”.
 
                   Ou, de fato, terão existido essas Memórias de l’Étoile e elas ocupam algum escaninho empoeirado do Cemitério dos Livros Esquecidos que Carlos Ruiz Zafón localiza em Barcelona?

domingo, 4 de novembro de 2012

ELOGIO À PREGUIÇA


Juvenal Antunes
 
 
ELOGIO DA PREGUIÇA

Juvenal Antunes

Bendita sejas tu, Preguiça amada,
Que não consentes que eu me ocupe em nada!

Mas queiras tu, Preguiça, ou tu não queiras,
Hei de dizer, em versos, quatro asneiras.

Não permuto por toda a humana ciência
Esta minha honestíssima indolência.

Lá está, na Bíblia, esta doutrina sã:
-Não te importes com o dia de amanhã.

Para mim, já é grande sacrifício
Ter de engolir o bolo alimentício.

Ó sábios, dai à luz um novo invento:
A nutrição ser feita pelo vento!

Todo trabalho humano, em que se encerra?
Em, na paz, preparar a luta, a guerra!

Dos tratados, e leis, e ordenações,
Zomba a jurisprudência dos canhões!

Juristas, que queimais vossas pestanas,
Tudo que legislais dá em pantanas.

Plantas a terra, lavrador? Trabalhas
Para atiçar o fogo das batalhas!

Cresce o teu filho? É belo? É forte? É loiro?
- Mas uma rês votada ao matadouro!

Pois, se assim é, se os homens são chacais,
Se preferem a guerra à doce paz...

Que arda, depressa , a colossal fogueira
E morra assada, a humanidade inteira!

Não seria melhor que toda gente,
Em vez de trabalhar, fosse indolente?

Não seria melhor viver à sorte,
Se o fim de tudo é sempre o nada, a morte?

Queres riquezas, glórias e poder?
Para que, se amanhã tens de morrer?

Qual mais feliz? O mísero sendeiro,
Sob o chicote e as pragas do cocheiro...

Ou seus antepassados que, selvagens,
Viviam, livremente, nas pastagens?

Do Trabalho por serem tão amigas,
Não sei se são felizes as formigas!

Talvez o sejam mais, vivendo em larvas,
As preguiçosas, pálidas cigarras!

Ó Laura, tu te queixas que eu, farcista,
Ontem faltei, à hora da entrevista,

E, que ingrato, volúvel e traidor,
Troquei o teu amor - por outro amor.

Ou que, receando a fúria marital,
Não quis pular o muro do quintal.

Que me não faças mais essa injustiça,
Se ontem não fui te ver, foi por preguiça.

Mas, Juvenal, estás a trabalhar!
Larga a caneta e vai dormir, sonhar.

(Cismas, 1908)
 
* Homenagem singela, minha, a dois homens: Juvenal Antunes, poeta e filósofo, e Pirro de Élida, filósofo. Este nos deu, de presente, uma das mais poderosas armas contra a manipulação e a chatice dos plenos-de-certezas: o ceticismo! Dois personagens também são homenageados: Macunaíma e Oblomov. E viva a arte como instrumento de combate à qualquer tipo de opressão! 

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

"O VÔO DO SOLITÁRIO PARA O INFINITO" (PLOTINO)

Plotino
 
Honório de Medeiros
 
 
“É como se vc, estando dentro de um ambiente fechado, uma clausura, criasse uma saída e a utilizasse. Lá, do outro lado da saída, lhe espera um outro ambiente, também fechado, só que maior. Sua tarefa, assim, é sempre criar outra saída, sair, entrar em outro ambiente ainda maior, criar outra saída, sempre, em uma escala exponencial”, disse-lhe eu.

“Não tem fim?”, me perguntou.

“A morte”, lhe respondi, “que acaba com tudo ou lhe leva a um infinito que está além de todas as coisas, onde não há qualquer tipo de limite ao conhecimento”. “Agora, ao lhe falar, sei o que significa aquela frase de Plotino, o vôo do solitário para o infinito”, continuei. “Nossa busca pelo conhecimento é sempre solitária, a morte nos liberta e nos remete ao infinito”.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O IDEALISMO RADICAL É A LOUCURA DA RAZÃO

ideiasparalelas.blogspot.com
 
O idealismo radical é a loucura da Razão: nele estamos à mercê de uma realidade que somente existe em nossa imaginação enquanto, talvez, o sonho de um semideus demiurgo, e, nele, sonhamos que sonhamos.

