sábado, 23 de março de 2019

DE UMA LONGA E ÁSPERA CAMINHADA

* Honório de Medeiros



Nos anos 90 dediquei-me a estudar Hegel.

Peguei meu exemplar do Princípios da Filosofia do Direito, cuja primeira edição é de 1918, e me lancei na empreitada, mesmo a contragosto, ante a dificuldade de compreender o pensamento do autor, que se expressava em uma linguagem abstrusa, própria de sua época.

Fichte, a quem se atribui ter sido a ponte entre Kant e Hegel, era ainda pior, mas eu acreditava que era uma espécie de dever moral um estudante de Direito e do marxismo conhecer sua obra.

A duros custos cheguei lá. Não pelas dificuldades que o texto, em si, e que são grandes, propunham, e do qual o parágrafo abaixo é um bom exemplo:

"O domínio do direito é o espírito em geral; aí, a sua base própria, o seu ponto de partida está na vontade livre, de tal modo que a liberdade constitui a sua substância e o seu destino e que o sistema do direito é o império da liberdade realizada, o mundo do espírito produzido como uma segunda natureza a partir de si mesmo".

É que eu não conseguia esquecer, em cada momento da leitura, a opinião que de Hegel tinha Schopenhauer, por quem nutro grande admiração.

Para se ter uma ideia Schopenhauer disse, citando Shakespeare (Cimbelina, ato V, cena 4), em sua Vontade da Natureza, que a filosofia de Hegel era "uma conversa de loucos, vinda da língua e não do cérebro". E em O Mundo Como Vontade e Representação, não deixou por menos:

"Hegel, imposto de cima pelos poderes vigentes, como o Grande Filósofo oficializado, era um charlatão de cérebro estreito, insípido, nauseante, ignorante, que alcançou o pináculo da audácia por garatujar e fornicar as mais malucas e mistificantes tolices. Essas tolices foram barulhentamente proclamadas como uma sabedoria imortal, por seguidores mercenários, e prontamente aceitas como tal por todos os tolos, que assim se juntaram num coro perfeito de admiração, como nunca antes se ouvira."

Tem muito mais de Schopenhauer em relação a Hegel, mas é o suficiente. Além dele, na mesma época há, por exemplo, Kiekergaard, autor de O livro do Juiz e crítico severo de seu historicismo, e citado por Sir Karl Raymund Popper em A Sociedade Aberta e Seus Inimigos:

"Houve - escreve Kierkegaard - filósofos que tentaram, antes de Hegel ... explicar a história. E a Providência só podia sorrir ao ver tais tentativas. Mas a Providência não se ria às escâncaras, pois havia neles sinceridade e honestidade humanas. Mas Hegel!... Aqui preciso da linguagem de Homero. Como os deuses gargalharam trovejantemente! Esse pequenino e horrendo professor compreendeu simplesmente a necessidade de cada uma e de todas as coisas que existem, e agora executa em seu harmoniozinho toda a peça: 'Escutai, deuses do Olimpo!'"

Karl Popper comenta a citação dizendo que as expressões de Kierkegaard são quase tão fortes quanto as de Schopenhauer, quando afirma, um pouco depois, que o hegelianismo, "esse brilhante espírito de podridão, é a mais repugnante das formas de licenciosidade", "mofo de pompa", e possui um "infame esplendor de corrupção".

Em A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, Popper, lá para as tantas, se pergunta a razão pela qual ainda precisamos nos incomodar com Hegel:

"A resposta é que a influência de Hegel permaneceu como força poderosíssima, apesar do fato de que os cientistas nunca o levaram a sério (...) A influência de Hegel e especialmente a do seu jargão, é ainda muito forte em sua filosofia moral, e social, como nas ciências sociais e políticas (com a única exceção da economia). Especialmente os filósofos da história, da política e da educação, ainda estão sob seu império, em ampla extensão. Em política isso é mais amplamente mostrado de que tanto a ala extrema marxista, assim como o centro conservador e a extrema direita fascista baseiam suas filosofias políticas em Hegel; a ala esquerda substitui a guerra de nações que aparece no esquema historicista de Hegel pela guerra de classes; a extrema direita substitui-a pela guerra de raças; mas ambos o seguem mais ou menos conscientemente (o centro conservador é, em regra, menos consciente do que deve a Hegel)".

Mesmo assim li Hegel. Conclui minha tarefa auto-imposta. Ter continuado a estuda-lo me permitiu, algum tempo depois, procurar entender a ligação entre a dialética de Heráclito de Éfeso, a de Hegel e sua Filosofia da Identidade, e a de Marx.

Fez-me capaz de, certo ou errado, conectar esse entendimento com a Teoria da Evolução, por intermédio da Teoria do Meme, exposta por Sir Richard Dawkins em O Gene Egoísta.

Permitiu-me, por fim, compreender que sem a ciência qualquer teoria acerca de fatos históricos é mera especulação.

Quanto à Filosofia, pura metafísica, delírio da Razão.

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