 
A realidade imaginária de Matrix, única e exclusiva criação em um sonho conduzido e coletivo, onde sonhamos que estamos vivos, é uma instigante analogia com o idealismo radical.
 
 
 O quê nos conduz à fonte dessa ousadia alegórica, qual seja a realidade imaginária criada por Maya, a deusa hindu, que nos faz crer que estamos vivos e conscientes quando, na realidade, nada mais fazemos que sonhar.
 
 
Estranho paralelo com o mito da caverna, de Platão, no qual aprendemos o quanto estamos distantes do real, imersos na contemplação de nossas próprias sombras.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

EMPIRISMO E NOMINALISMO

Guilherme de Ockham

Honório de Medeiros

O nominalismo de Guilherme de Ockham questionou a possibilidade de as coisas (“coisa-em-si”, “Objeto”) dizerem, ao Sujeito Cognoscente, aquilo que eles são (suas essências). Nós é que, tal qual demiurgos, ordenamos aquilo que nossos sentidos apreendem com nosso conhecimento conjectural (Kant, Bachelard, Poper). Dá para rastrear tal idéia até o relativismo sofista (Protágoras de Abdera, Antístenes versus Platão)? O nominalismo também impede a fenomenologia de Bérgson e Husserl e a pretensão de uma ciência cujo objetivo seja “compreender”: na poesia não é o termo “salinas” que me diz algo; eu é que digo algo dele. Thomas Nagel (“Visão a Partir de Lugar Nenhum”; Martins Fontes; SP; 2004; 1ª edição; p. 137; nota) observa que “Chomsky e Popper rechaçaram as teorias empiristas do conhecimento”.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

O IDEALISMO RADICAL É A LOUCURA DA RAZÃO

fama.zupi.com.br


Honório de Medeiros

O idealismo radical é a loucura da Razão: nele estamos à mercê de uma realidade que somente existe em nossa imaginação - o sonho de um semideus demiurgo-, e, nele, sonhamos que sonhamos.

A instigante realidade imaginária de Matrix, única e exclusivamente criação em nosso sonho conduzido e coletivo, onde sonhamos que estamos vivos, é uma instigante analogia. Há, também, a semelhança com a realidade imaginária criada por Maya, a deusa hindu, que nos faz acreditar que estamos vivos e conscientes quando, na realidade, nada mais fazemos que sonhar.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

OUTROS FRAGMENTOS

Poesia
muraldosescritores.ning.com

Honório de Medeiros

“Iluminar a realidade”, disse-me o Prof. Gilson Ricardo de Medeiros Pereira, apontando o horizonte, quando lhe pedi ajuda. Ah, a poesia – como ela transfigura e sintetiza o comum, o banal, apesar de até mesmo no comum e banal, dependendo do contexto, haver beleza. Muitas palavras lavradas em tecniquês diriam o mesmo, até de forma mais precisa, reconheçamos. Entretanto essa frase descerrou véus e eu pude enxergar claramente, pois há sempre uma nesga, um fragmento de realidade a ser iluminada, revelada, exposta.

O – X – O

É em decorrência de nossa ambigüidade que florescem os nossos adversários. Quais adversários? Quaisquer. Basta que sintam, nos interstícios do que dizemos, ou fazemos, ou pensamos e expomos, a fragilidade de nossas posições ambíguas. Ambíguas por que não são claras, não estão concretamente dimensionadas, suscitam muitas e várias interpretações. Essa ambigüidade é uma das armas da elite política.

O – X – O

Teria existido alguma sociedade humana sem qualquer tipo de regulamentação? Não. Essa é uma constatação de fato. Algumas experiências anarquistas – notáveis em si mesmas – fracassaram. Assim sendo, seria a hierarquia algo inerente ao humano?

O – X – O

Nada tão contrário quanto Erhlich a Kelsen, Kelsen a Erhlich. Um alemão, outro tcheco naturalizado austríaco. Aquele a advogar que o Direito emana diretamente da Sociedade; este do Estado. Óbvio que o Estado está para a Sociedade como a espuma para o mar. Entretanto observemos: emana DIRETAMENTE da Sociedade e do Estado.

O – X – O

Se quiséssemos escrever uma história da literatura norteriograndense, ou outra, acerca do Poder no Rio Grande do Norte ao longo deste século, qual seria o eixo, ou melhor, a força motriz que estaria por trás dos fatos? Algo como a luta de classes, de Marx, ou a seleção natural, de Darwin, ou mesmo a psicanálise de Freud, talvez mesmo o instinto de morte de Ernst Becker? Constatação: somos devedores integrais dos gigantes do século XIX e XX, caso contrário, somos meros contadores de histórias.

O – X – O

O idealismo radical é a loucura da Razão: aqui estamos a mercê de uma realidade que somente existe em nossa imaginação, somos o sonho de um Deus, e nele, sonhamos que sonhamos. Há a relação necessária com o instigante universo imaginário criado em Matrix, única e exclusivamente em nosso sonho conduzido e coletivo, onde sonhamos que estamos vivos. Há a semelhança com Maya, a deusa hindu, aquela que nos faz acreditar que estamos vivos e conscientes quando, na realidade, nada mais fazemos que sonhar.

O – X – O

Nada tão instigante quanto pegar um fato qualquer, que tenha repercussão, e observar como cada veículo de comunicação o trata de forma diferente. As diferenças são de estilo e conteúdo, e deixam entrever as raízes ocultas das diferentes motivações existentes no seu interior. Um mesmo fato, várias interpretações: as ingênuas, as manipuladas, as tecnicamente absurdas, as cansadas, as óbvias, cada uma delas um indicativo acerca de quem a fez, uma assinatura, um estilo, uma personalização de quem por ela é responsável.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

COMO IDENTIFICAR O TEXTO QUE VISA MANIPULAR

todahelohim.blogspot.com

“Primeiro critério formal: defasagem entre a intenção declarada e o que diz o texto. Segundo critério formal: defasagem entre a tese e sua demonstração proposta. Com frequência, o texto manipulador caricatura. O texto manipulador utiliza o raciocíno por acidente. O texto manipulador pode utilizar a desinformação sistemática” ("A Arte de Pensar"; Pascal Ide; Martins Fontes; 1995; págs. 36, 42, 43, 44).

domingo, 5 de dezembro de 2010

PLOTINO


Plotino

Honório de Medeiros

“É como se vc, estando dentro de um ambiente fechado, uma clausura, criasse uma saída e a utilizasse. Lá, do outro lado da saída, lhe espera um outro ambiente, também fechado, só que maior. Sua tarefa, agora, é criar outra saída, sair, entrar em outro ambiente ainda maior, criar outra saída, sempre, em uma escala exponencial, etc., etc.” disse-lhe eu.

“Não tem fim?”, me perguntou.

“A morte”, respondi-lhe, “que acaba com tudo ou lhe leva a um infinito que está além de todas as coisas, onde não há qualquer tipo de limite ao conhecimento”. “Agora sei o que significa aquela frase de Plotino, o vôo do solitário para o infinito”, continuei. “Nossa busca pelo conhecimento é sempre solitária, a morte nos liberta e nos remete ao infinito”.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

FRAGMENTO

thinkingasaprofession.blogspot.com

Richard Dawkins

O que há em comum entre:

a) o lucro do Bradesco em 2009 – o lucro de R$ 8,012 bilhões informado pelo Bradesco nesta quinta-feira é o terceiro maior resultado anual entre os apresentados pelos bancos brasileiros na última década (sem ajuste pela inflação);

b) o discurso inflamado de Sarkozy em Davos contra a oposição dos “tubarões” financeiros, seus lucros “indecentes” e “excessivos”, à regulamentação do mercado, esta uma exigência que se impõe em decorrência da maior crise financeira desde 1929, afirmando que “só vamos salvar o capitalismo se o refundarmos, tornando-o mais moral”;

c) a percepção da realidade social de Talcott Parsons: no funcionalismo o Estado é percebido como um corpo humano no qual cada órgão desempenha uma função cujo objetivo é a saúde social; se um órgão não funciona bem, ele precisa ser ajustado, para que não se comprometa a finalidade do corpo (social), então a questão do ajuste é ontologicamente sempre algo interno, algo do próprio Estado. Essa perspectiva não permite perceber que a possibilidade de algum órgão ou o todo não funcionar bem se deve a fatores externos – A SOCIEDADE – que está engendrando este tipo de PATOLOGIA SOCIAL. O problema não é de função, aqui, mas, sim, do ambiente que engendra o corpo social. É na SOCIEDADE, sem a qual não há ESTADO. É como consertar um carro para colocá-lo, de novo, em estradas ruins. É preciso mudar a SOCIEDADE, as suas relações de domínio;

d) um “dito” que minha mãe repetia sempre, quando a circunstância surgia: “vão-se os anéis, permanecem os dedos”;

e) a célebre frase do Príncipe de Falconeri ao seu tio Don Fabrizio, no romance de Lampedusa, qual seja: “para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude”;

f) e a teoria dos “memes”, de Richard Dawkins, ou seja, o meme é considerado uma unidade de evolução cultural que pode de alguma forma autopropagar-se. Os memes podem ser idéias ou partes de idéias, línguas, sons, desenhos, capacidades, valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida enquanto unidade autónoma?

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

FRAGMENTOS



O olhar do filósofo é um olhar desvendador. Busca desvendar aquilo que está oculto pelo véu da aparência. Busca a verdade, a essência de algo. É, portanto, um olhar investigador, um olhar que pergunta, compara, diferencia, sopesa, para, no final, meticulosamente, apresentar um resultado que pode não satisfazer por que sempre apenas aproximativo.


X


A Sociedade se mantém coesa, relativamente organizada, em conseqüência de relações de domínio. A norma jurídica, que externa essas relações, cumpre o papel de impor o que se deve fazer e estabelecer a sanção pelo seu descumprimento. O próprio Poder, entretanto, tem suas astúcias quando é combatido pela norma jurídica: estas quedam inertes se os juízes sentam em cima dos processos ou os engavetam e cumprem o seu papel, enquanto classe, de defender seus interesses.


X


Alguém alienado: ausente de si.


X


As aulas estão por vir e a dúvida ressurge: como fazer os alunos transformarem os livros em seus companheiros? A cada semestre a mesma pergunta se repete e a mesma resposta também: “Leram algo durante as férias?” “Algum livro?” “Qual?” E se estabelece o silêncio quase nunca rompido. Devo forçá-los? Cobrar, exigir, impor a leitura de alguma das obras fundamentais da filosofia do Direito? Talvez não, é impossível recordar de alguém que tenha chegado a amar os livros dessa forma. No final das contas, não somos nós que escolhemos os livros, este é que nos escolhem.

X


O PT não conseguiu instrumentalizar a corrupção em favor do seu projeto de Poder por que a corrupção o instrumentalizou antes, muito antes. Ele não sabe, mas as idéias têm vida e nos homens, nos quais habitam, desenvolvem estratégias de sobrevivência que implica em crescer e se reproduzir para não morrer. Não é assim que os vírus sobrevivem? Não é assim que funciona a evolução, que deve ser vista sem qualquer perspectiva valorativa? Esqueçamos Teilhard de Chardin e sua teoria de que o homem marcha, evoluindo, para um “Ômega” que seria sua plenitude com Deus. Como nos mostra a “seleção do mais apto”, não há um valor a ser alcançado, exceto sobreviver...

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

AS MULHERES SERRANAS


As serras

Ah, as mulheres da Serra, frescas, em flor, sem nada que as enfeite exceto a simplicidade. Elas vestidas de simplicidade. “Uma carne sadia, abundante e rosada”, como descreve Proust, em “No Caminho de Swann”. Nada artificial, nelas. Não há um jogo sequer nas suas atitudes para com os homens. Beber, comer, amar, é tudo tão natural! Swann “prefiria infinitamente à beleza de Odette a de uma pequena operária fresca e rechonchuda como uma rosa, de quem se enamorara...” Em contraposição o universo urbano recheado de mulheres excessivamente enfeitadas, com a mente tomada por negaceios e articulações, no afã infindável de seduzir: o óculos de sol, a roupa de grife, o olhar tecnicamente distante, o celular através do qual são armadas os lances do jogo. Por quem, no final, Vaumont se apaixona em “As Relações Perigosas”, de Chorderlos de Laclos, senão pela inteireza de sentimentos e ações, distante de qualquer dissimulação, da mulher que julgara tão fácil seduzir e descartar?




quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A DEMOCRACIA É UMA FICÇÃO ESTATÍSTICA?


(anycase.wordpress.com)
Goedel e Einstein

GOËDEL demonstrou que um axioma não pode ser considerado como verdadeiro a partir do sistema que o engendra. Provou que apelos à intuição não podem ser eliminados; solapou o programa de imunização do formalismo, tão caro ao positivismo lógico. Não há, pois, possibilidade de sistematizar por inteiro o raciocínio matemático. Ou seja: certas afirmações da matemática, por exemplo, nunca poderão ser demonstradas verdadeiras ou falsas em si mesmas. É o famoso Princípio da Incompletude. O corolário é que a lógica, tal qual a simbólica, por intermédio da qual se investiga a verdade de uma teoria NÃO empírica é sempre uma aventura intelectual. Saberia disso BORGES quando afirmou ser a democracia uma ficção estatística?

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

OS OUTSIDERS



Outsider

Por Honório de Medeiros

Poderíamos denominá-los outsiders lembrando-nos da tipologia criada por Norbert Elias. Talvez o conceito do sociólogo judeu-alemão não abarque os que irei estudar, mesmo tangencialmente. Não importa. Vou me apropriar do nome e utilizá-lo para o fim visado. Lógico que poderíamos denominá-los gauches, lembrando-nos de Carlos Drummond de Andrade. Aplica-se, aqui, o mesmo raciocínio anterior. Prefiro outsiders pelo significado etimológico que o Dicionário estudantil, o Michaelis, mostra: s. estranho, intruso.

Estranhos a quê? À privacidade do detentor do Poder – e de sua entourage - para quem, eventualmente trabalhe, por não confundir relação de trabalho com relação pessoal; à idéia de franquear sua intimidade ao detentor do Poder – e à sua entourage; à bajulação; à omissão no que diz respeito à discordância, se preciso for, no que diz respeito às idéias e/ou ações do detentor do Poder; à conformação própria de uma oposição branda para demarcar posições; ao jogo do Poder e ao Poder do jogo do Poder; à atitude de marcar presença física para ser visto e lembrado como alguém da corte; à subserviência; à aniquilação do respeito por si mesmo, na medida em que corpo e mente passa a ser instrumentos daqueles que os mantém.

Intrusos para o círculo íntimo do Poder embora perifericamente dele fazendo parte, momentaneamente, em virtude de sua competência técnica. Quem é intruso não tem acesso às idéias que realmente estão impulsionando o Poder. Não compreende as ações que delas decorrem, por mais inteligente que seja. Não consegue entender – às vezes até mesmo perceber – a linguagem cifrada através da qual os integrantes do círculo íntimo se manifestam. Com sua chegada se estabelece o silêncio ou o barulho dirigido. O intruso incomoda, é um obstáculo tanto mais difícil por que ele faz parte da engrenagem embora atrapalhe na medida em que não possa ser envolvido – usado - sem que perceba aquilo que realmente está por trás do processo no qual está mergulhado.

Os outsiders – todos eles – em algum momento de sua vida foram moídos por aqueles no meio dos quais conviviam. Foram mastigados, deglutidos e vomitados. Suas essências não podiam ser assimiladas pelo sistema. Não se tratou de oposição externa ao Poder. Não é irridência, sublevação, contestação explícita, revolução. Não. É incompatibilidade com o estamento ao qual até então o outsider pertencia apesar de ser outsider. Ser outsider foi sua glória e sua tragédia. Fez com que fosse trazido e depois expelido. Trazido graças a seu talento, sua competência individual – nada que se assemelhe à conseqüência de um compadrio, de um afilhadismo, de um parentesco qualquer. E expelido por que impossibilitado, graças a sua excentricidade moral, ou psicológica, ou filosófica, ou todas juntas, de acompanhar-se da carneirada e sua vocação para serem usadas pelos lobos ao custo de balangandãs, bijuterias, penduricalhos materiais ou emocionais.




quinta-feira, 26 de novembro de 2009

O PODER


O poder

O Poder é o parâmetro fundamental para o estudo da tragicomédia sócio-humana. Ele está por trás de tudo: engendra as soluções para transpor os obstáculos que possam surgir. Constrói estratégias adaptativas. Não há vazio no espaço social, por que o Poder está sempre presente. Mudam seus titulares por que o Poder muda de dono de acordo com fatores tais como competência, circunstância... Tudo é prolongamento ou instrumento do Poder. O que há para além dele? Ernst Becker diria: o medo da morte. Darwin diria: a necessidade de sobreviver. Isto é, queremos o Poder por que queremos deixar nossa marca na história. Ou queremos o Poder por que somente assim asseguramos a sobrevivência dos nossos gens através dos descendentes (Honório de Medeiros).

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O TEMPO E OS FATOS CORROEM QUALQUER ESPERANÇA



A passagem do tempo

O tempo e os fatos corroem as esperanças até mesmo dos mais empedernidos: um amigo me para em algum canto daquele imenso espaço de consumo que é um shopping e observa: quando da invasão de Mossoró por Lampião, em 1927, o Banco do Brasil, através de seu gerente Jaime Guedes, participou ativamente, sob a liderança de Rodolfo Fernandes, inclusive com dinheiro, para a organização da defesa de Mossoró. Oitenta anos depois, o Banco do Brasil continua dando dinheiro para organizar a defesa de cidades: que o digam aquelas pequenas, abandonadas pelo Poder Público, cujos automóveis da Polícia e/ou sua gasolina foram por ele doadas.